Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Eliane Lobato e Renato Velasco

‘Nos estúdios da Rede Globo, no Projac, zona oeste do Rio de Janeiro, uma corda separa o quarto de Nazaré (Renata Sorrah) do galpão empoeirado no qual a vilã se arrasta alquebrada pela surra que acaba de levar. Alguns passos adiante, Maria do Carmo (Suzana Vieira) e Dirceu (José Mayer) sobem uma escada em direção a lugar algum, mas que, supostamente, desemboca na suíte armada para ser o ninho do reatamento amoroso do casal. E assim, entre cenários finamente decorados, colados a outros bem mundanos, desenvolve-se a novela Senhora do destino, o maior sucesso do horário nobre desde O rei do gado, em 1996. A cena em que Do Carmo bate em Nazaré por, entre outras coisas, ter roubado seu bebê na maternidade, deu à novela o maior Ibope até agora: atingiu 58 pontos de média e um share de 79%, ou seja, de cada 100 domicílios com tevê ligada, 79 estavam sintonizados na emissora. O entusiasmo levou a própria emissora a reprisar a pancadaria na manhã do dia seguinte no Mais você, de Ana Maria Braga. Mesmo reconhecendo, segundo a Central Globo de Comunicação, que ‘a edição destas imagens no programa foi uma atitude inapropriada’, ainda pode sofrer um processo do Ministério da Justiça. Descontado este desvio, nada impede a comemoração. Com seu carrossel de emoções, o folhetim de Aguinaldo Silva traz de volta os tempos áureos da novela das oito, desbancando a crença de que a fórmula estava esgotada. De novo, o País se reconhece e se incorpora em um drama fictício. A identificação se completa no elenco de veteranos talentosos que aciona a memória familiar dos telespectadores, acostumados a ver José Wilker, Renata Sorrah, Raul Cortez, Glória Menezes, Suzana Vieira, Yoná Magalhães, Ítalo Rossi e José Mayer em suas salas há pelo menos duas décadas.

Emoção: suzana com Mayer e Carolina na cena do encontro entre mãe e filha

Nas casas de papelão do Projac está o Brasil de verdade, na expressão de sua cultura e de seus dramas, como o da protagonista, uma mulher honesta que sai do Nordeste para vencer na cidade grande. Adriana Lessa é Rita, uma moradora de favela; Raul Cortez é o Barão, ex-nobre falido que rememora um antigo tempo de delicadeza; Eduardo Moscovis é Reginaldo, o político corrupto que todos adoram odiar, e Débora Falabella é Maria Eduarda, a romântica sonhadora, porque, afinal, ninguém é de ferro para cultivar só a dura realidade. ‘Novela é um processo psicossocial. E Senhora do destino cumpre perfeitamente esse papel’, diz Mauro Alencar, doutor em teledramaturgia pela Universidade de São Paulo (USP). Ele diz testemunhar diariamente o estreitamento desses laços através de comentários como o que ouviu na padaria perto de sua casa, em São Paulo: ‘Ah, que pena, a Djenane vai morrer…’ A referência era à personagem de Elisângela, prostituta amiga de Nazaré, embora sugerisse se tratar de alguém da família.

Teatro – A melhor combinação da novela possivelmente não seria apontada na mesma padaria: a força dramática do texto e a do elenco. Após ler as cenas do jantar de Viriato (Marcelo Antony), filho de Do Carmo, na casa do Barão – que vai ao ar na terça-feira 2 -, José Wilker exultou: ‘Aquilo é uma peça de teatro em estado puro!’ O próprio Aguinaldo Silva ressaltou a importância em bilhete aos atores. ‘Senhoras e senhores, isso não é apenas um jantar. É história. Trata-se de uma reunião com o que há de melhor e mais apurado na tevê brasileira em matéria de talento’, escreveu. Ao estabelecer o teatro como parâmetro, Wilker conferiu uma qualidade que não é comumente associada a novelas. Mas o trabalho de Renata Sorrah, por exemplo, mostra que tevê não é só close. Em linguagem popular, ela dá um banho de interpretação. ‘Nazaré é uma psicopata, ex-prostituta, assassina, ladra. Mas as pessoas conseguem ver humor nela também. Com esse papel, dei um salto qualitativo na minha carreira’, diz. Feliz, Renata frisa o que é opinião geral nos estúdios. ‘Esse sucesso todo se deve à equipe inteira. Está todo mundo motivado, querendo fazer o melhor.’

Como em qualquer produção do gênero, o stress não é mero coadjuvante. Recentemente, o diretor Wolf Maya, que também interpreta Leonardo, mandou um recado geral dizendo que não toleraria atrasos nas gravações e ‘colegas que decoram mal demais suas falas’. Maya acrescentou que eram sempre ‘os mesmos’ e que isso era um ‘ato imperdoável’. Alguns alvos da descompostura são conhecidos, como Dado Dolabella, que faz o filho galinha de Do Carmo, e Mara Manzan, a Janice, cunhada de Do Carmo – ela, inclusive, foi repreendida publicamente pelo diretor. O jornal Folha de S.Paulo publicou uma nota dizendo que ‘a cúpula da Globo’ iria ‘enquadrar’ Suzana Vieira por seus ‘ataques de estrelismo’, e comentários desse tipo têm frequentado a mídia, embora sem citar nomes. Nas gravações da quarta-feira 20, dia em que a equipe de ISTOÉ esteve presente no Projac, a atriz chegou bem-humorada ao estúdio. Após uma cena em que Do Carmo manifesta saudades de Dirceu, Suzana provoca risos ao gritar com sotaque nordestino: ‘Eu amo este homem, xente!’ Noutra, em que seria carregada no colo por Mayer até a cama, protestou. ‘Pegar no colo de novo, não, coitado… Esse negócio é muito antigo. Acho melhor ir andando e agarrando.’ Aplaudida pela ala feminina da equipe técnica, obteve o apoio de Mayer. ‘Então, vamos nas pernadas, nas pegadas, mão na mão, coisa na coisa’, disse o ator. No intervalo, a protagonista canta – e bem – músicas do CD de Maria Rita.

Sem mais nem menos, entretanto, Suzana mostra irritação e essa repentina mudança de humor parece deixar a equipe pisando em ovos. Quando alguém diz que o ventilador que simula um leve vento nos cabelos da personagem estava muito forte, ela rebate: ‘Não está não.’ O comentário soa como ordem – e ninguém questiona. Suzana não quis dar entrevista a ISTOÉ, preferindo enviar um depoimento por escrito. ‘Acho que motivos não faltam para o sucesso de Senhora do destino. Temos um texto maravilhoso, uma equipe – maquiagem, produção, figurino, elenco, direção – que trabalha em total sintonia, uma obra com a qual o brasileiro se identifica. Temos drama, comédia e amor; falamos de família e valores, muitos até já esquecidos pela sociedade, como a honestidade, o caráter e o afeto. A Maria do Carmo é uma mulher corajosa que, mesmo com os percalços da vida, não parou de sorrir’, escreveu.

Criatividade – Para Wolf Maya, não há clima ruim, só ‘sucesso fulminante’. Ele chama o elenco de Seleção Brasileira de Atores, mas confessa que dirigir uma telenovela ‘é um jogo diário de criatividade, emoção e risco’. Em seu caso, ainda um exercício de contorcionismo, já que precisa se desdobrar para decorar o próprio texto e inteirar-se do dos outros. De boné, jeans e papéis nas mãos, o diretor chama Renata, com o rosto desfigurado pela maquiagem, de ‘Scarface’ – cicatriz no rosto, em inglês, e nome do famoso gângster do cinema. A gravação se encerra com Renata mancando, apoiada por uma vassoura embaixo do braço. Não sem antes soltar um comentário: ‘Meu Deus, que mico!’ A fala, obviamente, não foi ao ar.

Radiante: Suzana (à dir., no centro) até canta no estúdio. Mas suas mudanças de humor deixam a equipe apreensiva

A receptividade do público comprova que tudo está dando certo. O que não está agradando muito fica na conta da antipatia embutida nas personagens. Como acontece com a dupla Reginaldo (Moscovis) e Liliane (Letícia Spiller). Aguinaldo os defende. ‘O casal não pode agradar porque não foi feito para isso. O objetivo é mostrar, através deles, o que há de mais sórdido e abjeto nos políticos demagogos e populistas que infelizmente pululam por aí.’ Outro casal que poderia estar restrito a uma singela trama paralela virou ponto forte. Trata-se de Barão (Raul Cortez) e Baronesa (Glória Menezes), dupla que fala da terceira idade sem osteoporose e melancolia. ‘Eles celebram a vida a cada momento, mostram que a idade é interna’, diz Cortez. Autoras do recém-lançado livro Pessoal e intransferível, Sylvia Leal e Regina Protasio mostram que a ficção está em sintonia com a realidade. ‘É a reinvenção da maturidade’, escreve Sylvia. Glória faz a ponte com a trajetória da dupla. ‘Usamos nossa experiência em comédia fina’, explica. O casal tem recebido muitas cartas de fãs. ‘Uma menina de 16 anos disse: ‘Vocês são dois fofos!’ Depois, contou que está aprendendo francês para mostrar que também tem requinte.’

Segundo a pesquisadora de história do teatro Tânia Brandão, manifestações de afeto como essa se devem ao fato de ‘esses atores consagrados estarem inscritos no coração dos brasileiros’. O que ela chama de ‘sentimento de familiaridade’ foi alvo de pesquisa da doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP) e professora de pós-graduação da Universidade do Vale do Rio Sinos (Unisinos) Jiani Adriana Bonin. ‘A telenovela desempenha um papel no acionamento e na reconstrução das marcas da memória familiar’, escreve Jiani na revista Ciberespaço, da Universidade Federal Fluminense (UFF). Para o bem ou para o mal, se está de volta aos tempos da telenovela como paixão nacional.’



Laura Mattos

‘Globo reprisa surra pela manhã’, copyright Folha de S. Paulo, 28/10/2004

‘A cena da pancadaria entre Maria do Carmo (Suzana Vieira) e Nazaré (Renata Sorrah), em ‘Senhora do Destino’, renderá um processo administrativo contra a Globo no Ministério da Justiça.

A pasta, responsável por determinar os horários de exibição dos programas de TV, disse à Folha que a emissora teve ‘atitude inadequada’ ao reprisar a briga na manhã de ontem. Levadas ao ar no capítulo de anteontem com recorde de audiência, as imagens foram repetidas às 8h40 no ‘Mais Você’, de Ana Maria Braga.

A Central Globo de Comunicação afirmou que, ‘embora não firam nenhuma legislação em vigor, a TV Globo entende que as edições dessas imagens no programa ‘Mais Você’ foram uma atitude inapropriada e lamenta muito. Vai tomar as medidas internas para que esse tipo de problema não volte a acontecer.’

Na briga, a heroína, Maria do Carmo, dá pelo menos 15 pancadas na vilã, Nazaré, e a derruba no chão. Caída, a personagem toma perto de dez pontapés e é xingada de ‘vagabunda’, ‘desgraçada’, ‘lazarenta’, ‘miserável’ e ‘safada’. Enquanto tomava os chutes, um close mostrou sua boca jorrando sangue.

Segundo o ministério, ‘Senhora do Destino’ é classificada para as 20h (imprópria para menores de 12 anos), e a violência não poderia ter sido repetida em horário livre.

‘A emissora deve ser responsabilizada pela postura inadequada, como estabelece do Estatuto da Criança e do Adolescente’, afirmou a assessoria da pasta.

O processo administrativo será aberto assim que o departamento de classificação confirmar a veiculação no ‘Mais Você’ ou que algum telespectador fizer uma reclamação à pasta. A Globo será notificada, e o processo, encaminhado ao Ministério Público.

O MP, então, decidirá se oferece ou não ação contra a Globo. Se acionada e condenada, a emissora poderá ter de pagar uma multa de dois a 200 salários mínimos.

Ontem, antes da reprise, Ana Maria Braga afirmou: ‘A gente fica torcendo. Quando vê gente muito má, Deus me perdoe, não tem vontade de vez em quando…[de dar uma surra]?’.

O ‘Mais Você’, que conta com o personagem Louro José, é visto pelo público infantil, de acordo com o próprio site comercial da Globo: ‘Seus telespectadores -homens, mulheres e crianças- participam ativamente do programa’. Em todo o país, o programa é sintonizado em 39% dos domicílios com TV ligada no horário, e 11% de seus telespectadores são crianças de 4 a 11 anos.

Recorde

A sova rendeu ao capítulo de anteontem de ‘Senhora’ média de 58 pontos e sintonia em 79% dos domicílios com TV ligada no horário, no Ibope da Grande SP (cada ponto equivale a 49,5 mil casas). A novela já obteve o melhor desempenho das últimas oito tramas das 21h: média de 47.’

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‘Cena de surra dá recorde a novela’, copyright Folha de S. Paulo, 27/10/2004

‘‘Senhora do Destino’, que já alcançou o melhor desempenho no Ibope das últimas oito novelas das 21h na Globo, bateu ontem mais um recorde, com a cena em que a heroína, Maria do Carmo (Suzana Vieira), deu uma surra na vilã, Nazaré (Renata Sorrah).

O capítulo teve média de 58 pontos e foi sintonizado por 77% dos domicílios com TV ligada no horário (share), na audiência da Grande São Paulo (cada ponto equivale a 49,5 mil casas). Em ‘Celebridade’, o mesmo artifício -a sova dada por Maria Clara (Malu Mader) em Laura (Cláudia Abreu)- rendeu também média de 58 pontos, com 81% de share. A diferença é que a novela anterior estava já entrando na fase final, quando a audiência costuma subir, enquanto ‘Senhora do Destino’ ainda tem praticamente cinco meses pela frente.

O pico durante a briga foi de 57 pontos, e o capítulo chegou a 60. Até a semana passada (no capítulo 102), registrava 47 pontos de média.’



Daniel Castro

‘Homens também brigam na novela das 21h’, copyright Folha de S. Paulo, 31/10/2004

‘Depois da surra de Maria do Carmo (Suzana Vieira) em Nazaré (Renata Sorrah), na terça, e da quase briga entre Nazaré e Djenane (Elizângela), anteontem, vem mais pancadaria em ‘Senhora do Destino’.

No capítulo do dia 10, será a vez de Dirceu (José Mayer) acertar as contas com Josivaldo (José de Abreu). Do Carmo encontrará o folgado ex-marido dormindo em sua cama. Ela é dominada por Josivaldo.

Dirceu, que está no quarto ao lado, ouve a amada gritar, invade o local e dá alguns socos em Josivaldo. Até que os filhos de Do Carmo aparecem e imobilizam Dirceu, que, então, leva um revide do rival. Briga em novela dá audiência.

Furada É bobagem essa história que anda circulando em blogs na internet de que será feita uma versão da série ‘CSI’ no Rio de Janeiro. O Sony, que exibe a franquia no Brasil, diz que o boato surgiu de uma brincadeira exibida pelo próprio canal.

Roupagem Depois da sensual Jaqueline Joy de ‘Celebridade’, Juliana Paes fará uma recatada evangélica em ‘América’, próxima novela das oito.

Repeteco Suzana Vieira, que anda dando chiliques nos bastidores de ‘Senhora do Destino’, vai ao ‘Domingão do Faustão’ hoje. O programa pegará carona no recorde de audiência da novela, a briga entre a personagem de Suzana e a de Renata Sorrah.’