Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Elio Gaspari


‘Constituinte, revisão, Conselho da República, reforma política. Tudo parolagem. O que o governo precisa é fazer nada. Basta que governe.


Não se deve fazer nada porque tudo o que precisa funcionar está funcionando. Há três Comissões Parlamentares de Inquérito fazendo seu serviço, quase sempre ao vivo e a cores. A Polícia Federal e o Ministério Público cumprem suas tarefas com admirável serenidade. A imprensa e o Parlamento funcionam sem qualquer inibição. As pessoas que preferem se manifestar na rua pintam suas caras, gritam e voltam para casa. A crise é produto da normalidade democrática e os instrumentos da normalidade democrática revelam-se suficientes para abrigá-la. Uns poucos remendos convenientes não justificam uma reforma.


A idéia de que a cada rolo e a cada governo deve-se reformar o Estado e reinventar Pindorama é uma mistificação destinada a deixar as coisas como estão. Coisa assim: é preciso mudar as leis porque elas são falhas e, como são falhas, enquanto não forem mudadas, não serão cumpridas. De outra maneira: as leis não são cumpridas porque são falhas e são desrespeitadas porque não foram mudadas. Esses argumentos nada têm a ver com o aperfeiçoamento das leis. São disfarces da preservação do privilégio e da impunidade.


Qualquer transação de caixa dois, dessas que azeitaram a campanha de Lula e Duda Paz e Amor, envolve pelo menos três delinqüências que custam, por baixo, quatro anos de cadeia. É nessa moldura que o Ministério Público está investigando a roubalheira companheira. Não será a reforma das leis que levará Duda Mendonça a dispensar seus caraminguás caribenhos. Pelo contrário: cacarejou-os tanto com Maluf como com Lula. Ele e seus similares só vão parar de fazer campanhas com caixa dois quando tiverem medo de virar Toninho da Barcelona. Antonio Claramunt (seu verdadeiro nome) deixou o mercado de câmbio sem que fosse necessária uma reforma bancária. Bastaram a polícia, um promotor e o juiz que lhe deu 25 anos de cadeia, mandando-o para a penitenciária de Avaré. Se empresários, parlamentares, governantes e candidatos começarem a temer a Pousada Avaré, o caixa dois acaba.


Caixas pretas e mensalões são a raiz do contubérnio dos governantes com a plutocracia. Há ministros que negam a empresários o cumprimento das leis e empresários que redigem pacotes de projetos pecaminosos para burocratas deslumbrados. Quando a Telemar torna-se sócia do filho do presidente da República, um biólogo reciclado em micreiro, vê-se o grau de naturalidade com que se misturam concessionários de favores públicos e concessões de serviços privados.


Chega a ser risível que, a pretexto de uma reforma política, se queira empurrar o voto de lista em cima da patuléia. Trata-se de um sistema no qual deputados ganham suas cadeiras seguindo uma ordem de precedência organizada pelos partidos políticos. Isso significa que a lista do PT seria organizada por Lula e seus mosqueteiros: José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoino. No PTB, a tarefa seria de Roberto Jefferson. No PL, decidiria Valdemar Costa Neto.


Faz tempo que o Brasil carece de um presidente que chegue ao Planalto às oito da manhã e fique lá até as seis, cuidando do cotidiano nacional. Não será fácil, mas Lula pode tentar.’



Dora Kramer


‘A fala que Lula não fez ‘, copyright O Estado de S. Paulo, 17/08/05


‘O diagnóstico da crise feito ontem pelo ex-presidente da República José Sarney levou à tribuna do Senado um homem inteiramente diferente daquele que há pouco mais de um ano, da presidência da Casa, patrocinou o enterro prematuro da CPI que investigaria a participação do braço direito de José Dirceu, Waldomiro Diniz, em atos de corrupção no governo.


O discurso por si só dispensou a autocrítica explícita e redimiu seu autor de omissões e atuações recentes, todas a serviço da ‘decomposição do sistema político’ à qual se referiu ontem. Sarney falou como estadista, fez o que Lula não pôde, não soube, não sabe nem pode fazer.


Com a precisão dos experientes, José Sarney tocou no ponto: a crise em curso não é de leis; diz respeito aos homens – no sentido universal do gênero -, seus valores éticos, suas condutas.


Será mais que um erro, um desperdício, resumir o pronunciamento de Sarney a uma defesa do mandato do presidente Luiz Inácio da Silva. De fato, ele fez um apelo ao bom senso, alertou para que a crise não sirva de pretexto para brigas de poder.


Mas de forma alguma se pode dizer que José Sarney tenha subido à tribuna para ‘defender’ Lula no sentido moralmente liliputiano emprestado ao verbo por alguns atores do espetáculo em cartaz.


Ao contrário, havia crítica em suas referências à ‘política de multidões’, à ‘divisão social’ como formas de, junto com o terrorismo, se ferir a democracia. ‘Transferir ao povo o enfrentamento é nocivo ao País’, afirmou, em alusão direta à tentativa do governo de intimidar ações contra ele por meio da propaganda superlativa a respeito de suas relações com as massas populares.


Contrariando seu estilo, Sarney não tergiversou. Começou logo referindo-se à gravidade da crise e disse com todos os efes e erres não ter dúvida sobre a existência de um ‘monstruoso’ fato: ‘A compra de votos dentro do Congresso de fato existiu.’


Em matéria de demolição política, muito mais devastador do que qualquer depoimento até agora na CPI. Sarney falou com autoridade de aliado e, nessa condição, ressaltou a importância de Lula no cenário político, como ‘símbolo do avanço institucional do País’.


Fez papel de homem de Estado também ao apelar à reação contra a desesperança e à desmoralização do Parlamento – ‘a democracia não pode pagar o preço dos corruptos’ – e não ficou só na constatação da tragédia.


Apontou as reformas necessárias ao melhor funcionamento do sistema político e convocou instituições e sociedade a não desanimarem diante da tarefa de apurar, expurgar e corrigir.


Ontem, José Sarney mostrou a face do condutor da transição democrática numa situação absolutamente dramática e adversa, de 1985 a 1990, goste-se ou não de seu passado.


Mostrou também como cresce o homem quando deixa de lado circunstâncias relativas à ocupação de espaços de poder, conferindo nessas ocasiões ao Estado a dimensão da província, e faz as pazes com sua independência moral.


Sem ouvir, sem falar


O presidente da República não considera útil, pelo menos por hora, fazer novo pronunciamento a respeito da crise, tampouco vê necessidade da convocação do Conselho da República conforme lhe sugeriram o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil e o próprio presidente interino do PT.


Luiz Inácio da Silva está, assim, sem querer ouvir nem poder falar.


A prerrogativa de fazer improvisos aleatórios dizendo só as coisas que lhe passam pela cabeça, sem se preocupar com seus efeitos, Lula perdeu com o agravamento da crise e a repercussão altamente negativa de seu último pronunciamento.


Se falar de novo, e escorregar, cai.


Voz do dono


A oposição não teve um de seus melhores momentos ao passar uma rasteira no governo e aprovar salário mínimo de R$ 384 no Senado.


Mas o Palácio do Planalto tampouco fez bonito ao se descuidar de seus interesses no Poder Legislativo.


Enquanto o governo levava aquela surra no Senado, o presidente Lula corria o estado do Tocantins fazendo comícios em busca de apoio político no ‘povo’ cujo salário estava em jogo naquele instante.


Começo, meio e fim


Em 1992, o calvário do então presidente Fernando Collor começou exatamente no ponto onde, hoje, estão concentradas as investigações: nas empresas de fachada abertas no exterior para receber recursos de origem ilegal.


As primeiras denúncias de Pedro Collor foram sobre as offshores de Paulo César Farias em Miami.


Auto-explicativo


Um partido que tem um tesoureiro ‘informal’, convenhamos, dispensa apresentações no tocante a assuntos de caixa 2.’



Arnaldo Jabor


‘Esta crise não é política, é psiquiátrica ‘, copyright O Estado de S. Paulo, 16/08/05


‘‘A realidade é dura, mas ainda é o único lugar onde se pode comer um bom bife.’


Woody Allen


Quem sou eu? Quem sou eu para peruar sobre uma ‘nova esquerda’ no País? Mas, espero, espero, e ninguém diz nada… Os intelectuais que, deslumbradamente, legitimaram o Lula, nos últimos 20 anos, repetem os diagnósticos sobre o mundo capitalista, mas, na hora de traçar um programa econômico-político para o Brasil, temos o ‘silêncio dos inocentes’. Podem procurar nos artigos dos últimos dez anos: não há uma só linha sobre como mudar a economia para além do projeto Malan-Palocci e a bendita ‘herança maldita’. Xingam o ‘neoliberalismo’, juros altos, mas, além de slogans de ‘rupturas’ sem base política, não têm alternativas.


A autocrítica da moda agora na Academia é que o governo Lula ‘não politizou’ os conflitos de classe, não passou por cima do Congresso e não fez uma democracia plebiscitária direta, a exemplo do Chávez – visto como ‘grosso’, mas ‘interessante’. O extraordinário em intelectuais é que eles não se preocupam com o detalhe de dizer ‘como’ fazer tais rupturas. Criam programas políticos impraticáveis com a tranqüilidade dos ociosos ou ficam quietinhos relendo Marx em alemão. Ou chorando com a crise de sua fé religiosa.


Eles não têm de criticar erros do governo ou do PT; têm é de fazer autocrítica, sim, pelo auto-engano olímpico de ignorarem o óbvio. Uma pergunta que não cala: ‘Como é que os intelectuais marxistas puderam heroificar tanto a subida do PT, sem imaginar a hipótese de que um bando de loucos poderia invadir o governo e se destruir, destruindo-o?’ Falem de si, façam autocrítica, como aquele bravo dirigente chinês que berrava: ‘Sou um cão imperialista, sou o verme dos arrozais!…’ É assustador, quase maravilhoso, vermos que as críticas da esquerda à esquerda também estão erradas.


No Brasil, a palavra ‘ esquerda’ continua o ópio dos intelectuais. Pressupõe uma ‘substância’ que ninguém mais sabe qual é , mas que ‘fortalece’, enobrece qualquer discurso. O termo é esquivo, encobre erros pavorosos e até justifica massacres.


A Academia e pobres pensadores como eu temos de acabar com o raciocínio metafísico-economicista do ‘que fazer’, partindo do Geral para o Particular, de Universais para Singularidades. As grandes soluções impossíveis amarram as possíveis. Temos de encerrar reflexões dedutivas e apostar no indutivo, sair das macrossoluções e aceitar as ‘micros’. O discurso épico tem de ser substituído por um discurso realista, possível e até pessimista. O pensamento da ‘esquerda metafísica’ tem de dar lugar a uma reflexão mais testada, mais sociológica, mais óbvia, mais cotidiana. Weber em vez de Marx, Sérgio Buarque de Holanda em vez de Florestan Fernandes, Tocqueville em vez de Gramsci.


Além disso, nosso pensamento progressista tem de ser local, brasileiro, dentro do vento do tempo. Idéias que servem para outros países podem não nos servir. Não tem cabimento ler Marx em alemão durante 40 anos e aplicá-lo como um emplastro salvador sobre nossa realidade patrimonialista e oligárquica.


Temos de questionar o sentido desse conceito secular – ‘esquerda’. Atenção, caros inimigos, não estou dizendo que a ‘direita’ – arghhh… – é certa. Estou falando em revisão (revisionismo, sim) do repertório e de códigos para reorganizar politicamente o desejo de mudança social.


De cara, temos de assumir o fracasso do socialismo real. Quem tem peito? Como abrir mão deste dogma de fé? A palavra ‘socialismo’ (mesmo que fosse possível, hoje em dia) nos amarra a um ‘fim’ obrigatório, como se tivéssemos de pegar um ônibus até o fim da linha, mesmo que houvesse outros caminhos. (Já imagino a carga de ira contra mim…) A idéia de socialismo foi importante – no século 19 e 20 – para tisnar a onipotência do capital.


No entanto, a verdade tem de ser enfrentada: infelizmente, não há hoje no mundo alternativa ao capitalismo. Isso é o óbvio doloroso. Digo e repito: uma ‘nova esquerda’ tem de acabar com a fé e a esperança. Isso dói, eu sei; mas, contar com essas duas antigas virtudes não cabe mais neste mundo de bosta de hoje. No Brasil, uma ‘nova esquerda’ tem de trabalhar no dia-a-dia e não saber para aonde vai. Do contrário, não conseguiremos pensar.


Não adianta ‘refundar’ o PT como se fosse um erro dentro de uma esquerda ‘certa’. A crise do PT-Lula é o resultado da falência de proposições ideológicas de cem anos. Sem programa teórico e partidário, macro ou micro, os petistas no poder seguiram as receitas do bolchevismo ridículo e paranóico de Dirceu, Gushiken e sua gangue. Deu nisso.


Os que se consideram ‘progressistas’ e, vá lá, de ‘esquerda’, têm de abandonar a ‘religiosidade’ messiânica que levou Lula ao poder, sem levar em conta sua deficiência cultural, seu oportunismo, seu deslumbramento consigo mesmo, sua incompetência hoje visível. Temos de acabar com categorias ideológicas clássicas e alistar Freud na análise das militâncias. Levar em conta a falibilidade do humano, a mediocridade da ‘porcada magra’ que se escondia debaixo dos bigodudos ‘defensores do povo’ que tomaram os 19 mil cargos no País.


Além de ‘aventureirismo’, ‘vacilações’, ‘obreirismo’, ‘sectarismo’ e outros caracteres ideológicos, temos de utilizar conceitos como narcisismo, paranóia, burrice nas análises mentais dos ‘militantes imaginários’. É impossível repensar uma ‘esquerda’ mantendo os velhos conceitos como: democracia burguesa, fins justificam meios, superioridade moral sobre os pequeno-burgueses, luta de classe clássica, etc…


Na análise do que nos aconteceu, somos vítimas de um desequilíbrio psíquico. Muito mais que ‘de esquerda’ ou ‘ex-herói guerrilheiro’, Dirceu é um psicopata e Genoino um narcisista simplório.


Estamos vivendo uma preciosa mudança histórica. Não a desperdicemos. Os dogmáticos se agarram a pedaços do barco, mas o importante não é punir ou não Lula ou sei lá quem. O fundamental é mudarmos a nós mesmos. Alguma flor vai surgir desse vexame.’



TODA MÍDIA


Nelson de Sá


‘Entra o doleiro’, copyright Folha de S. Paulo, 17/08/05


‘Ana Paula Padrão abriu o ‘SBT Brasil’ sorrindo:


– Um dia de mudança de humor em Brasília. Manifestantes poupam o presidente Lula, que libera verbas para o Congresso e recebe apoio de grandes líderes partidários, como o ex-presidente José Sarney.


Era o dia, até ali. Mais uma hora e Boris Casoy abria o ‘Jornal da Record’ em outra:


– Toninho da Barcelona envolve Thomaz Bastos, José Dirceu, Mentor e Delúbio.


Entre um telejornal e outro, explodiram as denúncias do doleiro, por todo lado.


O ‘Jornal Nacional’ iniciou a sua reportagem dizendo que o doleiro ‘fez denúncias contra o ex-ministro José Dirceu, o ministro Márcio Thomaz Bastos e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles’.


No relato do telejornal, ponto a ponto, ‘questionado sobre para quem teria mandado dinheiro no exterior, Toninho da Barcelona respondeu’:


– Para quem? Para o mundo. Para o Brasil inteiro. Para todos aqueles que tinham.


Sobre o ministro da Justiça, o relato foi do parlamentar tucano Eduardo Paes:


– Eu perguntei especificamente, ‘o senhor confirma ou não confirma que o ministro Márcio Thomaz Bastos enviou recursos para o exterior?’. Ele confirmou e disse que terá como dar detalhes na CPI.


Sobre o ministro/presidente do BC, o relato foi do pefelista Demóstenes Torres:


– Ele diz que Meirelles fez operações irregulares com o MTB e que teria negociado que essas operações não fossem colocadas em público.


Sobre Dirceu, retorna Toninho da Barcelona:


– No momento oportuno poderei dar detalhes da ligação entre ele e a Bônus Banval.


O ‘JN’ deu o ‘outro lado’ dos três e notou que o doleiro ‘não apresentou uma só prova’.


O que o ‘JN’ não fez, ontem, foi registrar que outros políticos -de outros governos- teriam sido mencionados por Toninho da Barcelona.


NAS RUAS


Foi manchete nos telejornais, a começar do ‘Jornal da Band’, o primeiro das quatro redes:


– Dez mil caras pintadas protestam contra a corrupção e em defesa do presidente Lula.


Depois, no ‘SBT Brasil’:


– Caras-pintadas de volta à Esplanada. Dez mil atacam a corrupção, mas defendem o presidente.


O ‘JN’ seguiu outra linha, evitando a expressão ‘caras-pintadas’ já na escalada:


– Estudantes, sindicalistas e sem-terra fazem ato contra a corrupção e pró-Lula.


Depois o tom contrastou ainda mais, com destaque quase integral a uma denúncia do PFL:


– O protesto repercutiu no Congresso porque a manifestação foi convocada por entidades que recebem dinheiro do governo.


E tome números pefelistas sobre MST, CUT e UNE.


Com despachos de agências como Reuters e Dow Jones, a manifestação ecoou no exterior. No site do ‘New York Times’, o título dizia que ‘Milhares se manifestam em apoio a Lula, do Brasil’.


O CONFLITO


Cena do confronto, ontem da Globo News ao ‘JN’


A Globo descobriu com um dia de atraso o conflito de policiais e sem-teto. Narração do ‘JN’:


– Policiais de um lado, moradores de outro. Desde as seis a tensão antecipava o conflito. Moradores sentaram no chão. Os policiais jogaram spray de pimenta, até sobre uma criança. Moradores atiram um feixe de madeira, que atinge um policial. A confusão se espalha, tiros de borracha, bombas de gás.


E aí ‘uma delas atingiu o cinegrafista Nestor Neregato, da TV Globo’. Para terminar, no ‘JN’, o desespero da ‘passadeira Rosineide’:


– Vou para a rua com meus filhos. Eu não tenho ninguém, só Deus e meus filhos.


Band e Record foram muito além, nas suas coberturas do conflito, não faltando nem a reprodução de palavras de ordem do tipo ‘o povo unido jamais será vencido’ -e o comentário de que ‘essas cenas de polícia na rua’ são um perigo, ‘principalmente porque estamos à beira de um colapso político’.’



***


‘Lula e Nossa Senhora ‘, copyright Folha de S. Paulo, 16/08/05


‘Entra Lula , às 19h15 no SBT, depois de um dia inteiro de especulações sobre um novo pronunciamento seu sobre a crise política:


– Boa noite, telespectadores, jornalistas e toda a equipe do telejornal ‘SBT Brasil’.


Era o retorno da segunda rede do país ao jornalismo, com a ‘âncora’ Ana Paula Padrão. Como se a crise nem existisse, Lula falou e falou:


– A sociedade brasileira está evoluindo a cada dia e o jornalismo tem papel fundamental… Tenho certeza que a Ana Paula Padrão, com a seriedade que tem, vai conduzir um jornal que ajuda a sociedade a debater seus problemas…


Para encerrar, por fim, ‘parabéns’ para a apresentadora e para Silvio Santos.


Só então entrou a escalada de manchetes do jornal:


– A oposição se reúne, afina discurso e quer ver as contas da campanha do PT em 2002. E o presidente reúne o gabinete da crise para evitar que o mínimo suba demais.


A oposição, registre-se, abriu o primeiro bloco.


Mas o ‘SBT Brasil’, que é também e sobretudo criação de Silvio Santos, não quer ser um telejornal como todos.


E foi por outros caminhos, mais positivos, por assim dizer, na escalada e no correr das notícias. Por exemplo:


– Os idosos saem da fila. Nos postos do INSS, quem tem 65 será atendido na frente.


Ou então, em outra manchete significativa:


– Festa para o dia em que Nossa Senhora sobe ao céu. Nas cidades em que é padroeira, feriado, procissões, homenagens.


NAS RUAS


Num dia em que até fora do Brasil, da agência espanhola EFE à americana Associated Press, se anunciava a ‘semana de manifestações’, no início da noite a Band entrou com as violentas imagens ao vivo de um ‘conflito nas ruas’, com narração emocionante:


– O pelotão está partindo para cima da população. Tem crianças, mulheres… O oficial tirando as bombas e jogando… Olha lá! Partiram para cima… A barricada foi desfeita… Uma manifestação popular, de pessoas que não querem sair das casas.


E era São Paulo, nada a ver com Brasília, mas o narrador da Band já foi dizendo, preocupado:


– Nós estamos sentados num barril de pólvora. Se a tensão que vivemos chegar às ruas…


Um pouco dela chegou às ruas de Brasília.


Foi a foto de destaque na home page do UOL, ontem. Mas era ainda a primeira das muitas manifestações em favor de Lula, não contra, anunciadas do ‘Bom Dia Brasil’ ao ‘SBT Brasil’ e às agências.


No caso, os ‘representantes dos movimentos sociais urbanos’ foram até recebidos por Lula -e, segundo seu ‘coordenador’, no Globo Online, ‘para nós não está colocada essa coisa de impeachment’.


E hoje tem mais manifestação supostamente contra a corrupção, mas em favor de Lula e sobretudo contra o impeachment. Do presidente da UBES, dos estudantes secundaristas, à Associated Press:


– A quem serve a saída de Lula? Certamente não às classes populares.


Contra Lula, só amanhã. É quando o PSOL e o PSTU, como informaram os sites e outros, se arriscam nas ruas de Brasília -e o presidente, após os dois dias de protesto a favor, viaja então à Bahia.


Reunião 1


Sem PSOL, PSTU ou desejo de mobilização popular, a reunião ‘das oposições’ virou ‘photo op’ para o ‘JN’. Até porque deu em nada, na segunda manchete do telejornal:


– Parlamentares da oposição discutem crise. Afirmam que não é hora de impeachment, mas PFL e PSDB querem reabrir contas do PT em 2002.


Nem isso. Na Folha Online, depois, ‘PFL adia pedido de abertura das contas’.


Reunião 2


Quanto à reunião de Lula e seu ‘gabinete de crise’, o anticlímax foi ainda maior, pelo suspense criado em torno de um novo pronunciamento. Na primeira manchete do ‘JN’:


– O presidente Lula e ministros discutem a crise e decidem se empenhar contra o mínimo aprovado no Senado.


Quanto ao novo discurso, Lula também ‘adiou’.’



FSP CONTESTADA


Painel do Leitor, FSP


‘Campanha tucana’, copyright Folha de S. Paulo, 17/08/05


‘‘Registro minha indignação e os meus veementes protestos em relação à reportagem ‘Lobista diz que deu lista de tucanos à CPI’ (Brasil, pág A9, 15/8). O senhor Nilton Monteiro tem contra si mais de uma dezena de processos, alguns por falsificação de documentos e de assinaturas, o que confirma que ele não tem credibilidade. É flagrante a participação do PT neste caso, através do deputado Rogério Correia (PT-MG), que, além de acompanhar o denunciante no depoimento ao Ministério Público, procurou jornalistas, levando denúncias com os mesmos documentos forjados. Reforço informações que ajudam a desmontar a farsa dos documentos apócrifos: 1. O pai do senhor Nilton não poderia ter emprestado recursos à campanha do PSDB em 1994 através do deputado do PFL Delfim Ribeiro uma vez que aquele parlamentar apoiou publicamente o meu adversário na disputa, o então deputado Hélio Costa; 2. Nenhuma instância de coordenação da campanha do PSDB -estadual ou regional- tem qualquer referência sobre o denunciante. Também jamais, em tempo algum, tratei de dívidas de campanha com o senhor Nilton, tampouco lhe ofereci emprego; 3. O ex-secretário da Fazenda João Heraldo Lima jamais se encontrou com o denunciante e não o conhece; 4. A Cemig e a Loteria Mineira, tampouco o banco Credireal, que, em 1997, já havia sido privatizado, nem o Banco do Estado de Minas Gerais (Bemge), privatizado em setembro de 1998, não patrocinaram os três eventos internacionais de motociclismo realizados em 1998. Solicito a publicação deste esclarecimento que desmonta o conluio oportunista do senhor Nilton Monteiro com o deputado Rogério Correia (PT-MG) para lançar suspeições sobre as oposições que investigam a corrupção no governo federal.’’ Eduardo Azeredo, senador -PSDB-MG (Brasília, MG)


Resposta da jornalista Elvira Lobato – O senhor Nilton Monteiro prestou depoimento ao Ministério Público Federal por três dias consecutivos (26, 27 e 28 de julho último), no Rio de Janeiro. A entrevista dele à Folha apenas reafirma as informações que ele prestou ao Ministério Público Federal.


Impeachment


‘Tenho uma forte reclamação a respeito da Folha. Questionado por e-mail, na sexta-feira, sobre minha opinião sobre um possível impedimento para o presidente Lula, escrevi uma resposta curta, mas claramente contrária à idéia. Chamei esse debate de oportunista e disse que cabe às urnas julgar Lula no ano que vem. Não havia margem para dúvida. A Redação, no entanto, conseguiu separar duas palavras da primeira linha da minha resposta e publicou apenas: ‘O cineasta Fernando Meirelles, por sua vez, acredita que existam ‘razões de sobra’ para iniciar o debate’. Com isso, inverteu completamente o sentido do que havia sido dito. Jornalismo da pior espécie. Começo a achar que pode haver mesmo um certo golpismo da oposição com o apoio da imprensa, interessada em criar climas para vender jornal. Eis as perguntas seguidas das respostas que mandei ao jornal. Pergunta: O senhor acredita que haja razões para abrir impeachment do presidente Lula? Resposta: Há razões de sobra, mas, como todos nós sabemos, nos últimos 30 anos, pouquíssimos políticos foram eleitos com verbas declaradas corretamente. Só que ninguém nunca foi punido por isso. Portanto, se houver o impeachment neste caso, serei forçado a concordar com Lula: terá sido mesmo um complô das ‘elites’. Pergunta: O senhor acredita que haja condições políticas para isso? Resposta: O oportunismo e o interesse político dos adversários podem criar as condições para isso. Mas de um processo de impeachment é tudo o que o país não precisa agora. Há outras medidas a serem tomadas. Vamos brincar de democracia e deixar que as urnas decidam esta questão no ano quem vem, mas já com novas regras de financiamento de campanha.’ Fernando Meirelles, cineasta (São Paulo, SP)’