Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Daniel Castro

‘Morreu ontem no Rio de Janeiro, aos 79 anos, o cartunista Mauro Borja Lopes, o Borjalo, de falência múltipla dos órgãos em decorrência de câncer.

Borjalo é considerado um dos mais importantes criativos da história da Globo, emissora na qual ingressou em 1966. ‘Ao lado de Daniel Filho e Renato Pacote, Borjalo formava o meu tripé de criação’, disse à Folha José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, que, junto com Walter Clark, liderou o time que transformou a então insignificante Globo na maior rede de televisão do país.

Borjalo entrou na Globo um ano antes de Boni, a convite de Walter Clark. Ocupou o cargo de diretor de produção e programação até a chegada de Boni, em 1967. Depois, passou a a ser assistente do próprio Boni.

O cartunista, nascido em Minas Gerais em 15 de novembro de 1925, criou a vinheta que deu origem ao ‘plim-plim’ de hoje, que intercala a exibição de filmes com comerciais. A vinheta, segundo Boni, representava o diafragma de uma máquina fotográfica que se abria e fechava.

É obra de Borjalo também o boneco da zebrinha que anunciava os resultados da Loteria Esportiva no ‘Fantástico’.

Até ontem, Borjalo continuava funcionário da Globo, como assessor da central de criação. Também desenhava ilustrações de vinhetas de animação do ‘plim-plim’. ‘Não tem uma novela da Globo produzida até o ano passado que Borjalo não tenha tido participação’, afirma Boni.

Borjalo conheceu a televisão por intermédio do jornalista Fernando Barbosa Lima. Nos anos 60, trabalhou na agência de publicidade Esquire, de Barbosa Lima. Antes da Globo, produziu para a TV Rio, Excelsior e TV Itacolomi (Belo Horizonte).

Com Barbosa Lima, Borjalo participou da criação do ‘Jornal de Vanguarda’ (exibido pela Excelsior, Tupi e TV Rio), fazendo bonecos para o famoso telejornal.

‘O Borjalo tinha um traço genial. Ele começou a aprender televisão comigo’, diz Barbosa Lima, para quem o cartunista ‘vendeu a alma ao diabo’ ao trocar o cartum por um cargo de executivo na Globo. ‘Era essencialmente mineiro, um grande contador de histórias.’

Para Álvaro de Moya, especialista em quadrinhos e também ex-executivo de TV, ‘Borjalo, entre os cartunistas brasileiros de sua geração, foi um dos mais criativos’.’



O Globo

‘Borjalo, o cartunista do `plim-plim´’, copyright O Globo, 19/11/04

‘Há 23 anos, os telespectadores são avisados do início e fim dos intervalos comerciais da Rede Globo através do famoso ‘plim-plim’, vinheta criada por Mauro Borja Lopes, em parceria com José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni. Vinheta que ficou tão marcante quanto a Zebrinha, que durante anos anunciou os resultados da Loteria Esportiva no ‘Fantástico’, também criação de Mauro Borja Lopes, ou apenas Borjalo, como ele próprio resolveu se chamar. Nascido em 15 de novembro de 1925, na cidade de Velho da Taipa, que na época se chamava Martinho Campos, ele desde cedo revelou sua criatividade.

Em depoimento dado ao Museu da Televisão Brasileira, em 1998, ele contou sua história. Quando tinha dois anos, com um pedaço de carvão, rabiscou todas as paredes brancas de sua casa. Levou uma surra da mãe por isso. E do pai, ganhou um caderno e um lápis. Assim, Borjalo começou a desenhar. Quando jovem, foi trabalhar na Secretaria de Agricultura de Minas Gerais, fazendo desenhos de mapas para o governo. Torcedor do clube Vila Nova, um dia, para brincar com um colega que torcia pelo Atlético, fez uma charge brincando com os adversários. O desenho acabou parando na redação da ‘Folha de Minas’ e foi publicado. Imediatamente foi contratado.

Aos 24 anos, trocou as charges esportivas na ‘Folha’ pelas políticas no ‘Diário de Minas’. Logo começou a se interessar também pelo cartum, outro tipo de humor no papel. Com o pseudônimo Barroca Filho, vendia seus cartuns para a ‘Folha de Minas’. Aos 35 anos, veio para o Rio trabalhar na revista ‘Manchete’. Também passou pelas revistas ‘O Cruzeiro’ e ‘A Cigarra’.

A graça, leveza e cinismo de seus traços provocaram algumas polêmicas.

– No auge da campanha O petróleo é nosso, quase levei a revista (‘Manchete’) à falência, com um desenho que retratava um enorme caminhão-tanque da Petrobras se abastecendo num posto Shell. Foi um escândalo. O Banco do Brasil cortou as contas com a revista, executou títulos. Na época, o Adolpho Bloch (dono da ‘Manchete’) disse: `Você me deixou no preto, estou devendo a todo mundo, mas que a charge era engraçada, era’ – contou Borjalo em uma entrevista.

Seus desenhos foram para o exterior e ganharam as páginas do ‘Picture Post’ de Londres, do ‘Paris Match’ da França, de ‘Epoca’ de Milão. Mas, no fim de década de 50, trocou jornais e revistas pela televisão. Logo começou a dirigir programas e coordenar equipes de arte. Passou pela TV Excelsior, TV Itacolomy e TV Rio, até chegar à TV Globo. Na Itacolomy fez um programa que foi praticamente a base para o ‘Fantástico’, que seria lançado anos mais tarde pela TV Globo. Ña Globo, foi o braço-direito de Boni e, como diretor-geral de Programação, esteve sempre envolvido na evolução da emissora. Ficou na Globo por vinte anos. Seu último cargo foi de assessor na Central Globo de Criação.

– Ele foi o mais poético desenhista, que resolveu trocar o desenho pela televisão. E a TV tem essa força hoje por ele ter sido um dos pioneiros – diz Chico Caruso.

Seus desenhos, que mais tarde ganharam movimento graças à computação gráfica, animavam o divertido ‘Jornal da verdade’, nos primeiros tempos da Globo.

‘Foram de Borjalo os primeiros bonecos que apareceram no vídeo ainda em preto-e-branco’, lembrou Otto Lara Resende no prefácio do último livro de Borjalo, ‘O caçador de borboletas’.

Num momento de crise, Borjalo começou a beber. Foi um período difícil e ele se internou. Recuperou-se, procurou a si mesmo e reencontrou. Com isso reecontrou também o desenho. Foi quando fez o ‘Reencontro’, desenho que é um verdadeiro edifício, com mais de mil personagens e que lhe devolveu o prazer de desenhar.

Quando perguntado sobre o que era, Borjalo respondia: ‘Sou um galho de árvore. Tenho até medo de acordar com meu dedo brotando. Em Teresópolis, onde moro, já plantei 186 árvores. É junto à natureza, que sou inteiramente feliz’.

Borjalo morreu ontem, de câncer e será cremado. De seu primeiro casamento teve dois filhos. Atualmente estava casado com Cristina. Hoje, ao meio-dia, será realizada uma cerimônia restrita à família e aos amigos no Crematório do Caju.’