Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Dora Kramer

‘Se há alguma onda a ameaçar a sociedade brasileira não é a do ‘denuncismo’, inventada nos laboratórios de propaganda palaciana a fim de inibir denúncias e alimentar sentimentos de proteção a um governo supostamente ameaçado pelo inimigo que mora em torno.

Se há alguma onda a ameaçar a sociedade brasileira é a do obscurantismo, que, pela primeira vez, desde a reconquista da democracia, recupera da ditadura o conceito do inimigo interno e põe em discussão o valor da liberdade.

De expressão, na pauta em curso, mas, uma vez posto o tema sob questão, amanhã poderá ser discutível a liberdade de ir e vir, de reunir, de reclamar, de pensar diferente, enfim.

É inadmissível que a essa altura do processo de consolidação democrática o Brasil reabra uma discussão resolvida há séculos em nações onde os fundamentos da liberdade são tão firmes quanto os direitos dos seus cidadãos.

Aqui foi preciso o país experimentar a alternância do poder para ver partir do Estado um chamado ao retrocesso.

O ministro da Secretaria de Comunicação e Gestão Estratégica, Luiz Gushiken, já tinha dado o sinal ao externar seu entendimento de que informação e opinião boas são informação e opinião a favor.

Agora, ele volta à carga mais explícito: liberdade é valor definitivo, mas tem limite, define numa flagrante contradição que só evidencia o propósito de disfarçar sua verdadeira intenção, qual seja a de controlar o trânsito da informação.

Não admira, pois, a posição de Gushiken, bem como não surpreende a satisfação do ministro José Dirceu no manejo do assunto, dado seu apreço pelas liberdades expresso na identificação com o regime de Cuba e manifestações autoritárias de poder.

Tampouco causa espécie o ministro Ricardo Berzoini, cujo vezo autoritário foi participado à sociedade quando, na pasta da Previdência, considerou-se desobrigado de desculpar-se com os aposentados de mais de 90 anos de idade dos quais subtraiu numa canetada os proventos e aos quais impôs o martírio das longas filas para recadastramento.

O presidente Luiz Inácio da Silva vai na valsa das suposições equivocadas e, da mesma forma como se deixa levar por uma proposta engendrada no seio do peleguismo que assola a Federação Nacional dos Jornalistas, interessada sobretudo em reforçar seu caixa com a criação do tal Conselho ao qual teríamos de pagar um dízimo para exercer a profissão, aceita liderar o batalhão do mau combate pela instituição do Estado-vigia.

Já fez isso outras vezes, não espanta que faça de novo.

O que assombra é um homem com a história do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, cuja militância na luta pela recuperação das liberdades não o autoriza ao papel de porta-voz da defesa da restrição a essas mesmas liberdades.

Ou doutor Márcio não sabia do que falava na época, ou falava de uma democracia para uso privativo do poder ao sabor de seus interesses e conveniências.

A única hipótese inexistente é a de que alguém com o discernimento, o conhecimento e a amplitude de visão do ministro da Justiça acredite verdadeiramente que estejamos vivendo ondas de denuncismo à deriva.

O que existe são denúncias – e as em curso limitam-se a dúvidas sobre as declarações de renda do presidente do Banco Central, as operações financeiras do presidente do Banco do Brasil e a intersecção entre os cofres públicos e o caixa do PT, administrado por Delúbio Soares.

Todas perfeitamente passíveis de esclarecimento e muitas – como as relativas a Henrique Meirelles – alvos de críticas expressas em editoriais e entrevistas publicadas na imprensa.

Onde o denuncismo? Talvez na cabeça do PT, que ajudou a consolidar um padrão de jornalismo nefasto e preguiçoso que durante anos abrigou, com sucesso de público e crítica, toda sorte de acusações abrindo mão da prerrogativa do pré-exame a respeito do que poderia ir às páginas ou deveria destinar-se ao lixo.

Esse padrão, felizmente, vem sendo desmoralizado pelo próprio mercado da informação, pela opinião pública, sem nenhuma ajuda por parte daqueles que agora posam de arautos da educação cívica. Ao contrário, a qualquer tentativa de alerta nesse sentido, o PT era o primeiro a reagir apontando neles intenções de compadrio com a corrupção.

Quem deseducou, agora não reivindique o posto de educador; o pleito carece de credibilidade e o pleiteador não tem currículo adequado para o exercício da função pleiteada.

Como da tarefa de depuração do ambiente noticioso a sociedade dá conta por si, conviria ao governo dedicar-se a ofícios mais nobres como o da garantia do bem-estar e da qualidade de vida do cidadão contribuinte, ao invés de gastar tempo e energia tentando subtrair da nação brasileira um direito universal.’

***

‘A persistência no arbítrio’, copyright O Estado de S. Paulo, 15/8/04

‘Garimpando a pesquisa CNT/Sensus de junho, o PPS descobriu o seguinte dado: consultadas 2 mil pessoas sobre liberdade de imprensa, 65% delas disseram que estão satisfeitas com o nível de liberdade de expressão existente no País. As que se declararam desconfortáveis com o ‘excesso’ de independência somaram 18%.

Ainda que não compartilhe dessa convicção democrática, até por uma questão de prática de respeito à maioria, conviria ao governo arquivar de vez as tentativas de criar restrições ao trânsito de informações.

Não dá certo e continuará dando errado, pois já ficou demonstrado que as ações governamentais de repercussão mais negativa – interna e externamente falando – foram todas relativas ao tema.

Não se sustenta o argumento ouvido aqui e ali, segundo o qual isso de deve à reação corporativa dos veículos de comunicação e dos jornalistas responsáveis pelo noticiário, porque a rejeição às limitações está claramente expressa nas manifestações de cartas de leitores e de instituições não diretamente ligadas ao ofício da comunicação.

Donde a conclusão óbvia de que a liberdade de imprensa, assim como a estabilidade econômica, é um valor coletivo já plenamente consolidado e do qual a sociedade demonstra que não abre mão.

Na questão da estabilidade, os que estão agora no poder demoraram, mas feliz e finalmente compreenderam que o conceito não tem dono, não pertence a governos, a partidos nem a ideologias: é fator de bem-estar comum e pressuposto inamovível de qualquer país com razoáveis pretensões ao desenvolvimento e à organização institucional.

Em relação à livre ação e pensamento, no entanto, o breve, mas consistente, histórico deste governo no assunto – e aqui se incluem vários casos, desde a primeira tentativa de impor critérios oficiais à concessão de patrocínios culturais até os casos em curso, passando pela tentativa de cassar o visto do jornalista do New York Times – não aconselha otimismo no tocante à impossibilidade de novas tentativas autoritárias.

Aos indicadores: há um padrão de comportamento pelo qual, num primeiro instante, o governo reage em bloco contra as críticas, insistindo em suas razões. Num segundo momento, surgem discordâncias pontuais e, finalmente, vem o recuo.

Até que uma nova ofensiva não apenas repete os termos da proposta anterior, como os apresenta reforçados. Caso típico da questão dos limites aos patrocínios. O Planalto recuou, mas depois ampliou e detalhou o plano de controle sobre a produção cultural no projeto da Agência Nacional de Cinema e Audiovisual. Manteve o fundamento e aprofundou os instrumentos de domínio do Estado.

Esses recrudescimentos ainda apresentam a agravante de conquistar adeptos entre os que antes faziam a crítica interna. Tomemos o caso do ministro Gilberto Gil, da Cultura.

No ano passado, ele reagiu consoante à sua biografia, postou-se contra o chamado ‘dirigismo’. Agora, deu-se ares de surpreendente arrogância, acusando os críticos da Ancinav de estarem contra o aperfeiçoamento da democracia e de quererem transformá-lo de reprimido em repressor.

Compreende-se que um artista de inequívoco livre-pensar, como Gilberto Gil, se assuste ao se ver na berlinda desse tipo de debate. Mas, prestasse ele um pouco mais de atenção no tom e nas palavras que vem usando e perceberia que adotou – mesmo involuntariamente – o figurino absolutista.

Indignado com a avaliação vigente de que o governo, se pudesse, caminharia para trás no tocante à garantia das liberdades, Gilberto Gil declarou: ‘Não acredito que o governo Lula vá acabar com a democracia, até porque eu não vou deixar.’

Força de expressão? Provavelmente, mas a frase soa de uma onipotência atroz.

A democracia no Brasil persiste não por vontade nem ação individual de quem quer que seja, mas por categórica afirmação da cidadania.

Fenômeno parecido ocorre com o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que salvou o governo do vexame completo no episódio Larry Rohter, para meses depois achar normal a idéia de o Estado patrocinar proposta de determinar como será a atividade jornalística no Brasil e chancelar proibição a funcionários públicos de transmitirem informações sem autorização superior.

Diz ele que não aceita ‘carapuça de censor’, rejeita a qualificação de ‘mordaça’ na vigilância ao servidor e, como Gil, diz que não permitirá agressões às liberdades.

Mas aí é que está: as palavras dos ministros da Justiça e da Cultura, ou de qualquer outro integrante do governo, de nada servem no tocante à garantia da segurança democrática do País, se – a despeito das palavras – o que prevalece, e se repete com obstinada freqüência, é a propositura e a defesa de princípios com a indisfarçável marca da arbitrariedade.’



Lydia Medeiros e Isabel Braga

‘Gushiken defende liberdade, mas faz ressalva’, copyright O Globo, 11/8/04

‘Em meio à polêmica sobre o projeto que cria o Conselho Federal de Jornalismo (CFJ), o ministro da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica, Luiz Gushiken, afirmou ontem que a liberdade de imprensa é um valor definitivo na democracia, mas ressalvou que nada é absoluto em uma sociedade. Para o ministro, cabe aos próprios jornalistas debaterem o assunto.

– Vocês são profissionais que sabem os limites da ação, sabem que a liberdade de imprensa é um valor definitivo na democracia, mas sabem também que numa sociedade nada é absoluto – afirmou o ministro, que participou ontem, ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, da solenidade de recepção aos novos recrutas das Forças Armadas.

Gushiken disse acreditar que a imprensa brasileira vive em total liberdade de expressão. Ele acrescentou que podem ocorrer deslizes e até fabricação de notícias, e argumentou que até por isso é importante que a categoria discuta a necessidade ou não de mecanismos como o Conselho Federal de Jornalismo.

Dirceu: projeto pode ser mudado

O ministro frisou que o projeto foi elaborado em resposta a uma demanda dos próprios jornalistas, representados pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). Gushiken evitou comentar a posição do governo diante das críticas.

No dia 7 de abril, Lula recebeu no Palácio do Planalto representantes da Fenaj para comemorar o Dia do Jornalista. Na ocasião, Lula e Gushiken receberam e apoiaram a proposta de criação do CFJ.

Gushiken afirmou que o assunto deve ser debatido pelos jornalistas. Para o ministro, a proposta de criação do conselho não é uma tentativa de intimidar a imprensa.

– Não vejo desta forma. Este é um assunto que vocês jornalistas e o Congresso devem discutir – disse o ministro.

Ao responder se considerava que a imprensa estava abusando do direito de denunciar, Gushiken disse que no Brasil há total liberdade de expressão.

– Acho que grande parte da imprensa brasileira vive em clima de total liberdade. Aqui em nosso país não há qualquer restrição quanto a isso – afirmou o ministro, que se esquivou de comentar a conduta de jornais e revistas.

Em seguida, completou:

– Agora, evidentemente, alguns deslizes podem existir. Vocês da área sabem mais do que eu disso. E vocês convivem diariamente com pessoas fazendo, fabricando notícias, dando interpretações…

O ministro José Dirceu, chefe da Casa Civil, também defendeu a criação do Conselho Federal de Jornalismo. Para ele, o órgão regulamentará a profissão de jornalista.

– Não vejo como considerar uma interferência na linha editorial ou na independência da liberdade de imprensa. Se o projeto tem qualquer viés ou qualquer artigo que leve a isso, devemos modificá-lo no Congresso – disse o ministro.

O presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), avisou que a proposta que cria o CFJ não será aprovada com urgência na Casa. Embora não tenha se declarado contra a proposta, João Paulo acrescentou que o projeto será debatido com muita cautela e garantiu que a Câmara não vai aprová-lo se representar qualquer risco à liberdade de imprensa.

– O projeto será debatido pelos deputados e somente depois de exaurido o debate é que o texto será encaminhado ao plenário. Se houver qualquer risco à liberdade de imprensa, risco de censura, a proposta não vai prosperar. A Câmara não vai participar disso – garantiu João Paulo.

O deputado ressaltou, no entanto, que há uma preocupação na Casa com a regulamentação de profissões, incluindo a de jornalista. Ele disse que a proposta do governo foi apensada a outro projeto que já tramita na Casa, de autoria do deputado Celso Russomano (PP-SP), que cria a Ordem dos Jornalistas do Brasil. As duas propostas foram enviadas à Comissão do Trabalho. O próximo passo, agora, será a escolha de um relator para a matéria. Ele terá, regimentalmente, dez sessões para apresentar seu relatório, prazo que pode ser estendido.’



Silvio Bressan

‘‘Lula reage a denuncismo que ele ajudou a engordar’’, copyright O Estado de S. Paulo, 15/8/04

‘Mais do que uma estratégia maquiavélica de poder, os projetos apresentados pelo governo do presidente Lula nos últimos dias – que vão desde a nova política cultural até a mordaça nos servidores – devem-se mais à euforia, inexperiência, incompetência gerencial e até à falta de ‘desconfiômetro’ do PT. ‘É mais uma reação desastrada ao denuncismo que Lula e o PT ajudaram a engordar’, avalia o ex-ministro da Cultura Francisco Weffort, professor da pós-graduação de História na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor do Instituto de Estudos Políticos e Sociais (Iepes).

Apesar disso, Weffort está preocupado com alguns projetos. Sobre a minuta de criação da Agência Nacional de Cinema e do Audiovisual (Ancinav), ele elogia a iniciativa, mas diz temer pela liberdade de expressão. ‘O risco é de controle, cria-se uma possibilidade de arbítrio’, adverte ele, com a experiência de quem ajudou a fundar o PT, em 1980, e 14 anos depois saiu do partido para assumir a área cultural do governo Fernando Henrique Cardoso.

Pior do que as falhas no projeto cultural, avalia o ex-ministro, é a idéia de criar o Conselho Federal de Jornalismo (CFJ) para disciplinar a atividade. ‘Não vejo que objetivo contém, a não ser tornar ainda mais grave o corporativismo.’ Mesmo com esses reparos e a ascensão do governo nas pesquisas de opinião, Weffort não vê riscos institucionais no horizonte. ‘A popularidade de um líder o compromete com a democracia, não o contrário’, ressalta.

Assim também, ele não demonstra preocupação com a aproximação do governo Lula de ditaduras e de regimes populistas, como o de Hugo Chávez, na Venezuela. ‘É só um jogo de imagem’, avalia, acrescentando que Lula adota a mesma política econômica do seu antecessor. ‘Para contrabalançar isso, tenta agora manter uma imagem de que não teria rompido com sua própria origem’, explica Weffort. A seguir sua entrevista ao Estado:

Estado – Qual é sua primeira impressão sobre esses projetos do governo que tentam disciplinar a área cultural e o jornalismo no País? Dá para identificar uma estratégia comum?

Francisco Weffort – São do mesmo governo, mas não creio que sigam a mesma estratégia. O projeto sobre o audiovisual visa à criação de uma agência reguladora e à obtenção de recursos para o setor. O projeto do conselho de jornalismo é essencialmente corporativista, não tem mérito nenhum.

Estado – E quais os méritos do projeto que cria a agência do audiovisual?

Weffort – O do audiovisual, quaisquer que sejam seus defeitos, tem o mérito de buscar definir políticas de Estado para o setor. Desde logo, porém, certos pontos precisam ficar esclarecidos, para que não colidam com a liberdade de expressão. Por exemplo, o artigo 43 atribui à Ancinav a possibilidade de dispor sobre a ‘responsabilidade editorial’ e as ‘atividades de seleção e direção da programação’. E o artigo 45 atribui à Ancinav a possibilidade de ‘estabelecer restrições à exploração das atividades cinematográficas e audiovisuais por portadoras de serviços de telecomunicações’.

Estado – Qual é o risco embutido na redação desses dois artigos?

Weffort – O risco é de controle. Se não é, tem de dizer que não é. Se você ler o que está escrito, abre uma possibilidade de intervenção do Estado na programação editorial e geral das emissoras. Temos aí um ponto obscuro que precisa ficar mais claro. Tem de definir em que condições isso acontece, se não se cria uma possibilidade de arbítrio. Até hoje não tivemos essa possibilidade, mas a redação deixa brechas para isso. Por exemplo, uma cena de sexo explícito pode irritar muita gente, inclusive dentro do governo, mas até o momento nenhuma autoridade teve base legal para fazer intervenção nisso. Posso até achar que seja o caso, porque sexo explícito em horário nobre não deve mesmo ser permitido, mas aí você tem de definir quais casos e em que condições essa intervenção deve ser feita. Se não, fica muito vago. O sujeito argumenta com sexo explícito e acaba impedindo uma crítica ao presidente. A lei tem de ser um pouco mais clara para que a margem de arbítrio não aumente.

Estado – Não é perigoso que um governo avance dessa forma sobre a produção cultural e o exercício do jornalismo? Com base nesses textos, dá para assegurar que produtores culturais e jornalistas terão plena liberdade para trabalhar?

Weffort – Creio que o projeto do audiovisual deve ser examinado com detalhe, porque do debate talvez venhamos a ter no País mecanismos novos para o desenvolvimento do cinema e da área audiovisual em geral. Quanto ao projeto sobre o CFJ, não vejo que objetivo contém a não ser o de tornar ainda mais grave o corporativismo que vigora na área.

Estado – Os defensores do projeto alegam que é preciso regulamentar a profissão, como ocorre com médicos, engenheiros e outros profissionais liberais.

Weffort – É preciso estabelecer com toda a clareza que o caso dos jornalistas não se assemelha ao dos engenheiros, arquitetos, médicos, advogados e demais profissões que envolvem aspectos científicos e técnicos, exigindo formação especializada, e que, portanto, podem ser controladas tecnicamente por conselhos ou ‘ordens’. Embora sem a necessidade de saber científico ou técnico, jornalistas trabalham com algo mais delicado e essencial: opiniões e informações, cuja livre circulação é essencial para o funcionamento da democracia.

Estado – E qual o risco que se corre com a criação do conselho de jornalismo?

Weffort – A entrega do controle deste campo de atividade a um órgão corporativo contém a possibilidade de sérias ameaças à liberdade de imprensa, porque o CFJ pode facilmente vir a ser manipulado por grupos ligados a partidos políticos. E estes terão sempre maior interesse em seu projeto de poder do que na liberdade de opinião e informação. Também contém riscos para a liberdade dos cidadãos. No eventual choque com direitos atingidos de um cidadão, não vejo porque um órgão corporativo, portanto formado por jornalistas, deva ter maior interesse em ‘disciplinar’ outros ‘coleguinhas’. Se o objetivo é submeter a controle as ações irresponsáveis de alguns jornalistas, já temos leis suficientes.

Estado – Há alguns meses, o governo já havia proposto uma espécie de mordaça no Ministério Público, proibindo o órgão de fazer investigações. Esses outros projetos agora são só uma coincidência? Isso não pode indicar um retrocesso aos tempos da ditadura e do Estado Novo, quando se tentava controlar a imprensa e manipular a produção cultural?

Weffort – Não creio que estejamos perto de uma regressão autoritária, ao estilo do Estado Novo ou do regime militar. O que está havendo é uma reação do governo, provavelmente uma reação desastrada, ao ‘denuncismo’ no qual se envolveram em passado recente alguns membros do Ministério Público, aliás, em alguns casos com a cooperação do PT, e em prejuízo de uma instituição fundamental para a transparência do Estado. Está havendo também uma reação à irresponsabilidade de alguns jornalistas. Mas, no caso do CFJ, os remédios que o governo está propondo agravam a situação. Aliás, é o que temos visto também nas notícias sobre a flexibilização da quebra do sigilo fiscal, que já não dependeria de decisão judicial, e a pretensão de proibir funcionários de se manifestarem a respeito de investigações em curso. São todas medidas que agravam a situação.

Estado – Ninguém percebe isso no governo?

Weffort – Certamente. Tenho visto isso em algumas manifestações do ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça), do deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP) e do presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP). Minha impressão é de que alguns segmentos do PT e do governo já se deram conta do problema e estão reagindo.

Estado – Como ex-ministro da Cultura, o senhor vê nesse projeto da Ancinav mais uma continuação ou um rompimento em relação à política anterior?

Weffort – No caso da Ancinav, é evidente que se trata de uma modificação do projeto anterior da Ancine, criada no governo Fernando Henrique.Vem, portanto, de antes do governo Lula a questão de uma agência reguladora para o audiovisual. Um problema mais complexo do que se imagina e que não se beneficia com debates que misturam outros problemas.

Estado – Na sua avaliação, era essa a política cultural que o PT imaginava na época da sua fundação?

Weffort – O PT, nas origens, se inspirava em idéias de uma ‘democracia radical’. Não acreditava tanto no Estado como parece acreditar agora. Era um pequeno partido radical e, provavelmente, muito sectário. Mas tinha também uma vocação de movimento libertário. Há que lembrar que o PT nasceu na época do regime militar, o que o levava a ver os problemas sempre do ponto de vista de quem está do outro lado do balcão.

Estado – De forma geral, incluindo aí as notícias sobre o aparelhamento das estatais, o episódio da compra pelo Banco do Brasil de ingressos para um show em benefício do PT e a quebra de sigilo em massa pedida pelo relator da CPI do Banestado, dá para desconfiar de algo maior? Há uma tentativa do Estado de controlar e intimidar a sociedade?

Weffort – Vejo nisso menos a possível tentativa de intimidação do que uma mistura de incompetência gerencial com a euforia de um partido que teve de fazer quatro campanhas para chegar ao poder. O deputado José Mentor (PT-SP), relator da CPI, devia saber que a quebra de sigilo só tem eficiência para a investigação quando é caso a caso. Quando é em massa serve de muito pouco. E a esta altura do campeonato também não creio que intimide ninguém. Serve mais para desmoralizar a CPI, o que, aliás, está ocorrendo. Muitos empresários estão recorrendo à Justiça para saber porque seus sigilos foram quebrados. Quanto à compra dos ingressos pelo Banco do Brasil é nitidamente um caso de falta de ‘desconfiômetro’ dos que tomaram a decisão, tanto assim que voltaram rapidamente atrás. No geral, creio que estamos assistindo ao caso de um líder, o Lula, e de um partido, o PT, que agora têm de engolir o ‘denuncismo’ que ajudaram a engordar quando estavam na oposição.

Estado – O sr. acha que poder fez mal ao PT?

Weffort – Não (risos). Não creio que, em princípio, poder faça mal a ninguém. Acho que é uma reação defensiva, uma reação da inexperiência do poder.

Estado – Essas iniciativas do governo, que tem melhorado nas últimas pesquisas de opinião, não preocupam? Há quem ache esses projetos mais perigosos do que no tempo da ditadura, porque naquela época o governo não tinha apoio popular. Corremos o risco de uma ditadura disfarçada, de um populismo de esquerda legitimado pelo voto, nos moldes do governo de Chávez na Venezuela?

Weffort – Não creio na hipótese de ditadura, nem disfarçada nem, menos ainda, escancarada. Nas condições do Brasil de hoje, a popularidade de um líder, seja quem for, o compromete com a democracia, não o contrário.

Evidentemente, sempre é necessário defender a democracia contra qualquer risco, como, por exemplo, neste caso do projeto do conselho de jornalismo.

Mas não creio que seja proveitoso passar do ponto. Estamos assistindo à trajetória de um líder e de um partido que, pela primeira vez, vivem a experiência de governar em escala nacional. Como sempre estiveram do outro lado do balcão, só agora começam a descobrir que o Estado, e, sobretudo, o governo, é mais fraco do que imaginavam. E isso é normal numa democracia: o governo é mais fraco do que o Estado e este mais fraco que a sociedade.

Ainda bem que é assim.

Estado – Nesse contexto, como o senhor vê as visitas de Lula a ditaduras da África, o apoio do PT a Chávez e as viagens do ministro José Dirceu a Cuba?

Weffort – Acho que tudo isso é um jogo de imagem, de marketing mesmo. O PT está fazendo basicamente a mesma política que Fernando Henrique fez na área econômica. E para contrabalançar isso tenta agora manter uma imagem de que não teria rompido com sua própria origem. Para salvar as aparências, o governo busca dar muita luz a alguns contatos externos. Da mesma forma, dentro do País o governo também tenta valorizar um tipo de propaganda que visa a manter o tema social de pé, não obstante a política real se distancie disso. É mais um jogo de imagem do que política real. É como o Jânio Quadros na Presidência condecorar o Che Guevara. Tudo para contrabalançar a política real, que é basicamente a mesma do governo anterior.

Estado – Como conhece bem Lula e o PT, o sr. acha que o presidente concorda com todos os projetos ou está sendo usado por grupos com interesses próprios?

Weffort – Desconfio de que ele não tenha tido tempo de ler os projetos. Mas também não creio que ignore do que se trata, embora o caso do audiovisual envolva aspectos técnicos que provavelmente lhe escapam. Quanto ao projeto do CFJ, acredito na informação passada pelo Ricardo Kotscho (secretário de Imprensa da Presidência). O pessoal da Fenaj foi ao Palácio do Planalto, apresentou a idéia e o Lula, que tem uma visão basicamente sindicalista das coisas, aceitou.

Estado – Em relação aos grupos internos do PT, a quem já se atribuiu algumas denúncias contra o governo, o senhor acha que essa disputa por poder terá conseqüências ruins para o País? Não se está confundindo partido com governo?

Weffort – Não acredito que essa briga possa ter conseqüências ruins para o País. Até aqui, acho que isso tem significado mais transparência do partido no governo, e isso é bom.’



Conrado Corsalette e Jotabê Medeiros

‘‘Por que o medo de aperfeiçoar democracia?’’, copyright O Estado de S. Paulo, 13/8/04

‘O ministro da Cultura, Gilberto Gil, saiu ontem em defesa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmando que não há por que duvidar do caráter democrático do governo. Segundo Gil, debates como o que vem sendo travado em torno do anteprojeto de lei que cria a Agência Nacional de Cinema e do Audiovisual (Ancinav) não devem ser pautados pelo medo de um suposto dirigismo cultural.

‘As instituições vão ficar e a democracia vai ficar junto, então qual é o temor?’, questionou o ministro, em visita ao Estado. ‘Nós ajudamos a construir a democracia. Por causa de um medo não temos obrigação de aperfeiçoá-la?’, completou, destacando que o governo está aberto para discutir eventuais modificações em sua proposta de regular o mercado de audiovisual.

Na semana passada, o vazamento da minuta do projeto do Ministério da Cultura provocou acalorados debates sobre seu suposto tom autoritário. Gil defende-se afirmando que as propostas apresentadas são uma demanda do segmento, não um ‘voluntarismo governamental’. ‘A regulação nesse momento é condição sine qua non para garantir o desenvolvimento do setor’, acrescentou ele.

Gil alerta que é preciso parar de raciocinar como se o País ainda vivesse numa ditadura. ‘Um governo democrático é diferente de um ditatorial’, afirmou. ‘Estamos numa democracia e não quero duvidar da democracia no Brasil. Eu não acredito que o governo Lula vá acabar com ela, até porque eu não vou deixar’, completou o ministro-músico, que foi perseguido durante o regime militar e chegou até a ser preso.

Queixa – A disposição de debater demonstrada pelo ministro vem acompanhada de uma queixa em relação a personalidades ligadas ao cinema e aos representantes de entidades do setor. Segundo Gil, todos eles foram consultados antes da divulgação oficial do projeto. ‘É um absurdo dizerem que não foram’, afirmou ele, citando como exemplo o cineasta Cacá Diegues, um dos maiores críticos da proposta do governo.

Assessores da Cultura e o próprio Gil admitem problemas na redação de um dos artigos mais polêmicos da proposta, o de número 43, que trata da ‘responsabilidade editorial’ e das ‘restrições à exploração de atividades cinematográficas’. A intenção desse artigo, segundo eles, era apenas fazer valer dispositivo já previsto na Constituição, em seu artigo 222.’



Jotabê Medeiros

‘Cinema e TV condenam nova agência’, copyright O Estado de S. Paulo, 14/8/04

‘Entidades dos setores cinematográficos nacionais e dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará divulgaram na tarde de ontem nota conjunta condenando o projeto de criação da Agência Nacional de Cinema e do Audiovisual (Ancinav). Outro ataque veio das TVs. A Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) condena o que chama de ‘relativização da liberdade’. A Associação das Emissoras de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo classifica o texto como ‘um manual de dirigismo cultural’ e diz confiar que o projeto ‘não prosperará’.

Ao todo, 8 entidades assinam o primeiro documento, intitulado Exclusão social, Estímulo à pirataria, Desemprego – entre elas a Associação de Defesa da Propriedade Intelectual, a União Brasileira de Vídeo e todos os sindicatos patronais de distribuidores.

O manifesto acusa o governo de, com o projeto, contribuir com o aumento do preço dos ingressos de cinema e locações e vendas de fitas de vídeo e DVDs em até 20%; reduzir o acesso da população ao lazer; privar as populações do interior do País do acesso aos filmes; contribuir para o fechamento de salas de cinema e locadoras; estimular a pirataria; promover a diminuição da atividade econômica do setor; causar desemprego; e possiblitar o fechamento de laboratórios de copiagem.

As entidades anunciaram que vão exigir do governo os estudos técnicos que embasaram a proposta. O governo informou, por meio da secretaria do Audiovisual, que logo que esses documentos cheguem ao Ministério da Cultura, serão encaminhados para o Conselho Superior de Cinema, que centraliza o debate em torno da lei. ‘Enviaremos os documentos deles e as nossas considerações para o conselho. E trataremos de oferecer subsídios ao conselho para responder adequadamente’, disse Orlando Senna, secretário do Audiovisual.

O texto de José Gennari Pizani, da Associação das Emissoras de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo, que vê ‘excessos autoritários’ no anteprojeto, recebeu resposta econômica do secretário do Audiovisual: ‘Vamos procurar no texto da proposta onde isso está sugerido e suprimir’.

A nota da Abert (que tem 214 emissoras afiliadas) reclama que a instituição não foi chamada a discutir o tema e fala em ‘ameaça à liberdade de expressão jornalística, artística e cultural, na contramão do espírito que norteou o constituinte de 1988’.

Mas não foi um dia só de manifestações contrárias ao polêmico projeto (as adesões suplantaram as críticas essa semana). Guigo Pádua, presidente em exercício da Associação Brasileira de Documentaristas e Curta Metragistas (representada em 24 estados), diz que a proposta teve consulta ampla e reflete uma ‘demanda histórica’ do setor.’

***

‘Gil vê preconceito e corporativismo na mídia’, copyright O Estado de S. Paulo, 11/8/04

‘Em um discurso veemente ontem à tarde, durante uma aula magna para uma platéia de cerca de 300 estudantes, no auditório da Reitoria da Universidade de São Paulo (USP), o ministro da Cultura, Gilberto Gil, queixou-se da maneira como a imprensa tem noticiado o texto de criação da Agência Nacional de Cinema e do Audiovisual (Ancinav). Gil referiu-se, sem citar o nome do veículo, à manchete do Estado de domingo – ‘Governo quer controlar também internet e celular’ – e a uma entrevista com o colunista Arnaldo Jabor, publicada também pelo jornal, na edição de sábado.

‘Um grande jornal de São Paulo publicou uma manchete na qual dizia que o MinC quer controlar a internet’, discursou o ministro. ‘Ora, isso ofende a minha inteligência, a minha história. Sou usuário da internet e defensor do software livre. Todos sabem que fui perseguido pelo governo militar, que tive minha obra censurada. Pode o perseguido tornar-se um perseguidor? Eu não!’, afirmou.

Segundo Gil, a forma de abordagem do jornal – ‘que publica opiniões pessoais de seus próprios colunistas e editorialistas’ – lembraria a estratégia do governo de George Bush nos Estados Unidos, que se nutriu inicialmente de um ‘bombardeio’ crítico para depois afirmar um ‘pensamento único’. Reclamou da ‘violência’ da assertiva da manchete do Estado.

‘O projeto (da Ancinav) tem sido qualificado – ou desqualificado – como stalinista’, prosseguiu. ‘Mas, entre os tantos detratores, quantos realmente leram as mais de cem páginas do anteprojeto?’ De acordo com o ministro, a mídia estaria confundindo regulação com regulamentação e controle e o interesse do projeto seria criar ‘instâncias de mediação’ que assegurem a defesa da sociedade de quaisquer abusos, mas sem se tornarem instrumentos de ‘imposição’.

Para o ministro, a defesa de uma regulação das emergentes culturas digitais, dos conteúdos audiovisuais e do mercado das indústrias criativas – que movimenta, segundo afirmou, cerca de R$ 15 bilhões anualmente no País – deveria ser objeto de uma ampla discussão da sociedade, mas o que ocorre é que o debate está sendo escurecido pelo preconceito ou por ‘interesses corporativos’. Gil chegou a falar em fascismo da mídia.

A defesa que o governo Lula faz do software livre, segundo ele, desmentiria as acusações de dirigismo cultural, autoritarismo e xenofobia de que o projeto tem sido acusado. ‘Isso é ideologia?’, indagou. ‘Nós estamos praticando a democracia e convidamos todos a praticá-la conosco.’

Conhecimento – A aula magna de Gil tinha o tema Cultura digital e Desenvolvimento e era uma das atividades do projeto Cidade do Conhecimento, criado em agosto de 2001, dirigido pelo professor Gilson Schwartz. Além de Gil e Schwarz, integravam a mesa o reitor da USP, Adolpho Jose Melfi, e o diretor do Instituto de Estudos Avançados da USP (IEA), João Steiner.

A Cidade do Conhecimento é um programa do IEA que promove a criação e o desenvolvimento de projetos por meio de redes digitais colaborativas. Entre os apoiadores do programa, estão o Ministério da Ciência e Tecnologia, a Secretaria de Estado da Educação e o jornal O Estado de S.Paulo.

Ao final do discurso, de mais de uma hora, o professor Schwartz brincou com Gil e o convidou a pegar um violão e assumir um palco que havia do lado de fora do auditório, ao lado de um telão onde mais estudantes assistiam à palestra, e dar uma aula de ‘inclusão musical’. Antes mesmo de o ministro terminar o discurso, uma garota na platéia já cantarolava alto: ‘Vamos fugir, desse lugar, baby!!!’’

***

‘‘Direito do autor é do autor’, rebate MinC’, copyright O Estado de S. Paulo, 13/8/04

‘Preconizando uma política de trazer ‘luz do sol’ sobre tudo, ‘fotossíntese’ sobre todos os pontos obscuros da legislação (os termos são utilizados, segundo assessores, pelo ministro da Cultura, Gilberto Gil), o governo rebateu argumentos de associações de compositores e músicos divulgadas pelo Estado em reportagem ontem.

Segundo o ministério, houve equívoco dos músicos em condenar os artigos em que a Ancinav chama para si a responsabilidade de regulamentar a cobrança de direitos. O Escritório Central de Arrecadação de Direitos e a União Brasileira de Compositores consideraram que a redação da lei cria ‘sobreposição’ de atribuições com a Lei do Direito Autoral (Lei 9.610, de fevereiro de 1998).

‘A Ancinav não vai arrecadar direitos autorais. Vai apenas regulamentar essa arrecadação, que será feita por meio de uma associação de detentores dos direitos autorais relativos à obras audiovisuais’, disse Manoel Rangel, assessor especial de Gil. ‘Não seremos intermediários de nada, não faremos gestão do que é privado.’

Os artigos que tratam do assunto (de 127 a 130) mudam a caracterização da obra audiovisual. Um filme, por exemplo, é uma ‘obra em si’, e não uma obra em partes. A cobrança única do direito do autor seria de 1%, e a quantia arrecadada seria destinada às associações credenciadas para tal – de músicos, compositores, roteiristas, diretores, atores, etc.

Atualmente, cobra-se um porcentual dos exibidores apenas sobre a música da trilha sonora contida no filme. ‘Mas há outros direitos contidos numa obra audiovisual’, diz Rangel. Segundo o assessor, nada impede que o próprio Ecad (uma das entidades que considera inconstitucional o trecho da lei) se credencie para arrecadar os direitos do autor. ‘Basta apenas que o autor queira.’’

***

‘Agência deve arrecadar R$ 400 milhões’, copyright O Estado de S. Paulo, 13/8/04

‘O governo avalia que com a instalação da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav) possa capitalizar anualmente cerca de R$ 400 milhões para reinvestir no desenvolvimento do cinema nacional. O valor, obtido com a taxação da publicidade das TVs, das distribuidoras e exibidoras de conteúdos audiovisuais, de ingressos de cinema e cópias de filmes estrangeiros, servirá para constituir um fundo de fomento à produção.

O valor é pouco menos do que o governo destina às duas leis de renúncia fiscal (R$ 500 milhões). ‘Isso estabelece um patamar histórico, que nunca tivemos no País’, diz Orlando Senna, Secretário do Audiovisual do Ministério da Cultura. ‘Permitirá que, finalmente, o governo possa ter uma política para o audiovisual.’

As fontes desse dinheiro, porém, têm fortes discordâncias. Rodrigo Saturnino Braga, diretor da Columbia Pictures e vice-presidente do Sindicato dos Distribuidores, disse ontem que o mercado está em crescimento progressivo e a criação da Ancinav vai ‘inverter dramaticamente esse processo’. Para ele, o cinema brasileiro será o maior prejudicado, já que as distribuidoras estrangeiras, pressionadas pela alta tributação (até R$ 600 mil pela distribuição de 200 cópias), concentrarão suas cópias nas capitais, em prejuízo das cidades menores.

O mercado de exibição prevê um faturamento de R$ 800 milhões no Brasil esse ano, com a venda de 120 milhões de ingressos. ‘A pirataria também vai entrar forte no interior’, diz Braga.

Cenário – O governo tem outra avaliação. Segundo Senna, ‘o cenário por trás da necessidade de regulação’ é desolador. ‘Há uma TV aberta endividada, uma TV a cabo que não chegou nem à metade de sua previsão de mercado, um cinema brasileiro pendurado no governo’ e com ocupação de apenas 6% a 8% do mercado.

‘O Brasil tem 1.600, 1.700 salas de cinema e um potencial de crescimento para até 3 mil salas’, disse Senna. ‘É um setor que tem dificuldade em atrair capital de risco, porque as regras não são claras nesse mercado, não há um órgão regulador que dê segurança aos investidores’, ponderou o secretário.

Divisão – O debate sobre a Ancinav criou sérias dissensões no meio cinematográfico. Cineastas de São Paulo (entre eles, Hector Babenco, Tony Venturi, Tata Amaral, Ugo Giorgetti) reunidos ontem decidiram divulgar nota apoiando a iniciativa do ministério. ‘A Ancinav é uma reivindicação antiga nossa’, diz o texto.

O diretor Alain Fresnot, diretor da Associação Paulista de Cineastas (Apaci), disse que a nota firma uma posição de ‘baixar a bola da polêmica e começar a trabalhar’ pela negociação ampla com setores da atividade e da sociedade.

O cineasta Murillo Salles, filiado à Abraci (de cineastas do Rio), discorda publicamente dos colegas Zelito Vianna, Cacá Diegues e José Jofilly, entre outros, e diz que a Ancinav é necessária. ‘Precisamos de recursos para podermos financiar uma produção plural e regular de filmes brasileiros e ampliar em no mínimo 100% a nossa capacidade de exibição.’’

***

‘PT quer criar 500 cargos pra agência de cinema’, copyright O Estado de S. Paulo, 12/8/04

‘Um dos primeiros impactos da nova Agência Nacional de Cinema e do Audiovisual (Ancinav) será a criação de 510 novos cargos públicos (320 efetivos, com novos concursos públicos, e 190 comissionados). Segundo o primeiro anexo da lei, serão 170 ‘especialistas em regulação de atividades cinematográficas e audiovisuais’, além de 20 procuradores federais, 60 técnicos e 70 analistas administrativos.

Essa é uma das disposições do anteprojeto de lei que o governo divulgou oficialmente ontem, após acalorados debates sobre o teor ‘autoritário’ e de ‘dirigismo cultural’ da legislação.

O texto final divulgado pelo governo modificou apenas um dos trechos mais polêmicos da minuta que vazou na semana passada, o artigo 43 (que trata da ‘responsabilidade editorial’ e do estabelecimento de ‘restrições, limites ou condições à exploração de atividades cinematográficas’).

Segundo o governo, foi acrescida (à frente do artigo que pressupõe que ‘cabe à Ancinav (…) dispor sobre a sobre a responsabilidade editorial e as atividades de seleção e direção de programação’), a expressão ‘previstas pela Constituição Federal. De acordo com o MinC, a Constituição é que estabelece, no seu artigo 222, capítulo de Comunicação Social, páragrafos 1 e 2, que ‘a propriedade de empresas de comunicação é privativa de brasileiros natos e naturalizados há mais de 10 anos’ e à Ancinav caberia fiscalizar isso.

‘Mas isso só faz as empresas serem objetos de notificação por parte da Ancinav. Quem faz cumprir a Constituição é o Supremo e todo o Poder Público’, disse Manoel Rangel, assessor especial do MinC.

Ontem começaram a surgir novas divisões em torno do projeto. Cineastas ligados à Associação Brasileira de Cineastas do Rio de Janeiro (Abraci), gente como os diretores Roberto Farias, Cacá Diegues, Neville de Almeida, Zelito Viana, José Joffily e dezenas de outros protestaram contra a condução da lei.

‘Fomos surpreendidos com a forma de encaminhamento do projeto, sem consulta à classe’, acusou a Abraci, em nota oficial divulgada após o encontro, que marcou posição ‘em defesa da liberdade de expressão, contra qualquer tipo de censura.’

Sérgio Sá Leitão, Assessor Especial do Ministério da Cultura, informou que a Abraci foi recebida oficialmente pelo ministro Gilberto Gil e pelo secretário do Audiovisual, Orlando Senna. ‘O MinC é que está, ele sim, surpreendido com essa nota’, disse Leitão. ‘Se eles têm divergências, apresentem. Estão representados no Conselho Superior de Cinema. Mas não venham dizer que não foram ouvidos’.

Setores da música e da composição musical também protestaram contra artigos do projeto, que dizem conter sobreposição à Lei do Direito Autoral (leia texto abaixo).

‘Temos consciência de que é um assunto que tem muitos interesses envolvidos.

Mas também estamos convencidos da necessidade da criação de um marco regulatório para o setor do audiovisual e vamos adiante’, disse Juca Ferreira, secretário-executivo do Ministério da Cultura.

O projeto final divulgado ontem pelo governo estabelece multas pesadas para a infração da lei (até R$ 25 milhões) e mantém pontos que já causaram polêmica, como a restrição à participação estrangeira no capital de exploradora de atividades cinematográficas e audiovisuais (não é citado o percentual de restrição). As TVs, como já estava na minuta extra-oficial, serão taxadas Também mantém a possibilidade de o Conselho Diretor (que será integrado por cinco diretores e que decide por maioria simples) da nova agência de fazer ‘reuniões em caráter reservado’ e manter sigilo dessas reuniões.

Os serviços de copiagem, dublagem, legendagem e reprodução de obras cinematográficas e videofonográficas deverão ser executados no País (hoje, o mercado de TVs por assinatura mantém fora do Brasil boa parte da estrutura de produção dos canais estrangeiros).

Do setor de telecomunicações, estão incluídos no projeto o serviço de TV a cabo e os serviços DTH (TV por assinatura via satélite), MMDS (sistema multiponto multicanal).’

***

‘Músicos estão em pé de guerra com ministério’, copyright O Estado de S. Paulo, 12/8/04

‘Compositores, cantores e músicos do País estão em pé de guerra com o anteprojeto de lei que cria a Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav). O motivo é uma seqüência de artigos do texto da proposta – divulgado oficialmente ontem pelo Ministério da Cultura – que é considerada ‘inconstitucional’ pelos autores.

Reunidos em 13 associações de classe e no Escritório Central de Arrecadação de Direitos (Ecad), os compositores e músicos prometem recorrer à Justiça se os artigos das disposições finais e transitórias do projeto forem mantidos na lei. Esses artigos transferem à Ancinav a capacidade de recolhimento de direitos autorais do autor e dos intérpretes quando eles forem exibidos em uma obra audiovisual.

‘Isso é um absurdo. O direito da obra pertence ao autor’, reclamou ontem o compositor Fernando Brant, que é tradicional parceiro de Milton Nascimento e diretor da União Brasileira de Compositores. ‘Tá todo mundo reclamando do autoritarismo da lei e nem percebeu que estão passando também os autores para trás.’

‘O problema maior é que (o projeto) fere a Constituição Federal’, disse a advogada Glória Braga, presidente do Ecad. Segundo ela, a gestão do recolhimento dos direitos autorais é uma gestão privada, já que se trata de um direito privado do autor das canções e composições. ‘A música tem donos.

Portanto, ela não pode ser gerida por uma agência pública.’

Valor – Atualmente, o Ecad tem recolhido (foi quanto recebeu em 2003) das emissoras de televisão cerca de R$ 100 milhões por ano de direitos autorais de músicas utilizadas em sua programação. Esse dinheiro passaria à tutela da Ancinav, com a mudança na lei.

O parágrafo primeiro do artigo 129 da lei diz que os valores devidos pelos responsáveis pelo pagamento de direitos (as emissoras de televisão e os exibidores de cinema, por exemplo) deverão pagar um valor correspondente a 1% da renda bruta de um filme, uma novela ou um programa de TV à agência.

‘Em vez de fazer música, temos de ficar correndo atrás de advogado’, criticou Brant. ‘Eles estão querendo dar o preço e dizer quem deve receber o nosso dinheiro.’’