‘O presidente Lula deu ontem sua primeira coletiva como se antecipasse os temas da próxima campanha eleitoral. Para começar, abriu mão do discurso de apresentação, acertado com a equipe. Ligeiramente nervoso no início, ele preferiu o embate direto e acabou beneficiado pelas perguntas, mais centradas na economia, em que o governo vai bem, e menos na política e os problemas com a base.
Lula usava austero terno preto, como prevê o cerimonial presidencial para essas ocasiões. Nas respostas, porém, tinha desenvoltura e gestos de candidato: recebeu os jornalistas como um ‘bom dia’ e tratou-os pelo primeiro nome, como fazia em campanha, quando se auto proclamava ‘Lulinha paz e amor’. Os repórteres foram pegos de surpresa: no dia-a-dia do Planalto, enfrentam um presidente pouco disposto a entrevistas.
No fim, Lula parecia relaxado. Ao ser indagado, longe dos microfones, se gostara da entrevista, disse que não lhe cabia essa avaliação e assustou-se quando uma repórter fez a pergunta que faltou: ‘O senhor acha mesmo que se o brasileiro levantar o traseiro ou juros vão baixar?’, perguntou. ‘Responda você’, devolveu Lula.
A preparação de Lula para a entrevista foi exaustiva. Desde segunda-feira, ele vinha recolhendo dados. Nos dois dias anteriores, foi orientado pelo publicitário Duda Mendonça. Na quarta-feira, na viagem de Belém para o interior paraense, eles conversaram sobre o tom e o conteúdo da entrevista.
Na quinta-feira, Lula submeteu-se a intensa sabatina com assessores. Ontem, na entrevista, coube ao assessor José Graziano, postado numa das primeiras fileiras, o papel de ponto de teatro. Ele foi flagrado pelos repórteres levantando um papel A4, com letras grandes o suficiente para o presidente ler, com números.’
Janio de Freitas
‘A fala do trono’, copyright Folha de S. Paulo, 30/04/05
‘Muito original a entrevista coletiva que Lula demorou 28 meses para conceder: em uma hora e 25 minutos de perguntas e respostas, não saiu uma só frase que acrescentasse algo, alguma coisa merecedora do nome de informação, capaz de justificar, senão os dois expedientes presidenciais consumidos em ensaios, pelo menos a longa expectativa e o tempo da própria entrevista. Mas a culpa não foi só de Lula. É difícil dizer qual dos dois lados se mostrou mais frustrante.
Mesmo a pergunta obviamente primordial, pronta na boca de qualquer pessoa, ficou pendurada em espera desanimadora: ‘Presidente, por que, afinal de contas, dois anos e quatro meses para dar uma entrevista coletiva, que é o modo dos presidentes transmitirem, periodicamente, esclarecimentos e informações às suas sociedades? O que houve ou há, que o presidente Lula sentiu a necessidade de não se ver perguntado?’
A maioria das perguntas refletiu a fixação mental do jornalismo brasileiro destes anos com o assunto econômico. E como, neste governo, o assunto econômico gira em torno de poucos pontos, as perguntas fizeram o mesmo. Juros na cabeça, é claro. O que permitiu a Lula mostrar certo progresso, tão poucos dias depois de censurar os brasileiros que não mudam de banco para buscar juros menores. Disse ele, a meio de uma das perorações: ‘Não é tão simples uma pessoa mudar de banco’.
Em compensação, aproveitou uma das suas historinhas, entre as várias que sacou desde sofás aos mal lembrados tempos metalúrgicos, para cometer uma das suas. Citou, em uma das tantas defesas diretas e indiretas dos juros em seu governo, a luta do ‘deputado Gasparian durante dois anos’ (o então constituinte Fernando Gasparian) para incluir na Constituição o teto de 12% ao ano para os juros. ‘Não só não conseguimos como aquilo era uma guerra no plenário’, ensinou Lula ao auditório. A luta, que em vez de dois anos durou só o tempo da Constituinte, permitiu dizer ‘nós conseguimos, sim’. O art.192, par.3º, da Constituição assinada por Lula proibiu juros reais (inclusive taxas e comissões) acima de 12% a.a., considerando crime a cobrança superior ao teto. E Lula liderou o PT na luta, perdida, quando Fernando Henrique quis a exclusão do teto constitucional.
O insistente capítulo dos juros levou a outra insistência. A do próprio Lula, na petição, várias vezes, desta frase: ‘Os juros não podem ser o único instrumento de combate à inflação’. Muito bem. Mas por que o governo Lula, além de ter os juros como esse único instrumento, está já no seu terceiro ano sem fazer -pior, sem permitir- sequer o mínimo ensaio de outros modos anti-inflacionários? Isso passou em branco, como, de resto, aconteceu com o assunto de muitas perguntas, burlado por respostas sempre longas para serem mais facilmente tergiversantes.
Para quem prometeu 10 milhões de empregos em quatro anos, encher o peito para falar de 91 mil, e acrescentar que dorme bem por ter ‘a consciência de que faz o que deve pelo povo brasileiro’, é grotesco como ato pessoal e autocondenatório como expressão presidencial. Mas por aí foi a entrevista, no incontrolável tom de campanha que têm as falas de Lula, sempre na base do ‘estamos preparando’ e ‘vamos fazer’. Com o apropriado clímax de encerramento: ‘Não estou fazendo um Brasil para mim. Estou construindo para o futuro. Eu quero um Brasil para os meus netos’.
Pois muitos outros queremos um Brasil para os que hoje não recebem os meios de uma vida humanamente justa. Essa história de futuro tem 500 anos de Brasil. E nem por um só dos seus invocadores foi mais do que uma fuga às suas responsabilidades.’
Fernando Rodrigues
‘220 vezes ‘eu’’, copyright Folha de S. Paulo, 30/04/05
‘Nada como uma entrevista para deixar mais claro para a população o que pensa o presidente da República. Ontem, Lula fez um bem para a sua administração ao ficar uma hora e 19 minutos aturando as perguntas de 14 jornalistas.
Estamos todos agora sabendo que Romero Jucá e Henrique Meirelles só saem do governo se forem para a cadeia. De alguma forma, Lula já havia expressado essa opinião. Ontem, ficou cristalina sua devoção aos dois subordinados enrascados.
Também está evidente que a política econômica é essa que está aí e ponto final. Podem ser realizados ajustes. O governo quer tentar renegociar contratos com prestadoras de serviços. Deve reduzir tarifas de importação. Mas Lula está obcecado com o combate à inflação. Os juros ficarão nas alturas por um bom tempo. Afinal, o presidente disse ser ‘unha e carne’ com Palocci.
Nessa área econômica, vale registrar uma expressão perdida de Lula: ‘Nós somos um país capitalista’. Ótimo. Já é um começo quando o presidente da República diz isso em público -ainda que o Brasil viva numa espécie de pré-capitalismo, muito louvado por uma parcela do PT.
Na entrevista de ontem, Lula revelou em público sua insatisfação com o relacionamento entre o Planalto e o Congresso. Mudanças vêm aí. José Dirceu e Aldo Rebelo só foram citados assim, de maneira indireta.
É possível dizer que o presidente foi evasivo? Ou que a entrevista deixou de fora vários assuntos urgentes, como o excesso de MPs e a alta carga tributária? Pode ser. Mas essas ausências se deram mais por conta do ineditismo do encontro -o primeiro depois de dois anos e quase quatro meses de mandato. Seria impossível sabatinar o presidente sobre todos os temas relevantes da República em pouco mais de uma hora.
A regularidade desses contatos entre mídia e Palácio do Planalto ajudará a fortalecer a democracia no país. Tudo depende de Lula -que se autocitou 220 vezes ontem.’
Nelson de Sá
‘Previsível, entrevista seguiu frouxa’, copyright Folha de S. Paulo, 30/04/05
‘ ‘Bom dia, Zileide.’ Era Lula, simpático, para a correspondente da Globo, Zileide Silva. Agiu assim com todos, de ‘Cristiano’ a ‘Renata’.
Pouco antes, era o que fazia George W. Bush em sua coletiva. É o que fazem presidentes americanos desde que Franklin Roosevelt descobriu este ‘não-evento’ -segundo avaliação do livro ‘The Image’, de 61.
Estabelecida nos EUA em meio ao esforço de guerra, no Brasil a coletiva se autodenuncia.
Ao vivo nos canais e rádios de notícias, os correspondentes palacianos sorriam ou riam à solta e erguiam perguntas que deixavam Lula mais e mais simpático.
Não admira que a única questão com repercussão -a dos erros do governo- tenha sido, ela também, reprodução previsível das coletivas americanas.
Previsível na pergunta e na resposta, mas o bastante para fazer as manchetes de telejornais e sites, com enunciado semelhante ao da estatal Radiobrás.
Nos vários comentários on-line, à tarde, não faltou quem elogiasse a ‘humildade’ de Lula.
Não se provocou, não se tentou desestabilizar Lula. Um radialista chegou mais perto, ao questionar se ele ‘dorme bem’ após falhar com os mais pobres.
Mas então o formato do ‘não-evento’ garantiu ao presidente todo o tempo para reagir, até com sarcasmo, sem risco.
Na barra de informações da Globo News, que como nos EUA trazia frases do presidente, coisas do tipo ‘Brasil trabalha para ser uma grande potência’.’
Daniela Name
‘Um Lula-lá coletivo’, copyright O Globo, 30/04/05
‘E não é que a No Ar voltou? Tem político falando na telinha e dá vontade de chegar perto. Será masoquismo? Talvez seja o caso de consultar minha terapeuta. Mas o fato é que a tentação veio de novo e eu tive que assistir à coletiva do presidente Lula.
A primeira conclusão, depois de uma hora de falação, é que o poder realmente envelhece. A gente já tinha visto este fenômeno com o Fernando Henrique, mas ainda não havia prova científica. Podia ser uma coisa específica do DNA de FH. Mas não: Lula ontem parecia um vovô, ainda que um vovô bem sapeca, durante a sabatina dos repórteres. Passaram-se 20 anos na cabeleira dele desde que chegou à Presidência. As madeixas já estavam brancas antes da coletiva, é claro, mas com uma hora em frente a ele fica difícil a gente não reparar, né?
A outra conclusão – nada política, que me desculpe o pessoal ‘sério’ – é que Lula-lá parece o bonequinho do posto. Você lembra do bonequinho do posto, né? Ele virou uma febre anos atrás e se sacudia, animadíssimo, toda vez que se enchia de ar. Lula é um bonequinho do posto que sacode toda vez que é cutucado com vara curta. Nas perguntas mais difíceis, vira o ás da mímica, gesticula bonito, parece até o Marcel Marceau. Junta dedinhos para dizer que a inflação baixou, roda os braços para demonstrar empolgação – nesta hora, me lembrou o estilo-ventilador de Elis Regina cantando ‘Arrastão’ – aponta, coça a cutícula do polegar para dizer que é ‘unha e carne’ com o ministro Antonio Palocci, bota até as mãos nas cadeiras. Bom, pelo menos um bonequinho do posto tenta divertir a gente enquanto a gasolina sobe… É ou não é?
MAKE UP NO AR: Não é má vontade não, mas vocês não acham que faltou corretivo embaixo dos olhos do porta-voz da Presidência e apresentador da entrevista coletiva, André Singer? A olheira do moço parecia a do Gomez, patriarca da ‘Família Adams’.
MOBRAL NO AR: Tudo bem, tudo bem. A gente aqui faz parte do time dos não-preconceituosos, que acham o maior barato a origem proletária do presidente. Mas, a esta altura do campeonato, ele já poderia ter aprendido certas palavras. Não dá para continuar falando: ‘No Sindicato de São Bernardo, quando fiz esta política, meu adevogado recebeu 1,6% de aumento…’’
Clóvis Rossi
‘Distante e morno’, copyright Folha de S. Paulo, 30/04/05
‘É bom deixar claro que gosto de Luiz Inácio Lula da Silva, a pessoa física. Do presidente, o leitor sabe o que penso.
É por isso que dá mais tristeza do que raiva vê-lo exposto ao público sem a alma, como aconteceu, mais uma vez, na entrevista coletiva de ontem, a primeira quase ampla, geral e irrestrita que concede (sem direito a réplica e eventualmente tréplica, toda entrevista vira monólogo).
Se o leitor não pertence nem ao Fla nem ao Flu em que se transformou a política brasileira (ou seja, em incondicionais do PT ou do PSDB, o que em geral turva o raciocínio), convido-o a ler cada trecho da entrevista como se estivesse lendo declarações dos antecessores civis de Lula.
Não vai achar grande diferença. Salvo, como é óbvio, em temas pontuais, como a eleição para a presidência da Câmara, que outros presidentes não perderam. No mais, o tônus vital é o mesmo: plano, para não dizer monótono.
Os outros poderão ter dito coisas parecidas com mais ou menos elegância, com maior correção nas concordâncias (erros que não impedem necessariamente um presidente de ser um bom presidente), mas não se nota, no discurso, qualquer diferença que entusiasme ou irrite.
Salvo na reincidência em pregar a tolice de ‘reeducação’ do sistema financeiro pela mobilização dos traseiros populares, ainda que, desta vez, não tenha usado ‘traseiros’.
As outras diferenças vêm das circunstâncias pessoais ou históricas: José Sarney de fato falava e governava mais, digamos, à esquerda, para apagar o pecado original de, tendo vindo do partido da ditadura, governar em nome da oposição a ela. Itamar Franco é ensimesmado demais para deixar marcas retóricas.
Um político que começou a carreira se dizendo ‘um brasileiro como você’ tornou-se um presidente como todos os outros, distante e morno como todos os outros.’
O Estado de S. Paulo
‘O melhor do presidente’, copyright O Estado de S. Paulo, 30/04/05
‘Justiça se faça ao presidente Lula: se foi por receio de se dar mal que levou 850 dias para conceder a sua primeira entrevista coletiva à imprensa brasileira, no Palácio do Planalto, não tinha o que temer. A sua estréia, na manhã de ontem, não poderia ter sido mais bem-sucedida. Se fosse um ator, e a entrevista uma representação teatral – o que uma coisa e outra não deixam de ser, no espetáculo da videopolítica -, Lula mereceria aplausos em cena aberta. Como dizem os comentaristas de futebol, mas desta vez não no sentido usual, ele estava irreconhecível. Havia um abismo entre o Lula dos costumeiros improvisos pontilhados de disparates e de maus-tratos infligidos à substância dos assuntos do discurso e o Lula da conferência de imprensa, ao mesmo tempo enfático e articulado, reflexivo e convincente.
Sabem os jornalistas que um chefe de governo precisa ser muito incompetente para sair derrotado de tais situações. Nas entrevistas formais, portanto previamente organizadas, ao contrário da troca gritada e confusa de perguntas e respostas, quando os repórteres tentam assediá-lo atabalhoadamente por ocasião de um evento qualquer, para dele arrancar frases sumárias sobre os assuntos da hora, o presidente tem o pleno controle da situação. O dos Estados Unidos, por exemplo, tem o conforto de escolher a quem quer dar a palavra entre os repórteres credenciados pela Casa Branca. O do Brasil dispensa esse privilégio – que, por sinal, aqui seria considerado inaceitável -, mas sabe de antemão os nomes dos componentes da lista limitada de entrevistadores que o aguardam.
Principalmente, conta com uma regra que, à parte qualquer outra circunstância do momento, faz pender a seu favor a balança do jogo: a impossibilidade da réplica, quando o jornalista faria uma segunda pergunta com base na resposta dada à questão original. (Como estamos no Brasil, 2 dos 14 entrevistadores transgrediram a norma e outros mais, espertamente, não se limitaram à única pergunta a que todos tinham direito.) Poupado do contraditório – porque a grande maioria dos repórteres já traz pronta a sua indagação e não é de esperar que a abandone para tomar carona na pergunta feita por um colega -, o presidente está mais à vontade diante dos inquisidores do que estaria numa entrevista exclusiva, ou em um tête-à-tête (‘como dizem os brasileiros’, afirmou Lula recentemente).
O entrevistador pergunta uma coisa, o entrevistado responde outra – também ele traz consigo declarações que lhe convém e que em hipótese alguma deixará de fazer – e a entrevista prossegue. Nada disso tira o mérito do desempenho do presidente nessa que ele prometeu ser a inicial de uma série – e não limitada a Brasília. Quaisquer que tenham sido os conselhos que lhe deram os preparadores com os quais se trancou durante boa parte da véspera – o ministro da Comunicação do Governo, Luiz Gushiken, e o publicitário Duda Mendonça -, o fato é que Lula deu o melhor de si em matéria de uso da palavra, o mais importante instrumento singular que transformou o destino do torneiro mecânico Luiz Inácio da Silva.
O talento persuasivo do presidente lhe permite dizer uma platitude – e ela soa como expressão de descortino. Foi o caso, entre outros, das suas afirmações sobre a importância da imprensa livre para a democracia (quando perguntado por que tardou tanto a convocar a entrevista). A força com que disse o tido e sabido, a ponto de ser de há muito uma trivialidade, dava a impressão de que ele enunciava um princípio recém-descoberto da mais pura ciência política. O mesmo vale para os lugares-comuns que o próprio Lula reconhece como tais, a exemplo do conselho de não gastar mais do que se ganha, aplicável à economia doméstica e às finanças públicas. Ele não só admitiu que se trata de um clichê, mas ainda explicou por que continuará a utilizá-lo.
De todo modo, o ponto alto da entrevista – como forma e conteúdo – foi a apaixonada convicção com que o presidente defendeu o titular da Fazenda Antonio Palocci. Além de ressaltar os quase 30 anos de ligação política e ideológica entre ambos, disse que eram ‘unha e carne’. Depois disso, será perda de tempo duvidar da solidez da posição do ministro – e da aversão de Lula ao aventureirismo em política econômica. Ele só não precisava ter esperado tanto para dar esse show.’
Folha de S. Paulo
‘Primeira Coletiva’, Editorial, copyright Folha de S. Paulo, 30/04/05
‘Depois de 28 meses de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu ontem sua primeira entrevista coletiva -uma saudável forma de relacionamento das autoridades com a sociedade por intermédio dos veículos de comunicação. Nos Estados Unidos, onde a fórmula é consagrada, o presidente George W. Bush já compareceu a 21 eventos dessa natureza.
Lula, no entanto, resistia a conceder coletivas, contrariando a opinião de alguns de seus próprios assessores da área de comunicação. Ao que se especula, temia situações embaraçosas, que o levassem a cometer eventuais deslizes.
Todavia, além de já estar demonstrado que o presidente não precisa dessa modalidade de contato com a imprensa para incorrer em gafes, é provável que os problemas de comunicação enfrentados pelo governo e a proximidade do ano eleitoral o tenham levado a mudar de idéia.
Cercada de preparativos, a entrevista de ontem demonstrou o acerto da decisão. O principal reparo a ser feito diz respeito ao veto à possibilidade de réplica por parte dos jornalistas, que acrescentou mais uma restrição ao formato, já em si já pouco fluente, devido ao número de participantes e à variedade temática das questões apresentadas.
Ainda assim, a conversa permitiu -em meio a frases ensaiadas e divulgação de dados favoráveis ao governo- conhecer um pouco melhor a opinião do presidente sobre alguns assuntos. Lula, por exemplo, apontou como as principais falhas de sua gestão o episódio da eleição para a presidência da Câmara dos Deputados, a permanência de um quadro de deterioração da malha rodoviária do país e o fato de que o único instrumento até aqui encontrado pela equipe econômica para controlar a inflação tenha sido o aumento da taxa básica de juros.
É de esperar que essa experiência democrática incentive o Planalto a programar um calendário regular de entrevistas e que as coletivas se integrem à rotina de comunicação dos demais governantes brasileiros.’
***
‘Coletiva pode ser 1ª de uma série, afirma presidente’, copyright Folha de S. Paulo, 30/04/05
‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que a entrevista coletiva de ontem, a primeira de sua gestão ao reunir todos os tipos de mídia, possivelmente seja a abertura de uma série de outras que concederá até o final de seu mandato.
A idéia, segundo o presidente afirmou ontem, é realizar entrevistas nesse formato tanto em Brasília como em outros Estados do país. Lula, porém, não assumiu o compromisso de fazê-las nem definiu a periodicidade.
Ontem, o presidente falou à imprensa por uma hora e 19 minutos, num formato de entrevista que não permitiu a réplica aos jornalistas.
Lula admitiu que está em dívida com alguns veículos de comunicação e disse que possivelmente chegou a hora de pagar esse débito.’
O Globo
‘Ordem-unida’, Editorial, copyright O Globo, 30/04/05
‘A esta altura, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já deve ter se perguntado por que não concedeu antes a sua primeira entrevista coletiva. Foi preciso passar mais da metade do mandato para aceitar responder, de maneira ordenada, a perguntas dos mais importantes veículos de comunicação do país, com cobertura ao vivo por TV e rádio, além de sites da internet.
Espera-se que tenha concluído serem essas entrevistas – como fazem os presidentes americanos – oportunidades preciosas para dirigir-se à nação. Muito mais adequadas do que os verdadeiros comícios promovidos em qualquer inauguração a que comparece, em qualquer ponto do país, onde costuma se deixar levar pelo improviso sem freios, com resultados desastrosos para ele e o governo.
Já nessas entrevistas, por se preparar previamente e ser perguntado sobre temas de efetivo interesse da nação, o presidente pode ser claro, definir melhor linhas de atuação do Estado, afastar temores, restabelecer confianças. Foi o que Lula conseguiu ontem, ao reafirmar princípios estratégicos da política econômica e proteger a equipe econômica do movimento político de pressão contra ela que vinha ganhando força nas últimas semanas, com conhecidas articulações dentro do próprio governo, no PT, no Congresso e no empresariado paulista aliado a segmentos do sindicalismo.
Vale registrar que não constrangeu Lula a presença na entrevista de um dos vértices da operação de tentativa de desestabilização da política monetária do Banco Central, o vice-presidente José Alencar.
‘Unha e carne’ – a expressão usada por Luiz Inácio Lula da Silva para qualificar seu relacionamento com Antonio Palocci veio em momento adequado; quando, além de enfrentar a escalada das pressões, o ministro da Fazenda acabava de efetuar importante mudança na cúpula do ministério, a partir da saída do secretário de Política Econômica Marcos Lisboa, conhecido alvo da ala esquerda do PT, considerado um ‘neoliberal’ infiltrado em Brasília.
Pois Palocci transferiu para o lugar de Lisboa o secretário-executivo Bernard Appy, e trouxe para o lugar deste, o segundo posto na hierarquia do ministério, Murilo Portugal, um dos mais próximos colaboradores do governo de Fernando Henrique Cardoso, símbolo de todos os males no entender dos radicais petistas e cercanias. Tudo, por óbvio, com o aval de Lula. Se alguém tinha dúvidas, deixou de tê-las ontem pela manhã.
Com a reafirmação de apoio radical a Palocci – o que tinha mesmo de fazer – Lula sufocou qualquer possibilidade de especulações sobre o futuro do ministro e da política econômica. No que pode ser comparado, do ponto de vista político, à Carta ao Povo Brasileiro, divulgada antes da última fase da campanha eleitoral de 2002, o presidente poucas vezes foi tão claro sobre o que pensa acerca do combate à inflação e dos juros.
Com a Carta, Lula e o PT começaram a afastar temores sobre o seu, àquela altura, provável governo e a debelar a insegurança dos mercados diante do risco de eles aplicarem tudo aquilo que durante anos vociferaram dos palanques. E com a entrevista, Luiz Inácio Lula da Silva afastou o medo de que poderia se curvar à tentativa de cerco a Palocci e ao BC.
‘A inflação é que pode causar os maiores prejuízos aos assalariados.’ A frase do presidente indica uma absoluta compreensão da importância da luta do BC contra a alta de preços. E para ser mais claro, Lula defendeu uma ação do BC que o faça atingir ‘o centro da meta da inflação’. Ou 5,1% este ano, alvo difícil de alcançar. Mas ficou o recado: a meta é a inflação mais baixa possível, do nível dos países desenvolvidos.
O ponto alto da entrevista foi o reconhecimento do presidente de que os juros (a política monetária) não podem ser o único instrumento de controle da inflação. Ou seja, debelar a alta de preços não é problema apenas do BC. Deve envolver todo o governo.
Lula está certo. E para colocar em prática o diagnóstico deve voltar a executar uma política fiscal mais dura, precisa reduzir os gastos públicos. E quanto mais rapidamente o fizer – por meio do aumento do superávit primário para a faixa dos 5% do PIB – mais cedo o BC poderá começar a cortar os juros. Não há mágica a fazer; é preciso repetir a política de 2003. Como ele próprio disse, ao se referir à questão da autonomia do Banco Central: ‘Este é um assunto que não pode ser tratado no debate político e ideológico.’ Também é o caso da luta contra a inflação.
Lula enquadrou o governo e o PT. Agora, é cobrar-lhe e ajudá-lo a fazer o dever de casa com o qual se comprometeu.’
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‘Ansiedade, descontração e cansaço’, copyright O Globo, 30/04/05
‘A descontração e o sorriso visíveis durante a entrevista desapareceram do rosto do presidente Lula quando ele foi perguntado, fora dos microfones, sobre sua declaração de que o brasileiro precisa ‘tirar o traseiro da cadeira’ para conseguir juros bancários mais baixos. ‘Responda você’, reagiu Lula.
Lula saiu rapidamente do Salão Oeste, onde ocorreu a coletiva, alegando cansaço. Embora tenha aparentado segurança na entrevista, o presidente chegou ao salão ansioso: apertava as mãos e dava curtos passos em torno do microfone. Aos poucos, foi se descontraindo.
O formato da coletiva favoreceu o desempenho de Lula: os repórteres não tinham direito à réplica, o que ocorreu em raros momentos. O vice-presidente José Alencar e o ministro Luiz Gushiken (Secretaria de Comunicação de Governo) permaneceram sentados em cadeiras atrás do púlpito montado para Lula.
O presidente tinha dados do governo na ponta da língua. Em certo momento, seu assessor especial José Graziano passou-lhe uma cola: mostrou um papel em branco com o número das exportações brasileiras: US$ 102 bilhões. Lula tem repetido este número à exaustão, mas Graziano queria que ele o citasse naquele momento. Lula levou dados dos programas do governo, que vez por outra consultava, e relatou números. O porta-voz da Presidência, André Singer, foi o mestre-de-cerimônias. Ao fim da entrevista, perguntado se tinha gostado, Lula respondeu:
– Eu não tenho que gostar. Vocês é que avaliam.’