Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Eliakim Araújo

‘Entrar na velha redação do Jornal do Brasil, no terceiro andar do número 110, da Avenida Rio Branco, deixava qualquer visitante tomado por um sentimento de fascinação e respeito. Era como entrar num templo sagrado, onde você podia esbarrar nos mais conhecidos e competentes jornalistas da imprensa brasileira da época. Foi assim que me senti, quando, bem jovem, entrei pela primeira vez no célebre edifício do JB, contratado pela Rádio Jornal do Brasil, em 1965.

O terceiro andar era um grande salão aberto, onde funcionavam todas as editorias do jornal. Somente duas eram separadas por divisórias de madeira: o departamento de pesquisa, uma novidade recém-lançada pelo JB, e o departamento de jornalismo da Rádio JB, que tinha seus estúdios no quinto andar. Fora essas duas, as demais editorias eram separadas pela cor das máquinas de escrever. Isso mesmo, num tempo em que computador era algo inimaginável, algum programador visual teve a idéia genial de colorir as máquinas de escrever. Assim, as da editoria de Brasil tinham uma cor, as da Internacional eram de outra, e assim por diante.

Agora imagine o leitor o que acontecia a partir das seis da tarde quando os repórteres chegavam da rua com suas matérias e começava o fechamento do jornal. Todas aquelas máquinas – duzentas, talvez – eram usadas ao mesmo tempo, com o som das teclas produzindo uma sinfonia fantástica. Daquelas máquinas rudimentares, Olivetti ou Remington, estavam saindo as notícias da edição do JB do dia seguinte, num tempo em o jornal era de fato e de direito o maior jornal do país.

Trabalhar no JB era o sonho de qualquer profissional. Além de pagar os melhores salários da época, o jornal e a rádio da Condessa gozavam de imensa credibilidade junto aos poderes públicos e prestígio junto aos leitores. O leitor de hoje sabe perfeitamente que por trás de qualquer empresa jornalística há interesses políticos e/ou comerciais a serem atendidos. Mas posso dizer, sem medo de errar, que o velho JB foi o que esteve mais perto da liberdade total de informar. Em alguns momentos de sua história, o JB teve a coragem de enfrentar a ditadura militar, o que lhe custou uma forte queda no faturamento, já que as verbas do governo representavam uma boa fatia na receita. Receita alimentada pelo sucesso dos pequenos classificados do JB. Um produto imbatível, apesar da concorrência cobrar metade do preço e oferecer todo tipo de bonificação.

A mudança do Grupo JB, em 73/74, para o gigantesco prédio da Avenida Brasil 500 mudou radicalmente a vida da empresa e de seus funcionários. A começar pela localização, numa zona inóspita e em local de acesso complicado junto a um emaranhado de viadutos, onde o tráfego é o mais pesado da cidade. Apesar do conforto e dos espaços oferecidos internamente, ou talvez até por isso mesmo, a redação do JB perdeu todo charme da Avenida Rio Branco, o ponto mais nobre e central da cidade. Agora, as editorias eram grandes salas fechadas, sem comunicação umas com as outras. A fórmica branca predominava nas paredes, tornando o ambiente frio, sem calor humano. Houve quem comparasse as novas instalações a um hospital, tal o tamanho dos corredores sem fim e das salas que pareciam enfermarias.

Verdade ou não, o fato é que o velho JB começava realmente a adoecer. Perdeu o bonde da história ao devolver ao governo Geisel a concessão da TV e, mais tarde, já no governo Figueiredo, perdeu para a Manchete o canal carioca da falecida Tupi. Por razões mais políticas do que técnicas, o canal acabou sendo entregue à Manchete.

Enquanto isso, a concorrência entrava com tudo na nova mídia. Com a alavancagem da TV, sempre simpática e dependente do poder militar, o Globo, que era um vespertino sem maiores atrativos, começou uma fase de crescimento diretamente proporcional à queda do JB.

O resto da história, todo mundo sabe. O JB se afogou em dívidas impagáveis, boa parte delas na construção da Avenida Brasil. Transferiu o controle acionário a um milionário que não é do ramo. Hoje o JB, apesar do esforço de equipe atual, é uma caricatura do que foi nas décadas de 50, 60 e 70. Sem forças para competir, o jornal foi perdendo para o Globo as melhores cabeças pensantes do jornalismo. Pode-se dizer que a ‘intelligentsia’ dos jornalistas cariocas está hoje a serviço do Globo.

Mas garanto que todos devem sentir saudade dos tempos gloriosos do velho Jornal do Brasil. E, como eu, devem estar penalizados com as imagens do outrora luxuoso prédio da Avenida Brasil, hoje abandonado e entregue a saqueadores que roubam para vender seus pedaços de ferro, madeira e alumínio. Pedaços da história inesquecível de um dos maiores jornais do Brasil.’Brasil. E, como eu, devem estar penalizados com as imagens do outrora luxuoso prédio da Avenida Brasil, hoje abandonado e entregue a saqueadores que roubam para vender seus pedaços de ferro, madeira e alumínio. Pedaços da história inesquecível de um dos maiores jornais do Brasil.’



Milton Coelho da Graça

‘Uma reunião a caminho do elevador’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 6/10/04

‘Uma reunião com toda a redação foi convocada pela direção do Jornal do Brasil para o saguão do elevador no 12º andar. Foi no meio da semana que passou, mas a data não é importante. O importante é que toda a redação compareceu e não chegou a ocupar os 30 metros quadrados do saguão. O humor negro de um repórter anotou que a próxima reunião deverá ser no próprio elevador – e ainda vai sobrar espaço para mais um ou dois passageiros.

Os companheiros do JB me enviaram uma nota descrevendo os esforços do Sr. Hélio Tucler para explicar, na reunião, que o jornal dali em diante se recusaria a conversar com o Sindicato dos Jornalistas, porque este insiste que o JB cumpra a legislação trabalhista – algo que a direção considera ‘absurdo, por não ter condições financeiras para isso.’

O custo da instalação do JB em Brasília (inclusive a casa alugada pelo diretor) é maior do que toda a folha de redação do jornal no Rio, excluindo-se as colunas de Hildegard Angel e Márcia Peltier – onde titulares e equipes ganham cerca de 150 mil reais.

Um outro problema enfrentado pelo JB é a ação na 5º Vara Cível da Justiça de Brasília, movida pela Procuradoria da Câmara, pedindo direito de resposta ao Jornal do Brasil em razão da matéria ‘Miro denuncia propina no Congresso’. Publicada pelo jornal em 24 de setembro, a reportagem insinuava a existência de um suposto esquema de pagamentos a deputados feito pelo Executivo, por determinação do presidente da Casa, João Paulo Cunha, que mandou ‘estudar as providências cabíveis para reparar os danos causados à instituição e aos parlamentares pelas denúncias falsas’.

Curioso: nenhum outro jornal se interessou pelo caso e quase todos os repórteres políticos com quem conversei duvidam que a denúncia tenha fundamento.

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Estado Novo matou mais do que os militares?

O leitor Conrado Giacomini, de Mogi Guaçu (SP), envia uma interessante reflexão, que divido com toda a turma do Comunique-se. Ele acha que a imprensa, na comemoração dos 50 anos do suicídio de Getúlio, apenas exaltou o lado bom de seus 19 anos de poder, esquecendo a opressão, a censura, a tortura e o peleguismo. E, contrariamente, ao recordar os 40 anos do golpe militar, deixou de lado os resultados econômicos da ditadura militar e só se preocupou com a violência do regime. Conrado argumenta que os mortos e desaparecidos no Estado Novo chegaram a 3 mil ou 5 mil, muito mais do que as vítimas do regime militar (entre 300 e 400).

Não consegui checar estes números e acho que a imprensa agiu corretamente. E vocês?

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Uns gostam, outros não, de mortadela

Em junho de 2000, a circulação média dominical do jornal O DIA, do Rio, chegou a 521.405, ultrapassando os 470.104 de O GLOBO. Quatro anos antes, as Organizações Globo haviam lançado o EXTRA que agora chegará a 401.219.

Em junho de 2004, os três jornais tiveram números bem menores:

O DIA O GLOBO EXTRA

2000 521.405 470.104 401.219

2004 260.684 350.811 394.166

Perda 260.721 119.293 7.053

50% 25% 2%

O DIA procura um caminho para sair desta situação que o seu diretor, Paulo Fraga, me descreveu como o dilema da mortadela, num sanduíche em que O GLOBO tem a metade superior do pão e o EXTRA tem a parte inferior, com O DIA no meio.

Fraga diz que a solução não é simples. A antiga situação do Jornal do Brasil – como o jornal carioca favorito da classe A – não lhe parece atraente, até porque O DIA tem uma forte posição entre anunciantes do comércio varejista. Ele acredita que é preciso buscar o caminho da aceitação por todos os níveis de eleitores. O problema central – sobre o qual Fraga nada falou mas é assunto dominante em todas as reuniões da diretoria do jornal – é a grande vantagem competitiva que a televisão dá às Organizações Globo. Onde – quem diria? – existe um forte apetite por mortadela.’



RBS EM EXPANSÃO
Eduardo Ribeiro

‘A RBS busca hegemonia nacional na mídia’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 6/10/04

‘No confortável e bem localizado escritório, a pouco mais de 500 metros do Parque Ibirapuera, Eduardo Sirotsky Melzer comanda uma das mais estratégicas operações do Grupo RBS no País, a de Mercado Nacional, que tem por missão cuidar tanto da expansão territorial quanto financeira.

Poderio econômico e de influência, sobretudo sobre a Região Sul, são indiscutíveis na trajetória desse conglomerado de veículos multimídia, que hoje situa-se entre os três maiores do País. E estão aí nos números, como veremos abaixo, para confirmar isso.

A RBS, no entanto, tanto quanto ser uma empresa de porte, do pelotão de frente nas áreas em que atua, quer ser reconhecida e percebida no Brasil como tal. Quer mesclar ao seu forte sotaque gaúcho outros sotaques como o paulista (sobretudo o caipira, do Interior de São Paulo), o mineiro, o paranaense e até o brasiliense. Quer, enfim, ser uma empresa efetivamente nacional. E trabalha forte nesta direção.

Mesmo sem revelar detalhes ou nomes, até para não atrapalhar negócios já em andamento, Sirotsky diz que há conversas em andamento com vários veículos e que o aumento de títulos e emissoras no portfolio da RBS é apenas uma questão de tempo.

O Grupo quer e vai adquirir empresas no Interior de São Paulo, no Paraná, em Minas Gerais e em Brasília, mas negocia com cautela, buscando desestimular especulações e também as chamadas superavaliações, fenômeno comum quando se sabe de uma empresa com recursos querendo ampliar seu raio de atuação.

E tem lá suas razões para isso, até mesmo por ter passado recentemente por um intenso processo de reestruturação financeira e operacional. Foi uma reestruturação que incluiu o alongamento de uma dívida remanescente de US$ 125 milhões em bônus no Exterior e de mais um terço desse valor junto a quatro bancos no País (Bradesco, ABN, Banrisul e Unibanco), concluída entre março e agosto do ano passado. O acerto com os credores internacionais incluiu a amortização antecipada de US$ 10 milhões da dívida e o pagamento do restante em duas parcelas: uma de US$ 58,1 milhões no vencimento original em 2007 e outra de US$ 56,8 milhões, estendida para 2010. Também fizeram parte do pacote de reestruturação um aporte de capital pelos sócios controladores e a venda de parte das ações da Net Serviços detidas pelo grupo, conforme revelou matéria publicada pelo jornal Valor Econômico, em agosto último.

Reequilibrada e numa posição financeira mais confortável, a empresa preparou-se e criou condições para crescer. Tanto que em fevereiro do ano passado foi buscar o ex-ministro da Casa Civil do Governo FHC, Pedro Parente, para cuidar do desenvolvimento de todo o projeto, nomeando-o vice-presidente executivo.

Foi um passo importante na direção da profissionalização, mas não o único. A empresa contratou John Davis, da Harvard University, um dos mais importantes consultores norte-americanos, para assessorá-la nessa transição, de modo a preservar não só a família, mas o próprio negócio.

Com a terceira geração chegando à idade de postular cargos na organização, os Sirotsky decidiram fugir da armadilha de empregar parentes na empresa, pelos riscos que isso representava e pelos próprios exemplos de outras organizações familiares que, ao não resolverem a contento a questão, enfrentaram sérios problemas de gestão.

No entanto, se o sobrenome Sirotsky deixou de ser pistolão para se obter cargos na organização, isso em momento algum, em contrapartida, poderia ser um empecilho para impedir alguma contratação. O critério passou a ser o da qualificação profissional.

Esse o caso da chegada de Eduardo Sirotsky Melzer ao board do Grupo, a convite de um Parente (o Pedro), que nenhum parentesco tem com a família. Neto mais velho de Maurício Sirotsky Sobrinho, fundador do Grupo RBS, Eduardo, de apenas 32 anos, reunia experiência profissional e formação acadêmica oportunas para a missão desejada. Eduardo mantinha, já há três anos, uma bem sucedida carreira de executivo no Boxtop Media, em Nova York. Abriu mão disso tudo seduzido não só pela possibilidade de atuar numa empresa de porte da qual é um dos herdeiros, mas pelas condições oferecidas (inclusive de remuneração) e pelos desafios de contribuir para transformar a RBS numa empresa de porte e reconhecimento nacionais.

A opção por São Paulo foi estratégica, assim como estratégico foi nomear para o escritório paulista um diretor geral com assento no board da organização. O objetivo foi criar uma linha direta e permanente com o maior mercado do País. Atualmente, aliás, 25% da receita do Grupo tem origem no Rio Grande do Sul e Santa Catarina e a meta é ampliar essa fatia, razão pela qual a RBS, nos seus planos de crescimento, optou por ter presença física e também mercadológica nessas praças, a partir da capital paulista. Em última instância, ela quer ir onde está grande parte do PIB brasileiro.

Quem se dá ao trabalho de analisar os números da Rede Brasil Sul fica impressionado. O grupo opera 18 estações de tevê, 24 estações de rádio e seis jornais diários, líderes nos respectivos segmentos nos Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Seu faturamento, em 2003, atingiu R$ 750 milhões (ou se preferirem números em dólar, algo ao redor de US$ 250 milhões), resultado 16,5% superior ao faturamento de 2002. Agora, em 2004, os números são ainda mais vigorosos e a receita bruta, que no primeiro semestre aumentou em 23% (em valores que superaram R$ 400 milhões), deve ficar muito próxima dos chamados sete dígitos: R$ 1 bilhão.

Não é só: a RBS detém, no conjunto, ou seja na soma dos seus seis títulos, a segunda maior circulação de jornais do Brasil, com mais de 400 mil exemplares-dia, ficando atrás apenas da Infoglobo (O Globo, Extra e Diário de S.Paulo), e à frente de bichos papões como o Grupo Folha (Folha de S.Paulo e Agora) e o Grupo Estado (Estadão e Jornal da Tarde); e tem a maior audiência individual de rádio do País, com a Farroupilha, emissora popular que mora no coração de grande parcela dos gaúchos.

Não deixa de ser curioso que num mercado ainda abalado pela longa crise, um grupo empresarial com fortes raízes no Sul saia do casulo para enfrentar de igual para igual os gigantes do Sudeste, de olho na liderança.

E não deixa de ser reconfortante saber que não é só de aventureiros e predadores que vive esse nosso sofrido, mas sempre atraente, mercado.’