‘Abel possuía um cachorro de estimação. Quando o dono foi assassinado pelo irmão, o animal saiu pelo mundo denunciando o matador: caim, caim, caim. Daí o latido do cão, quando maltratado, soar ainda hoje como a pronúncia do nome Caim, do hebraico Qain.
Homem, homo em latim, é assim designado porque, feito de barro, húmus, voltará para o barro. Melhor, então, afastar a vaidade e ser humilde, humilis, do barro.
Mulher, mulier, provém de molior, mais mole, comparativo de molis, mole, sendo por isso o sexo frágil, barro mole de Eva, em oposição ao barro endurecido de Adão.
Sendo humus molis, barro mole, será por isso também humida, úmida, molhadinha? Hostis, inimigo, de onde veio hostil, revela na própria letra inicial o significado, pois representa uma espada dupla entre dois adversários. Ou, dito em latim culto por Apuleio, ‘quasi biceps gladius inter duas hostiles partes’. Assim, O asno de ouro, sua obra de referência, soa autobiográfico.
Varrão ensina que a raposa – vulpes, em latim – é assim designada por alteração de volpes, vol e pes, a que, sendo muito rápida, voa com os pés, ‘quod volat pedibus’.
Platão diz no Crátilo que heros, herói, tem tal designação porque é fruto de eros, desejo, paixão vivida entre um deus, imortal, e um ser, mortal, daí ser um semideus.
Se na Grécia e em Roma era assim, por que em Portugal as estranhas origens não vicejariam? A vila de Alijó tem este nome porque Jesus, andando em terras portuguesas na companhia de Jó, respondeu-lhe quando este lhe perguntou onde era a terra da boa gente: ‘Ali, Jó’. Ora, vários séculos separam Jesus de Jó; nenhum dos dois esteve em Portugal; não poderiam falar português, pois a língua ainda não existia: o advérbio ali, do latim illic, surgiu na língua portuguesa 1.200 anos depois de Jesus.
Na vizinha Espanha, Joan Corominas diz no Dicionário etimológico da língua castelhana que cigarra veio de cigarro, ‘quizá por comparación con el cuerpo cilíndrico y oscuro de este animal’. Animal? Mas não seria um inseto cantor?
Procurar entre os indígenas da América que falavam quíchua e chamavam fumo de zig ou cig daria mais trabalho. Mas foi dali que vieram o inglês cigarete, o francês cigarette, o alemão zigarette, o italiano sigaretta, palavras ligadas respectivamente a cigar, zigar e sigaro, as três designando charuto nas línguas citadas.
Não é só no português que nos embrulham. O inglês news (notícias, presente também em newspaper, jornal, notícias no papel), do grego néos, novo, pelo gótico niujis, teria vindo de antiga prática editorial: jornais ingleses mostravam as primeiras letras dos quatro pontos cardeais: N.E.W.S., para indicar que recebiam notícias do mundo inteiro.
E pateta, que veio de tolo, aquele que sempre paga o pato, teria vindo do francês pas-de-tête (sem cabeça).
Também na etimologia, as mentiras têm estranhos poderes. Perdem para as verdades, mas às vezes a luta é demorada.
PS – Devo a Edmílson Caminha, um querido amigo e assessor parlamentar do Congresso, o achado: Etimologias fantasiosas, de José Lemos Monteiro (Fortaleza, Editora Henriqueta Galeno, 1979)’
Pasquale Cipro Neto
‘‘A leitura de Drummond…’’, copyright O Globo, 19/06/05
‘NOSSO ÚLTIMO TEXTO TEVE POR BASE a letra da canção ‘A fábrica do poema’, escrita pelo querido e saudoso Waly Salomão (a melodia é de Adriana Calcanhotto). No fim dessa letra, o poeta fala de ‘…metonímias, metáforas, aliterações, oxímoros…’. Na coluna de domingo passado, vimos o que são metáforas e aliterações. A metáfora foi exemplificada com um trecho (‘Meu coração é um balde despejado’) do poema ‘Tabacaria’, de Álvaro de Campos, um dos heterônimos de Fernando Pessoa; a aliteração foi ilustrada com dois trechos de letras de Chico Buarque (‘Pedro pedreiro’, cuja melodia é do próprio Chico, e ‘Retrato em branco e preto’, cuja melodia é de Tom Jobim).
E como ficam as outras figuras citadas por Waly Salomão (a metonímia e o oxímoro)? Mãos à obra! Na palavra ‘metonímia’, que vem do grego, encontram-se os elementos ‘met(a)-’ (que significa ‘mudança’ e está presente também em palavras como ‘metamorfose’, ‘metáfora’ etc.) e ‘-onímia’ (que significa ‘nome de coisa ou pessoa’ e se encontra também em palavras como ‘sinonímia’, ‘toponímia’ etc.). Diferentemente da metáfora, que, como vimos, tem por base relações comparativas ou de semelhança, a metonímia consiste basicamente em designar um objeto por uma palavra que tenha com esse objeto uma relação de contigüidade, de adjacência. Tradução: em ‘É um presente para o espírito a leitura de Carlos Drummond de Andrade’, por exemplo, emprega-se ‘Carlos Drummond de Andrade’ no lugar da obra desse nosso grande escritor. A metonímia está justamente na substituição de ‘obra de Drummond’ (ou ‘poesia de Drummond’, ‘livros de Drummond’ etc.) por seu autor, ou seja, ‘Drummond’.
A figura da metonímia está mais do que presente em nosso cotidiano. Quando chamamos de ‘gilete’ qualquer lâmina de barbear, empregamos a metonímia. Na origem, ‘gilete’ é o sobrenome de King Camp Gillette, inventor e primeiro fabricante dessa lâmina de barbear. O sobrenome do ‘pai’ da lâmina deu origem ao nome da fábrica. Em seguida, o produto passou a ter o nome do produtor. Na linguagem chula do Brasil, ‘gilete’ passou (por semelhança, portanto por metáfora) a designar também o indivíduo bissexual. Como se vê, a metonímia acabou dando origem a uma metáfora.
Na mais do que memorável ‘Viola enluarada’ (música de Marcos Valle e letra de Paulo Sérgio Valle), encontra-se um dos clássicos exemplos de metonímia (o do emprego da parte no lugar do todo): ‘A mão que toca um violão / Se for preciso, faz a guerra (…) / A voz que canta uma canção / Se for preciso, canta um hino / Louva a morte (…) / O mesmo pé que dança um samba / Se preciso, vai à luta / Capoeira…’. Nessa belíssima letra, escrita nos anos 60, ‘mão’, ‘voz’ e ‘pé’ constituem exemplos de metonímia, já que substituem o indivíduo que tem a mão, a voz e o pé.
Nesses casos, o efeito estilístico da metonímia é indiscutível: salienta-se cada ‘parte’ do corpo que se presta ora a algo delicado (tocar violão, no caso da mão, por exemplo) ora a algo mais bruto (fazer a guerra, ainda no caso da mão). É bom lembrar que essa ‘guerra’ tem fundamento ideológico – estamos na década de 60, e a ditadura militar já perpetra suas barbaridades.
E os ‘oxímoros’, de que fala Waly Salomão? É bom dizer que os dicionários brasileiros registram as formas ‘oximóron’ e ‘oximoro’ (paroxítona, com intensidade tonal no ‘o’ da sílaba ‘mo’). O ‘Dicionário contemporâneo da língua portuguesa’, da Academia das Ciências de Lisboa, só registra a forma ‘oxímoro’ (proparoxítona). Essa figura consiste na associação de palavras contraditórias, que teoricamente se excluem, mas reforçam a expressão (‘silêncio eloqüente’, ‘valentia covarde’ – exemplos do ‘Aurélio’; ‘música silenciosa’, ‘obscura claridade’ – exemplos do ‘Dicionário Houaiss’).
Até domingo. Um forte abraço.’
JORNAL DA IMPRENÇA
Moacir Japiassu
‘Pacto marciano’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 17/06/05
‘Na seção Tendências/Debates da Folha de 10/6, sob o título Por um pacto nacional contra a corrupção, escreveu o considerado Carlos Eduardo Lins da Silva:
(…) Qualquer cidadão pode participar de um pacto desses, na sua condição de consumidor. Ele também é capaz de assumir a obrigação de boicotar produtos e serviços de empresas corruptoras. O resultado desse tipo de ação já foi observado quando o público deixou de adquirir bens produzidos por indústrias que se valiam de mão-de-obra infantil.
Em vez de protestar contra a ineficiência e a morosidade da Justiça, de sair às ruas em protestos violentos, de cair no conformismo cínico de aceitar a inevitabilidade da corrupção endêmica, a sociedade pode fazer algo rápido e eficiente para reduzi-la substancialmente.
Na mesma edição do jornal, o considerado Clóvis Rossi escreveu:
(…) Então, ficamos assim: ou alguém traz de volta de Marte esse conjunto de lideranças petistas ou a crise, que já é feia, vira tragédia.
Janistraquis acha que Carlos Eduardo Lins da Silva deveria aproveitar algum foguete de São João para voltar à Terra, acompanhado da trupe petista.
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Gabeira brilhante
Em nome do interesse público, o Blogstraquis transcreve a excelente entrevista que Veja desta semana fez com Fernando Gabeira. Debaixo do pau do deputado, jornalista e escritor, padecem o PT, Lula e Zé Dirceu, hoje todo-poderoso e por quem Gabeira quase morreu, nos episódios subseqüentes ao seqüestro do embaixador americano, em 1969. Convido o considerado leitor a dar uma olhadinha nessa mea culpa deveras espetacular.
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Muintcho doido…
O considerado Celsinho Neto, diretor de nossa sucursal nordestina, anda mais sumido do que Luís Eduardo Greenhalgh, porém não se trata de renúncia ou deserção; ele faz atualmente um curso de economia em Harvard, preparando-se para assumir, a qualquer momento, o lugar do ministro Palocci. As tarefas acadêmicas não o impedem, porém, de colaborar eventualmente com a coluna, segundo comprova a seguinte missiva:
Considerado Janistraquis:
O nosso querido jornal Diário do Nordeste resolveu criar um novo índice de estatística: a média diária mensal. Veja o que publicou o jornal sobre acionamento de alarmes de agências bancárias:
‘DIÁRIO – Conforme a estatística fornecida, diariamente ocorre uma média de 104 alarmes acionados por mês, o que representa mais de três chamadas por dia. Houve meses como março do ano passado, com 134 acionamentos e junho do mesmo ano, com 131.
‘Normalmente são problemas no alarme ou um acionamento involuntário, de algum funcionário mexendo no sistema’, destaca o coronel Serra’.
Diariamente ocorre uma média por mês? Esta é no melhor estilo decifra-me ou te devoro…
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Por fora
Na festa do lançamento carioca de seus livros ‘Sabor de Mar’ e ‘Com Esperança no Coração’, no próximo dia 27, José Inácio Werneck, raro dublê de intelectual e esportista, vai atirar-se ao mar e, em braçadas de experiente nadador, planejava cumprir o trajeto entre o Castelinho e o Forte de Copacabana.
Digo ‘planejava’ porque, consultado a respeito, o comando do Forte, na palavra de um militar ao telefone, indeferiu o intento por ter ‘horror aos comunistas’. Não se referia ao escritor, é claro, pois este sempre foi um democrata radical, porém ao dono da Editora Revan, Renato Guimarães, veterano comunista, amigo de Oscar Niemeyer.
É certo que o considerado leitor conhece aquela história (verídica) do japonês encontrado na selva, espada de samurai à mão, sem nada saber da bomba de Hiroshima; estivera escondido, a temer os horrores de uma guerra já terminada quatro décadas atrás. Janistraquis não perdoou a reedição da nescidade:
‘Parece que um correligionário daquele japonês comanda o Forte e ignora não apenas o fim da ditadura militar no Brasil, mas até mesmo o desmoronamento do Muro de Berlim…’
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Acabadaço
Deu na Folha de S. Paulo:
Tyson joga toalha e diz que não luta mais
‘Estou acabado.’ Hoje é fácil acreditar que a frase tenha saído da boca de Mike Tyson. Difícil é imaginar que o mesmo pugilista que na noite de anteontem foi derrotado por nocaute técnico pelo desconhecido irlandês Kevin McBride foi um dos boxeadores mais temidos da história. E que anunciou que não irá mais lutar.
Esse mesmo homem, que já arrancou um pedaço da orelha de Evander Holyfield durante uma luta, agora quer paz e distância dos ringues.
Janistraquis, que entre seus esportes preferidos inclui, além do futebol e da farra do boi, o boxe bem disputado, faz pequena observação ao texto da matéria:
‘Considerado, é bom lembrar que Tyson não arrancou o pedaço da orelha de Hollyfield com um espetacular cruzado de esquerda; ele realizou a façanha com uma inesquecível dentada!’
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Outros alvos
O considerado mestre Roldão Simas Filho, diretor de nossa sucursal em Brasília, de cujo varandão escancarado para o gramado do Congresso é possível divisar o monumento eqüestre ao deputado goiano Sandro Mabel, líder do PL na Câmara, pois Roldão, insatisfeito com a tal bosta que respinga no dia-a-dia da imprensa, resolveu assestar sua metralhadora na direção doutros alvos e escreveu a seguinte carta à direção da revista História Viva:
Prezada editora Sra. Mirian Ibañez:
Na edição número 18, artigo sobre a participação do Brasil na II Guerra Mundial, há um engano quando se identificam os encouraçados Minas Gerais e São Paulo como porta-aviões. Só na época do governo JK é que o Brasil comprou seu primeiro porta-aviões, batizado com o nome de Minas Gerais, em homenagem ao antigo encouraçado e, obviamente, ao estado de Minas, terra do presidente.
Na mesma página 89 há uma referência a cinco navios de cabotagem (sic) afundados pelo submarino alemão U-507. Eram navios mercantes em navegação de cabotagem.
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Rabo cheio
O considerado Camilo Viana, diretor de nossa sucursal em Minas Gerais, assistia ao Jornal da Record e acompanhou falação do presidente Lula, na qual Sua Excelência repetiu e repetiu:
— Quem toma café todo dia de manhã, pode.
— Quem almoça todo dia de manhã, pode.
— Quem janta todo dia de manhã, pode.
— Estou falando para os pobres…
Homem vivido, Camilo está convencido de que não existem, em lugar algum deste mundo, pobres capazes de devorar tanta comida antes do meio-dia. Nem mesmo aqueles pesquisados pelo IBGE.
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Nota dez
Depois de vinte anos de jurada fé, duas décadas que separam as ilusões da juventude desta brasileiríssima e empedernida realidade, o hoje professor de Sociologia da Facha (Faculdades Integradas Hélio Alonso), Gílson Caroni Filho, demitiu o PT de sua agenda afetiva. Habitual freqüentador deste espaço, por sua competência e honestidade intelectual, o considerado professor escreveu no Jornal do Brasil de quarta-feira, 14/6:
‘(…) Na oposição, o PT foi o maior projeto de transformação política do país. No governo, combinou, como poucos, superávit primário e déficit democrático. A escolha econômica é sempre uma opção ética. Eis a lição que a esquerda petista nunca esqueceu. E por isso está condenada a se reinventar.’
Leia a íntegra no Blogstraquis.
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Errei, sim!
‘GENTE DO LAMAS — Deu no suplemento Rio-Show, de O Globo, em matéria sobre o mais-que-centenário restaurante Lamas, do Rio de Janeiro: ‘Há 120 anos recebendo os boêmios da cidade, o Lamas é o preferido de gente como o compositor Paulinho da Viola, a economista Maria da Conceição Tavares e o ex-jogador de futebol Dida, que foi titular de Pelé na Copa do Mundo de 1958’.
Titular de Pelé. Janistraquis acha que a repórter quis dizer: o ex-jogador de futebol Dida, de quem Pelé era reserva na Copa do Mundo de 1958.
Depois, sabe-se, o chamado Negão deu a volta por cima e Dida veio afogar as mágoas nas mesas do Lamas. Janistraquis garante que, naquele ano da vitória na Suécia, Conceição Tavares comemorou meio século de fidelidade ao restaurante.’ (dezembro de 1994)’