‘Freqüentemente lemos nos jornais que o Ministério X vai receber a mesma verba do Ministério Y. É a mesma, mesmo?
No MEC, por exemplo, além de dividir verbas, o ministro Tarso Genro ficou exposto à sanha das vaias da UNE. Vaia veio do italiano baia, de baiare e abbaiare, ladrar, pelo espanhol vaya, xingamento, apupo e outras formas de expressar desagrado.
Conquanto seja povo cordial, o brasileiro adora uma vaia, como bem lembrou Nelson Rodrigues numa de suas famosas frases: ‘O brasileiro vaia até minuto de silêncio no Maracanã’.
O MEC – cujo ‘C’ parece imortal, mesmo depois que a cultura ganhou ministério autônomo – vai dividir os recursos com outros ministérios? Não. Foram redatores equivocados que, sem querer, passaram aos leitores tal impressão. E o fizeram por desconhecerem certas sutis complexidades da nossa mãe gentil, a língua portuguesa. Cometeram erro muito comum em escolas e universidades.
Crimes de lesa-gramática assolam o Brasil, principalmente nas três últimas décadas. A origem do descalabro é a Lei 5.692/71, que misturou o ensino de português com educação artística e comunicação e expressão. Muitos estudantes passaram a chegar às universidades sem saber português! Talvez o MEC pudesse desfraldar a bandeira ambiciosa de ensinar português aos universitários, de tal modo que ninguém recebesse o diploma sem saber ler e escrever.
Petições, denúncias, sentenças e cardápios são amostras do que estou afirmando, mas também o são editais afixados nas paredes como insólitos afrescos que ensinam como não se deve escrever.
Entretanto, nos vestibulares os calouros precisam responder a questões como esta: ‘Assinale a única afirmativa incorreta: a) insônia há um ditongo oral crescente; b) quando há um ditongo nasal crescente; c) raios há um tritongo; d) também há um ditongo nasal decrescente; e) pior há um hiato’.
A questão deveria ser anulada. Houve erro de redação. Não foi escrito um providencial ‘em’ antes de cada alternativa. Poderiam os redatores recorrer a um verbo. Exemplo: ‘quando’ apresenta ditongo nasal crescente. Mesmo assim, fica a pergunta: que tipo de conhecimento medem, no vestibular, questões deste teor?
No caso de ‘a mesma verba’ houve confusão de conceitos. Provavelmente os redatores tinham o propósito de destacar que a verba de um ministério era igual à de outro, isto é, do mesmo valor, mas não a mesma. Se fosse a mesma, cada ministério receberia apenas a metade.
Outro vasto campo de pesquisa está no futebol, paixão nacional. Na verdade, é esporte que se espalhou pela vida nacional de forma avassaladora.
Metáforas atestam sua prevalência. Para dizer que uma coisa não vai bem, o falante recorre ao meio-campo. Se disser ‘embolou o meio-de-campo’, o que quer dizer é que houve confusão e atrapalhos.
Se ‘pisou na bola’ aquele de quem se esperava uma ação eficaz, as coisas vão mal. ‘Driblar as dificuldades’ é outro exemplo. Aliás, os brasileiros são Garrinchas assumidos!
Embora os locutores se façam entender, são muitos os que tropeçam no português. Como neste exemplo: ‘o técnico valorizou o elenco, substituiu vários jogadores e reverteu o resultado’. De jeito nenhum! Ele não reverteu. Ele inverteu. O time perdia. Com as alterações, venceu. Foi o que o narrador quis dizer. Mas não foi o que disse. Se tivesse revertido o resultado, o jogo deveria voltar a 0 x 0, o placar do início!
Semana passada, entre as vaias ao ministro e notícias sobre a baleia jubarte, que literalmente morreu na praia, circulou pela internet uma pergunta de biologia: ‘qual é a função do esqueleto?’. Resposta de um aluno: ‘é invadir o castelo de Greiscou’.
Sinal dos tempos! A imagem está derrotando a letra.’
JORNAL DA IMPRENÇA
‘Catilina, Catilina…’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 12/8/04
‘Digressão altamente intelectual de um comentarista, aos pés de coluna publicada aqui neste portal:
Ora, qousque tandem, Catilinae, abbuteris patientae nostrum? Assim disse Cícero há muito tempo….
Janistraquis, bom estudante de Latim no curso Clássico do Colégio Marconi da Belo Horizonte dos anos 50, achou esquisito, foi conferir no álbum de recordações e desabafou:
‘Considerado, depois nós, os jornalistas, reclamamos quando nos chamam de ‘analfabetos em várias línguas, até nas mortas’; a frase do sábio cônsul de Roma, Marco Túlio Cícero, que o comentarista tentou reproduzir, é esta: quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra? E significa o seguinte: Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência? E acho bom repetir várias vezes: Catilina, Catilina, Catilina, nome de um político do PT romano; não confundir com Catalina, aquela marca de maiôs que as mocinhas usavam nos desfiles de Miss Brasil!!!’
Está tudo certo no desabafo de Janistraquis, porém faço esta singela observação: não é verdade que Lúcio Sérgio Catilina, golpista de primeira, fosse um militante do PT romano de então; o indigitado seria, segundo estudiosos, um influente prócer do PFL.
(Leiam, a propósito de tais confusões, o texto do mestre Deonísio da Silva, originalmente publicado no Jornal do Brasil e transcrito no indispensável Observatório da Imprensa)
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Jornal Nacional
Mais atento do que gato diante do aquário, o considerado leitor Jânio de Barros Menezes acompanhava o Jornal Nacional desta segunda-feira, 9/8, quando ouviu William Bonner dizer: ‘Um milhão de pessoas foi limpar o nome no Serviço de Proteção ao Crédito…’.
‘Um milhão foi. Está correto isso?’, pergunta esse que não se perde pelo nome.
Janistraquis suspirou: ‘Olhe, Jânio, ninguém aqui é professor de português, mas esse negócio de concordância verbal é mesmo um problema, né não? Há quem prefira manter o verbo no singular, não é crime nenhum; porém, se na língua escrita tal concordância é aceitável, na forma oral soa feio pra burro!
Quando se diz que ‘um milhão de pessoas foi’, apequena-se a multidão; em contrapartida, esta parece aumentar quando a gente tasca o verbo no plural: ‘um milhão de pessoas foram’. Afinal, tostão e milhão não são duas unidades de igual valor e se um foi limpar o nome, certamente um milhão foram…’
É mesmo. E, em se tratando do idioma, eufonia é tudo.
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Não merece
Janistraquis examinava material abocetado (epa!) aqui no escritório quando lhe saltou às mãos esta obra-prima da distração jornalística:
04/08/2004 – 18h05
Erramos: Para dissidentes do PPS, racha em SP indica ruptura nacional
da Folha Online
Diferentemente do que foi publicado na matéria ‘Para dissidentes do PPS, racha em SP indica ruptura nacional’ (Brasil – 04/08/2004 – 17h24), na Folha Online, o deputado federal Roberto Freire é presidente do PPS e não do PFL. A sigla do partido foi grafada incorretamente.
Meu secretário, que anda mais cínico do que alguns ‘críticos’ de Fahrenheit 9/11, de Michael Moore, ensaiou um risinho de mofa: ‘Considerado, Roberto Freire já padeceu aquele vexame que foi trocar a sigla do ‘partidão’, de PCB pra PPS; porém, não merece ser confundido com Jorge Bornhausen…’.
É verdade; aí, já seria demais.
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Figo d’alemão
Nosso considerado Roldão Simas Filho, diretor da sucursal desta coluna no Planalto, de cujo banheiro é possível espiar o pessoal do Palácio a comemorar os 30% de Marta Suplicy (segundo o Datafolha), lia o Correio Braziliense quando encalhou no seguinte texto:
‘Apesar da mobilização de mais de cem homens e após quatro tentativas frustradas, a baleia jubarte – já batizada de Iaiá – encalhada na praia do Forte de Imbuhy, em Niterói, não conseguiu voltar ao alto mar. (…)’
Roldão, que nada nas águas profundas do conhecimento, comentou:
‘Para ser coerente com a grafia adotada, a praia de Imbuhy localiza-se em Nictheroy.’
Para Janistraquis, o mais esquisito desse episódio foi o destino da baleia morta, atirada a um desprezível lixão:
‘Considerado, durante décadas, quando se pescava baleia em águas nordestinas, o povo pobre se alimentava do fígado do animal, posto a curtir como carne de sol. Conhecido como ‘figo d’alemão’, fornecia a proteína indispensável à sobrevivência. Agora, com a pesca proibida, aparece uma baleia dando sopa na beira da praia e os politicamente corretos carregam-na pro lixão. Parece que o país enricou mesmo; já distribui dinheiro com os africanos e joga comida fora…’
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‘Astrevimento’
Incerto indivíduo chamado Célio Mata Roma (mataroma@yahoo.com.br) enviou a seguinte mensagem ao colunista, embora este jamais tenha escrito uma linha sequer ao remetente:
‘Companheiro, não sei o que você pretende mandando-me e-mail com virus. E não é de hoje. Caso você queria manter algum contato comigo, por favor, instale um bom antivirus, caso contrário jamais lerei sua mensagem, além de que ainda não tive o prazer de conhecê-lo. Mata Roma’
Trata-se, evidentemente, de inábil comerciante a tentar vender sua mercadoria. O colunista, tão assustado com a proliferação de vírus como qualquer mortal que não seja um hacker, denuncia a disseminação do terror via internet por quem queira vender qualquer coisa; não é a estratégia mais inteligente.
O colunista respondeu à mensagem com um dos palavrões de sua extensa lavra, e Mata Roma, cheio de autoridade magoada, retrucou com outros desaforos. Para evitar conseqüências, bloqueei o e-mail da criatura e recomendo ao considerado leitor que assim proceda, caso Mata Roma ‘se astreva’, como diz Janistraquis, no melhor dialeto sertanejo.
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Estava na cara
Deu na coluna do Cláudio Humberto:
Proposta indecente
‘Não seja bobo, a boca paga o dobro’, dizem faixas em favelas da Zona Oeste – como a Mitral – e no Complexo do Alemão, no Rio, estimulando moradores a entregar armas aos bandidos, não ao governo.
Janistraquis leu e comentou: ‘Eu não disse?’
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Outra indecente
Meu secretário devorou boa parte do noticiário acerca da criação do Conselho Federal de Jornalismo, proposta pela Fenaj, e analisou o discurso do vice-presidente da entidade, o também presidente do Sindicato dos Jornalistas de SP, Fred Ghedini, segundo o qual as opiniões contrárias são fruto de um ‘massacre’ promovido pela mídia, que estaria ‘desinformando’ a sociedade.
‘O objetivo do conselho será conferir o registro profissional, fiscalizar o exercício ético da profissão e acompanhar a formação do futuro profissional’, declarou o vice-presidente da Fenaj, cheio de boas intenções.
Janistraquis concluiu: ‘Considerado, tenho certeza de que o tal projeto é apenas burro; afinal, o Fred Ghedini, sabemos todos, é e sempre foi um democrata!’
Sobre o tormentoso assunto, diz o Meio&Mensagem:
‘(…) O projeto, que foi encaminhado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Congresso, no começo de agosto, prevê a criação de uma autarquia nos moldes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), com direito a punir jornalistas e até caçar diplomas.’
Janistraquis acha que assim já é exagero: ‘Considerado, a burrice não tem limites, porém os maus jornalistas não merecem ser caçados a faca ou pau; digo isso porque as armas de fogo estão proibidas, que nem a pesca da baleia.’
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Destrinchando
O grande vate e jornalista carioca Ruy Alberto Paneiro lia Carta Maior (não confundir com Carta Capital) quando o seguinte título deu velas ao largo vento:
LUTA CONTRA IMPUNIDADE
Polícia destrincha crime dos fiscais de Unaí; falta o mandante
Apesar da prisão de seis envolvidos nos assassinatos dos três fiscais e do motorista do Ministério do Trabalho no último fim-de-semana, falta identificar e punir o autor intelectual.
O vate estranhou:
‘Destrincha? Crime dos fiscais? Eles cometeram ilícito penal? Creio que seria mais correto, direto e lógico escrever:
Polícia soluciona assassinato de fiscais em Unaí; só falta descobrir mandante.
É verdade; ficaria mais correto, direto e lógico!
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Nota dez
O melhor depoimento da semana saiu na coluna do Ricardo Boechat, no Jornal do Brasil:
Ao vivo
Morador desde 1954 da Rua Tonelero, o consultor Fernando Aguinaga presenciou o atentado contra Carlos Lacerda, que acaba de completar meio século.
Embora tenha deposto na Aeronáutica, onde reconheceu Climério de Almeida, um dos envolvidos no crime, do qual resultou morto o major Rubem Vaz, Aguinaga sempre se negou a falar publicamente do episódio.
Ainda hoje, aos 84 anos, prefere assim.
Mas, com a firmeza de quem viu tudo, dá um testemunho pontual:
– O tiro no pé do Lacerda não existiu – garante. – Com um ferimento daquele, ninguém correria como ele correu…
A propósito, convido o considerado leitor a conhecer detalhes da história do atentado, cuja medrança foi o suicídio de Getúlio Vargas; basta clicar aqui e ler o artigo de Giulio Sanmartini no Observatório da Imprensa.
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Errei, sim!
‘É A MÃE!!! – Do jornal Opção, de Brasília, Janistraquis extraiu esta legenda, autêntica miçanga espremida entre outros tantos vidrilhos e paetês: ‘Ana Helena e Ana Cecília entre a mãe Maria Cecília Moulatlet’. Meu secretário exultou: ‘Considerado, isso é que é mãe! Faz sacrifício até pra tirar retrato!!!’’ (novembro de 1990)’
MERCADO DE TRABALHO
‘Despedidas que marcam para o bem e o mal’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 11/8/04
‘Uma pequena nota enviada por Cristina Vaz de Carvalho, correspondente deste Jornalistas&Cia no Rio de Janeiro, me fez refletir sobre o rito das despedidas dentro do jornalismo. Quantos de nós, ao deixar um emprego, ficamos lá pouco ou muito tempo, recebemos da empresa ou mesmo dos colegas alguma homenagem sincera, algum agradecimento especial, alguma sinalização de que continuaremos no coração das pessoas? Dá para contar nos dedos – de apenas uma mão – casos como esse. No jornalismo, muito mais do que em outras atividades, as despedidas são corriqueiras, triviais, pouco acrescentando às nossas vidas, independente da importância da pessoa ou do cargo que ocupa. E pouco ou nenhum valor se dá a elas, infelizmente.
Pior ainda quando essa despedida chega sem que a queiramos, fruto das inúmeras situações de demissão presentes em qualquer organização. Saímos acabrunhados, deprimidos, de mal com a vida, inseguros, enfim com a auto-estima ao rés do chão.
E o que nossas empresas fazem para amenizar esse sofrimento? No caso das empresas de Comunicação muito pouco, pouco mesmo. A maioria não faz absolutamente nada. Ao contrário, cansamos, isso sim, de ver patifarias mil com colegas de todos os níveis que dedicaram muitas vezes a maior parte de sua existência àquela organização, tendo como prêmio o olho da rua.
Um desses casos acaba de acontecer com um dos mais corretos profissionais que tive a oportunidade de conhecer nesses anos de estrada: Flávio Tiné, assessor de imprensa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, afastado de suas funções no final de julho, após 21 anos de trabalho, sem uma justificativa plausível, ou mesmo compatível com tudo o que ele já havia feito pela instituição.
Não há colega que cubra a área de saúde, em São Paulo, que não o conheça e que não tenha sido por ele ajudado na lida do dia-a-dia, com informações, com dicas, com conselhos e também na busca parceira das notícias que poderiam interessar tanto aos profissionais quanto à sociedade.
E se ele foi sempre um excelente assessor, não deixou por menos no lado humano. Se alguém precisava de algum apoio do HC, em razão de problemas de saúde (pessoal ou de alguém da família), lá estava ele sempre pronto a ajudar.
Não sei se o HC lhe fez ou vai lhe fazer alguma homenagem e, na verdade, nem sei se ele, Tiné, conta com isso. Mas fico aqui imaginando um trabalho como esse, com a duração de 21 anos, encerrar-se com um mero e burocrático aperto de mão, muitas vezes dado não pelos chefes e superiores imediatos, mas sim por alguém incumbido dessa ingrata missão. E ser defenestrado sem dó nem piedade sem um argumento lógico, coerente, justo.
Tiné fez sua parte, conquistou o respeito de seus pares e, ao seu modo, deixa um legado que será lembrado sempre por muita gente. Merece do HC um reconhecimento especial. Se vai ter ou não isso são lá outros quinhentos.
O segundo exemplo que vem do Rio e que me foi passado pela Cris Carvalho, é singelo e emocionante. Fato realmente raro na vida das redações, e por isso fiz questão de registrá-lo, embora nem conheça pessoalmente o protagonista.
Eros Ramos de Almeida aposentou-se e, por conta disso, deixou a redação de O Globo (Jornal de Bairros Tijuca e Baixada, nos quais atuava), na semana passada. Sabia-se que os colegas tinham por ele um certo apreço, só não se sabia que era tanto assim. Na sua despedida do jornal, houve um bolo e a redação inteira, inteirinha mesmo, aplaudiu-o longamente. Detalhe: ele aposentou-se mas o jornal não lhe fechou as portas. Ao contrário, o convidou a continuar como colaborador, fazendo crítica de filmes para o Segundo Caderno.
Qual o problema em tratar bem, ao final de uma jornada (seja por que razão for), alguém que mereça?
Pieguice?
Talvez seja realmente piegas ficar aqui defendendo tratamento humano, particularmente nesta nossa atividade que é uma selva de pedra e um poço de insensibilidades, vaidades e arrogância. Estamos tão acostumados a destruir reputações alheias, muitas vezes de forma irresponsável e inconseqüente, que o olhar humano por vezes soa ridículo.
Há nisso tudo, no entanto, uma verdade perversa: a nossa hora um dia vai chegar. Como será ela?’