‘‘A farsa do 11 de setembro de 2001…’. Há pouco, pela enésima vez, ouvi num debate, de um professor universitário de ciência política, que os atentados contra as torres gêmeas de Nova York foram uma ‘farsa’. A ‘farsa’ aparece em diferentes versões, não necessariamente excludentes: os autores dos atentados estariam ligados aos serviços secretos americanos, a Al Qaeda seria pouco mais que um braço da CIA, o governo dos EUA disporia de informação prévia sobre o ataque, mas deliberadamente não teria agido.
Esse tipo de alegação, sustentada por centenas de sites na internet e que é o núcleo oculto da acusação de Michael Moore a George W. Bush, goza de extraordinária popularidade. Como explicar a ampla difusão de tais disparates -e não só entre leigos?
A paisagem de fundo, ao que parece, é um anti-americanismo visceral, intelectualmente primitivo, há muito latente, mas que vicejou na última década e, com certeza, cristalizou-se como reação à geopolítica mundial da ‘guerra ao terror’. Quando as torres gêmeas desabaram, em setembro de 2001, intelectuais pervertidos celebraram os atentados e saudaram seus perpetradores. Depois, essas atitudes extremadas e muito minoritárias foram sendo substituídas pela tese da ‘farsa’.
‘O homem está constantemente empenhado em um esforço, altamente bem-sucedido no todo, para ajustar suas idéias às circunstâncias…’, escreveu o historiador H. C. Allen. As circunstâncias criadas pela queda do Muro de Berlim e da URSS repercutiram sobre as idéias de diversas correntes de esquerda. O seu ‘marxismo’ (as aspas são necessárias) adaptou-se à derrota e reciclou-se como anti-americanismo vulgar: os EUA (o ‘Império’) assumem o lugar antes ocupado pelo sistema capitalista. Daí, segue-se o silogismo: os inimigos dos EUA ‘devem ser’ lutadores da liberdade; como Osama bin Laden não se enquadra nessa categoria, os atentados ‘devem ser’ uma farsa.
A tese da ‘farsa’ não pode ser explicada inteiramente pela argumentação política canônica. As suas raízes profundas parecem repousar na sedução exercida pela idéia de conspiração sobre o imaginário político. Os judeus controlam a mídia e os bancos e, há séculos, tecem um complô para dominar o mundo. Os EUA sabiam antecipadamente do ataque a Pearl Harbor, mas não quiseram evitá-lo. A CIA orquestrou o assassinato de John Kennedy. A Aids é um vírus de laboratório engendrado para dizimar os africanos. Tancredo Neves foi assassinado. A conspiração oferece um sentimento de segurança intelectual e de proteção contra o tumulto e a desordem. Ela suprime as incertezas e a angústia da história, proporcionando um método de reconstrução do mundo em termos mais simples, redutíveis à dicotomia infantil entre o bem e o mal.
As explicações anteriores da tese da ‘farsa’ não são mutuamente excludentes nem completas. Mas, qualquer que seja a explicação, essa tese tem conseqüências políticas.
No plano filosófico, seu sentido é negar a história do outro: a realidade da profunda perturbação dos espíritos que atravessa o Islã e se manifesta como uma guerra entre Estados conservadores e o fundamentalismo jihadista. No terreno prático, o apego à tese da ‘farsa’ equivale a uma renúncia a encarar a existência do terror islâmico e, portanto, a formular um programa democrático contra o terror global. No fim das contas, é virtualmente igual a uma abdicação política, que deixa o campo livre para a ‘guerra ao terror’ de Bush. Demétrio Magnoli escreve às quintas-feiras nesta coluna.’
BUSH NA TIME
‘‘Time’ elege Bush a Personalidade do Ano’, copyright Folha de S. Paulo, 20/12/04
‘‘Por manter-se firme em seus princípios, por ter redesenhado as regras políticas para encaixá-las em seu jeito ‘cowboy’ de liderar e por ter convencido os eleitores de que deveria permanecer mais quatro anos na Casa Branca, George W. Bush é a nossa Personalidade do Ano.’
Com esses argumentos a revista ‘Time’, uma das principais publicações americanas, justificou a escolha do presidente Bush como a figura mais importante de 2004.
O texto de apresentação da edição especial da ‘Time’ não discute as dificuldades econômicas nem as baixas provocadas pela Guerra do Iraque, que já deixou 1.300 soldados americanos mortos.
A revista se refere a Bush como ‘um presidente cuja tendência é medir seu sucesso pelo número de inimigos que faz’.
É a segunda vez que Bush recebe o título. A primeira foi em 2000, ano em que foi eleito.’
ORIENTE MÉDIO
‘TV palestina adota tom moderado’, copyright Folha de S. Paulo / The New York Times, 16/12/04
‘Era outra inflamada transmissão da TV pública palestina. ‘Nós estamos lutando essa guerra cruel contra os irmãos dos macacos e porcos, dos judeus e dos filhos de Sião’, disse o xeque Ibrahim Mahdi, um clérigo, em setembro, em seu programa semanal.
‘Os judeus lutarão contra você e você subjugará os judeus até eles se esconderem atrás da pedra e da árvore. E a árvore e a pedra dirão: ‘Oh muçulmano, observante de Deus, há um judeu atrás de mim; venha e o mate’, acrescentou o clérigo islâmico.
Na maior parte dos últimos quatro anos, desde o início da segunda Intifada, as transmissões palestinas exibiam esse tipo de declaração. Videoclipes de jovens lutando contra israelenses eram repetidamente transmitidos, com imagens de mães chorando e de canções patrióticas. Nos noticiários, era comum chamar as tropas israelenses de ‘forças selvagens da ocupação’.
Mas algo significativo mudou nas últimas semanas, desde a morte de Iasser Arafat, de acordo com pessoas que monitoram essas transmissões. Agora o discurso é de reconciliação. As tropas israelenses são descritas em termos mais neutros. Cenas de destruição não aparecem tanto. E o tradicional sermão das sextas-feiras ficou mais moderado.
‘Nós precisamos respeitar a mente humana, reconhecer o outro, respeitar seu caráter humano e demonstrar tolerância’, disse o clérigo Muhammad Abu Hunud em seu sermão do dia 3 de dezembro, feito em uma mesquita na faixa de Gaza.
Apesar de as autoridades palestinas estarem hesitantes em discutir a mudança, o tom mais moderado na mídia palestina aparentemente é parte de uma melhora na atmosfera entre israelenses e palestinos. O professor de comunicação da Universidade Bir Zeit Nashat Aqtash diz que ‘agora há muito mais discussão sobre temas políticos e sociais’.
O tom ameno da TV palestina teve início depois que o premiê de Israel, Ariel Sharon, impôs como uma das condições para voltar a negociar com os palestinos o fim do incitamento à violência contra israelenses.
Radwan Abu Ayyash, diretor da TV palestina, cujo controle é da ANP (Autoridade Nacional Palestina), disse que ele não recebeu instruções para mudar o tom das reportagens. ‘Mas, diante das declarações de Sharon, eu disse a meus colegas que nós precisamos ter certeza que os programas não contêm incitamento’, disse.
Violência
Ontem Israel matou um palestino na faixa de Gaza que tentava passar numa estrada que estava fechada. Horas depois, soldados mataram um palestino que estava armado com granadas e tentava cometer um ataque contra um assentamento. Na Cisjordânia, militantes palestinos mataram um suposto colaborador de Israel. Com agências internacionais’