‘Membros da comunidade sikh -palavra que significa disciplina e faz referência ao sikhismo, religião fundada na Índia- no Reino Unido tornaram-se o centro de intenso debate sobre sensibilidade religiosa versus liberdade de expressão. Depois de promoverem protestos violentos em frente ao teatro Repertory, em Birmingham, acabaram provocando a suspensão de uma peça que, segundo eles, era ofensiva à sua fé.
‘Behzti’, que significa desonra, era uma produção pequena, mas polêmica. Escrita pela jovem dramaturga Gurpreet Bhatti-ela própria de origem sikh-, a peça tratava de hipocrisia religiosa e, em uma das suas cenas, mostrava um estupro e assassinato em um templo sagrado (‘gurdwara’).
O descontentamento da comunidade sikh era esperado. Mas não os eventos que levaram ao cancelamento da sessão de ‘Behzti’. Depois de alguns dias de manifestações pacíficas, cerca de 400 sikhs se reuniram em frente ao Repertory Theatre, conhecido como Rep, no sábado passado, e iniciaram um protesto que terminou em violência, choque com a polícia e danos à estrutura do teatro. Quase mil espectadores tiveram de deixar às pressas o local, embora ninguém tenha saído ferido.
Para aumentar a polêmica, a autora da peça contou que estava recebendo ameaças de morte e resolveu se esconder. Na segunda passada, a direção do teatro suspendeu em definitivo a produção.
O anúncio proporcionou alívio aos sikhs e ira aos defensores do direito à liberdade de expressão.
‘A peça reunia todos os elementos do diabo, como vício em drogas, estupro e assassinato e os situava dentro do lugar mais sagrado para os sikhs. Por isso não me espantaram os protestos’, diz Indarjit Singh, editor do jornal ‘Sikh Messenger’, defensor da suspensão da peça.
Mas no meio artístico houve uma forte reação contrária à suspensão. Mais de 700 artistas assinaram uma carta aberta em apoio à escritora sikh.’Acho que não há justificativa plausível para o ocorrido. A peça foi suspensa sob intimidação, criando um precedente muito sério de ameaça à liberdade de expressão’, afirma Barry Hugill, porta-voz da ONG Liberty.
Comparações
O caso do teatro Rep tem sido comparado às ameaças de morte sofridas pelo escritor anglo-indiano Salman Rushdie, cujo livro ‘Versos Satânicos’, do final dos anos 1980, provocou a ira dos muçulmanos e a condenação do novelista à morte pelo aiatolá Khomeini (1900-1989), então líder religioso e dirigente máximo do Irã.
Mas o evento mais recente que tem suscitado comparações é o assassinato do cineasta holandês Theo van Gogh, em novembro. O diretor foi morto após o lançamento do filme ‘Submission’, que criticava o Alcorão e o tratamento às mulheres muçulmanas.
A reação violenta dos sikhs parece não ter relação com problemas de segregação e alienação da comunidade no Reino Unido.’Ao contrário dos muçulmanos no país, que têm um histórico de baixas conquistas, os sikhs têm sido bem-sucedidos política, econômica e socialmente’, diz Shamit Saggar, professor da Universidade Sussex que estuda estatísticas de diferentes etnias do país.
Resta, então, segundo analistas, a explicação da sensibilidade religiosa. Esse fenômeno, segundo Gurharpal Singh, professor de estudos inter-religiosos na Universidade Birmingham, é conseqüência de uma crescente politização das religiões.
‘As religiões têm se tornado cada vez mais politizadas, usadas para mobilização de votos e fins políticos. O problema é que, quando você dá à religião um caráter de espaço público, tem de se abrir também às críticas públicas’, afirma o especialista.’
ECOS DA GUERRA
‘Jornalistas franceses são libertados’, copyright O Estado de S. Paulo, 22/12/04
‘Depois de mais de quatro meses de cativeiro, dois jornalistas franceses foram libertados ontem no Iraque e encaminhados à embaixada de seu país em Bagdá. Christian Chesnot, de 38 anos, e Georges Malbrunot, de 41, haviam sido seqüestrados numa estrada no dia 21 de agosto pelo grupo Exército Islâmico do Iraque, quando se dirigiam de Bagdá para a cidade sagrada xiita de Najaf, ao sul.
Chesnot tinha como base a cidade de Amã e trabalhava no Iraque como free lance para a Radio France Internationale e o diário suíço A Tribunal de Genebra. Malbrunot vive em Jerusalém e estava a serviço dos diários franceses Le Figaro e Ouest France, além de colaborar com outros órgãos. Os dois costumam operar em conjunto em zonas de guerra, tendo publicado dois livros sobre o ex-presidente Saddam Hussein. A Chancelaria da França informou que os dois são aguardados hoje em Paris, vindos de Bagdá.
O anúncio da liberação dos dois reféns provocou o retorno do presidente da França, Jacques Chirac, a Paris para recepcioná-los hoje. O chefe de Estado já se encontrava no Marrocos, onde deve passar as festas de Natal, quando tomou conhecimento de que os jornalistas haviam sido liberados, depois de longas negociações várias vezes interrompidas com os seqüestradores.
Chirac promete falar sobre o caso depois que o avião conduzindo os dois aterrissar na capital francesa. A liberação surpreendeu a todos: políticos, familiares e jornalistas franceses. Durante todo o tempo em que durou o seqüestro, houve uma forte mobilização do mundo jornalístico e político francês para libertá-los. Semanalmente, o primeiro ministro Jean-Pierre Raffarin reunia as lideranças da situação e oposição no Parlamento para informá-las do andamento das negociações.
Gilles Kepel, especialista no Islã, afirmou que o Exército Islâmico do Iraque foi convencido a soltar os dois depois da queda de Faluja, já que não havia outro santuário rebelde no Iraque onde seria possível manter os dois reféns.
De qualquer forma, fica no ar a indagação. O que provocou essa libertação na véspera do Natal?
Nenhuma resposta convincente foi dada até agora. Houve ou não pagamento de resgate e que forma teve esse resgate? Uma mala de dinheiro, como ocorreu no passado, ou o chamado resgate social, isto é, o compromisso do governo francês de financiar a construção de hospitais ou escolas?
Só o presidente Chirac e os dois seqüestrados poderão dar algum esclarecimento sobre a negociação que possibilitou essa liberação, três dias antes do Natal, ao contrário do tratamento dispensado pelo mesmo grupo ao jornalista italiano Enzo Baldoni, seqüestrado em agosto e friamente executado dias depois.’
Folha de S. Paulo
‘Jornalistas franceses são soltos após 4 meses no cativeiro’, copyright Folha de S. Paulo, 22/12/04
‘Dois jornalistas franceses que estavam seqüestrados havia quatro meses foram soltos ontem no Iraque por militantes islâmicos.
‘Eu tenho o prazer de anunciar que Christian Chesnot e Georges Malbrunot foram soltos pelo Exército Islâmico’, disse o premiê Jean-Pierre Raffarin no Senado francês em meio a aplausos.
Não há detalhes sobre a libertação. O chanceler francês, Michel Barnier, partiria para Bagdá na noite de ontem e retornaria hoje com os jornalistas para Paris.
O presidente da França, Jacques Chirac, deveria cancelar suas férias de Natal em Marrocos para voltar a Paris para receber os jornalistas, segundo informou ontem o seu gabinete.
Os funcionários da Radio France Internationale, na qual trabalha Chesnot, celebraram com champanhe a libertação. A família dizia que não poderia ter recebido notícia melhor perto do Natal.
‘é um lindo presente de Natal, o mais lindo presente de Natal que poderíamos receber’, disse Thierry, irmão de Chesnot.
‘Após quatro meses de espera, estamos aliviados. é difícil acreditar nisso agora. é o melhor presente de Natal de todos os tempos’, disse a irmã Anne-Marie.
Não está claro se houve um acordo para que os repórteres fossem libertados. Malbrunot, 41, do jornal ‘Le Figaro’, e Chesnot, 37, foram capturados junto com o motorista sírio Mohammad al Jundi -solto anteriormente- em 20 de agosto, em uma estrada entre Bagdá e Najaf.
Um grupo denominado Exército Islâmico do Iraque exigiu inicialmente que a França revogasse a lei que bane o uso do véu islâmico nos colégios franceses. A rede de TV árabe Al Jazira informou que o grupo divulgou comunicado afirmando que os jornalistas foram soltos após ser comprovado que eles não trabalhavam como espiões para os EUA.
O seqüestro chocou a França, que se opôs à ofensiva liderada pelos EUA no Iraque.’
O Globo
‘Alívio e desabafo em Paris’, copyright O Globo, 23/12/04
‘Dois jornalistas franceses libertados terça-feira no Iraque – depois de 124 dias nas mãos de seqüestradores – chegaram ontem a Paris, às vésperas do Natal, sendo recebidos com euforia e tratados como heróis. A festa deu lugar, no entanto, a uma sensação de desconforto quando um deles criticou duramente o esforço de um deputado conservador (governista) para libertá-los, o que teria prolongado a detenção.
Georges Malbrunot disse que uma viagem do deputado Didier Julia a Bagdá, no início de outubro, ‘jogou com as vidas de dois compatriotas’.
– Estou chocado com o comportamento dessa pessoa. É uma insolência – disse o jornalista num aeroporto militar nos arredores de Paris, onde ele e seu colega Christian Chesnot foram recebidos pelo presidente Jacques Chirac e pelo primeiro-ministro Jean-Pierre Raffarin.
Julia dissera que seria capaz de soltar os reféns e foi a Bagdá, anunciando que a libertação estava próxima. Em seguida, entretanto, o governo admitiu, embaraçado, que depois da interferência do deputado os contatos com intermediários dos seqüestradores esfriaram. O presidente da Assembléia Nacional, Jean-Louis Debre, afirmou ontem que espera obter mais informações sobre a ação do deputado.
Grupos de oposição pedem explicação
O governo negou ter pago resgate. Chirac – que interrompeu uma temporada no Marrocos para receber os jornalistas – disse que a libertação foi possível graças à ação da Direção Geral de Segurança Externa, agência de inteligência francesa. Mas afirmou também:
– Atribuímos a libertação à mobilização e à unidade do povo francês.
Grupos de oposição questionaram, porém, a maneira como o governo lidou com a crise.
– Precisamos pedir explicações sobre todas as fases da detenção. Agora que a liberdade deles está assegurada, informar o Parlamento sobre todas as condições em que as discussões se deram desde agosto é o mínimo a ser feito – disse François Hollande, líder do Partido Socialista.
O seqüestro de Malbrunot, do ‘Le Figaro’, e Chesnot, da Radio France Internationale, chocara os franceses, uma vez que seu país foi um dos maiores opositores da guerra no Iraque. O Exército Islâmico no Iraque – grupo que assumiu a autoria do seqüestro – disse, de início, que a França deveria desistir de aprovar uma lei que proibiria o uso de véu islâmico em escolas. Mas a lei foi aprovada e o grupo não se manifestou. Quinta-feira passada, em mensagem na internet, afirmou ter libertado os jornalistas porque ficou provado que eles não eram espiões dos EUA.
Jornais franceses comemoraram o feliz desfecho, mas alguns criticaram o governo por criar expectativas sobre a libertação para em seguida se mostrar cauteloso. ‘A diplomacia francesa sai danificada’, disse o ‘Libération’. ‘Sua (do governo) tradicional política árabe e o não-alinhamento na cruzada de Bush no Iraque não o protegeu do pior e não o impôs no cenário internacional.’
‘Vivemos uma experiência difícil’
Chesnot, de 37 anos, e Malbrunot, de 41, disseram que sua libertação foi inesperada e que passaram por momentos difíceis. Mas afirmaram também terem sido bem tratados pelos seqüestradores, que os transferiram de lugar pelo menos cinco vezes, sempre com os olhos vendados e dentro de uma espécie de caixão de papelão. Em duas ocasiões, forças americanas bombardearam áreas próximas a lugares onde estavam, disse Malbrunot. Ele e seu colega afirmaram que repetiam aos seqüestradores que não eram americanos e não apoiavam a guerra. Conseguiam falar com eles em árabe.
– Vivemos uma experiência difícil, às vezes muito difícil. Mas ainda assim não perdemos a esperança. Confiamos na ação das autoridades francesas. – disse Malbrunot, contando que viviam ‘cercados por pessoas com máscaras e armas’.
Aparentemente saudáveis, porém mais magros, os jornalistas abraçaram parentes comovidos. Chesnot contou que primeiramente ele e o colega foram levados para uma fazenda perto de Bagdá onde o jornalista italiano Enzo Baldoni foi mantido antes de ser executado, em agosto. Mais de 120 estrangeiros foram seqüestrados desde abril no Iraque, e mais de 30 deles foram assassinados, muitas vezes diante de câmeras.’