Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Direto da Redação


GOVERNO LULA
Claudio Lessa


Controle remoto, 26/03/07


‘Mais uma vez, levanta-se uma polêmica no governo. Desta vez, é o ardente
desejo de se criar uma rede de televisão estatal supostamente destinada a
divulgar projetos de interesse público.


A questão, aqui, não deve ser a de criar ou não criar. Quase todo governo que
se preze, democrático ou despótico, desenvolvido ou subdesenvolvido, possui uma
rede de televisão estatal, de uma forma ou de outra. É preciso que o estado
mostre à população – sem proselitismo político explícito – algo mais do que um
concurso de garotas da laje, ou passeatas fabricadas em favor da paz pela
avenida Atlântica, ou a divulgação de costumes questionáveis via novelas de
intenso apelo popularesco.


Acontece que, de um jeito ou de outro, o Brasil não é diferente dos outros
governos, e já possui sua emissora estatal. Ela atende pelo nome de Radiobrás e
condensa forças antigas e dispersas, como a Agência Nacional, a Rádio Nacional e
a TV Nacional, que foram unidas debaixo do mesmo guarda-chuva no ocaso da
ditadura militar. De lá para cá, a Radiobrás tem sobrevivido somente porque Deus
deixa.


Os sucessivos governos, ora míopes, ora ignorantes, quase sempre
despreparados para o exercício consciente do poder, nunca se deram conta da
verdadeira importância de um canal de comunicação direta com a população – o que
agora, em 2007, conjunturalmente, assume contornos perigosos, problemáticos,
venezuelanísticos, terceiromandatianos, pseudo-ditatoriais. Os mais espertos e
de maior tradição democrática, como a Inglaterra, por exemplo, já perceberam as
vantagens e cultivam sua BBC há décadas. Uma BBC, aliás, que informa sem ficar
de joelhos, nem para trabalhistas, nem para conservadores.


É por isso, entre outras coisas, que a Radiobrás, por exemplo, não possui
canal aberto em outras cidades além de Brasília – onde o sinal, por falar nisso,
é um lixo. Seu equipamento é completamente sucateado e o nível de insatisfação
dos funcionários com essa situação já furou o teto.


Quem conheceu, mesmo de longe, a história de abnegação e empenho dos
funcionários da Radiobrás, espoliados pelos dirigentes de plantão – sempre
compromissados com uma agenda diversa dos interesses da emissora e seus reais
objetivos de longo prazo -, e agora ouve falar em ‘criação de uma nova rede
estatal’, só pode sentir o cheiro de picaretagem no ar.


Não há dúvida de que o Brasil precise, de alguma forma, de uma rede de
comunicação que se preocupe em levar ao cidadão as realizações e objetivos do
governo, promovendo a interação e a cidadania – sem proselitismo político,
repito. Agora, criar alguma coisa do zero quando já se tem a espinha dorsal
montada e funcionando, bem ou mal, é sinal de mais uma maracutaia pronta para
acontecer.


O que o poder Executivo tem a fazer, neste momento, é entender que a
Radiobrás já existe e que seus funcionários estão – como sempre estiveram –
prontos para agir, desde que possuam equipamentos decentes e salários
condizentes com os de mercado, como em qualquer outra emissora. O Executivo tem
como providenciar verba para isso, melhorando os salários, e se houver o
questionamento dos padrões profissionais, isso se resolve por meio de concursos
públicos bem mais exigentes. Comprar equipamentos e montar repetidoras Brasil
afora também é fácil. Basta querer.


Infelizmente, ainda prevalece o raciocínio equivocado no governo –
especialmente neste governo, tão primariamente ideologizado – de que basta uma
programação de qualidade para atrair a audiência do público. Errado. Televisão é
vídeo, depois áudio, e em terceiro lugar vem o conteúdo. Por isso, não adianta
entrar numa de querer fazer uma programação ‘cabeça’ se a imagem é uma droga,
cheia de chuviscos e fantasmas, e o som chega cheio de interferências. Quem está
no sofá com o controle remoto na mão não perdoa. E é aí que mora o perigo.


(*) Âncora, repórter e editor. Trabalhou na Rede Globo, Radiobrás, Voz da
Amércia, Rede Manchete, Rádio JB e CBS Brasil. Foi correspondente na Casa Branca
durante vários anos. Vive e trabalha atualmente em Brasília.’


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