‘A BBC (British Broadcasting Corporation) -um dos maiores grupos de mídia do mundo- ganhou destaque na imprensa britânica nas últimas semanas. A rede, que oferece serviço de televisão, rádio e internet, prepara uma grande revisão de suas operações que será anunciada na próxima terça e resultará em demissões.
Jornais como o ‘Observer’ e o ‘Times’ têm dito que 6 mil pessoas serão demitidas, quase um quarto do total de 28 mil funcionários. Se os números forem confirmados, essa será a maior reestruturação da história da BBC.
A empresa diz que as estimativas referentes a demissões divulgadas pela mídia britânica são pura especulação. Mas não nega que haverá cortes. Pelo contrário: ‘Seria errado se eu dissesse que não ocorrerão cortes’, disse uma porta-voz da BBC à Folha na sexta.
No mercado, comenta-se que a grande preocupação da BBC é que o governo inicie um processo gradual de desregulamentação da empresa, que tem concessão pública e é financiada, principalmente, por meio de uma licença compulsória cobrada dos detentores de aparelhos de rádio e tevê.
‘Parece que o governo está adotando uma postura mais voltada para o mercado’, diz Daya Thussu, especialista em mídia e professor da University of Westminster.
Segundo a porta-voz da BBC, a corporação vem fazendo quatro grandes revisões internas, cujos resultados preliminares serão anunciados pelo diretor-geral da rede, Mark Thompson, depois de amanhã. Os cortes de pessoal poderão não ocorrer imediatamente, mas as recomendações iniciais, resultantes das revisões darão, para a porta-voz, ‘uma clara idéia das mudanças que serão feitas’.
O objetivo da revisão principal é analisar se os recursos que a BBC recebe da população britânica estão sendo bem aproveitados. Além disso, a empresa analisa a qualidade dos programas, o retorno do braço comercial do grupo -o serviço mundial de rádio e Internet- e a perspectiva de transferir algumas operações de Londres para outras cidades.
O principal motivo alegado pela BBC para a reestruturação é a mudança que ocorrerá no sistema televisivo britânico daqui a oito anos, quando haverá completa migração da tecnologia analógica para a digital. A empresa diz que precisa começar a adaptar sua estrutura para essa transformação.
Para especialistas, a explicação é factível, mas não pode ser vista isoladamente. O principal pano de fundo da reestruturação seriam dúvidas quanto a seu futuro como empresa pública, subsidiada pelo Estado e pela população.
A maior fonte de renda da BBC é a licença anual, 121 libras (cerca de R$ 635) para detentores de aparelhos de TV e 40,5 libras (R$ 213) para os que possuem rádio. Em 2003, a receita total da empresa com os pagamentos dessas tarifas chegou a 2,8 bilhões de libras.
Mas a cada dez anos a licença concedida à BBC é renovada. O próximo prazo vence em 2006, e especula-se que o governo pode mudar as regras do jogo.
Os custos de operação da empresa têm sido muito altos e, apesar do aumento constante das receitas, em 2003, a BBC teve déficit de 249 milhões de libras. Em 2002, a empresa também registrara déficit operacional. A empresa diz em seu balanço que, como não possui acionistas, seu objetivo não é ter lucros, que os prejuízos tendem a ser revertidos e são fruto de novos investimentos em programas e serviços. Mas a questão levantada pelo mercado é se esses resultados não indicam que a população está arcando com custos elevados demais.
O diretor-geral da empresa aparenta preocupação com esse assunto. Segundo a imprensa local, Thompson teria dito a executivos da BBC que pretende deixar a empresa o mais enxuta possível.
Recentes choques políticos com o governo alimentam as preocupações. Os problemas pioraram durante a guerra do Iraque, quando um repórter da BBC disse no rádio, com base em informações passadas por uma fonte, que o governo do premiê Tony Blair havia inflado seu dossiê sobre armas de destruição em massa do Iraque, tornando-o ‘mais sexy’, a fim de justificar a invasão do país.
Mais tarde vazou a informação de que a fonte da matéria era o cientista David Kelly, que acabou se suicidando. O caso deu origem a uma investigação, que concluiu que a acusação da BBC não tinha fundamento. Depois disso, o presidente da BBC Gavyn Davies e o diretor-geral da corporação Greg Dyke pediram demissão.
O incêndio causado pela guerra foi apagado, mas, para a imprensa, o governo mantém a linha crítica. Segundo o ‘Observer’, a ministra da Cultura, Tessa Jowell, teria dito a parlamentares que a BBC deve reforçar o compromisso com a imparcialidade, focando-se mais na precisão da notícia do que em comentários e análises.
Tessa é quem vai dar a palavra final sobre a renovação da licença da BBC e, para analistas, irá considerar todos esses aspectos na hora de tomar a decisão final.’
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‘Competição com canais estrangeiros piora crise da TV’, copyright Folha de S. Paulo, 5/12/04
‘O forte aumento da competição com grandes canais de TV e provedores de notícias nos últimos anos, no Reino Unido e fora do país, são citados por analistas como outra causa da reestruturação da BBC.
Nos países árabes, por exemplo, a BBC e outras empresas enfrentam a concorrência da Al Jazira. Além da TV em árabe e do serviço de internet em árabe e inglês, o grupo se prepara para outros passos.
Lançará em 2005 um canal em inglês e dois em árabe -um de documentários e outro para o público infantil. Até um serviço de notícias na internet em espanhol está sendo estudado, disse à Folha o porta-voz da Al Jazira, Jihad Ballout.
Segundo ele, a rede surgiu como competidora das grandes redes quando passou a ser reconhecida como ‘fonte confiável de informação’ a partir da guerra no Iraque. Agora, a empresa pretende se expandir.
Por outro lado, os grandes grupos globais querem fazer frente a esses planos. A BBC já disse que quer relançar seu canal de TV em árabe, cuja operação foi encerrada em 1996.
‘No mercado doméstico, a competição à BBC e aos outros canais teve um forte aumento com a emergência da TV via satélite’, diz Daya Thussu, da University of Westminster.
O problema, diz, é que as emissoras não faturam muito com os canais de notícia, já que as audiências são relativamente pequenas. Esse tem sido um dos problemas que afetam o canal News 24 da BBC.
Segundo Thussu, uma das conseqüências do aumento da competição no Reino Unido é a pressão que o governo sofre para que o regime da BBC seja flexibilizado para um modelo mais de mercado.
Uma dessas fontes de pressão, diz Thussu, é o empresário Rupert Murdoch -que tem uma relação próxima com o governo trabalhista de Tony Blair e é um dos grandes defensores de mudança no modelo da BBC. O grupo do empresário australiano, a News Corp, controla o canal BSKyB, um dos maiores e mais competitivos do Reino Unido.
Thussu diz que será lamentável se o conceito de canal público no Reino Unido desaparecer ou perder importância, seguindo o exemplo dos EUA.’
TROTE NA BBC
‘Rede britânica BBC cai em trote’, copyright Folha de S. Paulo, 4/12/04
‘A rede de televisão britânica BBC reconheceu ontem que foi enganada por um impostor. Um certo Jude Finisterra, que apresentou-se como porta-voz da Dow Chemical, disse que a empresa iria indenizar milhares de vítimas da tragédia de Bhopal, na Índia. A BBC citou em vários de seus noticiários que o tal porta-voz garantira que a Dow iria assumir total responsabilidade pela tragédia ocorrida em 1984 numa fábrica de pesticidas pertencente ao grupo. Ao menos 1.750 pessoas morreram no acidente, em função de um vazamento de gases tóxicos. Ativistas falam em até 30 mil mortos decorrentes de problemas de saúde posteriores.’
RÚSSIA
‘O valor da notícia’, Editorial, copyright O Globo, 3/12/04
‘Fotos publicadas na primeira página do GLOBO, mostrando um assaltante antes e depois de ter recebido um soco no olho, provocaram reclamações de leitores. O destaque dado às fotos, segundo alguns, indicaria uma tendência a ter pena de marginais. Segundo a mesma visão, marginais merecem, mesmo, um soco no olho, e até mais.
À margem da discussão sobre o que merecem ou não os marginais, as referidas fotos tinham um significado: circulação de informação. É bom ficar sabendo o que acontece nas prisões brasileiras – inclusive porque ninguém está livre de um dia, até por falta de sorte, ir parar numa delas.
Esse princípio tem as mais variadas aplicações. Na Rússia do presidente Putin, por exemplo, circulação de notícias é material cada vez mais escasso. Assumindo a presidência num momento caótico da vida nacional, o ex-funcionário do KGB achou que sua tarefa seria simplificada se ele controlasse os canais de comunicação; e, um a um, esses canais foram sendo fechados, até que, agora, não há muita diferença entre a imprensa russa e a que funcionava no período soviético.
Para os russos, não chega a ser novidade. O que eles conheceram de imprensa livre foi pouco mais que um aperitivo. Mas as conseqüências disso jamais são boas.
O GLOBO acaba de publicar um caderno especial sobre a Aids no mundo. Em certos lugares, como a África, o cenário é absolutamente trágico. Em outros, como a Rússia, também é trágico – mas pouca gente sabe disso, porque a informação não circula. O resultado é que, na Rússia de hoje, o drama da Aids pode ter um impacto comparável ao que acontece em países miseráveis do Terceiro Mundo.
Isso é agravado pelas condições gerais de vida na sociedade russa. Os russos estão morrendo em quantidades e idades espantosas – por doenças cardíacas, tuberculose, alcoolismo. Nos últimos anos, a expectativa de vida caiu tanto que um menino nascido hoje na Rússia pode esperar viver, em média, 58 anos – o que é um índice pior que o de Bangladesh.
Em 1991, quando acabou a União Soviética, os russos eram 150 milhões. Pelas projeções atuais, eles poderiam ser 100 milhões em 2050. As mulheres russas estão tendo, hoje, pouco mais da metade das crianças que seriam necessárias para manter a população estável. E essas estatísticas não estão levando em conta a Aids.
Atualmente, calcula-se em um milhão e meio o número de russos infectados. Em 15 ou 20 anos, segundo os especialistas, podem ser 5 ou 7 milhões. O que mais assusta é a progressão da doença: de todos os casos reportados, 99% referem-se aos últimos cinco anos; 65% aos últimos três anos. Mas, no meio oficial, não há reação compatível. Conversando com um repórter do ‘New Yorker’, disse o chefe da agência federal para a Aids em Moscou: ‘Você pode dizer a um político que esse país vai desaparecer em 20 anos se não começarmos a tratar da Aids agora; mas eles não ouvem.’
Não se percebe, no país, um sentimento de urgência em relação ao problema. Há até uma certa tendência a dizer que isso é ‘coisa da CIA’ para desmoralizar os russos. A média da população ainda acha que Aids é ‘coisa de drogados’. Mesmo em relação aos drogados, não há a preocupação de disponibilizar agulhas limpas, pela crença de que, assim, está-se estimulando o vício. O governo não entrou em negociações com as firmas farmacêuticas, com a conseqüência de que, na Rússia, o tratamento da Aids é dos mais caros do mundo.
Quase 20 anos atrás, a resistência a deixar que as notícias circulassem transformou o desastre de Chernobyl numa tragédia que acabou abalando o regime. No caso da Aids, a política do silêncio virtual pode um dia custar caro aos atuais detentores do poder.’