‘Foram cinco anos de torpor voluntário e deferência constrangida. Cinco anos de jornalismo político aveludado no tom e intimidado no tratamento da Casa Branca. Para romper o dique, foi preciso um furacão com a ferocidade do Katrina, potencializado pelo abissal despreparo do governo em responder à emergência. E coube a um comentarista da BBC, Matt Wells, perceber primeiro que a imprensa dos Estados Unidos talvez tenha sido salva pelo Katrina.
‘Em meio ao horror, o jornalismo televisivo americano pode ter reencontrado a sua espinha dorsal graças ao furacão’, observou, logo que os canais de TV começaram a mostrar as entranhas da tragédia. No entender de Wells, ‘a tímida e autocensurada cultura da mídia dos EUA’, que até então não fora páreo para ‘a magistral e agressiva máquina de emascular notícias ruins’ montada pela Casa Branca de Bush. ‘Mas a complacência acabou e a indignação moral começou a vazar.’
Na última sexta-feira, o general Russel Honoré, maior autoridade da lei e ordem em New Orleans, e Terry Ebert, diretor local do Departamento de Segurança Interna, ainda tentaram conter o fluxo de imagens da real extensão da tragédia. Mas era tarde demais. O dique fora rompido. Vinte e quatro horas depois de decretarem a vigência de uma medida batizada de ‘acesso zero’ – proibição de fotografar ou publicar fotos da remoção dos cadáveres espalhados pela cidade -, as autoridades tiveram de recuar diante da reação bate-pronto da CNN. A emissora a cabo tinha aberto processo contra o governo por violar a 1ª e 4ª emendas da Constituição, através de ‘decisão unilateral e sem precedentes de proibir cobertura de importante componente de sua função governamental, a saber, o resgate dos mortos da tragédia’. Antes que o embate adquirisse proporções diluvianas, o governo mudou de curso.
‘Não vamos banir nem restringir a presença de ninguém em nenhuma área pública… Nem teríamos meios legais para fazê-lo… Só podemos controlar quem deve acompanhar nossas equipes, quem usa nossos aviões, lanchas ou veículos…’, apressou-se em retificar o porta-voz da força-tarefa na região devastada. Esclareceu que a medida apenas vetava a incorporação de jornalistas às equipes de resgate, mas não os impedia de operar por conta própria, e que o mal-entendido fora fruto do empenho do governo em preservar a dignidade das vítimas.
Justificativa oca, uma vez que a ‘dignidade das vítimas’ já havia sido repetidamente violada pelo próprio governo. Primeiro, enquanto elas ainda estavam vivas, pela ausência de socorro oficial. Depois, quando já mortas, por apodrecerem a céu e sol aberto, ao longo de dias, como peças de um cenário insano. Ainda assim, sob a ótica do governo, a tentativa de higienizar a cobertura do pós-Katrina fazia sentido por ter sido tão eficaz no caso da invasão do Iraque – até hoje, com quase 2.000 soldados americanos mortos em combate, jornais e emissoras de TV dos EUA acatam o compromisso de não fotografar os seus mortos, feridos graves ou caixões envoltos na bandeira nacional.
De um modo geral, os relatos da guerra, ocupação e atoleiro no Iraque continuam mantendo o tom edificante inicial e permitiram à Casa Branca esperar docilidade semelhante no caso da tragédia do Katrina. Afinal, não faltavam exemplos de ‘triunfo do espírito humano’ condizentes com a concepção oficial do que deveria ser veiculado como notícia – resgates milagrosos de idosos agarrados a cães de estimação, gestos quase bíblicos de generosidade e abnegação, reunificação milagrosa de parentes.
Mas faltou combinar o roteiro com Anderson Cooper. No dia 27 de agosto esse repórter de 38 anos e âncora bissexto da CNN decidiu interromper as férias na Croácia. Pelo que ele vinha lendo, o Katrina se anunciava devastador e era melhor estar na região quando ele chegasse. Seu pai, já falecido, era filho do Mississippi humilde. Sua mãe é a milionária socialite Gloria Vanderbilt. Dessa fusão nasceu a voz que viria a falar mais alto que a de George W. Bush.
Anderson cruzou o Atlântico por conta própria, seguiu direto para Baton Rouge, a capital da Louisiana, e alugou um utilitário para tentar chegar a New Orleans. Vagou pela devastação dos dois Estados sulistas mais atingidos freqüentemente desconectado da nave-mãe, devido à falência nas comunicações. Ouviu, viu e viveu a decomposição da esperança humana em jornadas de 100 horas de trabalho ininterrupto. No tom e no conteúdo, suas transmissões se tornaram o cordão umbilical daquele dejeto de América com o resto do país. E sem o filtro habitual dos âncoras de TV.
Filho de megacelebridade com dois sobrenomes de peso – Gloria Morgan Vanderbilt -, Anderson tinha 10 anos quando perdeu o pai. E mal completara 21 quando o irmão mais velho, de 23, saltou para a morte da varanda do apartamento nova-iorquino da família, no 16º andar, ante a vista da mãe. Recém-formado por Yale, Anderson falsificou uma carteira de jornalista e partiu para o mundo com uma câmera de vídeo embaixo do braço.
Começou pela Somália. Os anos seguintes o encontraram na Tailândia, Vietnã, Ruanda, Bósnia. Acabou por tornar-se o mais jovem correspondente jamais contratado pela rede ABC. Resumo do que o move e eventual chave para explicar a empatia com os náufragos e órfãos do Katrina: ‘A perda. Sei compreendê-la’, declarou ao colega da New York que tentou em vão conduzir uma entrevista linear com Anderson Cooper. Na maior parte das vezes em que foi localizado por telefone na rota do furacão, Anderson acabava chorando ou já atendia aos prantos.
Outras trechos da entrevista que jogam alguma luz sobre o personagem:
‘Nunca fiz curso para ser âncora, então nunca aprendi a postura da voz, a ênfase na locução, a cadência da fala. O melhor que tenho a fazer é não fingir que sou um repórter que não se abala com nada. Também não sou bom de teleprompter e gaguejo um pouco… Nasci em berço privilegiado e tenho plena consciência disso. No fundo, para mim, o maior legado da minha infância foi aprender desde cedo o tamanho do meu privilégio’.
Bush, como se sabe, só interrompeu as férias uma semana depois de Cooper, e mesmo assim porque foi obrigado. Quando finalmente pousou na região pela primeira vez e viu a devastação (de longe), ficou mal na foto. E não porque o olhar azul metálico, porte arrojado e cabelos prematuramente prateados de Anderson Cooper costumem ofuscar qualquer um. Mas porque o repórter transmitia todo o leque de sensações e sentimentos pelos quais passava o resto da nação. Manteve-se equilibrado na tênue linha que separa o jornalismo investigativo duro do jornalismo militante e agressivo. Não deixou passar nenhuma frase de efeito de seus entrevistados e interrompeu mais de um político ao vivo, com indignação contida. A senadora democrata Mary Landrieu, do Mississippi, que resolveu agradecer às autoridades federais pelos esforços de reconstrução do seu Estado, dificilmente se recuperará eleitoralmente :
‘Desculpe, senadora, mas… tem um monte de gente aqui que está muito, mas muito extenuada e irada. Ouvir políticos se autocongratulando e trocando elogios quando o corpo de uma mulher está literalmente sendo comido por ratos na rua, há 48 horas, não soa bem’.
Para Jonathan Klein, presidente da CNN/USA, Cooper é ‘o antiâncora. Ele não se dá ares nem forja indignação. Ele é, simplesmente, humano’. E restabeleceu o elo longamente perdido entre audiência televisiva e noticiário nacional. Ou melhor, entre o fato real, a audiência televisiva e o noticiário nacional. Data de 1968 a última vez em que um só jornalista fez tanta diferença sobre a opinião pública. Era a época em que âncoras ainda permaneciam, justamente, ancorados a suas mesas e cadeiras. Até que um deles, Walter Cronkite, se levantou e foi ver como estava a guerra do Vietnã após a chamada Ofensiva do Tet. Retornou com o veredicto de que ela não poderia ser vencida pelos Estados Unidos, levando o então presidente Lyndon Johnson a admitir, em privado: ‘Se eu perdi Cronkite, perdi o americano médio’.
Farejando oportunidades, todas as grandes estrelas do jornalismo político dos EUA enveredaram pela picada aberta por Anderson Cooper e se materializaram na terra arrasada. Com resultados forçosamente desiguais. Christiane Amanpour, cintilante veterana de coberturas de guerras e conflitos mundo afora, pareceu totalmente deslocada em sua jaqueta de campanha e análises editorializadas. Perdera a capacidade de ouvir a sua gente. Outros abusaram da indignação gratuita, da emoção fácil e da pancadaria subitamente liberada contra o governo federal, quando falhas igualmente gritantes ocorreram em nível estadual e municipal, sob administração democrata.
Mesmo assim, segundo Peter Levine, da Escola de Políticas Públicas da Universidade de Maryland, essa mudança de postura da televisão americana pode significar o seu retorno aos tempos pré-atentados do 11 de setembro de 2001 – época em que divergir publicamente do presidente da República não era sinônimo de traição à pátria. Acuado, pressionado economicamente e sem conseguir se recuperar da sucessão de feridas auto-infligidas – Washington Post, New York Times, CNN e Dan Rather, último dos âncoras históricos do país, se viram envolvidos em casos de plágio, reportagens inventadas ou apuração deliberadamente tendenciosa -, o jornalismo tornou-se presa dócil da máquina de criar fatos e notícias oficiais que emergiu das ruínas das Torres Gêmeas. E sucumbiu ao receio coletivo de contrariar a maioria de cidadãos que vê na imprensa o vírus liberal a ser erradicado.
Só que na Louisiana e no Mississippi os jornalistas chegaram antes da retórica em construção pelos comunicadores da Casa Branca. Desta vez, nem sequer trabalharam atrelados a serviços do Estado – bombeiros, policiais ou fuzileiros navais, registrando ações em curso com diligência mecânica. Chegaram antes, viram por si e reportaram o que viram, expondo o fosso entre o que o governo afirmava estar fazendo e as imagens transmitidas aos lares da nação. Era cru, era aterrador, mas era real, e talvez abra caminho para um outro tipo de cobertura da falência diária chamada Iraque.
Talvez. O mesmo Tim Russert da rede NBC, que acossa um patético ex-diretor da Fema com a pergunta ‘como pôde o presidente estar tão equivocado, tão mal informado?’, jamais formulou pergunta semelhante ao atilado vice-presidente Dick Cheney quando o assunto é a fracassada ocupação americana do Iraque.
Até a noite de sexta feira não se tinha notícia de que o acesso ao necrotério de emergência montado num depósito gigante de St. Gabriel, perto de New Orléans, fora liberado a fotógrafos. Ali dentro, equipes de casas funerárias, patologistas, especialistas em arcadas dentárias e impressões digitais continuam processando os cadáveres recolhidos, antes de alojá-los em caminhões refrigerados. A padroeira da localidade é Nossa Senhora do Socorro. Não pôde atender a tantas preces.’
AL JAZIRA INFANTIL
Sérgio Dávila
‘Al Jazira inaugura canal infantil em árabe’, copyright Folha de S. Paulo, 19/09/05
‘George W. Bush e seus antecessores e Osama bin Laden e seus seguidores sabiam e sabem que é a partir do berço que as idéias e os ideais são assimilados. Daí o mundo do entretenimento americano representar 6,5% do PIB do país e ter um interlocutor na Casa Branca com status de chanceler. Daí o mais jovem entre os supostos participantes dos ataques terroristas a Londres neste ano ter apenas 14 anos quando do 11 de Setembro.
Ontem, a Al Jazira confirmou à Folha que está lançando seu canal de TV voltado exclusivamente para as crianças, já batizado de JCC, ou ‘Jazeera Children Channel’, segundo disse por e-mail Christiane Salem, consultora-sênior da nova iniciativa, de Doha, no Qatar, sede da emissora árabe estatal de notícias.
A JCC deve entrar no ar em caráter definitivo em outubro, com uma programação a princípio apenas em árabe. É bancada pelo governo do Qatar e a multinacional francesa Lagardère Images.
Desde a semana passada, porém, a JCC já gera seis horas diárias inéditas em árabe, sendo 40% de produção local. Já estão no ar os personagens virtuais Tartaruga Fafa e Robô Nad. Nos planos a médio prazo, uma versão em língua inglesa e outra em francês e um website trilingüe.
A idéia, diz o estatuto da nova empresa, é ‘ajudar a estabelecer nas crianças a habilidade de mudar pensamentos, mobilizá-las para as janelas do conhecimento e proteger suas mentes e prepará-las para o futuro sem sofrer choques culturais ou estresse psicológico’.
O público-alvo são crianças entre 3 anos e 15 anos, divididas em três faixas de programação: ‘pré-escola’ (3 a 6 anos), ‘pré-adolescentes’ (7 a 10 anos) e ‘adolescentes’ (11 a 15 anos). Para dirigir a programação, foi chamado o jornalista tunisiano Mahmoud Bouneb, militante do pan-arabismo, que disse que sua principal missão será difundir a noção de tolerância nos pequenos telespectadores, sem, no entanto, perder de vista ‘os valores e as tradições árabes’.
Assim, afirmou, a base da programação é o que ele está chamando de ‘edutenimento’, neologismo em inglês para as palavras educação e entretenimento, muito na linha do que fazem desde os anos 60 no mundo ocidental o programa ‘Vila Sésamo’ e seus seguidores.
‘A televisão é uma das mídias mais influentes na vida das crianças árabes e o meio de maior penetração nos lares dos pais deles’, disse. ‘Mesmo assim, nós [árabes] nunca havíamos preenchido este vácuo.’
A JCC foi lançada oficialmente no Qatar em cerimônia com o xeque Hamad bin Khalifa Al Thani e sua mulher, Mozah bint Nasser al Missned, que será uma espécie de ‘presidenta de honra’ da emissora. Em seu discurso, ela afirmou que a estréia da Al Jazira para crianças exatamente agora ‘não é obra do acaso nem uma tentativa [comercial] de explorar novos horizontes, mas resultado de conversas que tenho tido com as crianças do golfo [Pérsico] desde 2002’. Para ela, será ‘uma ponte, um diálogo entre crianças árabes e crianças do mundo’.
Estatal e bancada com o dinheiro do emir do Qatar, que é diretor da empresa, a Al Jazira e outras emissoras árabes internacionais de notícia como a Al Arabyia ganharam força a partir da Guerra do Iraque como uma espécie de contraponto à hegemonia das emissoras noticiosas anglo-americanas como CNN, BBC e Fox News, acusadas por líderes árabes de ‘parciais’ em sua cobertura do mundo árabe e do islamismo, principalmente. São criticadas, por sua vez, por transmitirem vídeos da Al Qaeda e de outras organizações terroristas.
A audiência dessas emissoras, que só cresce, é prioritariamente de telespectadores localizados no chamado mundo árabe mas também nas populações de imigrantes cada vez maiores da Europa, principalmente na Alemanha e na França. Só no último país, vivem 4,5 milhões de árabes ou descendentes.
A JCC tem 235 funcionários e escritórios no Cairo (Egito), em Beirute (Líbano), Amã (Jordânia), Rabat (Marrocos) e Paris. Seu sinal é aberto e transmitido para 22 países árabes e a Europa, pelo satélite Hot Bird.’
CNN RUSSA
Sérgio Dávila
‘Rússia lançará sua ‘CNN’ para mudar imagem’, copyright Folha de S. Paulo, 19/09/05
‘Chame de ‘CNNski’, se quiser. Também na semana passada, a Rússia anunciou que lançará provavelmente em novembro sua primeira emissora a transmitir, em inglês, notícias 24 horas por dia, voltadas para o público externo, nos moldes da CNN International, um dos braços da pioneira empresa de Atlanta fundada pelo norte-americano Ted Turner. O novo canal estatal já tem até nome: Russia Today (Russia Hoje). O objetivo: mudar a visão viciada que o Ocidente teria da terra de Tchecov e Lênin.
Controlada pela agência estatal de notícias russa RIA-Novosti, a Russia Today começou envolta em polêmicas. Ou melhor, não começou envolta em polêmicas. Segundo o jornal de língua inglesa ‘The Moscow Times’, a emissora deveria ter estreado na última quinta-feira, quando o presidente Vladimir Putin fez seu discurso na Assembléia Geral da ONU. Por problemas técnicos e falta da experiência da equipe, porém, o que se viu foi uma exibição cheia de problemas que logo saiu do ar.
A editora do canal, Margarita Simonyan, 25, rebate afirmando que essa era a idéia desde o começo. ‘Na quinta-feira nós começamos a exibição técnica, mas não queremos dar uma data definitiva para a estréia de fato porque não sabemos que novos problemas poderemos encontrar’, disse ela, ex-correspondente da RIA-Novosti no Kremlin. Simonyan não comentou os anúncios de emprego publicados em jornais da Europa que davam o dia 15 como a data oficial.
Outra crítica respondida pela jovem editora foi a suposta falta de experiência dos jornalistas contratados. De um total de 344 funcionários, disse ela, 72 são estrangeiros, a maioria britânicos e todos com experiência em TV. ‘Eles trabalharam em emissoras como BBC, CNN e ABC.’ Um deles é Alexei Mayorov, por 13 anos editor da CNN em Moscou.’
COBERTURA NO IRAQUE
Robert f. Worth
‘Mídia ocidental depende de iraquianos’, copyright Folha de S. Paulo / The New York Times, 17/09/05
‘Em 5 de abril, o iraquiano Abdul Ameer Younis Hussein, cinegrafista da rede americana CBS, foi alvo de um atirador de elite americano que atingiu sua coxa quando ele filmava as conseqüências de um atentado suicida em Mossul. Enquanto se recuperava num hospital militar, foi detido por tropas dos EUA. Depois, os militares alegaram que o filme recuperado de sua câmera sugeria que trabalhasse para os insurgentes.
Hussein continua preso após mais de cinco meses, apesar de autoridades criminais iraquianas terem revisado seu caso e não pretenderem abrir um processo.
O caso de Hussein exemplifica o dilema de muitas das organizações noticiosas ocidentais no Iraque. Os jornalistas dessas organizações, em geral, ficam confinados a instalações fortificadas e bases militares. Como resultado, são forçados a depender dos iraquianos, que trabalham em ambientes cada vez mais perigosos, onde a linha que separa observador de participante nem sempre é clara.
Os chefes das sucursais ocidentais admitem não ter certeza de que as pessoas que contratam não têm conexões com os insurgentes, ainda que façam o possível para localizar e evitar essas pessoas.
Uma coisa é clara: dezenas de iraquianos que executam missões para a mídia ocidental já foram detidos no exercício de seu trabalho e, às vezes, libertados apenas semanas ou meses mais tarde, sem explicações. Alguns desses casos suscitam questões mais amplas. A que distância os iraquianos podem se aproximar dos insurgentes sem que sejam considerados inimigos? Os comandantes americanos muitas vezes sugerem que aqueles que recebam indicações de um ataque estão automaticamente implicados, mas os iraquianos têm opinião diferente.
‘Talvez alguns estejam trabalhando com os insurgentes, mas muitos outros apenas recebem uma ligação em que alguém fala ‘haverá conflitos’, disse Ibrahim Saraji, diretor da Organização de Defesa dos Direitos dos Jornalistas Iraquianos, formada em 2004 após dois jornalistas árabes serem mortos no Iraque. ‘Isso não significa que sejam insurgentes’.
Advogados do Departamento da Defesa dos EUA informaram à CBS que Hussein está detido com base em informações confidenciais, segundo cartas enviadas à rede e fornecidas ao ‘New York Times’. Os militares divulgaram comunicados dizendo que Hussein passou por um teste que localizou resíduos de explosivos em seu corpo e citando acusações de que ele ‘estava informado sobre futuros ataques terroristas’.
Claramente, muitas vezes é difícil para os soldados americanos distinguir um jornalista de um combatente, no caos do Iraque, onde não há uniformes ou linhas de batalha claras. Os insurgentes rotineiramente filmam e distribuem imagens de seus ataques, o que torna a distinção mais difícil.
Mas os chefes de sucursal da mídia ocidental dizem que os militares parecem deter seus funcionários iraquianos apenas porque se aproximam muito da ação, ou seja, porque fazem o trabalho deles bem demais. Quando jornalistas são mortos, dizem esses chefes, os militares muitas vezes conduzem investigações apenas rotineiras.
‘Eles parecem ter adotado a opinião de que qualquer pessoa encontrada com uma câmera na área de conflito é potencialmente um terrorista’, afirmou Alastair Macdonald, chefe da sucursal da Reuters em Bagdá. ‘Cabe a essas pessoas provar que não o são.’
Vários funcionários iraquianos da Reuters foram detidos pelos militares americanos, entre os quais três que alegaram, após libertados, terem sofrido abusos dos soldados na prisão em Fallujah, no ano passado. Ali as Mashadsani, operador de câmera da Reuters, foi detido em Ramadi em 8 de agosto e continua preso.
Funcionários iraquianos de muitos outros veículos, entre os quais CNN, Associated Press e France Presse, foram detidos por longos períodos em 2004. Mas algumas empresas se recusam a comentar as prisões, por temer que isso possa prejudicar suas relações com os militares dos EUA.
É comum, dizem os iraquianos, ameaças de morte da insurgência, que já matou mais jornalistas do que as tropas americanas, mas há também as suspeitas dos soldados, que tornam quase impossível o trabalho em certas áreas.
Os chefes de sucursal ocidentais afirmam que, após as prisões, é comum que seus funcionários entrem num vazio que impede a obtenção de informações e no qual o status legal é incerto. A situação de Hussein parece incerta em outros aspectos. Quando a CBS fez as primeiras perguntas sobre sua saúde após ele levar um tiro e ser detido, os militares se recusaram a responder, citando as leis americanas de privacidade médica.
Abdul Hussein Shandal, ministro da Justiça iraquiano, criticou as detenções de jornalistas de seu país e disse querer a mudança de resolução da ONU que dá aos soldados americanos isenção quanto às leis do Iraque. Segundo ele, esses jornalistas não são livres para informar sobre todos os aspectos.
Chefes de sucursal dizem que não há indícios disso e que a repetição da acusação é irresponsável, pois torna mais provável que as tropas americanas sejam agressivas com os jornalistas iraquianos.’