‘Se você perguntar a uma criança ou adolescente o que quer ser no futuro, é grande a chance de que responda com um adjetivo em vez de um substantivo: ‘famoso’. Ele não quer ser – para ficar nas profissões que mais atraem fama – cantor, ator, esportista, político; quer ser famoso. O efeito tomou o lugar da causa, a conseqüência o da consistência. Essa busca patológica da fama, literalmente a qualquer preço, é a marca mais lamentável da cultura atual, capaz de enredar vários outros aspectos da existência em sua trama de valores e símbolos; e não tem sido bem lida.
Outro dia eu estava assistindo a um programa de TV sobre Eminem, o rapper, comparado a Elvis Presley pelos ‘críticos’ – os bajuladores de plantão que escrevem resenhas em jornais e revistas – porque teria levado o gênero dos bairros negros à classe média branca. Uma multidão de fãs, na maioria mulheres, o aguardava no lado de fora da sede da gravadora; dela, uma parte tinha sido escolhida para chegar perto dele, numa sala. A câmera mostrou as meninas hipertensas, ansiosas ao extremo, como se o messias fosse chegar a qualquer instante. Quando Eminem chegou, houve uma explosão de gritos, choros e desmaios – um surto de histeria grupal, tão inacreditável quanto previsível.
Há algo de podre nesse reino da idolatria. Essas meninas não gostam só da música de Eminem, dono de alguns bons hits que unem letra forte, ritmo cardíaco e senso melódico; elas adoram é adorá-lo. Imitam seus modos, roupas, opiniões. E há casos piores, cada vez mais numerosos, que são as celebridades que nada criam, como Paris Hilton, a milionária famosa por vídeos pornôs que recentemente passou pelo Brasil para lançar sua grife de perfume; a qualidade, no caso, é o último item a motivar as compras. Não por acaso a TV tem cada vez mais programas sobre famosos e programas que tentam fabricar famosos, como os ‘reality shows’ e o próprio Fama, que, ao contrário do filme homônimo, exalta o estrelato como resultado de uma série de fórmulas prontas – da posição das pernas no palco (abertas e dobradas, sabe-se lá por quê) à técnica vocal – que basta decorar para obter.
Perdem-se muitas oportunidades para revelar esses mecanismos. Pelo que os ‘críticos’ tinham dito, 2 Filhos de Francisco, de Breno Silveira, seria um filme honesto e emocionante porque carregado da lição da perseverança, do trabalho em favor do talento. Achei interessante a primeira parte do filme, com as boas atuações, principalmente de José Dumont, e a boa história, dotada de todos os ingredientes, inclusive o trágico. Tenho respeito por pessoas como Zezé di Camargo, que, como outros de sua geração (Chitãozinho, Leonardo), sabe cantar e, como sugere o filme, tentou unir o sertanejo ao romântico, Ary Barroso e Gonzagão a Roberto Carlos. Mas o filme, de produção bem-feita – se bem que a fotografia exagera nos filtros e contraluz –, não é isso que estão dizendo que é.
No clímax da história, não é a obsessão do pai da dupla que a leva ao sucesso, mas a malandragem. Não à toa o filme pouco mostra os filhos estudando depois da infância, e quando Zezé vem a São Paulo o ritmo toma ares de novela. Tudo converge para o momento em que Francisco, abandonando a retórica do esforço, atinge a sagração do jeitinho: enganando a rádio e a gravadora, faz É o Amor decolar para a condição de grude nacional. No entanto, não li essa objeção em nenhuma resenha – talvez porque o momento político esteja pedindo por consolos dessa natureza.
O filme pouco mostra desse mundo estranho que é o show biz. Artistas realmente talentosos podem pagar preços altíssimos que o público, em seu fanatismo, nem imagina. Alguns fazem o que podem para não cantar seu maior e pueril sucesso, como Los Hermanos, que se recusam a cantar Anna Júlia (que, por sinal, começa bem, mas depois se entrega à pasteurização pop), ou Led Zeppelin, o grupo de rock perseguido pela necessidade de tocar Stairway to Heaven. Há atores que conseguem até brincar com isso, sendo canastrões em filmes que sabem que não passam de entretenimento de verão – desde que, claro, de vez em quando possam estar num projeto sério, com algum cineasta de verdade.
A maioria, porém, sofre uma estranha mutação ao longo da carreira. Já reparou nos astros veteranos da TV Globo? Eles vão ganhando os tiques e trejeitos dos personagens por que passaram, como uma maquiagem frankenstein, feita de várias camadas desconexas, e acabam presos por eles; são genéricos de si mesmos. Olhe o rosto de Francisco Cuoco. Ou então acompanhe uma seqüência de imagens de Michael Jackson desde criança até hoje, quando mais parece personagem de HQ decadente.
A fama não é uma invenção de hoje, da Era da Mídia. É como o tal Estado-espetáculo: existe desde os césares. As divas de ópera no século 19 eram tão endeusadas que jovens poetas românticos as carregavam nos ombros pelas ruas da cidade, em triunfo. Mas a comunicação de massa deu outra dimensão e desenho a essa idolatria. Se alguém aparece cinco minutos na TV dizendo alguma obviedade, os estranhos se aproximam na rua e o bajulam sem dó, com aquele brilho nos olhos de quem vê alguém ‘especial’. Como a TV, que converte uma pessoa bonitinha em linda do dia para a noite, é especialmente governada pela redundância, a repetição de uma voz e fisionomia por anos seguidos cria também uma sensação poderosa de intimidade com o ídolo. Gradualmente o subproduto se impõe ao produto. É o tal carisma, a tal aura irracional que se atribui aos ‘eleitos’, de Lula-lá a Cléo Pires.
Pior: essa mesma sensação, que pode se extravasar em ataque histérico, pode se voltar contra seu objeto de devoção a qualquer momento – como sabem os atletas, feito Guga e Zico, acostumados a ser salvadores da pátria numa semana e bodes expiatórios na seguinte. Ela tem, portanto, impulsos semelhantes aos religiosos. Mas não acho que só isso a explique, ou que abordagens como a do filme O Show de Truman captem sua complexidade.
Talentos tendem a se impor e, especialmente para jovens, podem ser inspiradores. Beleza e charme são coisas que fascinam, tanto que o primeiro interesse de um bebê é pela expressão humana. Modas são modas; na maioria, não duram mais que um semestre. E é justamente por isso que se deve acentuar a consciência de que o senso crítico deve estar sempre ativado, para não confundir prazer com consolo, admiração com obsessão, exemplo com transferência; para distinguir aqueles raros que traduzem o espírito de uma época, como os mais raros ainda que transcendem gerações e fronteiras. A estupidez não toma conta de tudo.
DE LA MUSIQUE
O novo CD de Maria Rita, outra que surgiu planejada para a fama, também não é grande coisa. Ela tem um belo timbre, claro, e agora conteve os maneirismos que a aproximavam ainda mais da mãe. Vem procurando um repertório particular, investindo por exemplo em Marcelo Camelo (de Los Hermanos) e variando gêneros (faz até versão de Minha Alma, de O Rappa). Mas não tem a característica tecnicamente imensurável do grande canto, como o de Elis: personalidade forte, conhecedora dos extremos de ternura e drama. As canções não mais que simpáticas do CD (como a de Jorge Drexler, outro que está ‘lounge’ de ser o que dizem) não permitem o pulo. E talvez por isso ela tema enfrentar os clássicos – o que é uma bobagem, porque sua versão de Sobre Todas as Coisas, de Chico Buarque e Edu Lobo, é a melhor faixa.
ZAPPING
Uma lista de talentos subaproveitados na TV consumiria páginas. Vejo pelo menos dois capítulos por semana da novela América, que depois do mau começo recuperou o ibope graças aos velhos ingredientes do romance (os casais tio & ninfeta e dona & rapagão) e do humor (a trupe dos peões se saindo bem melhor que os salseiros de Miami). Corta o cérebro ver José Dumont, Matheus Nachtergaele e Camila Morgado, por exemplo, com aquelas falas escassas. Eles têm menos cenas que o boi Bandido.
POR QUE NÃO ME UFANO
Espero que os virtuais candidatos a presidente no ano que vem estejam acompanhando os acontecimentos na Alemanha e no Japão. Na Alemanha, o custo da previdência e do assistencialismo aos desempregados se tornou proibitivo. No Japão, Koizumi precisou convocar eleições para poder privatizar os Correios. O Estado do Bem-Estar Social continua em revisão aguda.’
XIS DA QUESTÃO
‘Jornalista – intelectual ou técnico?’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 23/9/05
‘O XIS DA QUESTÃO – O jornalista que as complexidades do mundo atual exige terá de ser um intelectual capaz de observar, apreender, atribuir significados e dar exposição social confiável aos conflitos discursivos da atualidade. Mas será intelectualmente inepto se, ao mesmo tempo, não dominar as técnicas, as artes e as implicações da linguagem jornalística – ferramentas do seu ofício.
1. Falso dilema
Volto ao tema da semana passada para colocar o meu próprio ponto de vista no debate sobre a questão do ensino de jornalismo. E começo por advertir para um equívoco que tolda, em boa parte, a discussão há tantos anos persistente, sobre o modelo ideal do ensino de jornalismo. Fala-se em teoria versus prática como se aí estivesse um dilema, a nos obrigar a escolher uma, entre duas alternativas penosas, porque insuficientes.
Me lembro, por exemplo, das precariedades do curso de graduação que fiz, 25 anos atrás. Eram precariedades em boa parte decorrentes da cretinice que dividia radicalmente o corpo docente entre ‘professores da teoria’ e ‘professores da prática’. Jocosamente, os chamados ‘teóricos’ apelidavam as disciplinas técnicas de ‘área Senai do curso’. Por seu lado, os professores da prática achavam um jeito de retribuir a xingação, chamando os teóricos de ‘ignorantes em jornalismo’, que sequer eram capazes de imaginar como funciona uma redação. Como resultado, tínhamos um curso fragmentado, claramente insuficiente, empobrecido pela falta de discussões lúcidas.
Ora, a teoria não se opõe à prática. Nem vice-versa. A ciência arrogante pode até achar que sim. A verdade, porém, é que não há como fazer ciência sem prática. Por outro lado, tampouco existe a prática dissociada do funcionamento da inteligência, ou seja, da capacidade humana de fazer escolhas, se entendermos a prática como o exercício da ação voluntária.
2. Saberes complementares
Na dualidade aparentemente contraditória, o que temos são dois níveis de saber igualmente importantes. Saberes diferentes, porém interativos, complementares. E nenhum deles auto-suficiente.
O saber teórico estuda os fatos, os conexiona (me desculpem o neologismo…) a conseqüências e princípios, inserindo-os, em lógicas metodologicamente coerentes, no ‘todo’ a que pertencem (um ‘todo’ de causas e efeitos), para a compreensão e a explicação de fenômenos ou situações que interessam ao conhecimento. É um saber especulativo, com ou sem aplicações práticas.
É preciso, entretanto, levar em conta que, como já sentenciou William James, o homem é um ser prático, de vontade e ação, que se orienta pelo intelecto – quer faça ciência ou motores de caminhão. Portanto, o saber prático, embora preponderantemente acumulativo, não está dissociado da inteligência. Nem da aptidão de elaborar significados, conceitos, idéias e ajuizamentos – que não é exclusividade do saber teórico.
Posto isto, resta acrescentar que, pelas complexidades que o mundo de hoje impõe à atividade jornalística, o jornalista que a Universidade deverá formar terá de ser um profissional com educadas aptidões de intelectual, capaz de apreender, atribuir significados e dar exposição social confiável (isto é, independente, crítica e honesta) aos conflitos discursivos da atualidade. Mas será intelectualmente inepto se, ao mesmo tempo, não dominar, plena e criativamente, os conceitos, os recursos, as técnicas, as artes e as implicações da linguagem jornalística – ferramentas do seu ofício.
Quanto aos modelos curriculares que possam dar boa conta desse desafio, será assunto para outra conversa. O texto de hoje termina aqui, curto, para que pelo debate se expanda.’
DIOGO MAINARDI
‘SJPDF repudia declarações de Diogo Mainardi’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 22/9/05
‘As declarações do colunista da Veja Diogo Mainardi envolvendo Pat Robertson e Hugo Chávez motivou uma nota de repúdio do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal. ‘Se o pastor protestante (estadunidense) Pat Robertson quiser realmente matar o presidente Hugo Chávez, eu ajudo’, disse Mainardi durante o programa Manhattan Connection do dia 19/09, exibido pelo GNT. Pelo telefone, o colunista limitou-se a dizer: ‘Eu não sou jornalista. Ainda bem’.
Para a entidade, ‘trata-se de incitação ao crime, ameaça pública de morte a autoridade de país com o qual o Brasil mantém relações normais de cooperação’.
Leia a nota na íntegra:
‘A Diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal repudia o comportamento do jornalista Diogo Mainardi que, no programa ‘Manhattan Conecttion’, exibido no dia 19 de setembro último, pelo canal a cabo GNT, declarou: ‘Se o pastor protestante (estadunidense) Pat Robertson quiser realmente matar o presidente Hugo Chávez, eu ajudo’ .
Trata-se de incitação ao crime, ameaça pública de morte a autoridade de país com o qual o Brasil mantém relações normais de cooperação. O uso de meios de comunicação de massa para pregar o assassinato de outro ser humano é crime, e como tal deve ser punido rigorosamente pelas autoridades brasileiras. É imperativo que os executivos da empresa de comunicação GNT impeçam imediatamente a propaganda da criminalidade nas telas, pois não reúne as condições de respeito às leis e das mais elementares noções de direitos humanos, sob pena de a empresa ser conivente com a pregação de homicídio através da televisão.
O deplorável episódio exige reflexões severas sobre o papel dos meios de comunicação e dos comunicadores sociais. Diogo Mainardi envergonha os jornalistas brasileiros com essa campanha homicida e revela muito bem a natureza intelectual, a estatura moral e o caráter de certa oposição aos dirigentes que empreendem transformações sociais, como é o caso do Presidente Hugo Chávez.
O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do DF estuda meios cabíveis para que a prática de natureza anti-social e criminosa do referido jornalista receba a punição devida, e reclama do governo brasileiro – Ministério das Comunicações, Anatel, Ministério das Relações Exteriores – a adoção das medidas cabíveis para desculpar-se ante a Nação amiga, com a qual o Brasil empreende o esforço de construir ‘ a integração econômica, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações’, conforme estabelece o artigo 4 da Constituição Federal.
Reclama ainda junto as autoridades competentes o enquadramento da empresa responsável pelo programa nos parâmetros legais que impeçam o uso da televisão para a propagação da violência e incitamento ao assassinato.
Brasília, 21 de setembro de 2005
A Diretoria do SJPDF’.’