Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Eliane Cantanhêde

‘Lula chamou o vice José Alencar e os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica para uma conversinha na segunda-feira passada. No papel de Lulinha Boa Praça, deu o recado -ou a ordem: há papéis e eles precisam sair das catacumbas e ir para a luz do dia.

Ele resolveu assumir pessoalmente o comando da operação de abertura dos arquivos por um motivo que está cada vez mais evidente: os militares continuam muito fechados neles mesmos. Gentis, mas refratários aos superiores civis.

Tanto que a Aeronáutica jura que não há documentos e, dias depois, eles aparecem sendo queimados numa base aérea. O Exército também diz que não há papéis e em seguida eles voam para quem quiser ver numa fazenda gaúcha. Tem alguém brincando com fogo e com vento num assunto que não é brincadeira.

Na conversa com Alencar e os militares, Lula desanuviou os espíritos. Disse que é melhor para todo mundo abrir os arquivos, tirar isso tudo da agenda nacional, afastar os fantasmas. E assumiu uma espécie de compromisso: não haverá retaliação, revanchismo. Os militares não serão expostos em praça pública.

Outras decisões do presidente: José Dirceu vai cuidar diretamente do assunto, e o assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, fará a intermediação entre o governo e as universidades com o objetivo de criar um mutirão para avaliar, separar e catalogar a papelada toda.

Em 2004, os militares voltaram às manchetes com uma sucessão de fatos, como as fotos que seriam, e não eram, de Vladimir Herzog, a nota do Exército defendendo a ditadura, a queda do ministro da Defesa, a pressão pela abertura dos arquivos e o surgimentos de papéis confidenciais do regime militar à revelia dos comandos, ninguém sabe por que, ninguém viu como.

Em 2005, é a vez de dar ordem a essa bagunça. Lula tomou a decisão de abrir os arquivos e está preparando todos os terrenos para isso. Aos militares cabe unicamente cumprir.’



Fábio Konder Comparato

‘O direito à verdade no regime republicano’, copyright Folha de S. Paulo, 26/12/04

‘O fatídico juízo de frei Vicente do Salvador continua a pesar sobre nós como uma maldição, quatro séculos depois de proferido: ‘Nem um homem nesta terra é repúblico nem zela ou trata do bem comum, senão cada um do bem particular’. Se o nosso povo, acostumado desde sempre à pacífica submissão, pode ser excluído dessa censura, por certo as chamadas elites dominantes, de todas as épocas, bem merecem a reprovação expressa pelo primeiro historiador do Brasil.

O último e deplorável exemplo de persistência nesse modo de ser anti-republicano nos é dado agora pelo governo federal, com a sua recusa ou relutância em tornar públicos certos arquivos do Estado.

Vamos partir de um princípio ético elementar. Em hipótese nenhuma os crimes cometidos por agentes públicos (ou seja, etimologicamente, funcionários do povo) podem ser subtraídos ao conhecimento público. Nenhuma razão de política interna ou internacional poderá jamais justificar a violação desse princípio. No campo da política interna, o encobrimento oficial de delitos representa, sempre, a superposição do interesse particular de grupos, classes ou corporações ao direito fundamental do povo de conhecer a verdade, isto é, a identidade dos criminosos e as circunstâncias do crime. No plano internacional, a pretensa razão de Estado, invocada para fundamentar o sigilo, nada mais é do que a afirmação do interesse próprio de um país contra o bem comum da humanidade. Em ambas as hipóteses, portanto, há uma patente negação do princípio republicano.

O atual governo da União vem renovar, pela enésima vez em nossa história, o triste espetáculo desse repúdio à idéia de República. De um lado, ele multiplica óbices à revelação dos documentos oficiais relativos aos crimes cometidos durante o regime militar pelos mais diversos governantes. De outro lado, integrantes do Itamaraty vêm sustentar a necessidade de manter em perpétuo sigilo as vergonhosas condições em que este país logrou se apossar de uma parcela do território paraguaio, ao final da guerra de 1865 a 1870.

Em nenhum dos dois casos a Constituição autoriza essa restrição ao direito fundamental à verdade. Ela declara, no 30º inciso do seu artigo 5º, que ‘todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações do seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral’, ressalvando apenas ‘aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado’.

Em primeiro lugar, num Estado de Direito republicano, a segurança da sociedade e do Estado não pode se sobrepor ao princípio da dignidade da pessoa humana (Constituição, art. 1º). Um Estado totalitário é capaz de se manter em condições de segurança absoluta durante certo tempo; mas ninguém ousará sustentar que ele defende, com isso, a dignidade humana.

Em segundo lugar, mesmo nas hipóteses em que, longe de todo acobertamento de crimes, as autoridades públicas são admitidas a manter segredo sobre certos fatos para a preservação da segurança do Estado e da sociedade, compete a elas provar, caso por caso, a legitimidade do sigilo, pois que se trata de uma exceção ao princípio da publicidade de todos os atos oficiais (Constituição, art. 37, caput), e o ônus da prova incumbe, sempre, àquele que invoca a exceção contra o princípio de direito.

A recusa dos recentes governos em abrir os arquivos dos horrores praticados durante o regime militar contra os então dissidentes funda-se, na verdade, em outras razões, bem conhecidas de todos. É a proteção ignominiosa dos torturadores, assassinos, estupradores e todos os que lhes deram apoio, nos mais diversos órgãos do Estado, muitos dos quais estão vivos ainda hoje, a gozar de escandalosa impunidade. É, ainda, o indigno temor de enfrentar uma revolta no oficialato das Forças Armadas, adestrado tradicionalmente a defender a corporação militar acima de tudo.

Os constituintes de 1988 imaginaram um paliativo a esse espinhoso problema, ao concederem, no art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, sob o surpreendente pretexto de anistia (os malabarismo semânticos são um esporte nacional), reparações a todas as vítimas do regime militar. Com base nesse dispositivo da Constituição, foram editadas, no plano federal, a lei nº 9.140, de 1995, sobre os desaparecidos políticos, e a lei nº 10.559, de 2002, sobre os ‘anistiados políticos’ de modo geral, e outras leis semelhantes em alguns Estados.

Sucede, porém, que, com essa hipócrita política de ‘reconciliação e pacificação nacional’ (lei nº 9.140, art. 2º), o legislador esqueceu-se de um pormenor. A Constituição Federal determina, em seu art. 37, par. 6º, que a pessoa jurídica de direito público, reconhecida como responsável pelos danos que seus agentes causem a terceiros, tem o dever de agir em regresso contra o causador do dano, para dele haver o reembolso do que foi pago à vítima, uma vez que essa indenização é feita com dinheiro público. Em caso de recusa ou omissão do Estado em agir regressivamente contra o agente causador do dano, o Ministério Público, em ação pública, ou qualquer cidadão, em ação popular, poderão pleitear a condenação do representante dessa pessoa jurídica de direito público.

É óbvio, portanto, que não se tratou de nenhum lapso de memória do legislador. As autoridades do nosso pretenso Estado republicano quiseram deixar os criminosos do período castrense isentos de toda responsabilidade.

É mais uma razão a justificar plenamente a oportunidade da Campanha Nacional em Defesa da República e da Democracia, lançada pela OAB, com o apoio de prestigiosas entidades da nossa sociedade civil.

Que o nosso povo possa, enfim, depois de tantos séculos de exclusão anti-republicana, subir ao proscênio da vida política, para vindicar a supremacia do bem comum contra a preponderância atávica dos interesses particulares! Fábio Konder Comparato, 68, advogado, doutor pela Universidade de Paris, é professor titular da Faculdade de Direito da USP e doutor honoris causa da Universidade de Coimbra (Portugal).’



Luciana Nunes Leal

‘Nas gravações de julgamentos, ecos dos porões da ditadura’, copyright O Estado de S. Paulo, 26/12/04

‘O advogado Fernando Augusto Fernandes, de 31 anos, ainda estava na faculdade quando começou uma batalha, que até hoje se arrasta na Justiça, para ter acesso ao que chama de ‘diamante’ da história recente do País: centenas de fitas de rolo com gravações de julgamentos de presos políticos, entre 1969 e 1979, no Superior Tribunal Militar (STM). Fernandes conseguiu autorização, em outubro de 1997, para ouvir as fitas, mas logo depois o acesso ao arquivo sonoro, guardado na sede do STM, em Brasília, foi proibido. Ele entrou com mandado de segurança, que foi negado, e em fevereiro de 1998 o caso chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde está até hoje, sem solução.

Está nas mãos do Supremo permitir ou não o acesso a mais de 200 horas de sustentações orais feitas por advogados ilustres como Heráclito Sobral Pinto em defesa dos presos, além de denúncias dos procuradores do Ministério Público Militar e os votos dos ministros do STM. ‘Os votos eram gravados em fitas separadas. O material todo fica em dois arquivos lacrados na sala anexa ao pleno do STM. Eu estava pesquisando os processos para um trabalho sobre defesas de presos políticos nos tribunais da República, mas minha paixão sempre foi a sustentação oral. Comecei a procurar e descobri as fitas. Encaminhei uma petição ao STM e consegui autorização para ouvi-las’, lembra o advogado.

Com três dias de pesquisa do arquivo sonoro, Fernandes foi avisado de que não poderia mais ouvir as fitas. Sem o conhecimento das autoridades do STM, no entanto, tinha feito gravações de trechos das defesas orais.

CÓPIAS

‘As sustentações eram muito duras. Havia sempre um funcionário do STM ao meu lado. Senti que o clima não era bom e resolvi fazer cópias das gravações’, conta o advogado. Quando saía para tomar café, durante a pesquisa, Fernandes tirava cópias das folhas com o índice de todas as gravações arquivadas. ‘Com o índice, eu tinha a prova de que as fitas existiam. Esse tipo de arquivo interessa ao Brasil como história. O acesso aos arquivos do regime militar não vai gerar revanchismo. A não-abertura revela a permanência da história autoritária no País. As instituições ainda têm muito do regime de 1964.’ A pesquisa de Fernando Fernandes sobre as defesas de presos políticos desde o fim do século 19 virou o livro Voz Humana, lançado no início deste ano. A parte sobre as defesas feitas durante o regime militar pós-64 é enriquecida por dois CDs com trechos das sustentações orais dos advogados Sobral Pinto, Modesto da Silveira, Lino Machado e Nélio Machado.

‘Aquilo que chama de prova (…) é apenas sua confissão feita em juízo, através de cruéis torturas (…) estive com esse homem quase um ano depois das torturas que ele sofreu para fazer esta confissão e era um molambo de homem (…). É impossível que juiz da categoria de ministro do Supremo Tribunal Militar considere essa confissão como prova’, sustenta Sobral Pinto na defesa do sindicalista e ex-deputado Oswaldo Pacheco Silva. Sobral diz que seu cliente ‘apareceu em juízo (…) com feridas impressionantes, seus braços eram uma ferida permanente até o pulso (…)’. E faz um apelo: ‘Quem é que fez estas equimoses? Quem é que praticou essas torturas neste homem preso e incomunicável? Pois bem, senhores ministros, não é possível que V. Exas. possam aceitar esta afirmação numa confissão arrancada nessas condições como sendo prova.’ Na defesa do militante comunista Renato Guimarães Cupertino, o criminalista Modesto da Silveira sustenta: ‘Diz a sentença que Renato confessou ser comunista em juízo. Sim, é verdade, está em sua confissão, em juízo, ser comunista. Senhores juízes, entre o ser e o fazer há um abismo. O que nossa lei penal pune ou pode punir é o fazer ou deixar de fazer alguma coisa prevista em lei, mas o ser ou não ser alguma coisa, seja nazista, fascista, comunista, ou o que for, é uma mera convicção uni, íntima, e a própria Constituição proíbe a discriminação ideológica.’ Modesto também denuncia torturas em seu cliente.

RECESSO

O STM está em recesso e nenhuma autoridade foi encontrada para comentar a restrição de acesso ao arquivo sonoro. No livro Voz Humana, Fernandes anexou a decisão do STM, de 18 de novembro de 1997, negando o pedido. O tribunal alega que as gravações não fazem parte dos processos.

Com o número 23.036, o recurso de Fernando Fernandes, assinado também por seu pai, o advogado Fernando Tristão Fernandes, foi distribuído no Supremo em fevereiro de 1998. Em abril do ano seguinte, o ministro Nelson Jobim, hoje presidente do STF, pediu vistas (instrumento que permite analisar melhor o processo). Em outubro de 2000, Fernandes encaminhou uma petição ao STF para que fosse marcada a data do julgamento. Jobim está em viagem ao exterior e por isso não foi encontrado para explicar os motivos da demora na solução do caso. ‘Veja que há anos a questão da abertura de arquivos está submetida ao STF’, chama atenção Fernandes.’



Valdir Sanches

‘Sob o assoalho, a vida de Osvaldão, líder do Araguaia’, copyright O Estado de S. Paulo, 26/12/04

‘Na casa da família Orlando da Costa havia um pequeno porão dissimulado em um dos quatro quartos, sob a cama. Nele, esteve escondida durante décadas uma parte da história do mais conhecido dos 11 filhos de José Orlando da Costa, fino cozinheiro, dono de padaria, conceituado cidadão de Passa Quatro, Minas.

Esse filho, Osvaldo, o mais jovem dos 11 irmãos, destacava-se em princípio por seu tamanho: chegaria a 1,98 metro. Com 16 anos deixou Passa Quatro, na divisa com a paulista Cruzeiro, no Vale do Paraíba. Foi para São Paulo, ganhar a vida e estudar. Mais tarde, no Rio, dedicou-se ao boxe e fez o CPOR, a escola de oficiais da reserva do Exército.

Em 1961, viajou para Praga, na então Tcheco-Eslováquia, de regime comunista (nas ruas, assombraria pessoas que nunca tinham visto um negro, muito menos daquele tamanho). Estudou engenharia.

O que ninguém em sua família, em sua cidade, sabia é que em 1966 Osvaldo tomou um ônibus e foi parar na região do baixo Araguaia, no Pará. Só anos depois, soube-se que ele fora Osvaldão, um dos mais importantes dos chefes que comandaram 63 militantes do Partido Comunista do Brasil, PC do B, na tentativa de criar um foco de guerrilha na região.

A notícia, quando chegou, pelos jornais, veio acompanhada de outra. Osvaldão e quase todos os guerrilheiros estavam mortos. Os depoimentos mais confiáveis dizem que um informante do Exército matou o comandante negro a tiros, num milharal. E que o corpo foi levado de helicóptero para Xambioá, também no Pará. Jamais foi achado. Osvaldão está até hoje na lista de desaparecidos.

SEM MEDO

A família, em anos recentes, perdeu seus receios. Abriu seus arquivos. O porão onde estavam fotos, papéis e objetos de Osvaldo era na verdade um vão de talvez 40 centímetros entre o solo e as tábuas do assoalho. Partes dessas tábuas podiam ser removidas. ‘Quando era pequena via aquele quadrado sob a cama’, diz a sobrinha mais velha do guerrilheiro, Maria Rita Orlando Ferreira, hoje com 50 anos.

O que emergiu de lá, em data imprecisa, está bastante deteriorado pelo tempo e umidade. Uma parte perdeu-se. O que resta conta fatos da vida de Osvaldo anterior à guerrilha. ‘Ele mandava fotos e lembranças da Tcheco-Eslováquia’, diz Maria Rita.

O pai era homem de leitura mas não se interessava por política. Mas um de seus filhos, João, era comunista. João é pai de Maria Rita. ‘Meu pai tinha remorsos por achar que havia influenciado o tio Osvaldo’, diz. ‘Ele me disse que tinha um peso na consciência.’

Os remorsos de João se estendiam a outro irmão, Américo, que estudou na Rússia. Este voltou formado engenheiro de minas, em 1975. Sentiu a situação pesada e mudou-se para Moçambique.

João, o comunista, tinha um bar e padaria. Ali se reuniam jovens para conversar. Enquanto viveu em Passa Quatro, Osvaldo não deu sinais de que havia assimilado a ideologia do irmão. Tanto que, em certo dia, resolveu ser padre. É o que conta seu melhor amigo de juventude, Mauri Monteiro, hoje com 67 anos.

DATAS

Em Passa Quatro, na mesma casa onde havia o porão, vive o único dos dez irmãos de Osvaldo. Da família, restam na cidade Maria Rita, a filha de João, e um irmão. E Maria Elisa, sobrinha de Osvaldo.

José, o pai, sabia que seu filho Osvaldo estava na guerrilha? ‘Se sabia, nunca falou para a gente’, diz Maria Elisa. ‘Mas não se mostrava angustiado.’

Mas há um fato curioso. Maria Rita e Maria Elisa dizem que Osvaldo ficou dez anos na Tcheco-Eslováquia. ‘Quando chegou aqui, nosso avô (José) deu para ele uma grande festa.’ Mauri lembra da vinda do amigo, em 1971. ‘Ele veio se despedir, disse que talvez voltasse para a Tcheco-Eslováquia.’ Em 1971, porém, já fazia cinco anos que Osvaldão comandava a guerrilha no Araguaia. Foi a última vez que o viram.

Cinco irmãos receberam indenização pela morte, no total de R$ 150 mil. A abertura dos arquivos sobre a repressão dá esperanças a Maria Rita e Maria Elisa. Se levarem aos restos do tio guerrilheiro, querem trazê-los para serem sepultados na campa da família, em Passa Quatro. Apenas Leopoldina, a irmã, pensa diferente. Nunca acreditou que Osvaldo tivesse ido ao Araguaia. Sempre disse: ‘Qualquer hora ele chega aí.’

GINÁSIO

Passa Quatro, 15 mil habitantes, no alto da Serra da Mantiqueira, a 240 quilômetros de São Paulo, é terra de Osvaldão mas seu filho mais conhecido é outro: José Dirceu. Como Osvaldão, o ministro da Casa Civil fez o estudo fundamental na cidade e partiu para São Paulo. Líder estudantil, combateu o regime militar. Foi preso e banido do País.

Outro filho da cidade é Ivan Mota Dias, dado como morto, sob tortura, em Belo Horizonte. Está na lista dos desaparecidos políticos.

Em junho de 2000, o prefeito Acácio Mendes de Andrade concluiu um ginásio poliesportivo e o batizou com o nome de Osvaldo.

Uma rua da cidade leva o nome do guerrilheiro, outra a de Dias. Osvaldo recebeu o título post-mortem de cidadão paraense, dado pela Assembléia, em 2001.

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‘Luta para ouvir fitas começou em 1997’, copyright O Estado de S. Paulo, 26/12/04

‘PRAZOS: Em 1997, quando o advogado Fernando Fernandes começou a luta judicial para ouvir as fitas do Superior Tribunal Militar (STM), estava em vigor o Decreto 2.134, assinado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, que regulamentava o acesso a documentos públicos sigilosos. O prazo máximo de sigilo era de 30 anos, renováveis por mais 30, para documentos ultra-secretos. Em dezembro de 2002, Fernando Henrique assinou novo decreto que revogava o anterior e estendia os prazos para 50 anos, renováveis indefinidamente. No início deste mês, depois de muita polêmica sobre o acesso aos documentos da repressão militar, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou aos prazos anteriores e criou uma comissão formada por seis ministros e pelo advogado-geral da União para decidir os documentos de sigilo permanente.

Fernando Fernandes sustenta que os arquivos sonoros do STM poderiam ser classificados como reservados (cinco anos de sigilo, renováveis por mais cinco) ou no máximo confidenciais (dez anos de sigilo, renováveis por mais dez). Como as gravações mais recentes são de 1979, já não haveria mais restrição, acredita Fernandes. ‘O prazo já se esvaiu. E não me parece que seja o caso de ferir a intimidade das pessoas’, insiste o advogado.

O decreto em vigor trata apenas dos documentos que estão sob a guarda do Poder Executivo federal. Medida Provisória assinada por Lula no dia 9 de dezembro diz que o Legislativo, o Judiciário, o Ministério Público e o Tribunal de Contas da União criarão regras próprias para o sigilo e o acessos aos documentos que guardam. ‘Esta comissão de ministros vai decidir sobre os arquivos do Executivo. E o que está na Justiça Penal Militar? É o material mais importante do regime militar’, diz Fernando Fernandes.’



Folha de S. Paulo

‘Arquivo parcial’, Editorial copyright Folha de S. Paulo, 22/12/04

‘Merece aplausos a idéia do governo de criar o ‘arquivo da intolerância’, uma espécie de banco de dados com documentos e depoimentos que relatem mortes, desaparecimentos e torturas ocorridos no país e que possam ser acessados pela população. Como escreveu Miguel de Cervantes (1547-1616), ‘a história é êmula do tempo, depósito de ações, testemunha do passado e aviso do presente, advertência do porvir’. Conhecer o passado é pelo menos fundamental para que não voltemos a cometer os mesmos erros.

Feitos os merecidos elogios, resta esperar que o ‘arquivo da intolerância’ não seja apenas uma manobra diversionista para desviar as atenções para o que realmente importa: localizar os arquivos secretos que ainda existam em poder de órgãos de inteligência e sepultar de vez a proposta acintosa do governo de consagrar em lei a figura do sigilo eterno.

Com efeito, a medida provisória nº 228, baixada pelo Executivo no último dia 9, traz um dispositivo que permite a uma comissão composta exclusivamente por membros do governo manter documentos fora das vistas do público por toda a eternidade. A proposta é tão afrontosamente contrária às instituições democráticas que só resta ao Congresso Nacional a alternativa de rejeitá-la.

Segredos de Estado podem ser necessários, mas nada justifica o sigilo indefinido. Ao contrário, ele pode dar a autoridades a sensação de que elas não precisam prestar contas a ninguém, nem mesmo à história.

Consta que o governo teme a divulgação de material pouco enaltecedor relativo à Guerra do Paraguai (1864-70) e a negociações territoriais. Sobretudo o lobby do Itamaraty teria convencido o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a acolher o sigilo eterno.

A verdade, contudo, precisa prevalecer. A honra e a memória de indivíduos deve ser preservada na medida do possível, mas não contra o direito do país de conhecer o seu passado -seja ele conveniente ou não para os governantes da época.’