FIM DA GZM
Época
A última manchete da Gazeta Mercantil
‘Ao longo de boa parte de seus quase 90 anos de existência, o jornal Gazeta Mercantil narrou, com competência e elegância, os altos e baixos da trajetória econômica do Brasil moderno. Agora, de maneira triste, particularmente para aqueles que testemunharam sua relevância no passado, a própria Gazeta virou notícia. É provável que a edição do jornal de sexta-feira tenha sido a última. O motivo desse estado terminal gira em torno de uma disputa de quem deve arcar com a dívida trabalhista do jornal, de cerca de R$ 250 milhões. De um lado, está o empresário Nelson Tanure – dono da Companhia Brasileira de Mídia (CBM) -, que, no fim de 2003, arrendou a marca Gazeta Mercantil e passou de lá para cá a ser o responsável pela publicação do diário. Do outro, o antigo controlador, Luiz Fernando Levy, filho do fundador da Gazeta, Herbert Levy, que morreu em 2002. A Gazeta alcançou seu auge nas décadas de 1970 e 1980. O projeto editorial era inspirado nos grandes diários financeiros do planeta, como o americano The Wall Street Journal ou o inglês Financial Times. Suas páginas eram recheadas de anúncios e balanços, e o número de assinantes superava os 130 mil. O jornal tornou-se um tradicional reduto de jornalistas econômicos competentes. No fim da década de 1990, começaram a emergir os problemas financeiros. Eles foram acentuados pela criação de 21 edições regionais, uma latino-americana e um programa de televisão. Nesse período, vários grupos de comunicação, do Brasil e do exterior, tentaram comprar a Gazeta, mas esbarraram na resistência dos Levys de abrir mão do controle editorial.
Em 2000, a Gazeta passou a ter um concorrente forte: o jornal Valor Econômico, lançado por uma associação entre as Organizações Globo – grupo de mídia que publica ÉPOCA – e o Grupo Folha, que edita o jornal Folha de S. Paulo. Nos últimos anos, com uma equipe menor de jornalistas e recursos enxutos, a Gazeta vinha perdendo o brilho do passado.
Na última segunda-feira, a CBM – proprietária também do Jornal do Brasil e da Editora Peixes – anunciou a rescisão do contrato de arrendamento da Gazeta. A partir desta segunda-feira, a CBM quer devolver a marca para as mãos de Levy. A CBM justificou a decisão afirmando que Levy não vinha cumprindo sua parte no acordo. Segundo a empresa de Tanure, caberia a Levy pagar as dívidas trabalhistas originadas antes de 2003. Há algum tempo, a Justiça trabalhista vem reconhecendo a sucessão de dívidas da Gazeta como responsabilidade da CBM. A receita do jornal com anúncios vinha sendo bloqueada para o pagamento dessas dívidas. O fator decisivo para a atitude da CBM parece ter sido a decisão da juíza Maria Aparecida Lavorini, da 26ª Vara do Trabalho, em São Paulo, de penhorar R$ 200 milhões do capital da operadora de telefonia Intelig para garantir o pagamento das dívidas com os ex-funcionários da Gazeta. Tanure é o controlador da Intelig e, em abril, ele fechara um acordo para vendê-la à TIM por R$ 650 milhões. O negócio corre o risco de não ser concluído caso a Intelig tenha dívidas pendentes.
Levy rechaçou a decisão da CBM. Ele também afirma que Tanure descumpriu parte do acordo de licenciamento e pediu 90 dias de prazo para reassumir o jornal. Tanure não aceitou e reafirmou sua decisão de não publicar mais a Gazeta num comunicado publicado na capa do jornal, na sexta-feira. O fim da Gazeta ainda não é uma certeza. Um grupo de mais de 400 ex-funcionários com dívidas trabalhistas discute formas para tentar assumir o controle da publicação. Caso a marca acabe sendo leiloada, é possível que apareçam grupos empresariais interessados. O próprio Levy não descartou a possibilidade de reassumir o diário. Mas uma eventual tentativa para reerguer a Gazeta não será uma tarefa fácil. Se ela fracassar, será o fim de um símbolo da imprensa brasileira.’
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