Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Érica Fraga e Rogerio Wassermann

‘Quatro atentados a bomba em trens do metrô e contra um ônibus na área central de Londres mataram ao menos 37 pessoas e deixaram cerca de 700 feridos ontem, no maior ataque sofrido por Londres desde a Segunda Guerra.


Segundo o premiê britânico, Tony Blair, terroristas islâmicos orquestraram os ataques, que ocorreram entre 8h51 e 9h47, quando os meios de transporte da capital britânica estavam lotados.


Para o chanceler britânico, Jack Straw, os ataques tiveram a ‘marca da Al Qaeda’ -foram simultâneos, muito semelhantes à ação contra os trens de Madri em 11 de março de 2004, que deixaram 191 mortos. Além disso, não houve aviso prévio.


A ação coincidiu com o segundo dia da cúpula do G8 (que reúne sete países desenvolvidos mais a Rússia), no hotel de Gleneagles, na Escócia. Blair, que ocupa a presidência do grupo neste ano, deixou o local do encontro no início da tarde em direção a Londres.


Antes de sair, porém, disse que os ataques não conseguiriam atingir seu objetivo. ‘Os responsáveis pelos ataques de hoje não terão sucesso’, afirmou.


Após chegar à capital britânica, o premiê sugeriu que os atentados tenham sido obra de grupos islâmicos. ‘Sabemos que essas pessoas agem em nome do islã, mas nós também sabemos que a grande e esmagadora maioria dos muçulmanos aqui e no exterior são pessoas decentes, que seguem a lei e que abominam aqueles que fazem isso tanto quanto nós.’


Há 1,8 milhão de muçulmanos no Reino Unido (3% da população). Líderes comunitários manifestaram repúdio aos ataques e expressaram preocupação com possíveis represálias.


Uma organização supostamente ligada à rede Al Qaeda, o Grupo Secreto da Jihad da Al Qaeda na Europa, reivindicou os ataques em sua página na internet. Mas, até a noite de ontem, a polícia não tinha certeza sobre a veracidade desse comunicado. Também não foi confirmado se houve participação de terroristas suicidas em um ou mais ataques.


Ataques esperados


Embora tenha ficado assustada, a população de Londres não reagiu com surpresa. A expectativa de que um atentado terrorista pudesse ocorrer era um fantasma que rondava a capital britânica desde os ataques de 11 de setembro de 2001 nos EUA e foi acentuada depois das invasões do Afeganistão e do Iraque. Em ambas as ações, Blair atuou como maior aliado do governo americano.


Além disso, houve os atentados de 11 março de 2004 em Madri. O premiê espanhol na época, José María Aznar, era aliado dos EUA.


O cenário dos atentados era de perplexidade. Imagens de TV mostravam passageiros saindo das estações atingidas cobertos de fuligem. Muitos feridos recebiam os primeiros socorros ainda nas estações. Hotéis próximos foram transformados em prontos-socorros e necrotérios.


Em toda a cidade, viam-se pessoas andando com celulares nas mãos, para tranqüilizar amigos e parentes. O trânsito foi interrompido em várias partes do centro, e sirenes eram onipresentes.


Após as explosões, todo o sistema de metrô foi paralisado, assim como as linhas de ônibus que circulam pela área central da cidade, deixando centenas de milhares de pessoas sem transporte.


Os ônibus somente voltaram a circular, parcialmente, a partir das 15h30. O metrô permaneceu fechado e deve reabrir somente hoje, ainda assim com restrições.


Seqüência de ataques


Segundo a polícia metropolitana, a primeira explosão ocorreu às 8h51, num trem que estava em um túnel a cerca de cem metros da estação de Liverpool Street. Sete pessoas morreram no local.


Cinco minutos depois, outra explosão, desta vez num trem que se dirigia entre as estações de King’s Cross e Russell Square, deixou ao menos 21 mortos.


Muitas pessoas ficaram presas por mais de uma hora entre os escombros no local.


A terceira explosão ocorreu às 9h15, num trem na estação de Edgware Road, matando ao menos sete pessoas.


A última bomba explodiu às 9h47, em um ônibus em Tavistock Place. Provocou a destruição total do segundo andar do ônibus, transformado em uma pilha de metal retorcido.


Pedaços de metal e sangue ficaram impregnados na fachada da Associação Médica Britânica, em frente ao local. A polícia confirmou ao menos duas mortes no ônibus.


‘Eu estava numa rua próxima [a Tavistock Place] e, de repente, ouvi uma explosão. Foi um barulho muito forte, parecia coisa de filme. Eu nunca tinha ouvido coisa igual. Fiquei curioso e fui ver o que era. Vi pessoas correndo, chorando, gente com o rosto sangrando. Tinha um corpo estraçalhado no chão’, narrou à Folha o brasileiro Gleiber Pereira dos Santos, que trabalha em uma pastelaria e vive com a mulher e as duas filhas em Londres.


Santos afirmou temer que novos atentados ocorram e disse que isso o fez pensar, inclusive, em antecipar seus planos de volta para o Brasil com a família.


O prefeito londrino, Ken Livingstone, que estava em Cingapura, onde havia participado anteontem da cerimônia que escolheu Londres como sede da Olimpíada de 2012, disse que os atentados não foram direcionados aos líderes políticos do G8, reunidos na Escócia, mas às pessoas das mais diversas origens que vivem em Londres.


‘Eles tentam jogar londrinos uns contra os outros, mas os londrinos não serão divididos por este ataque covarde. Quero falar a vocês diretamente, àqueles que vêm a Londres para tirar vidas, que nada do que façam ou quantos de nós vocês matem vai interromper esse fluxo para nossas cidades, onde a liberdade é forte e onde as pessoas podem viver em harmonia umas com as outras’, disse Livingstone.’


 


João Batista Natali


‘Blogs falam de gritos e fuligem’, copyright Folha de S. Paulo, 8/7/05


‘‘Estava na linha Piccadilly, entre King’s Cross e Russell Square. Ouvimos uma explosão portentosa, e o trem parou. As luzes do vagão se apagaram, e o ar se tornou espesso, com poeira e fuligem.’


O testemunho é de um cidadão londrino anônimo, John Sandy, e foi postado no blog que o jornal ‘The Guardian’ reservara para opiniões de leitores sobre a reunião do G8. Mas os atentados de ontem levaram-no a desviar o espaço para receber depoimentos.


Martina Zoulia estava na linha Victoria. Seu trem parou antes de chegar à estação, e os passageiros foram convidados a deixá-lo. Ela pensou se tratar de uma pane. Mas começou a sentir o cheiro de cabelo queimado. Em seguida viu rostos cobertos de fuligem e muito ensangüentados.


Julia Philipps é médica. Ela estava passando pela rua Woburn quando a bomba explodiu no ônibus londrino. Seu testemunho está no blog da BBC. ‘A carnificina era destruidora, e a imagem de tudo aquilo não se apagará de minha memória. Foi a experiência mais horrível de minha vida.’


Ainda na BBC, o testemunho de Joscelynne: ‘Todos gritavam, pulavam pelas janelas [dos vagões]. Foi horrível. Foi a pior coisa que presenciei em toda a minha vida.’


‘O trem parou na estação e pediram para que o deixássemos. Tentei pegar um ônibus. Não havia nenhum. Comecei a andar. Só depois de 30 minutos soube da bomba no metrô e de outra num ônibus. Andei horas, até chegar em casa. E, abrindo minha porta, tive uma crise prolongada de choro.’ É o testemunho de uma pessoa que assina com a sigla CNI.


No blog do jornal ‘Time’, Joanna Myerson dá seu testemunho: ‘Depois do estouro, tudo ficou branco. Fomos atirados para o chão do vagão. Havia fumaça e fogo no túnel. Parecia desastre. Todos gritaram. Mas paramos de gritar porque não valia a pena entrar em pânico. Arrombamos as janelas e saímos pelos trilhos. Nos três vagões da frente havia alguns mortos e muitos feridos. Estou preocupada com um rapaz que chegou a se levantar do chão. Ele tinha um buraco na cabeça.’


E ainda, no blog do ‘Time’, o testemunho de Philippe Palmer: ‘Eu estava no metrô. De repente um imenso estouro. A vidraça da janela ficou estilhaçada. Todos caímos no chão. Muita gente gritava. O vagão se encheu de fumaça. Todos tossiam muito.’’


 


Fernando Duarte


‘Blair: de sonho a pesadelo em 24 horas’, copyright O Globo, 8/7/05


‘LONDRES. Em apenas 24 horas Tony Blair viu um momento de sonho transformar-se em pesadelo. O primeiro-ministro do Reino Unido não tinha a ilusão de que o terrorismo poupasse um país que não só apóia a política intervencionista de George W. Bush, como também tem um passado imperialista que já despertava ressentimentos antes mesmo da desastrada participação na invasão do Iraque. Mas talvez não esperasse receber o duro golpe dos atentados de Londres justamente quando experimentava o lado bom de ser o centro das atenções.


Blair ontem era uma figura cabisbaixa a contrastar com o político que chegou sorridente e imponente a Gleneagles, na Escócia, como anfitrião do encontro do G-8 e líder do país que acumulava as presidências do grupo dos países mais industrializados do mundo e da União Européia. E ainda curtindo a admiração reservada a um dos heróis da espetacular vitória de Londres sobre a eterna rival Paris (e, de tabela, sobre o desafeto Jacques Chirac) na disputa pelo direito de sediar os Jogos Olímpicos de 2012.


Se entre seus compatriotas ele já está longe ser visto como a figura messiânica que chegou ao poder em 1997 dando uma surra eleitoral no Partido Conservador, Blair vislumbrava uma oportunidade de consolidar uma imagem internacional empreendedora. Pensava em entrar para a História como o articulador da justiça social e econômica para a combalida África e de promover uma revolução nas políticas ambientais.


A carnificina de Londres, no mínimo, impõe um adiamento nos planos e uma mancha na tão celebrada eficiência britânica no combate ao terrorismo. O pior, porém, ainda pode estar por vir. Os ataques parecem ter sido a retaliação do extremismo islâmico, mas o caso britânico é ainda mais complicado porque Blair deu seu apoio incondicional a Bush, ignorando uma forte oposição popular e política, inclusive nas fileiras trabalhistas.


Retaliação interna é o próximo desafio


E um dos principais inimigos domésticos de Blair ontem já fez questão de cutucar a ferida. George Galloway, o parlamentar expulso do Partido Trabalhista por conta de sua ferrenha oposição pública à invasão do Iraque, disse que Londres pagou o preço da incompetência do governo, mostrando que as explosões de ontem prometem ecoar fortemente por algum tempo nos ouvidos de Blair.’


 


Folha de S. Paulo


‘Barbárie’, copyright Folha de S. Paulo, 8/7/05


‘A barbárie do terrorismo voltou a mostrar sua face mais abjeta no ataque de ontem ao centro de Londres. Não existe justificativa política, moral ou religiosa para o fanático que decide explodir um trem repleto de passageiros inocentes. O mundo civilizado deve seguir combatendo sem tréguas os grupos que se sentem no direito de matar pessoas apenas para tentar fazer prevalecer suas crenças insanas.


O atentado tem as impressões digitais da Al Qaeda. Pelo que se pode depreender das primeiras informações, meses de planejamento e sofisticada organização estão por trás da série de quatro ações coordenadas contra o sistema público de transporte.


A exemplo dos ataques de 11 de março de 2004 a Madri, tudo foi concebido para provocar o maior número possível de vítimas. Também como na Espanha, a data é carregada de significação política. No caso de Madri, o atentado ocorreu às vésperas das eleições gerais. Já o ataque a Londres se dá durante a reunião de cúpula do G8 (grupo dos oito países mais industrializados do mundo e a Rússia), da qual o primeiro-ministro Tony Blair é o anfitrião.


Um detalhe que não passou despercebido ao premiê é o fato de que a carnificina se deu enquanto o G8 debatia formas de ampliar substancialmente a ajuda do bloco dos ricos aos países mais miseráveis do planeta.


Lutar contra o terrorismo é um imperativo. O que está em jogo, além de vidas, são valores como democracia, liberdade e tolerância. Trata-se de uma luta desigual, pois, enquanto os serviços de segurança precisariam ter sempre sucesso para reclamar vitória, ao terror basta acertar uma vez para cumprir seu macabro objetivo de disseminar o pânico e a morte.


Diferentemente do que se deu no 11 de Setembro com os norte-americanos, não se pode afirmar que os britânicos tenham sido apanhados de surpresa. Desde a decisão de Blair de apoiar a invasão dos EUA ao Iraque, Londres sabia que era um provável próximo alvo. Isso, infelizmente, não bastou para prevenir o ataque. De fato, não há nada mais vulnerável do que o sistema de transporte público de uma cidade. Para que ele seja eficiente, é necessário que todos tenham acesso fácil e rápido a suas composições e ônibus, o que torna praticamente inviável manter uma segurança perfeita.


O dever de agir contra o terrorismo islâmico não significa apoio automático a ações despropositadas e contraproducentes como a invasão ao Iraque. Mas é necessário que a comunidade internacional se mostre mais decidida a enfrentar o problema -e não deixe essa causa apenas nas mãos do presidente dos EUA.


Embora não se possam descartar operações militares, a ferramenta mais eficiente ainda é o investimento em serviços de inteligência capazes de cooperar globalmente.


No front político, é preciso tentar eliminar situações que contribuem para tornar movimentos como a Al Qaeda tão populares em vastas áreas do planeta. Isso implica encontrar uma solução justa para o conflito israelo-palestino bem como retirar o apoio que muitos países ocidentais -incluindo o Brasil- ainda dão a regimes ditatoriais indefensáveis na Ásia e no Oriente Médio.


A dificuldade da tarefa não deve arrefecer o ânimo para o combate. Está em questão a própria sobrevivência do Ocidente e de seus valores.’


 


BLAIR NA MTV


Márcio Senne de Moraes


‘Tony Blair dialoga com jovens na MTV’, copyright Folha de S. Paulo, 8/7/05


‘O premiê britânico, Tony Blair, não quer ficar para a história como um ‘senhor da guerra’, que aceitou a eclosão de um sangrento conflito no Iraque -mesmo quando sua nação é atingida por ataques terroristas, como aconteceu ontem nos ônibus e trens de Londres.


Assim, no que provavelmente seja o início do fim de sua carreira política, Blair decidiu envolver-se numa causa muito mais popular: o combate à pobreza global.


Nesse sentido, encontrou o parceiro ideal na figura de Bob Geldof, organizador do Live Aid há duas décadas e incansável defensor da causa africana. Ambos estão em ‘All Eyes on Tony Blair’, um debate com o premiê britânico gravado na semana passada que a MTV exibe hoje.


Não se pode dizer que Blair não seja sincero com seu público durante o programa. Ele reconhece as dificuldades que enfrentará para convencer os outros líderes do G8 (grupo dos sete países mais industrializados do planeta, além da Rússia) a apoiar inteiramente seu plano de ajuda à África.


Como salienta Geldof, são três os aspectos a serem privilegiados: ‘Perdão da dívida, comércio e ajuda direta’. O primeiro objetivo é o mais simples de ser atingido, já que o perdão da dívida dos países mais necessitados é objeto de consenso entre os líderes globais.


Blair admite, porém, que não será fácil convencer seus colegas a aceitar um corte de subsídios agrícolas, que permitiria que os Estados mais pobres se inserissem com mais força no comércio internacional nem um aumento da ajuda financeira direta internacional, pois os EUA são reticentes em relação a essa possibilidade.


É inegável, contudo, que Blair não foge às questões no debate da MTV e busca respondê-las com sinceridade, embora saiba que, enquanto chefe de governo solitário (mesmo contando com o apoio dos artistas que participaram do Live 8 no último sábado), não chegará muito longe.


All Eyes on Tony Blair


Quando: hoje, às 20h, na MTV’