‘Votei em Lula contra Collor. E acredito que a esperança vence o medo. Sou cidadão brasileiro, produtor de cinema, cansado de esperar o país do futuro – a fim de fazer acontecer já. Comecei pela mão da Lei Sarney, com a Super Xuxa. Foram sete filmes, 13 milhões de espectadores e alguns fracassos. Em 1990, o plano era filmar três projetos. O Collor detonou tudo: a Lei Sarney, a estrutura do cinema nacional e o poder aquisitivo da nação.
Em 1975, havia 3.276 salas de cinema no país. Em 1976, ‘Dona Flor e seus dois maridos’, do Barreto, fez 12 milhões de espectadores. Depois, A dama do lotação, do Neville, fez 7 milhões. Os Trapalhões alternavam 5 e 6 milhões de espectadores. Em 1979, o Brasil lançou 104 filmes. Em 1982, conquistou 36% do mercado.
O Collor chegou e fulminou o incentivo fiscal, a Embrafilme, o Concine, o ingresso padronizado e a fiscalização das salas. Incrível essa febre de mudanças que grassa nas trocas de governo. Confira a ruína do cinema nacional promovida pelo Collor: em 1992, o Brasil só lançou três filmes – três! – e amargou 0,05% de participação no mercado – 0,05%!
Como a crise chega primeiro nos filmes e depois nos cinemas, em 1997 o circuito de exibição estava reduzido a 1.075 salas. E onde foi que os cinemas fecharam? No interior do país. Por falta de filmes brasileiros.
O povo do interior tem mais apreço pelas coisas nossas, pelo popular. Nas grandes capitais e no litoral maravilha está concentrada a elite colonizada-cultural. Aquela gente que desdenha o Brasil e o povo.
Durante muito tempo grassou no país uma cultura de desprezo pelo popular e pelo cinema nacional. Os filmes de Oscarito, Grande Otelo, Anquito, Zé Trindade, foram rotulados – ‘chanchada’ Hoje são ‘cult’.
Mas chanchada era pejorativo. Com Mazzaropi e Os Trapalhões a rejeição da elite não foi diferente apesar de ícones populares amados nas telas do interior do país.
A música popular, a realeza da nossa cultura, também não escapa do rótulo ofensivo. Brega. Mas, graças ao samba, ao forró, ao axé, ao pagode e ao sertanejo, a música brasileira detém 80% de participação no mercado fonográfico. Você pode até não gostar. Mas deve respeito ao gosto popular.
Vem o governo Itamar, cria um incentivo fiscal e um novo ciclo virtuoso. A Lei do Audiovisual e a retomada. Concluíram novamente que o cinema é estratégico para preservar a cultura e divulgá-la pelo mundo. Concedem a condição inédita de risco zero, com investimentos 100% incentivados. A partir dali, o Brasil retomou a produção. Já temos histórias de disputas do Oscar, de conquistas de altos recordes de bilheteria, de diretores com reconhecimento mundial. Gente produzindo competentemente sob a política atual. E os resultados desta política são refletidos em números. Em 2002, tivemos 7,2 milhões de espectadores nos filmes nacionais. Em 2003, foram 22 milhões. Um salto de mais de 200%!
Contudo, há imperfeições na política atual. O conflito que divide a classe é, talvez, porque a lei trate igualmente os filmes da indústria e os filmes de arte. Faz sentido colocar no mesmo barco ‘Lisbela e Prisioneiro’ (3 milhões de espectadores) e ‘Amarelo manga’ (150 mil)? Deveria haver critérios diferentes para incentivá-los.
O presidente da Ancine, Gustavo Dahl, já disse que a radiografia estatística da produção cinematográfica no país revela que a aplicação dos recursos é irracional. Ele se referia sobretudo à desproporção entre o dinheiro público investido na produção de filmes e suas respectivas performances de bilheteria, apontando uma ausência de compromisso com a tentativa de viabilidade comercial. ‘Não há nas leis existentes nenhuma preocupação com resultados’, afirmou.
É uma visão correta para o cinema com pretensão industrial, que deve ter compromisso com o resultado e precisa existir para manter a atividade viva. Para filmes de intenção mais artística, projetos de resgate cultural, de pesquisa, ou de vanguarda, o ideal seria a Lei Rouanet com 100% de incentivo, como era para o teatro e deveria seguir sendo. Ou o patrocínio das empresas estatais, que poderia ser orientado neste sentido.
O que mais propor para o aperfeiçoamento da política atual e a consolidação deste curso de progresso?
1. A prioridade absoluta é ampliar o número de salas, os pontos de venda dos filmes. Não há cinemas em 92% dos municípios brasileiros. Com tal limitação os filmes não dão retorno. Sem os incentivos fiscais seria impossível produzi-los. Para aumentar o circuito, o BNDES poderia financiar os novos exibidores que pretendem operar nas periferias populares e no interior, paraísos do cinema nacional.
2. Taxar a exibição é contraproducente. Aumenta o preço do ingresso, reprime o espectador popular, fecha salas na periferia e no interior.
3. Buscar o apoio das TVs. A importância da Globo Filmes é inestimável. Foi uma adesão voluntária. Precisamos conquistar as outras redes. Não pela força da lei, mas seduzindo com o poder do conteúdo nacional. Os produtores devem estar focados nisso. Nós estamos.
4. Taxar o faturamento das TVs é contraproducente. É espremê-las quando mais precisamos delas na parceria para anunciar os filmes e para adquiri-los como conteúdo.
5. Taxar o excedente de 200 cópias fecha laboratórios e cinemas do interior. E é água fria na fervura dos novos exibidores que planejam abrir salas nas cidades sem cinemas. O circuito minguado de hoje está congestionado com o alto número de cópias. No curto prazo é um complicador. Mas a médio e longo é o grande estímulo para o exibidor investir na expansão do circuito. Eles já sabem que estão deixando de ganhar dinheiro. E a nova promessa de lucro vem do cinema nacional.
6. Se taxar não é boa solução, até porque esperamos a reforma tributária que reduz impostos e impulsiona a economia, onde buscar recursos?
As emissoras de TV têm um output deal com as majors . Juntas, as TVs pagam mais de cem milhões de dólares por ano para comprar os filmes que exibem. Esses dólares são taxados em 15% de imposto na hora da remessa, mas não integram o artigo 3 do projeto da nova lei do audiovisual. Poderiam integrar. Seriam mais de R$ 30 milhões anuais em recursos para o setor, seguindo uma nova orientação da Agência.
7. As gravadoras produzem e vendem DVDs de show musicais. Produtos audiovisuais. Remetem os royalties para as matrizes e são taxadas em 15%. Este imposto também poderia integrar o art. 3 . É só separar a remessa correspondente aos CDs, da relacionada aos DVDs.
8. Um ponto fundamental é a fiscalização. Se o governo montar um sistema de fiscalização para reduzir evasão de rendas, será uma contribuição inestimável. Este serviço, justamente remunerado, é gerador de recursos.
9. Outro, não menos importante, é o combate à pirataria de vídeos e DVDs com punições exemplares. Hoje sabe-se que a venda de produtos falsificados chega a assustadores 40%. Creio que os produtores roubados em 40% pagariam felizes 10% de taxa de serviço se o governo impedisse a pirataria.
10. Tom Jobim dizia que a saída para a música brasileira era o aeroporto. É verdade também para o cinema, se articulada em conjunto com a expansão do circuito interno. O governo poderia ajudar na abertura dos mercados internacionais. Estas vendas poderiam ser taxadas, gerando recursos.
11. Levamos tanto tempo para ter a Ancine. Será que a Ancinave, misturando os interesses das poderosas Teles e redes de televisão aos do incipiente cinema, não nos transformará em prioridade 17, num mísero apêndice desta nova agência?
Estou confiante porque o governo social-democrata do presidente Lula, através do seu Ministério da Cultura, está revendo os pontos básicos do projeto de lei sobre o audiovisual que causou apreensão em produtores, distribuidores e exibidores, e está abrindo um amplo debate onde todos podem se expressar livremente. É a esperança vencendo o medo. DILER TRINDADE é produtor de cinema.’
André Silveira
‘Governo recua e faz mudanças ‘semânticas’ ‘, copyright Meio e Mensagem, 6/09/04
‘A celeuma em torno da Ancinav começou no dia 2 de agosto, quando o texto do anteprojeto foi divulgado pelo site PayTV. No dia 6 o governo convocou uma reunião com membros do Conselho Superior de Cinema e anunciou o prazo de 60 dias para a discussão do mesmo, que desde então se encontra disponível à consulta pública no site do Ministério da Cultura (www.cultura.gov.br). Na segunda-feira, 30 de agosto, a Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura (MinC) apresentou o novo formato aos representantes do Conselho Superior de Cinema (CSC).
Para acalmar os ânimos, a preocupação do governo foi mostrar que há o compromisso com a liberdade de expressão e de criação. ‘Foi uma reunião serena na qual mostramos que foram feitas modificações semânticas, para evitar dúvidas de interpretação, e de conteúdo. Também ficou claro que o objetivo de criação da Ancinav é a regulação da atividade’, explica o secretário de Audiovisual, Orlando Senna.
De acordo com ele, o Conselho já tem uma pauta de reuniões para dar continuidade ao debate. Ele comentou ainda que na reunião da semana passada os integrantes do CSC só discutiram a exposição de motivos do anteprojeto. A partir do próximo dia 14 será iniciada de fato a discussão sobre o corpo do texto. Também já estão agendados encontros para o dia 24 de setembro e 5 de outubro, período em que serão analisados todos os aspectos de forma profunda.
O secretário ressaltou que desde quando o texto foi colocado para consulta pública o governo vem buscando o debate com a sociedade e também está discutindo os aspectos internamente por meio de reuniões bilaterais. Um exemplo é o setor de telecomunicações. ‘O Ministério da Cultura está analisando a questão ao lado do Ministério das Comunicações para ver se há algum sombreamento relacionado às atribuições no setor de telecomunicações. O nosso objetivo é regular o conteúdo. Os aspectos tecnológicos e de plataforma continuarão com o Ministério das Comunicações e com a Agência Nacional de Telecomunicações’, ressalta.
Na opinião de Orlando Senna, até o final do debate novas versões do anteprojeto deverão ser elaboradas. Sobre a que foi apresentada na semana passada houve uma recomendação do ministro Gilberto Gil para que se retirasse da proposta qualquer termo que pudesse ser interpretado como intromissão no conteúdo cultural. O objetivo foi mostrar que o governo nunca teve o objetivo de censurar.
Mudanças
No novo texto o MinC modifica o parágrafo único do artigo 1º, limitando como princípio fundamental do MinC a responsabilidade pela ‘regulação’ das atividades cinematográficas e audiovisuais. Propõe também a retirada integral do artigo 8º da versão original. Com isso o Ministério deixa claro que ‘a liberdade será a regra’ para a produção no setor. Em outro artigo, o 43º, define-se que o MinC não terá ‘responsabilidade editorial e atividades de seleção e direção de programação’. Também foi retirado da minuta o trecho do artigo 4º, que falava em incentivar o explorador de atividades audiovisuais a ‘respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família’ e que vinha sendo interpretado como ‘dirigismo’.
No capítulo referente ao Fundo do Cinema e Audiovisual (Funcinav) foi feito um acréscimo em que ‘os recursos do Fundo serão destinados prioritariamente à expansão do parque exibidor nacional, ao fomento de distribuidoras brasileiras, ao fomento de carteiras de produção de empresas brasileiras e à ampliação da capacidade de produção independente de obras’. Palavras como controlar sumiram do anteprojeto. No artigo 10º, inciso V, ficou assim: ‘Cabe ao MinC aprovar e acompanhar (antes era controlar) a execução de projetos de co-produção, produção, distribuição, comercialização, exibição e infra-estrutura realizados com recursos públicos e incentivos fiscais’.
O governo também retirou do antigo artigo 20º a possibilidade de intervir para resolver administrativamente conflitos de interesses entre exploradores de atividades cinematográficas e audiovisuais. Ao mesmo tempo propõe-se a não ‘atuar relativamente às atividades cinematográficas e audiovisuais, no controle e prevenção de infrações à ordem econômica, propondo a instauração de processo administrativo pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica’.
Em relação à cobrança de contribuições para a formação do fundo, o secretário afirmou que serão feitos estudos científicos que irão constatar ou não se haverá ônus para o público no cinema. ‘Não queremos onerar o público. Faremos uma análise criteriosa para não termos uma regra estabelecida com base em palpites’, conclui.
O outro lado
A verdade é que para o mercado as alterações realizadas no texto ainda são insuficientes, já que pontos que tratam sobre a possível taxação dos ingressos de cinema e sobre a criação de uma tarifa que seria aplicada sobre as vendas de DVDs e fitas VHS, e também acerca do aumento de 200 vezes sobre o preço pago pelos distribuidores para trazerem filmes estrangeiros para o País, não foram retirados.
‘Recebemos a notícia da criação da Ancinav, e o projeto em si, de forma muito negativa. Acreditamos que o texto assim como está não estimula o setor, muito pelo contrário. E olhando especificamente para o nosso segmento, ele é claramente contra o crescimento econômico das salas de cinema de todo o País’, analisa Valmir Fernandes, o presidente do Cinemark. Ele é categórico ao afirmar que a categoria dos distribuidores não concorda com o texto da forma como está.’
Silvana Arantes
‘MinC estende prazo para discutir projeto de agência do audiovisual’, copyright Folha de S. Paulo, 10/09/04
‘O MinC (Ministério da Cultura) decidiu estender até 22/9 o prazo da consulta pública sobre o projeto de criação da Ancinav (Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual), que terminaria domingo.
‘Muita gente está pedindo mais tempo para consubstanciar suas propostas’, disse o secretário do Audiovisual do Minc, Orlando Senna, explicando a decisão.
Embora tenha aumentado o período da consulta pública (disponível no site www.cultura.gov.br/ projetoancinav), o governo não alterou o calendário de análise oficial do projeto, a cargo do Conselho Superior de Cinema (nove ministros e 18 membros da sociedade civil -titulares e suplentes).
‘O conselho é que dirá se o prazo de 60 dias [contado a partir de 6/8, para avaliar o projeto, antes do envio ao Congresso] é suficiente ou não’, diz Senna.
Na próxima terça-feira, os membros civis do conselho se reúnem em Brasília com equipe do MinC, para discutir o projeto. Na mesma data, o Senado Federal realiza audiência pública sobre o tema, com presenças anunciadas dos ministros Gilberto Gil (Cultura) e Eunício Oliveira (Comunicações) e do diretor Cacá Diegues, crítico da proposta do MinC.
Enquanto o governo aumenta o prazo do debate, profissionais de cinema e TV (produtores, distribuidores e exibidores) liderados pelo produtor Luiz Carlos Barreto se apressam para divulgar nos próximos dias sua revisão do anteprojeto, apelidada de ‘substitutivo’. O grupo de Barreto se reuniu no Rio de Janeiro, na última segunda, véspera de feriado.
A tônica do ‘substitutivo’ será a redução da abrangência da agência reguladora, com concentração no cinema. A interface da agência com a TV teria apenas aspectos de incentivo às emissoras à participação no desenvolvimento da indústria cinematográfica.
O grupo avalia que, numa agência que abarcasse todos os ramos da produção audiovisual, o cinema perderia força, já que sua expressão econômica é muito menor do que a das demais áreas, como a TV e a telefonia.
Hoje, o Congresso Brasileiro de Cinema convocou reunião de seus associados, em São Paulo, para avaliar o projeto do MinC.’