Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Eduardo Simões e Jaime Biaggio

‘Antes de saber que o anteprojeto da Lei do Audiovisual não mais seria encaminhado ao Congresso no dia 16, cineastas como Murilo Salles (‘Seja o que Deus quiser’) disseram que haviam ficado de ‘cabelos em pé’:

– Fiquei assustado com o prazo para a negociação que precisa ser feita. Como é que pode uma semana?

Salles disse que a reação de exibidores e distribuidores internacionais é um bom sinal:

– Em geral eles gritam contra nós – afirma Salles, que defende a legislação do mercado de cópias.

Para Cláudio Assis, diretor de ‘Amarelo manga’, a regulamentação é necessária.

– A gente elegeu foi para governar. Precisa de regulamentação para o setor, principalmente para ajudar os produtores independentes – disse Assis.

Para José Joffily, diretor de ‘Dois perdidos numa noite suja’, a produção audiovisual deve ser regulamentada.

– É uma questão de bom senso. Assim como a questão das informações confidenciais. Quando for de interesse público, elas devem ser reveladas.

A Feneec (Federação Nacional dos Exibidores de Cinemas), a Abracine (Associação Brasileira dos Exibidores de Cinemas) e a Abraplex (Associação Brasileira das Empresas Multiplex) divulgaram nota discordando da forma como foi conduzido o processo de criação da Ancinav. Também repudiaram o aumento de carga tributária – chamada de ‘insuportável’- e criticaram a taxação sobre o número de cópias de lançamentos, por avaliar que isso prejudica a distribuição.

As entidades afirmam também que ‘não aceitam o violento intervencionismo e a exagerada regulação em um segmento que tem dado provas de desenvolvimento nos últimos anos, baseado apenas em recursos privados’.’



Antônio Machado

‘Delírio stalinista’, copyright Correio Braziliense, 6/08/04

‘Há uma questão central que está escapando ao debate sobre a nova Lei Geral do Audiovisual, que cria a Agência Nacional do Cinema e Audiovisual, Ancinav, em substituição à Ancine: o país precisa desse aparato regulador? A versão preliminar do projeto de lei preparado pelo Ministério da Cultura e que começou a circular extra-oficialmente revela um perigoso viés intervencionista sobre a liberdade de expressão e programação, cria taxas extemporâneas sobre as exibições e dá à nova agência poderes discricionários.

A legislação convencional já protege a sociedade e os direitos das partes envolvidas na atividade cultural, que, por princípio, deve estar o mais longe possível, até para sua autopreservação, e por mais benigno que aparente ser, de qualquer forma de controle estatal. Cabe ao legislador prover meios de o estado fomentar a cultura, especialmente de seus setores mais carentes de interesse da produção de mercado, e prever a complementaridade de recursos para a criação das obras, seja por meios fiscais e financeiros.

É só e é muito, bastando para tanto as atuais estruturas dos Ministérios da Educação e o da Cultura, sendo este, no limite, já uma concessão sujeita a questionamento. E quanto mais distribuída e com participação social for o processo de análise e seleção das obras incentivadas, melhor, para afastar riscos de influência de toda ordem: política, religiosa, econômica, de costumes e por aí vai. Tudo o mais é cabide de emprego para artistas e intelectuais com vocação burocrata e dirigista.

A cultura brasileira, salvo melhor juízo, precisa é de apoio e recursos estáveis de longo prazo, não de quem a oriente sobre o que deve ser criado, a quem servir e como distribuir a produção. Que se dê a ela a mesma prioridade, acesso às linhas de crédito disponível nos bancos públicos, incentivos, isenções tributárias e a liberdade operacional dada às empresas privadas em geral e vamos ver se não desponta um vibrante e rentável mercado cultural.

Agência, além disso, é o instrumento de estado para o controle de atividades tipicamente públicas geridas pelo capital privado, como as concessões de rodovias e telecomunicações. Um filme, uma série de televisão, um documentário nada tem a ver com o Estado. Se tiver, é publicidade e deve pagar para ser exibida, e não como diz o texto da Lei do Audiovisual, que cria novas taxas, quando deveria desonerar o que exista de tributação e incentivar.

Pele de cordeiro

Sempre se poderá argumentar que o texto do Ministério da Cultura é preliminar, não configurando decisão de governo. Foi essa a versão que o ministério acabou divulgando, após reunião nesta quinta com a Casa Civil. O projeto final sairá em trinta dias e isso após discussão com a sociedade, como informaram. Menos mal, mas fica do mesmo tamanho a constatação de que há na pasta do ministro Gilberto Gil quem tenha poder para propor projetos impregnados de uma visão stalinista da cultura. É mais problema para o PT, já acusado de aparelhar os ministérios e envolvido em luta interna entre facções liberais e estatizantes sobre o grau de intervenção do estado na economia e outros segmentos sociais.

Leia-se, por exemplo, o que diz o artigo 8º: ‘No exercício da regulação das atividades cinematográficas e audiovisuais, o Poder Público observará a exigência de mínima intervenção na vida privada…’. Duas questões saltam à vista. A primeira é a intervenção propriamente dita, que se choca com dois ditames constitucionais: o da liberdade de expressão e o de livre organização empresarial. A segunda é o adjetivo mínimo, uma medida arbitrária que remete à imagem do lobo em pele de cordeiro.

O projeto fixa em cinco o número de diretores da tal Ancinav, cujas decisões seriam tomadas por maioria simples. Arrepia o que diz o parágrafo único desse dispositivo: ‘Quando a publicidade puder colocar em risco a segurança do País, ou violar segredo protegido ou a intimidade de alguém, poderá o Conselho Diretor realizar reuniões em caráter reservado, devendo os registros correspondentes ser mantidos em sigilo’. Onde já se viu um órgão de Estado realizar sessões secretas? E desde quando publicidade põe em risco a segurança nacional? Nem na ditadura se viu igual.

Censura de rádio e TV

Terrorizante também é o que dita o artigo 43: ‘À Ancinav compete, no que respeita à regulação e fiscalização da exploração de atividades cinematográficas e audiovisuais pelas prestadoras de serviços de radiodifusão de sons e imagens, dispor especialmente sobre (…) a responsabilidade editorial e as atividades de seleção e direção da programação, em articulação com o Ministério das Comunicações’. Ou seja: a agência pode censurar a programação de rádio e TV e até determinar quem pode e quem não pode trabalhar nessas empresas? Absurdo total, mas é o que diz a proposta.

É tudo tão acintoso neste projeto, felizmente renegado, que fica difícil não cogitar que não passasse de provocação. O governo deve se preocupar, para não fomentar a dúvida legítima se, um dia, as intenções estatizantes e dirigistas pensadas por um setor do PT para a cultura possam estender-se também para a economia e as liberdades individuais.’



Gisele Teixeira

‘Começa debate do projeto que substitui Ancine’, copyright Gazeta Mercantil, 6/08/04

‘Em 30 dias, o Conselho Superior de Cinema irá aprovar a versão final do projeto de lei que cria a Agência Nacional do Cinema e Audiovisual (Ancinav), em substituição à Agência Nacional de Cinema (Ancine). A versão preliminar foi discutida ontem pelo órgão, que delibera sobre a política audiovisual do país e é integrado por nove ministros. Hoje, o documento será discutido em São Paulo com integrantes da sociedade civil. E deve passar ainda pelo crivo do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social antes de ser enviado ao Congresso Nacional.

O secretário executivo do Ministério da Cultura, Juca Ferreira, disse ontem que ainda não há uma redação definitiva para o texto. Segundo ele, o documento que circulou na internet nos últimos dias é apenas um ‘rascunho’ e não pode ser considerado uma posição do governo. A proposta, que vem sendo discutida há 18 meses sob a liderança da Casa Civil, afetará muita gente: de produtores e distribuidores de cinema a emissoras de televisão, de TV por assinatura e até de aparelhos celulares. E trata, entre outros assuntos, da compra e da distribuição de conteúdo pelas operadoras de telecomunicações.

Alguns profissionais ligados á área, que já tiveram acesso ao texto, o classificaram de dirigista, burocrático e autoritário, entre outros adjetivos. Alegaram, ainda, que a proposta deixa brechas para a Ancinav intervenha no conteúdo audiovisual. ‘Rejeitamos qualquer tipo de interferência de conteúdo; se a redação sugere essa possibilidade, vamos mudar’, disse o assessor-chefe do ministério, Sérgio Sá Leitão.

Entre as idéias propostas está a reformulação da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), uma taxa que hoje incide sobre os títulos lançados. A idéia é que seja cobrada proporcionalmente ao número de cópias, para reduzir a desigualdade entre a indústria nacional e a estrangeira, principalmente a americano. Filmes com mais de 200 cópias, por exemplo, pagariam o teto da cobrança, R$ 600 mil. Os nacionais pagariam 10% desse valor. A arrecadação alimentaria um fundo para estimular a produção brasileira.’



Cristiana Nepomuceno

‘Versão final de projeto do audiovisual será analisada em 30 dias’, copyright Telecom Online, 5/08/04

‘Em 30 dias, o Conselho Superior de Cinema, órgão que delibera sobre a política audiovisual do país, integrado por nove ministros, irá aprovar a versão final do projeto de lei que cria a Ancinav (Agência Nacional do Cinema e Audiovisual) e dispõe sobre as atividades cinematográficas e audiovisuais no país. Em seguida, o texto será apresentado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva para que ele encaminhe ao Congresso. Hoje, 5, a proposta do projeto elaborada pelo Ministério da Cultura e pela Casa Civil foi apresentada ao Conselho para que os ministros debatessem e apresentassem sugestões e amanhã será discutida em São Paulo com representantes da sociedade civil. Em entrevista à imprensa para falar do projeto, o assessor do Ministério da Cultura, Sérgio Sá Leitão, afirmou que o texto levou 14 meses para ser elaborado porque foi amplamente debatido com os interessados e dentro do governo. Ele afirmou que a intenção do governo é publicar como projeto de lei mas não está descartada a sua edição por medida provisória para tratar das questões do audiovisual. A proposta elaborada pelo Ministério , entre outros assuntos, trata da compra e da distribuição de conteúdo pelas operadoras de telecomunicações. Sérgio Sá frisou que o ante-projeto apresentado hoje ainda não é a Lei Geral do Audiovisual, que só será elaborada depois da elaboração da Ancinav. Entre outras coisas, o projeto obriga as concessionárias a colaborarem para o Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica e Audiovisual) e garfa 5% dos recursos do Fistel para compor o Fiscinav. Sérgio Sá afirmou que o projeto não fere a Lei Geral de Telecomunicações e nem sobrepõe ativididades da Ancinav com a Anatel. Ele afirmou que qualquer sobreposição de poderes e irregularidade jurídica serão aprimoradas. A Ancinav, nesse projeto, poderá até colocar limites à participação estrangeira no capital de ‘exploradoras de atividades cinematográficas e audiovisual’. De acordo com o secretário, a intenção desse artigo não é interferir na composição acionária das empresas mas defender a indústria brasileira e estimular a produção nacional.’