‘A possibilidade de a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) conceder outorgas de radiodifusão, prevista no projeto de lei que restringe o poder das agências reguladoras, não deve se concretizar, pelo menos durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva. O ministro das Comunicações, Eunício de Oliveira, é contra o compartilhamento da função hoje atribuída ao ministério e já avisou que não pretende delegar a atribuição ao órgão regulador.
Deputados da comissão especial que analisa o projeto não chegaram a um entendimento e a votação da proposta só deve ocorrer em agosto, após o recesso parlamentar. A votação do relatório final estava marcada para esta semana. O governo não abre mão de retomar para os ministérios a definição de políticas setoriais e de concentrar no Executivo o processo de outorga e licitações.
Outro ponto de divergência está na destinação dos recursos do Fundo de Universalização das Telecomunicações (Fust). O governo quer que os quase R$ 3 bilhões do Fust sejam transferidos da Anatel para o Ministério das Comunicações. A oposição resiste às duas mudanças e critica o esvaziamento das agências de regulação.
Pelo substitutivo apresentado pelo relator, deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ), o Ministério das Comunicações poderá delegar à Anatel a edição de atos de outorga de rádio e TV e a extinção da concessão desse tipo de serviço. Segundo Eunício, o dispositivo acrescentado pelo relator é dispensável, já que o projeto remete para o ministério a formulação de políticas públicas na área de telecomunicações.
Na avaliação de Picciani, o dispositivo não contraria a essência do projeto. Segundo o deputado, o substitutivo reforça o papel do ministério, já que ele terá a competência de delegar ou não a tarefa para a Anatel.
Deputados divergem
A validade da proposta ainda divide a opinião dos parlamentares mais familiarizados com o assunto. Para o deputado Júlio Semeghini (PSDB-SP), membro da comissão especial e um dos articuladores da Comissão de Ciência e Tecnologia, a proposta só seria inovadora se transferisse o poder de outorga para a Anatel. ‘Não dá para os dois órgãos ficarem competindo. Hoje, mesmo sem a autorização do Ministério das Comunicações, a Anatel já faz rearranjos na distribuição das outorgas para melhorar o espectro. Não vejo nada de mal nisso’, avalia.
O dispositivo foi incorporado ao substitutivo por meio de uma emenda do deputado Walter Pinheiro (PT-BA). Segundo ele, a intenção é justamente aumentar a interação entre a Anatel e o Ministério das Comunicações. ‘Com essa mudança podemos inclusive diminuir o risco de sujeitar as outorgas à influência política’, acredita. Ele entende que o texto afasta qualquer possibilidade de ingerência da agência reguladora no processo.
De acordo com o substitutivo, além de extinguir outorgas, a Anatel poderá, sempre por delegação do Ministério das Comunicações, celebrar, gerenciar, prorrogar, transferir, rescindir e transferir contratos de concessão.
Processo simplificado
Hoje cabe ao governo federal o direito de outorgar ou renovar a concessão, mediante licitação. O Congresso Nacional pode referendar ou não a proposta do Ministério das Comunicações. As regras vigentes, porém, tornaram praticamente impossível a não-renovação da concessão. Para cassar a permissão de uma rádio ou uma TV é necessário aprovação de, no mínimo, dois quintos dos membros do Congresso, coisa que nunca aconteceu.
O Ministério das Comunicações promete apresentar nos próximos dois meses uma proposta para simplificar o processo de concessão das emissoras de rádio e TV. O novo modelo está sendo desenvolvido por uma força tarefa do próprio ministério.’
AGÊNCIAS REGULADORAS
‘Impasse adia votação de lei de agências reguladoras’, copyright Gazeta Mercantil, 7/7/04
‘A falta de consenso entre as bancadas do governo e da oposição deixou o projeto de lei que regulamenta o modelo das agências reguladoras ainda mais distante de ser apreciado no plenário da Câmara antes do recesso parlamentar. Os deputados do PSDB e do PFL obstruíram ontem a leitura e votação do parecer do relator da matéria, Leonardo Picciani (PMDB-RJ). Coube ao tucano paulista Alberto Goldman explicar a estratégia da oposição. ‘Não tivemos espaço para debater o texto fora dos encontros formais em audiências públicas.’
A votação do projeto na comissão foi transferida para hoje e o presidente da comissão especial, deputado Henrique Fonteles (PT-RS), disse ter esperanças de conseguir encaminhar a proposta ao plenário logo depois da apreciação do relatório. Para isso, a bancada do governo pretende pedir regime de urgência para o projeto de lei. O dispositivo, neste caso, seria utilizado para garantir a votação da proposta no plenário da Câmara antes do recesso parlamentar.
A tarefa tem demonstrado ser mais difícil do que aparenta. Ontem, o governo levou duas horas para conseguir reunir o quorum necessário para a abertura da reunião na comissão e teve que enfrentar a obstrução da pauta pelo PSDB e pelo PFL. Segundo Alberto Goldman, a intenção de seu partido não foi postergar a votação da matéria para depois do recesso, mas ampliar o debate do relatório antes de sua apreciação na comissão especial.
No centro da discórdia estão a transferência do poder de outorga das agências para os ministérios e o debate sobre as prerrogativas técnicas de reguladoras e da administração direta. Alberto Goldman, que participou da formulação da Lei Geral das Telecomunicações em 1997, e da formulação do modelo de agências reguladoras adotado no governo de Fernando Henrique Cardoso, capitaneia a resistência da oposição. ‘Não se pode transferir prerrogativas assim, arbitrariamente, sem que haja uma transferência correspondente de corpo técnico e cargos’, argumenta o deputado tucano.
Outra discórdia, menos ideológica do que prática, se concentra na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). O relatório do deputado Leonardo Picciani transfere a administração do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) da agência para o Ministério das Comunicações. A quantia em questão é da ordem de R$ 3 bilhões anuais. A oposição promete resistir a esse ponto, antes que o texto seja levado ao plenário da Câmara.’
LEI DA MORDAÇA
‘Ministério Público vai à TV contra Lei da Mordaça’, copyright O Estado de S. Paulo, 7/7/04
‘O Ministério Público de São Paulo decidiu protestar em grande estilo contra a Lei da Mordaça que, se aprovada no Congresso, impedirá procuradores de falarem em público sobre investigações em curso, especialmente as que envolvem ilícitos políticos. Na próxima terça-feira, dia 12, o órgão começa a veicular, primeiro em emissoras de TV e depois em jornais e revistas, uma campanha criada pela Draft, do grupo Lowe, um dos maiores conglomerados da publicidade mundial. O mote será ‘Onde tem Ministério Público não tem mistério’.
O projeto da lei da Mordaça foi enviado ao Congresso pelo então ministro da Justiça Nelson Jobim, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso. Hoje, Jobim preside o Supremo Tribunal Federal (STF).
A campanha do Ministério Público começa no momento em que o projeto de lei, que parecia esquecido, conquistou a simpatia do ministro da Casa Civil, José Dirceu, e de outros integrantes de peso do governo, como o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos.
Com clientes do porte da Renault, a Draft Lowe nada cobrou pela campanha, aprovada pelo procurador-geral do Ministério Público de São Paulo, Rodrigo César Rebello Pinho. Os profissionais envolvidos e os meios de comunicação também foram convidados a participar gratuitamente desse esforço. Para os criadores da campanha, a decisão se traduziu num ato de cidadania.
Estratégia – A agência de publicidade criou três comerciais que têm a mesma identidade visual para o MPE. Em comum, a instituição fala em todos eles sobre a sua atuação e denuncia tentativa de se proibir a divulgação de suas investigações na imprensa.
No primeiro comercial, a palavra ‘ministério’ aparece com as letras ‘n’ e ‘i’ encobertas por uma mão, resultando em ‘mistério’, que acompanha a seguinte locução na voz famosa de Ferreira Martins, também voluntário no projeto: ‘Crimes do colarinho branco, homicídio, violência, sonegação fiscal, tráfico de drogas, torturas contra menores. Os procuradores e promotores de Justiça investigam e combatem esses crimes.’ Em seguida, a mão é retirada e o mistério termina com a assinatura: ‘Onde tem Ministério Público não tem mistério.’
No segundo comercial, a mesma palavra ‘ministério’ aparece, só que agora com as letras ‘n’ e ‘i’ cobertas por uma televisão fora do ar. Outra locução acompanha: ‘Querem proibir que os promotores de Justiça divulguem na imprensa o andamento das investigações. Você tem o direito de saber.’’