Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Emir Sader


‘Os graves erros cometidos pelo PT, no partido e no governo, se chocam diretamente com as tradições do PT e da própria esquerda. O PT e o governo erraram e erram quando dão continuidade a políticas e a formas de ação que caracterizam a direita, e não a esquerda.


A política econômica, herdada do governo FHC -conforme palavras do próprio ministro da Fazenda-, com suas projeções negativas em outras políticas do governo, como em relação aos transgênicos, aos cortes nos recursos para as políticas sociais, na postura contraditória em relação ao ‘software livre’, na limitação e recuos nas políticas agrária e agrícola, pouco caso no que toca aos direitos dos povos indígenas, para citar apenas alguns casos, constituem o cerne do governo e foram elaboradas e postas em prática pela direita: o bloco PSDB-PFL.


Privilegiando metas financeiras, e não sociais, o governo se choca com os interesses da agricultura familiar e da segurança alimentar, promovendo uma política cara à direita, e não à esquerda. Um modelo econômico voltado para a exportação é uma opção de direita, ao passo que um modelo voltado para o mercado interno de consumo de massas, com distribuição de renda, se caracterizaria como de esquerda.


A realização de campanhas eleitorais baseadas no marketing -como costumam fazer os partidos de direita-, e não em valores da esquerda, centradas na militância, no debate político e em uma determinada opção ideológica. As políticas sociais focalizadas, emergenciais e compensatórias, e não de universalização dos direitos, são características da direita, em oposição à tradição dos governos municipais do PT.


Esses erros propiciaram a chance que a direita brasileira esperava para reinstalar um clima de guerra fria, com generosos espaços na mídia para qualquer tipo de acusação contra a esquerda.


Da declaração racista de Jorge Bornhausen (PFL) -sem nenhum protesto na mesma mídia que diariamente mostra-se ‘indignada’ com qualquer deslize da esquerda- até a acusação de que o governo Lula e o PT teriam sinais digitais no assassinato do brasileiro no metrô de Londres. Com o consenso liberal dominante, qualquer gasto estatal é criminalizado, como recursos para políticas sociais a fomento de atividades culturais, porque estas não atendem aos interesses das empresas monopolistas do setor e se dirigem aos mais miseráveis do país mais injusto do mundo.


Tenta-se desqualificar a esquerda com os erros do governo Lula e do PT, mas os erros do governo Lula e do PT devem-se à manutenção de políticas e métodos da direita. Já os méritos do governo Lula e do PT vêm da esquerda.


São os méritos da política externa, que rompeu com a política da direita -de subserviência total às políticas dos EUA. São os méritos da política educacional, que rompeu com o mais extenso processo de privatização da educação que se têm notícia e busca fortalecer a educação pública nos seus diversos níveis. São os méritos da política cultural, que rompeu com a ampla privatização das atividades no setor -marca do governo anterior- e busca caminhos para a valorização das distintas iniciativas com sentido público, democrático e popular.


A esquerda critica as políticas e os métodos de ação de direita que o governo e a direção do PT adotou. A utilização de recursos públicos para fins privados é característica dos métodos com que a direita governou o país ao longo de toda a sua história, com sua visão patrimonialista do Estado, mercantilista da política. Os dirigentes do PT adotaram esses métodos, renegando o espírito público que norteou grande parte dos governos municipais do partido e as políticas sociais formuladas e postas em prática nessas administrações.


Tenta-se desqualificar o arcabouço histórico da esquerda, responsável pelos melhores momentos da história da humanidade, em nome de comportamentos que significaram o abandono desses valores e a adoção de métodos e políticas de direita. Pode parecer que a forma de condenar imoralidades seja a mesma em ambos os lados e que o clima atual consagraria a superação dessa dicotomia. É certo que a atuação de algumas pessoas, parlamentares ou não, que pretendem se situar no campo da esquerda, não se diferencia das entrevistas e intervenções direitistas que ocupam a quase totalidade dos espaços da mídia. Mas, fazendo assim, infelizmente, não se diferenciam dos discursos da direita.


A direita apóia as políticas de direita do governo e se choca com as políticas de esquerda. Um governo e um partido de esquerda têm de reivindicar as políticas de esquerda presentes no governo e combater frontalmente suas políticas -hegemônicas- de direita. Esta mostra toda a sua força na crise atual.


Que a esquerda saiba recuperar sua unidade, propor as suas alternativas para a crise, retomar a iniciativa e recolocar com força a oposição política que continua a comandar o mundo contemporâneo, entre dois lados opostos: esquerda e direita.


Emir Sader, 62, é professor de sociologia da USP e da Uerj, onde coordena o Laboratório de Políticas Públicas. É autor de ‘A Vingança da História’ (Boitempo), entre outras obras.’



Jorge Bornhausen


‘Direita, esquerda’, copyright Folha de S. Paulo, 14/10/05


‘‘O conhecido ativista Emir Sader usa sua condição de acadêmico para ditar regras enquanto camufla suas vinculações partidárias explícitas em palavras. Em artigo na Folha (‘Tendências/Debates’, 13/10), procura desvirtuar o significado do meu desabafo sobre os possíveis efeitos dos escândalos do governo Lula. Ora, lembrei apenas a obviedade de que, com a reação da sociedade à lambança governista, ‘estaremos livres dessa raça pelos próximos 30 anos’. Apesar da tentativa de desvirtuar seu sentido, logo se esclareceu o bom uso da expressão. Não assumi nenhuma atitude racista. Não me referi a etnias ou a grupos nacionais, mas ao que coloquialmente designamos por corja, ‘gente perversa’, conforme Antenor Nascentes no ‘Tesouro da Fraseologia Brasileira’. Sem falar que, no Evangelho de Mateus, capítulo III, versículos de 3 a 10, são João Batista já se queixava de ‘raça de víboras’ ao referir-se aos fariseus e saduceus. O senhor Sader finge não ter posto a carapuça, mas ela se ajusta perfeitamente ao seu grupo, ‘raça’ anacrônica de fanáticos ideológicos, unidos pela devoção à atual política externa brasileira, a maior colecionadora de fracassos da história da nossa diplomacia. Na linha do venezuelano Chávez. A questão ‘direita e esquerda’ da Guerra Fria tornou-se uma ‘tipologia abstrata’, e só intolerantes insistem em agravá-la. Recusa o bom senso com que Norberto Bobbio lembra a ‘fineza’ dos traços essenciais do ‘homem liberal e do homem socialista’, citando Luigi Einaudi: ‘As duas correntes são ambas respeitáveis’ e os ‘dois homens, embora se hostilizando, não são inimigos; pois ambos respeitam a opinião alheia e sabem que existe um limite para aplicação do próprio princípio’. Essa é a minha visão de liberal, firmemente comprometida com as liberdades democráticas, em relação às várias correntes socialistas.’ Jorge Bornhausen, senador da República pelo PFL-SC (Brasília, DF)’



Reinaldo Azevedo


‘Cinco esquerdistas na Folha’, copyright Primeira Leitura (www.primeiraleitura.com.br), 14/10/05


‘O cientista político Emir Sader escreve um texto na Folha, nesta quinta, entre outras pérolas, acusa a mídia de conceder ‘generosos espaços’ à direita para ‘qualquer tipo de acusação contra a esquerda’. Ocupa o alto da página 3 do jornal, na mesma edição em que uma página inteira, a 6, é dedicada a quatro outros intelectuais de esquerda, que pensam a crise (crise?) do PT segundo termos que veremos mais adiante. Ontem foi feriado. Intelectuais combinam com feriado.


Chego a ter simpatia por Sader. De certo modo, ele é o esquerdista mais honesto que conheço: jamais o vejo fazendo qualquer esforço para parecer inteligente ou sofisticado. Ele tem uma crueza e uma vulgaridade de pensamento que desconstrói, elucida e denuncia a sofisticação – que não quer dizer ‘requinte’ – de seus colegas de ideologia, três deles falando à Folha, embora todos, vê-se pelos termos que manejam, anseiem estar num patamar bem superior à bobajada daquele que não tem medo de ser e de parecer mero apparatchik. O quarto é o professor de filosofia Marcos Nobre, que sei ser feito de outro material intelectual e de outros livros. Embora a sua análise tímida, com nenhuma ousadia, se deixe confundir com pensamento de pouquíssimo valor. Um dos males do país, inclusive dos homens inteligentes, é a indisposição para a polêmica.


Assim, a leitura de Sader é sempre útil porque vem desidratada e sem glacê. É a essência do pensamento de esquerda. Ele liofiliza os termos. Basta jogar água quente e vai dar no mesmo sopão que Fabiano Guilherme Mendes Santos, Pedro Puntoni e Tales Ab’Sáber cozinham páginas adiante. Nobre esconde seu prato diferenciado, pelo visto, só para ele e, quem sabe?, para seus alunos e amigos. Não deveria, então, falar para jornal se é assim. Mas me fixo um pouco mais em Sader. Depois chego aos outros.


Ele é craque em usar o truque nº 68 da esquerda, que é denunciar a discriminação e a direitização da mídia. Como já aprendemos com Madame Marilena Chaui, jornais, revistas, TVs são geridos por empresas privadas e, pois, não têm como vocalizar o ‘debate público’. Foi o que ela disse naquela carta mixuruca a seus alunos, panfletada na USP como se fosse correspondência privada. Assim, a silenciosa e buliçosa mestra só acredita em debate público em imprensa estatal. Sader também. Como não é o que temos, o negócio é sair gritando ‘fogo na floresta!’.


Ora, a imprensa de tradição liberal, ‘burguesa’ (diriam os porquinhos, com nojo do Lobo Mau), cai no truque. Como, para ela, a diversidade de opiniões e a democracia são valores importantes – o que um esquerdista autêntico considera pura bobagem; ou, então, seria outra coisa -, acaba cedendo aos ‘adversários’ muito mais espaço do que fazem por merecer. E ‘merecimento’ aqui não é um juízo moral (embora não seja nem pecado nem indecente ter juízos morais): refiro-me mesmo ao fato. Que grande contribuição Sader e os outros quatro têm dado ao debate público para que mereçam tanto espaço? O papel, a tinta e o dinheiro são da Folha. Não tenho nada com isso. E até acho interessante que falem. O que estou apontando é a espetacular hipocrisia ao ler o titio Emir Sader a denunciar o complô direitista da mídia no dia em que ele e três de seus sobrinhos intelectuais – de Nobre aguardo mais tutano -praticamente monopolizam o debate.


Ora, haverá intelectuais conservadores no Brasil ou, sei lá, ‘de direita’, já que os cinco se admitem ‘de esquerda’. Mas por que ouvi-los? Não é só a Folha, não. Vale para qualquer um dos grandes jornais brasileiros. Conceder generosos espaços à esquerda corresponde a proceder a uma espécie de justiça social do pensamento, como se viesse equilibrar um desequilíbrio que estivesse dado pela natureza do processo. Mas não está. Façam um teste. Listem, todos dos dias, os articulistas e colunistas dos grandes jornais e depois me digam se a ‘mídia’ está tomada pela direita ou pela esquerda.


A grande e até engraçada contradição é que a ‘mídia burguesa’ (e pelo menos quatro deles devem ver assim a Folha, O Globo e o Estadão) lhes franqueia o espaço para que defendam um sistema que, se efetivado, teria como primeira vítima justamente a liberdade de imprensa. Então ficamos assim: ‘os burgueses’ permitem que façam proselitismo para tentar solapar o sistema que lhes concede voz. Como a liberdade e a diversidade de pensamento são valores de um lado, mas não de outro, se chegassem mesmo ao poder segundo os rigores que anseiam, não poderiam ser acusados de ter prometido fazer o mesmo. Como numa antiga canção brega de quando eu era criança, ‘eles não nos prometeram um mar de rosas.’


O ‘melhor’ trecho do artigo de Sader, sem dúvida, está aqui: ‘Tenta-se desqualificar a esquerda com os erros do governo Lula e do PT, mas os erros do governo Lula e do PT devem-se à manutenção de políticas e métodos de direita. Já os méritos do governo Lula e do PT vêm da esquerda’. Tudo está dito aí. Sader, nessa e em outras passagens, não vê o governo Lula como um representante da esquerda, diz que cometeu ‘erros’ (é a versão oficial no petismo) e que eles todos são culpa da ‘direita’ – os ‘jovens’, todos na faixa dos 40, não hesitarão em culpar FHC, vocês verão.


A quantidade de bobagem do artigo é pantagruélica. Há coisas como: ‘Um modelo econômico voltado para a exportação é coisa de direita’. Entendam: aqui não se trata de debate ideológico, só de uma grossa besteira. Um chinês daria um pé no traseiro intelectual de Sader. Ele volta a acusar o senador Jorge Bornhausen (PFL-SC) de ‘racista’ porque disse que o Brasil precisava ‘se livrar dessa raça’, referindo-se aos petistas. Ora, petismo, claro, não é raça – no máximo, é uma praga ou uma doença. E o Houaiss deixa claro que o pefelista usou a palavra como ‘classe de indivíduos com determinados predicados’. Sader deve mesmo acreditar na existência de genes petistas. Racismo é crime. Sader está imputando um crime a um senador da República. Se sou Bornhausen, eu o processo por calúnia (‘falsa imputação a alguém de um ato juridicamente definido como crime, feita com má-fé; pode ser feita verbalmente, de forma escrita ou por representação gráfica’), injúria (‘ilícito penal praticado por quem ofende a honra e dignidade de outrem’) e difamação (‘imputação ofensiva de fato(s) que atenta(m) contra a honra e a reputação de alguém, com a intenção de torná-lo passível de descrédito na opinião pública’). E o professor estaria obrigado a provar que o outro foi racista.


Outro grande momento é quando Sader diz que se tenta ‘desqualificar o arcabouço histórico da esquerda, responsável pelos melhores momentos da história da humanidade, em nome de comportamentos que significaram o abandono desses valores e a adoção de métodos e valores da direita’. Viram? É por isso que gosto dele. Nenhum dos quatro ‘moços, pobres moços’ sobre os quais falarei a seguir teria a cara-de-pau intelectual de dizer isso. A China fez uma revolução de esquerda. Matou 70 milhões. A URSS fez uma revolução de esquerda. Matou 30 milhões. O Camboja fez uma revolução de esquerda. Matou 3 milhões. Cuba fez uma revolução de esquerda. Pratica execuções sumárias e prende pessoas por delito de opinião. Grandes momentos da humanidade segundo Sader. Na verdade, os melhores.


Esses moços
Na página 6, vêm ‘os moços’. Gostei do começo da matéria assinada por Rafael Cariello porque remete, queira ou não, à capa da revista Primeira Leitura de setembro: ‘O sonho acabou. PT saudações’. O texto de Cariello começa assim: ‘PT saudações, uma vírgula: para o cientista político Fabiano Santos, o filósofo Marcos Nobre e o historiador Pedro Puntoni, o Partido dos Trabalhadores, apesar dos próprios erros, conseguiu manter seu papel central na política brasileira após quase cinco meses de crise e ainda é o necessário representante da esquerda e dos movimentos sociais no país’.


Quem se der ao trabalho de ler o texto a que se refere a chamada de capa da revista vai ver que ali se está dizendo que acabou o sonho de um partido de esquerda que se queria dono daqueles monopólios todos que Sader nos oferece como bom mascate de utopias totalitárias. Mas, em nenhum momento, se anuncia o fim do PT. Aliás, está aí uma tentação que Primeira Leitura, site e revista, nunca tiveram: decretar a morte do partido de Lula. Ao contrário: temos dito que vai sobreviver, que continua a ser o partido mais forte do país, que continua dono de aparelhos gigantescos e milionários, como a CUT e o MST, que seguirá aparelhando os Três Poderes da República, as estatais, as ONGs e, brinco, até velório – sim, petistas disputam renhidamente até cargo de administrador de cemitérios (e isso não é metáfora). Assim, essa parte do diagnóstico não opõe revista e site ao ‘Grupo dos Quatro’ (Ab’Sáber dissente um pouco, mas não por bons motivos). Ao contrário: estamos juntos. A divergência está em que eles parecem achar isso bom. E nós consideramos um desastre. Nota à margem: quando Cariello fala ‘nos erros’ do PT, não entendi se apenas está reproduzindo a avaliação dos professores ou se também ele acha que o partido não cometeu nada além de ‘erros’.


Leiam atentamente o que pensam os bravos e bem mais delicados rapazes – todos os absolutos são relativos diante de Emir Sader, é verdade – e vocês verão que, no fim das contas, a conclusão é a mesma. Marcos Nobre, professor de filosofia da Unicamp, é quem, no jornal ao menos, parece tentar alçar um vôo além do conhecidíssimo horizonte da esquerda. Ensaia, mas não vai, como naqueles documentários de certas aves que vivem em rochedos à beira do mar. O filhotão ensaia, ensaia e fica. Um dia, quem sabe, vai-se jogar e pensar sem medo. Ainda não chegou lá. Por quê?


Reproduzo o que escreve a Folha. Para Nobre, ‘o PT no governo se mostrou duplamente incapaz: de escapar da hegemonia conservadora montada por Fernando Henrique Cardoso e de apresentar um discurso ideológico que norteasse a política nacional. Daí a crise. Segundo Nobre, existe um projeto hegemônico conservador no país, um ‘modelo de democracia em ponto de fogo brando que o Fernando Henrique Cardoso estabeleceu’, dentro do qual o PT se move, mas do qual não consegue escapar. FHC teria conseguido, com o Plano Real, superar uma crise de hegemonia de que o país padecia desde a redemocratização – sem ser capaz de arbitrar sobre quais setores socioeconômicos liderariam um novo projeto de desenvolvimento e quais sairiam perdendo, o projeto tucano usou o sistema de juros altos e de socorro financeiro via BNDES como o garantidor de um equilíbrio instável, em que ninguém ganha definitivamente, mas também ninguém sai do jogo ou perde de vez. O PT foi o herdeiro disso e ‘não foi capaz de construir uma alternativa’, diz Nobre’.


Vá lá. Faço justiça. Perto de Sader, é quase Schopenhauer. Mas, para que chegue a ser José Arthur Giannotti, é preciso pôr na equação do filósofo um pouco de economia. Nobre deve saber que ninguém ‘usa o sistema de juros altos e de socorro financeiro do BNDES’ como instrumento de equilíbrio. Os juros foram uma resposta para a inflação. A boa crítica seria saber até onde se exagerou na dose e até onde o remédio passou a ser causa do mal, o que requer romper um padrão de análise que, no fim, acaba sendo pobremente marxista, como se a sociedade sempre estivesse se movendo em camadas tectônicas de luta de classes. Não sei de que diabo de socorro do BNDES ele fala.


Sei da importância que o banco teve nas privatizações – felizmente! Ou ainda teríamos Telebrás, a Embraer e Vale do Rio Doce dando prejuízo. E o povo sem acesso a telefone. Intelectuais costumam achar que pobre precisa de comida, não de telefone. É um jeito de ver o mundo. Ele acerta quando diz ser necessário construir ‘um discurso ideológico que dê rumo ao Brasil’. Também acho e também apóio a lei da gravidade. Mas qual? É o PT que vai fazê-lo? Será um discurso de esquerda, já que, diz ele, é preciso romper os padrões da hegemonia conservadora? De fato, não entendi o que ele quer.


Há um mar de requinte intelectual que o separa de Sader, é claro, embora eu diga isso nem tanto por esta matéria da Folha, mas por coisas outras que já escreveu. Ocorre que, no jornal, no fim das contas, o problema do PT, para ele, está em repetir FHC – coisa de que, obviamente, discordo.


Santos e Puntoni
Santos já é candidato a ser Emir Sader na vida. Olhem que beleza: ‘Do ponto de vista eleitoral, isso [a denúncia de corrupção] é irrelevante. O impacto é tendente a zero’, referindo-se à possibilidade de reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.’ Ele está dizendo que Lula será reeleito com dois terços dos votos, quero crer. Mais adiante, informa o jornal: ‘Segundo ele, a atual conjuntura é sintoma de uma disputa política cada vez.’



Rodrigo Rötzsch e Marcio Pinheiro


‘Mídia estrangeira aponta sinais de recuperação de Lula’, copyright Folha de S. Paulo, 14/10/05


‘Duas das mais influentes publicações econômicas do mundo dedicaram parte de suas edições de ontem à crise política brasileira. Mais especificamente à percepção de diminuição da turbulência, verificada depois de um mês considerado de vitórias para o governo Luiz Inácio Lula da Silva.


Na análise do jornal ‘Financial Times’, a vitória de Ricardo Berzoini na disputa pela presidência do PT vai ajudar a conter as críticas ao governo. Segundo o diário, ela se segue a uma outra vitória ‘crucial’ no mês passado, quando o candidato do governo, Aldo Rebelo (PC do B-SP), conquistou a presidência da Câmara. Ambos eventos fortalecem as chances de reeleição de Lula em 2006 e afastam o risco de impedimento do presidente, diz o jornal.


Já a revista ‘The Economist’ (também britânica e leitura obrigatória de analistas do mercado financeiro) avalia que ‘o pior provavelmente já passou para o governo, mas isso não significa que o melhor esteja por vir’.


A reportagem avalia as eleições de Aldo e de Berzoini como ‘animadoras’ para Lula, mas diz que são ‘mais um respiro do que uma recuperação’ para o governo.


No ‘FT’, Lula ‘parece certo de uma importante vitória enquanto ele e o seu partido tentam superar um escândalo de compra de votos e financiamento ilegal de campanha que atingiu o governo nos últimos quatro meses’.


Sem euforia


A análise da ‘Economist’, de que ‘a agonia pode ter começado a ser debelada, mas ainda não há nenhum indício de euforia’, aproxima-se da feita por Walder de Góes, presidente do Ibep (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos). ‘O governo Lula resiste, mas não avança, deixando escapar mais uma semana de trégua.’


Para o cientista político, ‘o governo continua com os mesmos problemas’ no Congresso, onde tem dificuldades de aprovar leis que exigem maioria simples.


José Eisenberg, do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro), discorda da análise do ‘FT’ sobre a eleição de Berzoini. Para o professor, o novo presidente do PT pertence a uma ‘força hegemômica desgastada’ pelos escândalos de corrupção, o Campo Majoritário. Sobre a eleição de Aldo, Eisenberg afirma que Lula tinha a obrigação de eleger Aldo presidente da Câmara.


Já Berzoini, diz que a crise não arrefeceu, mas está em outro patamar. ‘Há demonstração de poder de recuperação’, disse, citando a vitória de Aldo.’