Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Deonísio da Silva

‘Padres e letrados batizaram o Brasil. No alvorecer do século 16, rodeado de católicos, nosso primeiro autor escreveu famosa Carta em português. Mas pensava que estivesse numa ilha, a Ilha de Vera Cruz. Vera, sinônimo de verdadeira, para diferenciá-la da outra cruz, a da Reforma.

A leitura de nossa Certidão de Nascimento traz algumas complicações. Que não seja heresia de escritor, mas Pero Vaz de Caminha precisa ser traduzido.

Aqueles antigos navegantes já conviviam com palavras de diversas línguas, encarapitadas na Carta. Transportar palavras é sina de quem viaja. E elas podem mudar de significado a cada porto.

Os atuais internautas, de vocabulário tão reduzido, ainda que navegando em outros mares, também trazem palavras cujo significado às vezes nos soa estranho.

Veja-se o recente exemplo do verbo encriptar. Naturalmente, o internauta que encripta também encarapita. Encarapitar é elevar, pôr no alto. A palavra foi suavizada. No nascimento, foi pronunciada encarrapitar, isto é, semelhar o carrapito, subir, fixar-se no alto.

O carrapito designa o chifre do cabrito e o feixe de cabelos, estejam estes últimos amarrados em cima da cabeça ou na nuca. Neste caso, ganha o popular nome de rabo, do latim rapum, designando originalmente o caule de uma planta. Mais tarde, deixando o pomar e o quintal, tornou-se sinônimo de cauda. Daí a designar o feixe de cabelos com a aparência do rabo dos animais foi um pulinho.

Os modernos internautas, encarapitados em outras naus, os computadores, encriptam. Mas encriptar é pôr na cripta? Cripta, que no português do Brasil tem o significado de caverna, gruta, grota, galeria subterrânea, veio do grego krypte, palavra assemelhada com o verbo krypto, esconder.

Antes de chegar ao português, a cripta grega (krypte) fez escala na cripta latina (crypta). Quando a palavra gerou encriptar, por influência do latim do império, o inglês encrypt, virou sinônimo de criptografar, escrever em caracteres de significados conhecidos de poucos, vale dizer, esconder o significado nas galerias, nas grotas ou nas grutas das palavras.

Lida hoje, a escrita da Carta parece criptografada. Ou encriptada, como diriam os internautas. ‘Trouxeram-lhes vinho em uma taça’, escreve Caminha. ‘Mal lhe puseram a boca; não gostaram dele nada, nem quiseram mais.’

Vinho, taça e boca são nossos velhos conhecidos. ‘Trouxeram-lhes água em uma albarrada.’ E agora? A água estava misturada com barro? ‘Apenas lavaram as bocas e lançaram-na fora.’ Acostumados a beber água limpa e fresca, os índios recusaram a água da vasilha de barro. Tinham água melhor em terra.

‘E pescaram lá, andando alguns marinheiros com um chinchorro.’ Chinchorro, rede para pescar, veio de chincho, do latim cingulus, utensílio doméstico para apertar o queijo e espremer o soro. Mas, na pecuária, tornou-se feminino e, em vez de espremer o soro, serviu para apertar a barriga do animal com o fim de fixar os arreios. Feita de barbante, a chincha parece uma rede.

Desembarcaram em esquifes, mas eram barcos e não caixões de defuntos. ‘É a terra por cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos, muito chã e muito formosa.’ Com o português ainda muito próximo do espanhol, provavelmente alguns marinheiros pronunciassem tchã. E talvez por terem aportado justamente à Bahia, nossos destemidos navegadores seguraram ali o tchã pela primeira vez, seguindo o conselho de futuro grupo musical: ‘Tudo que é perfeito a gente pega pelo braço, joga lá no meio, mete em cima, mete em baixo, depois de nove meses, você vê o resultado’.

Faz mais de cinco séculos e todos podem ver o resultado. A língua e o povo são os pontos altos.’



O SAPO E O PRÍNCIPE
Nelson Motta

‘Lula recebe exemplar do livro do jornalista Paulo Markun’, copyright O Estado de S. Paulo, 27/10/2004

‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu hoje um exemplar do livro ‘O Sapo e o Príncipe’, do jornalista Paulo Markun, que conta a trajetória do presidente Lula, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e de outros personagens da política contemporânea brasileira.

Na capa do livro do apresentador do programa Roda Viva, da TV Cultura, o presidente Lula aparece numa foto ao lado do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, carregando jornais, durante a campanha do ex-presidente para senador, em 1978, no ABC paulista.

Segundo Paulo Markun, o presidente disse que Dona Marisa Letícia está lendo o livro e está gostando. O presidente, também segundo Markun, fez um comentário engraçado sobre a foto da capa. ‘Você vê, até aí eu que estava carregando os jornais e o Fernando Henrique não estava carregando nada’, disse Lula, revelou o jornalista Paulo Markun.

O autor explicou que o que é relevante na foto é que ela é o símbolo do início da participação do presidente Lula em ações políticas. ‘Ele foi ser cabo eleitoral do Fernando Henrique na eleição de 78, em que o ex-presidente tinha a plena consciência de que não tinha nenhuma chance’, lembra Markun.

Na contracapa são apresentadas fotos dos ministros José Dirceu (Casa Civil), e do ex-ministro da Fazenda Pedro Malan. ‘O Dirceu aparece de bigode, garotão em 78, e o Pedro Malan bem jovem, quando era líder estudantil, em 71’, explicou Markun.

O jornalista Paulo Markun informou que o presidente Lula prometeu ir ao lançamento do livro em Brasília, marcado para o dia 10 de novembro, no restaurante Piantella.’



O OPOSITOR
Ubiratan Brasil

‘O polegar de Verissimo’, copyright O Estado de S. Paulo, 1/11/2004

‘O motivo da viagem até Manaus era uma reportagem rotineira sobre plantas alucinógenas, mas, sem se dar conta, um jornalista acaba envolvido em uma trama da qual só conseguirá escapar quando chegar a um afluente de um afluente de um afluente do Rio Negro. Rocambolesca, escrita no tom seco dos melhores policiais, a mirabolante história que envolve xícaras estonteantes de chauasca e carícias não menos desconcertantes de belas mulheres mestiças marca a volta do escritor Luis Fernando Verissimo, cronista do Estado, ao romance depois de quatro anos: O Opositor, que a editora Objetiva envia para as livrarias no dia 9, sucede a Borges e os Orangotangos Eternos (Companhia das Letras), também uma novela policial, que traz o relato de um crime ocorrido durante um congresso sobre Edgar Allan Poe.

Assim como o romance que tem Jorge Luis Borges como personagem, Verissimo escreveu O Opositor sob encomenda – o livro é o quarto volume da coleção Cinco Dedos de Prosa, em que cada dedo das mãos inspirou diferentes escritores a criarem histórias policiais. Assim, Carlos Heitor Cony escreveu sobre o indicador (O Indigitado), Fernanda Young sobre o médio (O Efeito Urano) e Mário Prata sobre o dedo mínimo (Buscando o seu Mindinho). Moacyr Scliar vai encerrar a série sobre o dedo anular.

Verissimo ficou com o polegar – e o dedo, claro, é um dos destaques da história, especialmente quando surge a personagem Serena, a bela mestiça que é metade dinamarquesa, metade índia, e que teve justamente os dois polegares decepados. ‘Há anos que vinha escrevendo a história, mas eu não conseguia engrenar, o que só aconteceu neste ano’, contou Verissimo ao Estado, justificando o período em que apenas publicou crônicas e textos sobre uma de suas paixões, o cinema.

Tanto naquelas como no romance, porém, o escritor prende a atenção com um texto engenhoso e divertido. A história de O Opositor já toma um ritmo alucinante no início, quando o jornalista, exausto e extasiado, entra naquele bar de Manaus e um estrangeiro, enorme e vermelho, conhecido por Polaco, senta-se ao seu lado.

Jósef Teodor, seu nome verdadeiro, é um sujeito que há anos não sai do bar nem larga a cadeira que elegeu como seu ponto fixo. Ele é um dos ‘Opositores’, homens encarregados de agir em nome das organizações mais poderosas do mundo. Uma função semelhante ao do dedo polegar em relação aos outros da mão, garantindo-lhes funcionalidade e precisão. E, curiosamente, o grupo defende que a humanidade não sofreria tantos problemas se o homem não tivesse o polegar e, com isso, não poderia segurar a arma que mata seus semelhantes.

Além da originalidade da história, Verissimo brinca também com nomes de pessoas e instituições, fazendo referências explícitas ou sugeridas. Hatoum, por exemplo, o dono do bar onde o jornalista busca refresco para o calor, provoca uma evidente lembrança ao escritor Milton Hatoum, que nasceu na região amazônica. E os membros dos Opositores pertencem a um grupo, Meierhoff, o mais poderoso do mundo e cuja fonética faz lembrar o grupo Baader-Meinhoff, guerrilheiros urbanos da Fração do Exército Vermelho (RAF), responsável por sangrentas ações terroristas na Alemanha entre os anos 1970 e 80.

A agilidade da narrativa, porém, não revela a dificuldade enfrentada por Verissimo. ‘Escrever diálogos em inglês é mais fácil, pois a autenticidade é garantida’, justifica. ‘Em português, ao contrário, é complicado, pois uma frase escrita gramaticalmente correta não parece autêntica como um diálogo.’ A paixão pelo cinema, especialmente os filmes com grandes roteiros, é uma justificativa encontrada pelo escritor para explicar sua habilidade em criar falas.

Verissimo conta que jamais pensou em ser escritor, especialmente romancista. Começou por acaso, produzindo textos para jornais. ‘Eu não tinha nenhuma ambição de escrever romances, mas, como foram surgindo pedidos, acabei produzindo uma obra.’

Os artigos para a imprensa, como os que escreve para o Estado, continuam rotineiros assim como parece ser o trabalho por encomenda – não é apenas O Opositor que logo chega às livrarias, mas também o livro que Verissimo escreveu sobre seu time do coração, o Internacional, a ser lançado em breve pela Ediouro.

De acordo com as determinações da coleção à qual o livro pertence e que reúne obras escritas sobre clubes de futebol, Verissimo produziu um texto apaixonado sobre o Colorado. ‘Já existe uma história definitiva do Inter, feita pelo Ruy Carlos Ostermann, e eu não tinha condições de fazer grandes pesquisas sobre a vida do clube, por isso escrevi a autobiografia de um torcedor, no caso eu’, explica.

O escritor reuniu suas experiências como torcedor, desde o primeiro Gre-Nal (o maior clássico do Sul, entre Grêmio e Inter), que acompanhou quando estava com dez anos. A partida, aliás, tornou-se inesquecível: ‘Foi o primeiro jogo de futebol que vi ao vivo, com cheiro de grama e tudo’, explica. ‘Eu e minha família tínhamos voltado dos Estados Unidos no ano anterior e eu estava recém retomando pé no Brasil, e só conhecia futebol de ouvir no rádio. Ainda me lembro da sensação de estar no campo.’

Verissimo presta homenagem também a seus ídolos. ‘Meu jogador inesquecível é o Tesourinha, ponteiro direito que jogou no Inter do começo dos anos 1940 até 49. Depois foi jogar no Vasco e, quando voltou a Porto Alegre, foi para o Grêmio, tornando-se o primeiro negro a jogar naquele time.’ O pecado, porém, já foi perdoado. Tanto que o livro é dedicado a ele.’