‘Os dois rapazes acusados de produzir e exibir na internet imagens de uma menor tendo relações sexuais com um deles continuam acautelados no Instituto Padre Severino, para infratores, na Ilha do Governador. O juiz auxiliar da 2 Vara da Infância e da Juventude, Marcelo Villas, indeferiu o pedido de liberdade provisória assistida feito pelos advogados das famílias dos adolescentes. Os jovens prestaram depoimento à Justiça, ontem à tarde, e devem permanecer no instituto até a próxima audiência, que acontecerá na semana que vem. Os advogados dos acusados disseram que vão entrar na Justiça com um pedido de hábeas-corpus.
Além de imagens de outras jovens fazendo sexo, peritos do Instituto de Criminalista Carlos Éboli encontraram drogas no computador do adolescente que cedeu seu apartamento ao casal. Foram apreendidos 22,2 gramas de maconha — como noticiou Ancelmo Gois em sua coluna no GLOBO — três cachimbos e um triturador da droga. Com isso, o jovem pode ser indiciado como usuário de drogas, segundo o Ministério Público.
Jovens negam ter divulgado imagens na internet
Nos depoimentos à Justiça, os menores confirmaram que produziram as imagens de sexo sem a autorização da adolescente, mas negaram ter divulgado o vídeo na internet. Eles afirmaram, no entanto, que as cenas foram repassadas a um amigo por e-mail. Mas, segundo a promotoria da 2 Vara da Infância e da Juventude, a produção e o encaminhamento do material para um colega já configura crime.
— Vamos buscar saber quem é esse garoto, que tem 15 anos. É crime retransmitir vídeo de pornografia com menores em qualquer meio de comunicação e o rapaz poderá responder por isso — alertou o promotor Felipe Cuesta.
Segundo ele, a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente e a Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática, com o auxílio da Coordenadoria de Informática do Ministério Público, vão investigar a divulgação do vídeo em comunidades do Orkut (site de relacionamentos na internet).
— O que aconteceu com essa adolescente é muito grave e outros casos de divulgação pela internet serão investigados — disse o promotor Renato Lisboa, também da 2 Vara da Infância e da Juventude.
Os jovens prestaram depoimento separadamente e acompanhados de advogados. Eles chegaram à 2 Vara com outros menores, usando o uniforme do Instituto Padre Severino. Os rapazes passaram a noite num alojamento isolado, ao lado de cinco adolescentes acusados de estupro e atentado ao pudor.
Adolescente filmada também vai depor
O juiz Marcelo Villas contou que os jovens e seus parentes terão acompanhamento psicológico fornecido pela Justiça. Os adolescentes serão ouvidos novamente na quarta-feira que vem. A adolescente que foi filmada com um deles também vai depor, separadamente.
O juiz disse ainda que vai encaminhar um ofício sobre o caso à Comissão de Defesa da Infância e da Juventude da Assembléia Legislativa do Rio (Alerj). Os advogados das duas famílias não quiseram comentar o caso.’
Folha de S. Paulo
‘Justiça rejeita denúncia’, copyright Folha de S. Paulo, 7/7/05
‘A Justiça rejeitou uma denúncia de racismo feita pelo Ministério Público contra o jovem Leonardo Viana da Silva, 20, segundo a qual Silva teria escrito ofensas a negros no site de relacionamentos Orkut. Na decisão, consta que o Ministério Público não tem poder para fazer investigações e que a denúncia não contém o número de provas necessário. A Justiça determina que seja instaurado inquérito policial para apurar o caso e que sejam retiradas do Orkut três comunidades com conteúdo racista. Procurado pela reportagem, Leonardo Silva não respondeu às ligações.’
FLIP
Daniela Birman
‘Paraty se transforma em palco de sonho na abertura da Flip’, copyright O Globo, 7/7/05
‘PARATY. Paraty já acordou ontem num clima de festa e sonho. Antes mesmo de a Flip começar, a cidade colonial havia se transformado num cenário da literatura universal: personagens como Rapunzel, Dom Quixote, Gulliver, Robinson Crusoé e de outras histórias clássicas, representados em grandes bonecos de papel machê, recebiam os visitantes e autores que chegavam para o festival. Nos postes, máscaras artesanais — produzidas em uma oficina da qual participaram 500 crianças de Paraty — homenageavam os escritores e o folclore da cidade. Apesar do dia cinzento e chuvoso, a decoração e o público que chegava ajudaram a colorir a cidade.
Algazarra de crianças em gincana da Flipinha
No fim da manhã, a algazarra já tinha se instalado, com crianças e adolescentes reunidos às margens do Rio Perequeaçu para a Gincana Literária da Flipinha. São esperadas 12 mil pessoas para a terceira edição da Festa Literária Internacional de Paraty, que acontece até domingo e tem entre os seus autores convidados o anglo-indiano Salman Rushdie, o cingalês Michael Ondaajte, o turco Orhan Pamuk e o pernambucano Ariano Suassuna.
Mas a abertura mesmo da terceira edição da Flip só aconteceu no fim da tarde, com um tributo a Clarice Lispector (1920-1977), a homenageada do evento este ano. A cerimônia, na Tenda da Matriz, começou com as boas-vindas ao público desejadas pela idealizadora do festival, Liz Calder, e pelo prefeito de Paraty, José Carlos Porto Neto.
Dirigido por Naum Alves de Souza, o espetáculo mesclou leitura de trechos da obra da cultuada escritora e transmissão de vídeos com depoimentos de Chico Buarque, Ferreira Gullar, Antonio Candido e Lygia Fagundes Telles, além de imagens e falas da própria autora.
— Fiz uma seleção de textos procurando o lado mais humano de Clarice. Falo da sua infância, da adolescência, utilizo a correspondência que ela manteve com as irmãs, o marido, o grande amigo Lúcio Cardoso — explicou Naum.
Dentre depoimentos reverentes e emocionados, o da amiga Lygia destacou-se pelo bom humor.
—- Fomos a um congresso de escritores em Cali, na Colômbia, e o avião passou por uma violenta turbulência — lembrou ela, que não se esqueceu nem de imitar a língua presa da amiga. — Mas Clarice me tranqüilizou, dizendo que uma cartomante havia previsto que ela morreria numa cama e não em acidente de avião.
O espetáculo audiovisual incluiu ainda a realização de uma leitura dramática condensada de ‘A hora da estrela’, na qual Marcélia Cartaxo reviveu a retirante Macabéa, que a atriz já havia representado no cinema, no filme de Suzana Amaral. Participaram ainda da homenagem os atores Aloísio de Abreu, Regina Braga, Jonathan Farias, João Camargo e Lícia Manzo. O poeta Eucanaã Ferraz encerrou a homenagem, lendo o poema ‘Visão de Clarice Lispector’, de Carlos Drummond de Andrade.
— Cada vez que eu leio ‘A hora da estrela’, descubro mais coisas. Nunca vi um texto tão rico assim. Sou interiorano que foi parar na capital, em São Paulo. Devo ter meus pontos de identificação com a Macabéa. A cidade grande me assustava.
A homenagem a Clarice terminou com muitos aplausos, por volta das 19h30m, quando a chuva era forte. Durante a dramatização, o desfile do bloco de bonecos gigantes Assombrosos do Morro, tradição da cidade, embalado pela Banda Santa Cecília, passou pela Praça da Matriz, desafiando o mau tempo. Mas a noite só estava começando. Fã declarado de Clarice, Paulinho da Viola apresentou-se mais tarde na mesma Tenda da Matriz, dando o tempero de samba à abertura da Flip.’
Luis Fernando Veríssimo
‘Clarice’, copyright O Globo, 7/7/05
‘Em 1953 meu pai foi dirigir o Departamento de Assuntos Culturais da União Pan-Americana, ligada à Organização dos Estados Americanos.
Fomos morar em Washington, uma aborrecida cidade burocrática, no começo da era Eisenhower. O diplomata Mauri Gurgel Valente e sua mulher, Clarice, estavam lá com os dois filhos, Pedro e Paulo, e foram dos primeiros brasileiros a dar as boas-vindas aos recém-chegados. Eles seriam os melhores amigos dos meus pais nos quatro anos em que ficamos em Washington. Clarice e minha mãe, que não poderiam ter personalidades mais diferentes, tornaram-se amigas de infância. E sem que houvesse qualquer cerimônia, meus pais foram designados padrinhos extra-oficiais do filho mais moço dos Valente, o Paulo. (Uma vez fui levar a Clarice e os dois meninos em casa de carro e na chegada o Paulinho perguntou: ‘Não quer entrar pra tomar um cafezinho?’ Grande surpresa. Ele recém-começara a falar, era provavelmente a primeira frase inteira que dizia.) Várias fotografias da Clarice, inclusive algumas que têm saído na imprensa, foram tiradas pelo meu pai durante o convívio dos dois casais naqueles anos americanos. Também houve uma designação do meu pai como fotógrafo exclusivo extra-oficial da Clarice.
Eu tinha 16 anos quando chegamos a Washington, e a minha primeira impressão da Clarice foi a de todo mundo: fascinação. Com a sua beleza eslava, os olhos meio asiáticos, o erre carregado que dava um mistério especial à sua fala, e ao mesmo tempo com seu humor, e seu jeito de garotona ainda desacostumada com o tamanho do próprio corpo. O fato de que aquela Clarice era a Clarice Lispector não me dizia muito. Eu sabia que era uma escritora meio complicada, nunca tinha lido nada dela. Só quando voltamos ao Brasil li ‘O lustre’, ‘Perto do coração selvagem’ e depois os contos, extraordinários. ‘A legião estrangeira’, ‘Amor’, ‘Uma galinha’, ‘Macacos’, ‘Laços de família’, ‘Festa de aniversário’ e tantos outros, e o melhor conto que conheço em língua portuguesa, ‘A menor mulher do mundo’. Em 1962 fui morar com a minha tia, no Rio. A Clarice, que então já estava separada do Mauri, era sua vizinha no Leme e pude conviver, e me fascinar, um pouco mais com ela.
Agora, folheando alguns livros da Clarice antes de escrever isto, dei com uma dedicatória dela em ‘A maçã no escuro’ para ‘meus queridos Érico e Mafalda’. Uma dedicatória brincalhona, datada em julho de 1961, em que ela destaca que o preço do livro nas livrarias é de 980 cruzeiros e que portanto está lhes dando um presente valiosíssimo, e recomenda que ele seja protegido com uma capa colante, do tipo que gruda na mão e ‘prende’ o leitor. No fim há um adendo que eu ainda não tinha visto: ‘Luis Fernando, considere este livro seu também, por favor. Divida 980 por três e você terá preciosa parte. Sua Clarice.’
A lembrança da Clarice vale bem mais do que 980 cruzeiros, mesmo com todas as correções monetárias acumuladas em 44 anos.’