Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Deonísio da Silva

‘Vem aí mais uma comissão parlamentar de inquérito, viveiro de vários caras que vão aparecer com outras caras, barbudas ou lisas. Abolidos o fio do bigode, a vergonha na cara e a palavra, reinará soberano o gravador, que registrou a conversa dos caras. Será preciso livrar a cara do cara para que ele não quebre a cara diante de um cara-de-pau.

Antes havia o fio do bigode, dado em garantia de negócio, indicando que promessa e dívida foram originalmente coisas masculinas. A barba surgiu como avalista da palavra. Em algum momento da história de nossa língua, o verbo não foi suficiente e invocou a solidariedade de um dos pêlos do rosto, um só.

Mas o fio de bigode pareceu pouco, e o rosto inteiro, conhecido popularmente por cara, foi chamado em garantia adicional: era preciso ter vergonha, mas em lugar específico, na cara! Capistrano de Abreu sintetizou magistralmente o conceito ético que tomava conta do consenso popular, ao resumir a dois artigos nossa prolixa Constituição: ‘Artigo 1º. Todo brasileiro é obrigado a ter vergonha na cara. Artigo 2º. Revogam-se as disposições em contrário’.

Ao rastrearmos a origem das palavras, encontramos os primeiros registros de ‘barba’, ‘cara’ e ‘vergonha’ ainda no século 13. ‘Bigode’ chegou no século 15, dois anos antes do Descobrimento do Brasil, pois sua estréia na língua portuguesa deu-se no Diário da viagem de Vasco da Gama, em 1498.

A origem de ‘cara’ remete ao latim cara, que designou originalmente o rosto, a face, vinda do grego kára, cabeça, e não apenas rosto ou face. Quer dizer, os antigos romanos já reduziram a cara à metade da frente da cabeça, embora adorassem um deus de duas caras, Janus, que não tinha nuca, apenas dois rostos, um que olhava para o futuro, outro para o passado.

‘Vergonha’ veio do latim verecundia, palavra de domínio conexo com veritas (verdade); vera (verdadeira) e verus (verdadeiro) ou verum, de igual significado, mas do gênero neutro, inexistente em português, que tem apenas masculino e feminino. ‘Bigode’, de origem controversa, nasceu de provável redução de um juramento dos antigos germânicos: bi God, ‘por Deus’.

‘Cara’ tornou-se sinônimo de indivíduo, que só pode ter uma. ‘Ah, esse cara tem me consumido’, escreveu Caetano Veloso em Esse cara. E na cara do cara, ‘olhinhos infantis’, ‘olhos de um bandido’, em que a inocência é invocada para temperar o jeito ardiloso do pícaro, não para denunciar a criminalidade precoce.

‘Cara a cara’ surgiu como método para descobrir a verdade, assim como ‘acareação’.

Já ‘cara de tacho’ designa a aparência que toma o desconcerto, diferente de ‘cara de quem comeu e não gostou’, de quem nem sequer provou a comida do tacho. Neste caso, de cara amarrada para evitar que ela caia no chão, dá de cara com alguém com quem possa encher a cara no bar mais próximo.

Mas, adverte o povo, quem vê cara não vê coração.’



JORNAL DA IMPRENÇA

Moacir Japiassu

‘Fumacê do PT’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 9/06/2005

‘‘Quem é pago não pensa’

(Roberto Jefferson, que entende do assunto.)

Fumacê do PT

Depois da leitura sempre atenta dos periódicos da semana, Janistraquis acendeu um habano já mofado pelos anos, pois vinha do tempo em que Fernando Morais era repórter do Jornal da Tarde, e comentou, numa baforada, digamos, cubatense:

‘Considerado, o PT é que nem a polícia do Haiti, segundo aquele relatório do International Crisis Group, centro belga de análises, especializado em situações de conflito: não tem inteligência confiável, apresenta treinamento deficiente, lealdades divididas e responsabilidades conflitantes.’

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Renunciou!

Chamadinha de capa do UOL de terça, 7/6:

Ex-presidente Gutiérrez renuncia ao exílio no Brasil

BRASÍLIA (Reuters) – O ex-presidente do Equador, Lucio Gutiérrez, renunciou ao status de exilado político que o Brasil lhe concedeu em abril, informou na segunda-feira o Itamaraty.

Janistraquis, que teme entrar numa gelada e anda a trocar sorvete por solvente, como o José Genoíno, comentou:

‘Considerado, tenho certeza de que Gutiérrez se mandou por dois motivos distintos: primeiro, porque é tanta a m… no ventilador por aqui que pode sobrar pra ele; depois, nessa bagunça que é a política sul-americana, há sempre a possibilidade de qualquer coronel, mesmo reformado, assumir a presidência da Bolívia…’

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Carnaval

Do sempre brilhante Fernando Rodrigues, no fecho de sua coluna na Folha:

Essa novela do ‘mensalão’ ainda nem começou direito. O Palácio do Planalto parece não ter percebido. Como diria o agora providencialmente emudecido secretário-geral do PT, Silvio Pereira, estão querendo tapar o sol com o pandeiro (sic).

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Sanfoneiro

Aviso publicado em tudo quanto é jornal:

A assessoria de imprensa do Sesc Itaquera informou o cancelamento do show de Inezita Barroso em sua festa junina. Em seu lugar se apresentará Mário Zan.

Janistraquis fez as contas e concluiu:

‘É triste, considerado, mas não se pode confiar inteiramente no pessoal da quarta idade; Inezita já amarga oitenta anos e Mário Zan encaminha-se para o brejo dos 85. Para animar a quadrilha, é mais garantido pedir ao Roberto Jefferson o nome de um sanfoneiro mais jovem…’

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Apóie o Rascunho!

Em campanha por mais assinaturas, o paranaense Rascunho, único jornal brasileiro inteiramente dedicado à literatura, pede apoio às pessoas inteligentes. Conheça a peça publicitária no Blogstraquis.

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Tesouro da Juventude

O considerado Camilo Viana, diretor de nossa sucursal mineira, desde menino compulsivo leitor da Tribuna da Imprensa, envia excerto extirpado à coluna do seu amigo de juventude, Sebastião Nery:

Era o maior vendedor de livros de Salvador. Jovem, elegante, simpático, bom papo, vendia todo tipo de coleções de livros, do ‘ Tesouro da Juventude ‘ de Julio (sic) Verne a Monteiro Lobato e Jorge Amado, desde literatura da editoras Nacional, José Olimpio, a didáticos da Melhoramentos(…)

Camilo pede desculpas a Nery, com quem tomou muitos chopes no extinto Rei dos Sanduíches, na Av. Afonso Pena, nos tempos em que o colunista da Tribuna vivia em Belo Horizonte, mas não se pode perdoar a mancada:

O Nery aumentou em 18 volumes a obra de Júlio Verne, creditando-lhe a autoria do ‘Tesouro da Juventude’. Essa coleção, originalmente inglesa, ilustrou meus dias de jovem; foi editada pela W. M. Jackson, Inc., com sede em São Paulo, e cada volume apresentava assuntos diferentes.Lembro-me muito bem do Livro dos Porquês’.

O colunista também bebeu dessa fonte. O Tesouro da Juventude tinha introdução do mestre Clóvis Bevilacqua e apresentava-se assim, conforme conferi agorinha mesmo na Internet:

Encyclopedia em que se reunem os conhecimentos que todas as pessoas cultas necessitam possuir, offerecendo-os em forma adequada para o proveito e entretimento dos meninos.

Janistraquis acha que, ao atribuir o Tesouro a Júlio Verne, Nery não cometeu propriamente uma falha, mas uma tremenda injustiça.

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Linguagem arretada

Diretor de nossa sucursal em Brasília, de cuja varanda sempre foi possível flagrar os deputados na fila do mensalão, o considerado Roldão Simas Filho, exausto de tantas safadezas publicadas nos jornais, resolveu dirigir sua atenção para as bulas dos remédios:

As bulas que acompanham as caixas de remédio destinam-se à leitura dos pacientes e não dos médicos, é óbvio. Entretanto são escritas em linguagem médica e não com o vocabulário comum do dia-a-dia das pessoas, o que só causa confusão e desânimo de se ler e entender o que é importante.

Vejamos só um pequeno trecho de uma bula:

‘Farmacocinética: NATRILIX SR é apresentado sob uma forma galênica de liberação prolongada, em função de um sistema de dispersão matricial com dispersão do princípio ativo no meio de um suporte que permite uma libração prolongada da indapamida.’

Isso, para não falar do emprego de letrinhas miúdas.

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Familiares

Deu no Erramos da Folha:

Por erro da Redação, o sobretítulo do texto ‘Severino faz lobby a favor de usina de amigo’ (Brasil, pág. A9, 3/6) informou incorretamente que o deputado federal Armando Monteiro Neto (PTB-PE), presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria), é proprietário da Destilaria Gameleira S.A. Na realidade, a usina pertence a seus familiares.

Janistraquis ficou alguns segundos pensativo e depois resmungou:

‘Engraçado…a usina não é do Armando, é dos ‘familiares’ dele… isso só existe no Brasil, né não?’

Talvez exista também no Gabão.

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Velhos tempos

O considerado Vito Diniz, que recentemente trocou Petrópolis por São João da Barra, enviou excelente crônica de Cláudio Renato, produtor do Jornal da Globo no Rio. O texto, publicado no site do telejornal, incensa o hoje aposentado repórter José Côrtes dos Santos, o Zé Grande, figura folclórica do jornalismo policial dos velhos tempos:

Ao passar dia desses pelo portal do cemitério do Caju, lembrei de alguém muito querido. José Côrtes dos Santos, o Zé Grande, tornou-se legenda da reportagem policial carioca numa época em que não existiam laptops, celulares, computadores. Era um tempo em que valia furtar o boneco (fotografia) das vítimas e até derramar vinho tinto no presunto – simulação de muito sangue, para alegria dos fotógrafos e desespero dos legistas.

(…) Certa vez, no plantão noturno, Zé recebeu o telefonema do próprio chefe da polícia. Tragédia em Copacabana, na Rua Bento Ribeiro 200, conhecido ponto do submundo.

Claro que uma falha de digitação não há de comprometer uma história tão bacana, porém este é um errinho que Janistraquis jamais cometeria:

‘É verdade, considerado; morei lá, na Barata Ribeiro, 200, apartamento 910. No andar de cima, vivia o conterrâneo Paulinho Pontes, grande autor de inesquecíveis peças teatrais. E sabe quem morava comigo naquele cubículo com vista pra Ladeira do Leme? Fernando Gabeira, Nicodemus Pessoa, Adauto Novaes, Antônio Beluco, Luiz Adolfo Pinheiro… E todos ao mesmo tempo!!! Se não fossem os horários de trabalho, muito diferentes uns dos outros, aquilo seria uma esculhambação maior do que a tesouraria do Delúbio Soares…’

(Leia a íntegra da crônica de Cláudio Renato no Blogstraquis)

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Nota dez

Por indicação do considerado Fernando Paiva, é com grande satisfação que a coluna elege um oportuno texto do sociólogo Eduardo Graeff, publicado em Tendências/Debates da Folha de S. Paulo; trata-se de artigo exemplar, produzido por uma inteligência que não teme contrariar os defensores do chamado desarmamento civil.

Charlton Heston e eu

(…) Tenho inveja dos lugares do mundo onde as pessoas nem pensam em ter uma arma em casa porque acham desnecessário. E dos lugares onde em todo caso não usam arma de fogo para atacar ou se defender de outras pessoas. Mas não me consta que esses lugares tenham chegado lá por decreto.

(A íntegra acautela-se no Blogstraquis)

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Errei, sim!

‘SOS IMPRENSA – Dois títulos que meu secretário considerou ‘porretamente inventivos’ e os inscreveu como candidatos desde já favoritos ao Troféu SOS Imprensa:

— As fiiiiiiiiilas nossas de cada dia (Diário do Povo, Campinas)

— Medidas agradam a gregos e troianos (Folha da Tarde, SP)

É mais do que justo!’ (abril de 1990)’



HOMENAGEM / JOSÉ
HAMILTON RIBEIRO

Eduardo Ribeiro

‘Um tributo a José Hamilton Ribeiro’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 8/06/2005

‘Dia desses, conversando com Gabriel Romeiro, do Globo Rural, descobri que no ano da graça de 2005 o repórter José Hamilton Ribeiro completa 70 anos de vida e 50 de profissão. Incrível, pensei comigo. Como o tempo passa e como, ao mesmo tempo, o Zé Hamilton continua o mesmo, apesar do ‘grisalhar’ dos cabelos. Imediatamente fiz as contas e descobri que quando eu estava nascendo e engatinhando na vida, ele já o fazia na profissão, iniciando então uma carreira que o consagraria como um dos maiores repórteres da história desse País. O maior de todos, na minha modesta opinião. O mais inquieto, o mais humilde, o mais simpático, o mais corajoso, o mais militante, o mais caipira… o mais repórter.

Aos 70 anos, ainda vemos o Zé sair por essas caatingas e sertões atrás de informação de qualidade de nosso rico campo, para editá-las e exibi-las nas alegres manhãs dominicais do Globo Rural. E o faz, me perdoem as falhas nas datas, há mais de 20 anos. E cada matéria como se fosse a primeira. Seus causos…ah, seus causos! São tantos e tão deliciosos que um dia certamente vão parar no prelo, por obra dele ou quem sabe da filha Tetê Ribeiro ou do genro Sérgio Dávila.

Perguntado se a perna perdida numa mina assassina na Guerra do Vietnã, para onde foi como correspondente da Realidade, não lhe atrapalhava na saga de repórter, ele saiu-se com essa: ‘altivez se tem com uma ou com duas pernas, mas se perde quando se fica de quatro’. A frase não foi bem essa, mas o sentido sim. E novamente aqui peço licença para poetizar um pouco essas passagens. Vi Zé Hamilton, num Congresso que eu organizo, de Comunicação no Serviço Público, defender como nunca havia visto, salários elevados para parlamentares. E o fez deixando a platéia (auditório lotadíssimo) boquiaberta. ‘Quem pode viver da política sem uma remuneração decente? Só os ricos, que não precisam daqueles trocados, mas querem o poder para fazer suas armações e privatizar o dinheiro público. Parlamentar precisa ganhar bem para viver da atividade política com dignidade e para poder se dedicar integralmente a ela, diminuindo o espaço para a corrupção’. Lembro-me de que no final da exposição foram minutos de aplausos, com todos de pé.

Vi Zé Hamilton escrever ‘O tratado geral do passaralho’, texto histórico em que descreve, de forma bem humorada, como a ‘ave maldita’ surge e dá seus rasantes nas redações, fazendo estragos por onde passa, nos movimentos de demissões em massa, aos quais até já nos acostumamos. Polêmico, vi produzir uma capa perguntando: publicidade no jornalismo, vitupério é? Isso 15 anos atrás, muito antes de Joelmir fazer propaganda para o Bradesco, mas já num momento em que, sobretudo no esporte, vários profissionais haviam se rendido à força da grana dos comerciais pagos.

Mesmo famoso e festejado, nunca renegou seu lado militante e sempre que chamado deu sua contribuição voluntária às causas dos jornalistas e do jornalismo. Escreveu livro sobre a história do Sindicato; integrou junta governativa em momento de crise, dividindo o comando com Antonio Carlos Fon; editou o Unidade, naquele que, em minha opinião, foi o melhor momento do jornal da entidade. Num dos lançamentos de livros que ele escreveu – Gota de Sol (sobre a saga da fruta laranja) – vi cada amigo saindo da livraria do Shopping Iguatemi com um exemplar do livro numa mão e uma muda de laranjeira na outra. A minha ainda viceja, embora maltratada, coitada, no quintal de uma casa que tenho na praia de Boiçucanga, no Litoral Norte de São Paulo.

Noutro lançamento – e esse não me lembro qual o livro – lá estavam catireiros de Santa Rita do Passa Quatro, uma cidade do interior paulista, fazendo uma demonstração dessa típica dança caipira em pleno Conjunto Nacional, na Paulista.

Corajoso, enfrentou tanto os campos minados do Vietnã como as lentes de um fotógrafo (não vou saber citar o nome) da revista Trip, que o eternizou sentado numa cadeira sem a prótese da perna perdida. Detalhe: foi a capa da revista.

Quem o vê confortável no papel de repórter especial do Globo Rural há tantos anos, sem conhecer seu passado, não sabe, por exemplo, de outras opções profissionais corajosas que tomou, indo para o Interior em duas ocasiões, para editar jornais regionais. Uma em Campinas, no Diário do Povo, então propriedade de Orestes Quércia, e outra, salvo engano, em São José do Rio Preto, quando também integrou uma equipe de profissionais renomados para numa experiência até então inédita na imprensa regional brasileira. Está aí hoje a imprensa regional cada vez mais forte e com muitos veículos que não ficam nada a dever, em qualidade, aos das capitais.

Em 1990, quando assumiu o compromisso de finalmente tornar o Unidade um jornal de verdade, tanto em termos de qualidade editorial quanto de periodicidade, me chamou ordenando: ‘Dudu, eu quero que você faça para o Unidade uma coluna sobre gente, mostrando o vaivém profissional, as coisas que se passam nas redações, e tudo enfim que diga respeito aos jornalistas. E essa coluna vai se chamar Moagem.’ Desde aquela época o Unidade, do Sindicato, se consolidou, circulando regularmente até hoje. E o Moagem, que nasceu com meia página, no já distante abril de 1991, parte para seu 15º aniversário, já há muitos anos com três páginas e ainda uma das seções mais lidas do jornal.

Premiadíssimo, Zé Hamilton ainda vibra como menino a cada nova conquista, como se fosse a primeira. Certa vez, ao ser chamado de veterano, numa pequena nota, esbravejou: quem lê acaba achando que essa é a nossa única qualidade, ser velho. Como o autor da nota fui eu, nunca mais esqueci a lição.

Em outubro passado, numa festa que fiz em comemoração aos meus 50 anos de vida, Zé Hamilton, no palco, emocionou muitos de meus amigos e familiares, com elogios, os quais, certamente, não sou merecedor. Meus olhos marejaram não só por presença tão especial, como também por palavras tão carinhosas. E o mais incrível é que as palavras que ele disse sobre mim eram as mesmas que eu próprio gostaria de dizer sobre ele.

Enfim, ‘rasgação’ de sede à parte, as festas em sua homenagem ainda nem começaram, mas é bom que ele se prepare, que visite um bom cardiologista e que leve consigo lenços para enxugar as lágrimas fugidias que certamente escaparão de seus olhos, porque as emoções serão fortes. Eu digo que não se poderá contar a história do jornalismo brasileiro, sobretudo a partir da segunda metade do século XX, sem um capítulo especial dedicado a esse tremendo repórter. Que tal, Markun, levar o Zé para um Roda Viva? Sinval, cairia super bem uma capa com ele na Imprensa, você não acha? Rodrigo, por que não uma homenagem especial ao Zé no Prêmio Comunique-se deste ano? Ruy Portillo e Guilherme Duncan, vejam que feliz coincidência: no mesmo ano em que o Esso completa 50 anos premiando os melhores jornalistas do País, o Zé, vencedor dessa láurea, também faz cinquentinha de profissão. Por que não uma homenagem conjunta? Sérgio Dávila e aquele livro que você disse que estava fazendo sobre o sogrão, sai mesmo? Fred, e o nosso Sindicato, que deve tanto ao Zé, que tal explorá-lo um pouco mais, num grande debate, ou quem sabe numa festa para todos os associados?

Quanto à Globo, acho que nem é preciso sugerir algo, pois certamente de lá partirão as principais homenagens. Bem, Zé, tudo isso, obviamente, nas folgas entre uma reportagem e outra, porque navegar é preciso e trabalhar também. Um beijo no coração.’



MEMÓRIA / ÉRICO VERÍSSIMO

Carlos Heitor Cony

‘A lâmpada de Érico’, copyright Folha de S. Paulo, 12/06/2005

‘Convidado para participar em Porto Alegre de um debate sobre a obra de Érico Veríssimo, cujo centenário de nascimento comemora-se neste ano, andei relendo alguns de seus livros que considero mais importantes. E deparei-me com uma cena e um comentário que muito me impressionaram em ‘Solo de Clarineta’, que são suas memórias.

Filho de um dono de farmácia em Cruz Alta (RS), farmácia que, nas cidades do interior, funciona como único pronto-socorro da coletividade. Ali chegou um homem gravemente ferido, com o abdome aberto, por onde saíam os intestinos, muito sangue e pus. Era noite, o homem estava morrendo. Chamaram Érico, mal saído da infância, para segurar uma lâmpada que iluminasse o ferimento que deveria ser operado por um médico de emergência.

O menino teve engulhos, ficou enojado, mas agüentou firme, segurando a lâmpada, ajudando a salvar uma vida. Em sua autobiografia, ele recorda aquela noite e comenta:

‘Desde que, adulto, comecei a escrever romances, tem-me animado até hoje a idéia de que o menos que um escritor pode fazer, numa época de atrocidades e injustiças como a nossa, é acender a sua lâmpada sobre a realidade de seu mundo, evitando que sobre ele caia a escuridão, propícia aos ladrões, aos assassinos e aos tiranos. Sim, segurar a lâmpada, a despeito da náusea e do horror’.

Creio que não há, na literatura universal, uma imagem tão precisa sobre o ofício do escritor, principalmente do romancista. Leitores e críticos geralmente reclamam das passagens mais escabrosas, aparentemente de gosto duvidoso, de um romance, texto teatral, novela ou conto. Acusação feita à escola realista, na qual se destacaram Zola e Eça de Queiroz. No teatro, Nelson Rodrigues e até mesmo Shakespeare em alguns momentos, como na cena do porteiro de ‘Macbeth’.

Érico acertou na veia (perdoem a imagem que está na moda). Ele também ergueu sua lâmpada e iluminou parte da escuridão em que vivemos.’