Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Deonísio da Silva

‘A longínqua tisuname ainda fazia estragos semana passada. Para o português, semelhando gripe asiática, trouxe novas palavras anexadas ou ‘atachadas’ em mensagens maliciosas e arquivos suspeitos. Será que precisamos de vacina e antivírus? A língua portuguesa pode sair enriquecida por numerosos vocábulos trazidos pela tisuname, mas é preciso tomar as devidas cautelas.

Devemos escrever ‘tisuname’, ‘tsunami’ ou ‘tisunami’? E o vocábulo recém-chegado é masculino ou feminino? Orientada por consultores especializados, ainda assim a imprensa vacilou, pois a matéria é controversa. O jornal O Globo oscilou entre masculino e feminino. Por fim, rendeu-se ao feminino. Mas a TV Globo, do mesmo grupo, preferiu ‘onda gigante’.

O Estado de São Paulo adotou o masculino, pois seu consultor utilizou como critério que está implícito ali um fenômeno e não uma onda. Quem adotou o feminino, considerou que está subentendido ‘onda’.

O dicionário Houaiss, generoso na explicação etimológica, dá a origem: ‘tsunami’ veio do japonês ‘tsu’, porto, e ‘nami’, onda. Mas para a esteira de palha de arroz, presente nas residências japonesas e utilizada nas lutas de caratê e de judô, o mesmo dicionário registra ‘tatame’ e ‘tatâmi’, ambos masculinos, advertindo que a segunda opção é menos usada.

Por que não ‘tisuname’, então? Pela resposta de sempre: há muito de arbitrário nas formas fixas. E arbitrário no bom sentido: precisamos de árbitros, como no futebol. Foi falta, pênalti? Feliz ou infelizmente, as regras nem sempre são claras no terreno da língua, seja ela falada ou escrita.

São complexos os contextos que ensejam as novas designações. Para dar nome a personagens e coisas de um Novo Mundo, principalmente na era da velocidade requerida pelo senhor da informática, o computador, os criadores recorrem a metáforas médicas, policiais, militares, eclesiásticas, climáticas etc.

Lexicógrafos, lingüistas, gramáticos e outros profissionais da língua vacilam na hora de registrar as novas realidades e delimitar-lhes, por exemplo, o exato sentido das novas palavras.

Os escritores vacilam menos porque, como os usuários da língua falada, têm poderoso recurso à mão para evitar ambigüidades e erros: o contexto. Outras vezes, como no caso da prosa de ficção e da poesia, é justamente a ambigüidade que procuram para melhor expressar o que sentem ou pensam.

Contudo, o médico que prescreve os remédios na receita precisa evitar a ambigüidade e ser entendido pelo balconista, que por sua vez nada entende de medicina e talvez pouco de farmácia, mas precisa saber português. Se errar a leitura do que o médico escreveu, entrega ao doente o veneno e não o remédio. O mesmo ocorre com os enfermeiros que recebem, por escrito, o nome da injeção a ser aplicada no paciente.

No Direito, dá-se coisa semelhante. Recentemente, um delegado soltou perigoso prisioneiro por não ter entendido a sentença. Leu-a como alvará de soltura. Era documento que mantinha o suspeito no cárcere.

Eis como aparece abonado o verbo ‘anexar’ em dois dicionários. ‘Em 1809, Dom João VI anexou a Guiana Francesa aos domínios portugueses’, diz o Aurélio. ‘Em 1938, Hitler anexou a Áustria à Alemanha’, diz o Houaiss. Anexos costumam trazer problemas, embora um filósofo como Ludwig Wittgenstein tenha achado que o ato de Hitler não tinha importância.

As guerras estão presentes também nas palavras. O computador está substituindo o fuzil em várias situações, como a pena já foi mais eficiente do que a espada. ‘Atachar’ e ‘anexar’ são bons exemplos, como vimos. A raiz de ‘atachar’ é a mesma de atacar. Quem ataca, ‘atacha’ despojos do inimigo ou anexa as conquistas. Os dicionários ainda recusam ‘atachar’.’



JORNAL DA IMPRENÇA
Moacir Japiassu

‘Gol contra’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 21/1/05

‘A Folha de S. Paulo e seus, digamos, co-irmãos, publicaram esta inacreditável notícia:

Governo do RJ impõe dieta light em escolas

Em mais um capítulo na guerra que o poder público vem travando contra o consumo de alimentos pouco saudáveis em cantinas escolares, o governo do Estado do Rio de Janeiro publicou anteontem no ‘Diário Oficial’ do Estado uma lei proibindo a venda e a propaganda de produtos que colaborem para a obesidade infantil nas escolas públicas e também nas particulares.

A legislação, no entanto, pode esbarrar em uma limitação: ela não prevê punição para as instituições que descumprirem essa norma.

A lei sancionada pelo governo do Estado foi de autoria do deputado estadual Roberto Dinamite (PMDB).

Janistraquis tenta mas não consegue se habituar a uma democracia na qual o que não é proibido é obrigatório:

‘Considerado, está dito que nada acontecerá aos ‘infratores’; ou seja, a tal lei já nasce vestida com o sanbenito da inutilidade. E nós, torcedores do Vascão, já vimos o Roberto Dinamite fazer jogadas melhores…’

É verdade. E também se esquecem do seguinte: o pastel que não passa pela retranca da escola está bem ali, no botequim da esquina!

Bicho de asa

O considerado Giulio Sanmartini, o mais brasileiro dos italianos, despacha de sua geladíssima Belluno:

‘Esta é para Janistraquis e saiu no blog do Ricardo Noblat’:

Oh Pátria Amada, Idolatrada, Salve! Salve! Perdi contacto com o novo avião presidencial. Pode ter sido por causa do meu nervosismo. Não estou acostumado com coberturas tão excitantes. Mas se nenhum vento forte tiver atrasado o vôo, daqui a cinco minutos o pássaro alado de US$ 56 milhões começará a sobrevoar o território brasileiro (…).

Sanmartini, que mesmo debaixo da neve braba enxerga mais que carcará na caatinga, protestou:

‘Pera aí, tem pássaro que não ‘avua’ (avestruz e outros), mas todos são rigorosamente alados! Os pássaros são aves e estas, por sua vez, se caraterizam por ter os membros anteriores modificados em asas.’

Confusão

O considerado Ruy Alberto Paneiro passava os olhos no Globo Online quando, de repente, viu-se mais perdido do que funcionário da Febem, ao ler logo abaixo do título Casal é preso com drogas e rádio transmissor na Cidade de Deus:

RIO – Um casal foi preso na tarde deste sábado, na Cidade de Deus, com 250 gramas de maconha e um rádio transmissor. Tatiane Barbosa, de 19 anos, e Felipe Luiz Oliveira de Souza, de 21, estavam na Favela da Rocinha quando foram surpreendidos durante a ronda de uma patrulha do 18º BPM (Jacarepaguá). O caso foi registrado na 32ª DP.

Carioca, morador da Barra da Tijuca, Paneiro tem absoluta certeza de que a Rocinha não fica tão perto da Cidade de Deus a ponto de provocar confusão em repórteres mais ou menos espertos, ao que Janistraquis interpôs, com alguma propriedade:

‘Como havia maconha e, principalmente, rádio transmissor no pedaço, é absolutamente certo de que os dois aprazíveis sítios cheiram o mesmo perfume e carregam no mesmo dialeto…’

Ainda bem que a erva transgênica está vindo por aí, para melhor orientar as ações policiais.

Gigabaite

O considerado Carlos Matos, do site Abre de Página (aqui), lia o caderno Negócios, do Estadão e… ah!, ele mesmo conta:

Na matéria sobre a tecnologia HD DVD, vê-se a foto de uma japonesa segurando um disco e a legenda diz: ‘Nova geração: HD DVD consegue guardar 15 gigabytes de dados’.

Qual o problema? Nenhum, a não ser por este detalhe: no disco que a japonesa segura está escrito em letras garrafais: 30 GB.

Janistraquis ficou deveras impressionado: ‘É, considerado… tem legendista, quer dizer, legendador, ou melhor, legendário, que não enxerga nem 30 gigabaites!!!’

Malandro

O considerado Rodrigo Nogueira, do Rio, leu no Globo Online:

RIO – Morreu na manhã desta segunda-feira o sambista Bezerra da Silva (…) hospitalizado no dia 1º de setembro (…), já em coma. Uma semana depois, saiu do coma e foi transferido para o Centro de Terapia Intensiva (CTI) da Casa de Saúde Pinheiro Machado, em Laranjeiras, zona sul do Rio, onde foi internado há oito dias. Ele melhora gradualmente de uma combinação quase fatal de enfisema pulmonar e forte pneumonia. Ainda não há previsão de alta, mas ele já reage à presença de parentes.

Então, Nogueira concluiu: ‘Malandro que é malandro não morre, apenas reage à presença de parentes. Salve, Bezerra!’

Erectus!!!

Janistraquis garantiu que, apesar de flácida, pelo tempo de exposição, a matéria d’O Dia, do Rio de Janeiro, precisava ser registrada aqui; afinal, o assunto foi levantado (epa!) por dois especialistas, Vito Diniz, considerado leitor de Petrópolis e colaborador contumaz da coluna, e Camilo Viana, diretor de nossa sucursal mineira, veterano de tempos menos, digamos, escrachados:

A Prefeitura de Magé está investigando um sumiço inusitado de seu patrimônio:dois pênis de borracha, um pequeno (12 centímetros) e outro grande (15 centímetros),ambos morenos e com bolsa escrotal.

Os bens, que incluem modelo pélvico de acrílico que reproduz o aparelho feminino, foram comprados dia 29 de abril da empresa paulista Semina Educativa e custaram R$ 218,10 aos cofres públicos.

A prefeita Núbia Cozzolino (PMDB) determinou a abertura de inquérito administrativo, já que ela culpa a antecessora e adversária política, Narriman Zito (PT), de ter sumido com tudo.

Meu secretário considerou o assunto por demais cabeludo, porém admitiu:

‘Considerado, não sei por que tanta onda; ora, é normalíssimo um pênis voar, haja vista aquele passaralho que costuma aparecer nas redações!’

É bem pensado, embora passaralhos jamais desapareçam, ao contrário dos pênis de Magé; passaralhos vão e voltam e mais voltam do que vão.

Fome zero

O considerado Roldão Simas Filho, que lê ri-go-ro-sa-men-te tudo o que encontra pela frente, despachou estas linhas da sede de nossa sucursal em Brasília, de onde se pode ver o Fome Zero a caminhar rumo ao pantanal:

No texto sobre o dia do carteiro, publicado no Almanaque Brasil deste mês, diz-se que os carteiros levam malas ‘com até 10 kg de provisões’. O termo provisão está mal empregado. Provisão diz respeito a estoque, reservas, em geral de alimentos.

Nota dez

A ‘democracia’ onde o que não é proibido é obrigatório decidiu que todos os motoristas devem fazer um curso de ‘direção defensiva’ e ‘primeiros socorros’. Esta maravilhosa idéia, que daria milhões de reais a uns poucos escolhidos, foi abandonada nesta quarta-feira (19/1), informou a imprensa, e para isso certamente contribuiu a análise feita por David Duarte Lima, doutor em segurança do trânsito, na seção Tendências/Debates, da Folha de S. Paulo:

(…) Estima-se que 5 milhões de motoristas renovarão sua habilitação neste ano. É aí que começam os problemas: 1) a maioria dos centros de formação de condutores não tem infra-estrutura para ministrar as aulas a essa quantidade de pessoas; 2) grande parte dos instrutores de trânsito conhece mal o tema e não tem condições de ensinar o conteúdo com qualidade; 3) o Contran não detalhou o conteúdo a ser ministrado e o material disponível é insuficiente.

Há ainda problemas operacionais não previstos. Como as pessoas que têm uma agenda cheia farão o curso? E os caminhoneiros, deverão parar uma semana para aprender direção defensiva? Quem pagará suas perdas? Quem fiscalizará a qualidade do curso? Quem poderá fornecer o diploma? E se houver venda de diploma? Que outras fraudes poderiam ocorrer e como preveni-las? Quais as diferenças de estratégia a serem utilizadas nos diversos Estados?

Errei, sim!

‘SEXO NA COPA – Arthur Cantalice, do Rio, envia o primeiro número do jornal O Cronista Esportivo, órgão oficial da ACERJ. É mensal e inicia sua vida com tanto tesão que cometeu a seguinte legenda: Parreira e Zagalo acertam o sexo na Copa. Janistraquis concorda com o veterano Cantalice; na verdade, o leitor fica sem saber se há algo mais que amizade entre Parreira e Zagalo ou a legenda sugeria que a Seleção ia botar pra ferver nos EUA.’ (julho de 1994)

Colaborem com a coluna, que é atualizada às quintas-feiras: Caixa Postal 067 – CEP 12530-970, Cunha (SP) ou moacir.japiassu@bol.com.br).’



BARRIGA MORTAL
Eduardo Ribeiro

‘Uma barriga histórica’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 20/1/05

‘Fernando Coelho é um desses baianos arretados, que conquista com alegria contagiante qualquer um que dele se aproxima. Tem carisma e é uma figura especial. E quem diz isso dele não sou apenas eu e sim muitos dos amigos que com ele trabalharam ao longo desses anos todos.

Recentemente, ele deixou a assessoria de imprensa da Vasp, onde estava há algum tempo (não muito), e nem é o caso de entrar nos méritos das razões de sua saída, embora grande parte do público tenha acompanhado o inferno que virou a vida da Vasp e, por extensão, de quem nela trabalha, nesses últimos anos, particularmente nos últimos meses de 2004. Fernando não resistiu, assim como não resistiu Lígia Cruz, que com ele trabalhava na assessoria, apesar dos nove anos que tinha de casa.

Ao dar a nota da saída de Fernando, da Vasp, não pude deixar de recordar uma faceta de outubro de 2000, quando uma notícia sobre ele causou alvoroço e comoção junto aos amigos, vindo a se constituir numa barriga histórica, a maior já cometida pelo informativo Jornalistas&Cia, que edito e dirijo, nesses seus quase dez anos de vida.

Era terça-feira, dia de fechamento, e àquela altura da jornada eu já estava disparando telefonemas pra todo o lado, apurando notícias para a edição que circularia no dia seguinte. Pouco antes do almoço, Paulo Vieira Lima, à época meu sócio na Mega Brasil, sentado à mesa, de fronte à minha, desligou o telefone e, olhando com inquietação, interrompeu-me: ‘você sabe quem morreu?’ Diante da negativa que fiz com a cabeça e da curiosidade que imediatamente demonstrei, ele, sabedor do valor que aquela informação tinha, fez um ar grave, prendeu a respiração, e com um mixto de emoção e tristeza revelou: ‘Fernando Coelho’.

‘Não é possível’, falei. E ele: ‘Eu também custo a acreditar. Aliás, estive com ele num almoço, ontem, na ADVB, e hoje…essa paulada. Mas realmente ele faleceu hoje cedo. Soube por um amigo, da ADVB, que o homem teve um mal súbito e morreu agora pouco. Ele ainda nem pro velório foi e estão ainda definindo onde o corpo será velado e enterrado. Se quiser que te passe algumas informações, posso fazer, mas esta confirmada, pode checar’.

Nunca tive intimidade com o Fernando Coelho, mas coincidentemente eu havia estado com ele tempos atrás, numa reunião na Assembléia Legislativa, para conversar sobre eventuais parcerias que poderíamos fazer. Depois de anos na Globo, ele havia saído e foi convidado pela Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo para montar e dirigir a Tevê Assembléia, de São Paulo, que foi, aliás, uma das pioneiras na área legislativa, no Brasil.

Nossas conversas não prosperaram, mas de todo o modo ficamos amigos. Saber, portanto, de sua morte, me deixou desconcertado.

Antes desse nosso encontro pessoal, já havia falado com ele várias vezes e sabia de seus projetos baianos. Mesmo longe, seu coração sempre permaneceu por lá. Tanto que montou uma empresa chamada Primeira Linha, com a proposta de editar (como de fato editou) guias turísticos e outras publicações de serviço sobre o Nordeste brasileiro. Se a memória não me falha, um desses roteiros era uma espécie de linha verde, unindo as várias capitais do Nordeste, com destaque para as belezas naturais, serviços e uma série de outras dicas.

Eu, de minha parte, também vinha editando, em São Paulo, ao lado de Paulo Vieira Lima e Cecília Queiroz, vários guias de comunicação, em parceria com o Sindicato dos Jornalistas. Um deles, que fez muito sucesso, foi o Guia de Comunicação Empresarial e Assessorias de Imprensa, com telefones e endereços de quase todas as assessorias de imprensa existentes no País, e que estava, naquele outubro de 2000, na segunda edição.

Tínhamos, por conta desses guias, um detalhado banco de dados, com todas essas informações armazenadas. Informações que eram periodicamente atualizadas.

Quando recebi do Paulo, meu sócio, a notícia da morte do Fernando, sem ter de imediato um telefone para tentar um contato com a família, me vali do nosso banco de dados na esperança de lá encontrar o telefone da Primeira Linha, pois aí arriscaria ligar para lá e quem sabe haveria algum funcionário que pudesse me dar informações sobre o ocorrido.

A sorte, mesmo no infortúnio, estava a meu lado e não só encontrei o telefone como liguei para lá e, para minha surpresa, o telefone era da casa do Fernando. Nem cheguei a estranhar, porque ele realmente não era um empresário típico, e ter um escritório em casa seria a coisa mais natural do mundo.

Identificação feita, fui logo para a checagem e apuração. Confirmei que era mesmo a casa do Fernando, que ele havia morrido naquela manhã, que havia sofrido um mal súbito logo após sair do banho, que ele era, de fato, o jornalista Fernando Coelho etc. Como eu sabia que ele não mais estava num desses empregos de redação, e que já havia atuado no ambiente político, não cheguei a estranhar que tivesse, nos últimos tempos, atuado como assessor do ex-ministro Murillo Macedo.

Vejam a confusão.

Falei, inicialmente, com a cunhada, que confirmou várias dessas informações. Quando entrei nos detalhes profissionais ele passou o telefone para um assistente que trabalhava com o Fernando e, por sorte, estava lá, na casa. Ele me confirmou outras coisas, mas aí ponderou: ‘Puxa, Eduardo, não me leve a mal, não, eu queria muito te ajudar mais, no entanto, estamos todos aqui constrangidos e tratando do translado do corpo e dessas chateações de velório, enterro etc. Prefiro falar com você quem sabe amanhã, com mais calma, pois hoje realmente não dá’.

Me desculpei, claro, e desliguei o telefone convencido de que tinha fechado a equação. Tinha a notícia do morte, conferi os dados do morto, meu banco de dados tinha lá uma informação do Fernando Coelho que eu imaginava ser. Não havia efetivamente qualquer dúvida ou possibilidade de erro. Todos os cruzamentos levavam na direção do Coelho baiano. Daí em diante, segui com meu fechamento com a nota já definida. Seria e foi uma das manchetes da edição: ‘Morre Fernando Coelho’

Meu Deus, não era o Fernando Coelho baiano, mas o José Fernando Coelho, paulista, que nunca tinha estado numa redação, que era, sim, jornalista, mas atuava em assessoria parlamentar etc. etc. etc. A nota, lida depois, com calma, era uma mistura da biografia dos dois fernandos, espécie de filhote de cruz credo com o samba do criolo doido.

Quis esganar meu sócio, quis demitir todo o mundo de meu banco de dados, quis sumir, enfiar minha cabeça num tanque d´água para me afogar, tal a vergonha que estava vivendo, por erro tão bizonho.

Certamente o banco estava errado porque o Paulo, estando com o Fernando Coelho no dia anterior, passou as informações atualizadas para alguém da equipe atualizar o telefone. E assim foi feito, de tal modo que a empresa do Fernando baiano passou a ter no banco de dados o telefone do Fernando paulista.

A questão é que só fui descobrir isso na manhã do dia seguinte, quando cheguei para trabalhar e o circo estava armado. Saí do escritório, na noite do fechamento, por volta das 2 da madrugada, leve e solto com a sensação do dever cumprido, e quando cheguei, pela manhã, já haviam cinco recados urgentes, quase todos da Globo, pedindo que ligasse urgente. Tive logo certeza de alguma coisa tinha saído errado. Liguei imediatamente para um dos produtores da Globo e ele me disse: ‘Eduardo, acho que há algum equívoco nessa nota da morte do Fernando Coelho. Mandamos uma equipe lá para cobrir o velório, e o repórter ligou aqui dizendo que aquele não é o Fernando Coelho que trabalhou na Globo. É Fernando Coelho, mas não é o da Globo. Não tenho outras informações, mas acho que é bom você tirar essa história a limpo o mais rápido possível, porque a confusão por aqui está muito grande’.

Desliguei o telefone apavorado e imediatamente suspendi o envio do informativo (parte da tiragem ainda estava sendo transmitida, via fax) e imediatamente me pus a campo para ver o erro e o tamanho da encrenca.

Minutos depois me ligou uma das produtoras da Globo, me passando uma das maiores descomposturas que já recebi na minha vida profissional, pelo equívoco da notícia. E quanto mais eu explicava, me justificava, falava dos cuidados que havia tomado para checar a notícia, mais ela se exaltava e mais me achincalhava. Ela estava realmente possessa e descobri, tempos depois – e aí, já relaxado, não pude conter uma sonora garbalhada -, que ela foi uma das que mais chorou quando soube da notícia. Quando descobriu que chorou à-toa e viu, de certo modo, o mico que pagou, descontou toda sua raiva (com justa razão) no tal editor irresponsável, que para meus pecados era eu próprio.

O pior, nesta história toda, é que Fernando Coelho morava na Bahia e não estava em casa naquele dia. Ligaram para lá, para saber do acontecido, e a filha dele, que nada sabia (porque obviamente não havia acontecido nada), ficou apavorada e tentou saber notícias do pai.

Vejam que confusão: seu pai estava em São Paulo, mas naquela manhã viajaria de volta a Salvador, e ela não conseguia falar com ele, nem tampouco obter notícias, porque ele simplesmente já havia saído para o aeroporto. Ela logo pensou que o avião tinha caído ou que outra desgraça havia se abatido sobre o pai. Só mais tarde, quando soube da confusão, relaxou e deu risada do episódio.

Nesse ínterim, Jornalistas&Cia corrigiu a informação na ‘tiragem’ que ainda não havia sido distribuída e enviou um texto explicativo para todos os outros, desfazendo o mal entendido e se desculpando com as pessoas envolvidas.

Mas aí descobrimos que, além de equipe, os colegas da Globo haviam enviado, para o tal velório, mensagens de condolências, coroa de flores, dezenas de colegas … Sem contar o ambiente de comoção que ficou no jornalismo, naquela manhã, até se descobrir a barrigada.

O constrangimento e a lição foram imensos, mas como tudo, aqui no Brasil, dez segundos depois vira anedota, com a barriga do Jornalistas&Cia não foi diferente. Dentre as várias anedotas, uma delas lembrava que o informativo, naquele episódio, matou, involuntariamente, dois coelhos com uma só manchetada.

E vários amigos me contaram, depois, que não contiveram minutos inteiros de gargalhadas (com o devido respeito, obviamente, às pessoas envolvidas), imaginando a família e os amigos do falecido, no velório, vendo aquele movimento todo e, quem sabe, pensando: ‘Puxa, a gente não sabia que o Coelho era assim tão importante, que tinha tantos amigos e que era tão famoso’.

Tentei falar com o Fernando, naquele dia e não consegui. Nos desencontramos, mas lá pelas tantas ele mandou um recado de que estava tudo bem e que havia aceitado meu pedido de desculpas.

Mesmo tendo sentido na pele o que poderíamos chamar de falibilidade, ele, no episódio, teve ao menos a certeza de que realmente era uma pessoa muito querida.

Pelas coincidências da vida, acabei encontrando-o duas semanas depois, na festa de despedida de Josemar Gimenez, que estava de saída do Diário Popular, de SP, para trabalhar no Estado de Minas (onde está até hoje, agora acumulando a Direção de Redação do diário mineiro com a do Correio Braziliense). No aperto de mão percebi que ele realmente havia me desculpado, mas notei claramente, por outro lado, que a história da própria morte mexeu com a cabeça dele, como mexeria com a cabeça de qualquer um.’