‘Pouco mais de um mês depois da polêmica reportagem sobre os hábitos etílicos de Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente brasileiro voltará a ganhar grande destaque no ‘New York Times’ neste final de semana.
Lula é personagem central da dominical ‘The New York Times Magazine’, na qual aparece em uma ilustração pintada à mão na capa e é objeto de um imenso perfil assinado por Barry Bearak, intitulado ‘Poor Man’s Burden’ (o peso sobre um homem pobre).
O jornalista passou algumas semanas no Brasil em março. Ele acompanhou o presidente durante três dias, fez uma série de entrevistas com críticos e partidários e visitou a ex-casa e parentes de Lula em Pernambuco.
O longo perfil, de 7.659 palavras e 90 parágrafos, descreve a trajetória da vida de Lula, desde sua infância miserável no sertão à chegada ao poder em Brasília, em janeiro do ano passado.
Há apenas uma rápida referência à ameaça de expulsão do correspondente do ‘NYT’ no Brasil, Larry Rohter: ‘No mês passado, Lula revogou o visto do correspondente que escreveu uma história sobre uma preocupação nacional em torno do consumo de álcool do presidente, uma história largamente debatida no Brasil. Só mais tarde Lula mudou de idéia, aparentemente reconhecendo que o ofensivo artigo de jornal não era tão ruim para sua reputação quando a demonstração de forte indignação posterior’.
Mais de um terço do texto discorre sobre a vida paupérrima de Lula em Pernambuco e seus dissabores em São Paulo antes de se transformar em um líder sindical.
‘Fábula maravilhosa’
O texto como um todo resulta simpático ao homem Lula. Já o político Lula precisa ainda mostrar a que veio. ‘Sua vida serve inevitavelmente como uma fábula maravilhosa; só é um pouco cedo para saber a moral da história’, escreve Bearak.
O repórter sugere que o novo pragmatismo econômico de Lula foi conquistado a fórceps, por pressão do inescapável ‘esquema financeiro global’, e faz um inventário das novas iniciativas da diplomacia brasileira nas negociações comerciais e busca de novos parceiros pelo mundo.
É colocada em dúvida, no entanto, toda a eficácia da ‘nova política’ de Lula para o povo brasileiro. ‘Em casa, a paciência vai se esgotando’, diz a revista.
Qualificado como seu ‘predecessor bem mais conservador’, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) aparece no texto dizendo que ‘esperava mais’ de Lula na área social, mas elogia a ‘sabedoria’ do petista por ter mantido sua própria política econômica.
Lula ganhou um generoso espaço para se defender, criticar ‘as elites conservadoras brasileiras’ e afirmar que agora cobram que ele faça ‘em um ano o que outros não conseguiram fazer em 50 anos’.
Bearak fecha sua história voltando ao passado, à casa onde Lula nasceu. A atual ocupante, Anilda, é tão pobre quanto já foi o presidente em quem acabou votando. Até agora, não foi atendida por nenhum programa social do governo. ‘Claro que nada mudou’, diz Anilda.’
O Estado de S. Paulo
‘‘NYT’ conta a ‘maravilhosa fábula de Lula’’, copyright O Estado de S. Paulo, 26/06/04
‘Chamado de ‘a grande esperança dos excluídos do Brasil’, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o assunto principal – com direito a ilustração na capa e à pergunta ‘Último herói da esquerda latino-americana?’ – da edição de amanhã da revista The New York Times Magazine.
Quase dois meses depois da polêmica reportagem de Larry Rohter, que dizia estar todo o Brasil preocupado com o gosto de Lula por bebidas alcoólicas, o NY Times resolve ir mais fundo e dedica cerca de 800 linhas a um perfil mais consistente do presidente, agora feito pelo jornalista Barry Bearak.
O resultado é favorável a Lula, cuja vida é qualificada de ‘uma fábula maravilhosa’. O autor ressalta, porém, que sua capacidade política ainda está por se provar e talvez seja cedo ‘para se saber o moral da história’.
O título é ‘A carga do homem pobre’ (Poor Man’s Burden, brincadeira com o famoso título White Man’s Burden – A carga do homem branco -, do autor inglês Rudyard Kipling). O texto começa com uma pergunta: ‘Pode Lula fazer mudanças num mundo pós-revolucionário e de livre mercado’?
Segundo Bearak, o Brasil é ‘um país rico cheio de gente pobre’. Ele descreve o presidente como ‘um pequeno urso’, com sua barba, os ombros arredondados, atarracado e de pescoço grosso.
Bearak conversou com Lula – coisa que Rohter não conseguiu – e viajou com ele no Sucatão, o que lhe permitiu presenciar seu desabafo depois de cobranças de grevistas. ‘Criar empregos e distribuir renda não é fácil’, comentou. ‘Se fosse, alguém mais já o teria feito.’
O presidente não perdeu a oportunidade de defender um fundo mundial contra a pobreza e de retomar as queixas sobre a ‘herança maldita’. Ressaltou, ainda, ter assumido o País com uma economia ‘vulnerável’.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ouvido pelo repórter do New York Times para o artigo, deu o troco: ‘Eu esperava uma rede mais eficiente de programas sociais.’ Mas ponderou que o seu sucessor é uma pessoa de ‘boa vontade’.
Pernambuco – O texto retoma a extensa jornada de Lula, ainda jovem em Pernambuco, até sua carreira sindical e política, culminando com sua vitória, em 2002. Em seguida, destaca que no primeiro ano de governo ‘a economia desceu a ladeira, os salários minguaram, os empregos sumiram’.
‘Sob o PT, os trabalhadores levaram um soco no fígado’, segundo o artigo, mas na política externa Lula ‘moveu-se com ousadia, desafiando regras do comércio internacional’. A reportagem encerra com declarações da mulher que mora na mesma casa onde Lula nasceu. Anilda dos Santos conta que votou no PT em 2002, mas até agora ‘nada mudou’.’
ELEIÇÕES 2004
‘Maluf vai à TV e mostra quanto vale o show’, copyright O Estado de S. Paulo, 27/06/04
‘As contas milionárias – que os promotores de Justiça, procuradores da República, a Polícia Federal e a Suíça lhe atribuem – colocaram em cena um Paulo Maluf teatral, que aparece em programas de auditório da TV como político correto, homem de predicados, que até admite ser abastado, mas com a ressalva de que essa riqueza vem de berço.
Jorram documentos – papelada subscrita por magistrados de Genebra e de Zurique, carimbada, numerada, chancelada, rubricada e dada de boa-fé, como manda o ordenamento jurídico. Extratos bancários sugerem fabulosas movimentações financeiras. São peças que o Ministério Público atesta como ‘provas cabais’ da fortuna de Maluf em paraísos fiscais. Mas nada disso parece intimidá-lo.
Maluf saiu para o debate. De peito aberto, não recusa um único desafio na TV, não importa se gravado ou ao vivo. De preferência, ao vivo. ‘Assim é melhor, porque não sofro cortes da ilha de edição’, disse ele, na semana passada.
Foi ao Superpop de Luciana Gimenez, na Rede TV, e ao Boa Noite Brasil, apresentado por Gilberto Barros, na Bandeirantes. As denúncias abriram-lhe admirável espaço na mídia. Também vai ao rádio, aos jornais, à periferia e aonde mais o convidarem para dizer que é ‘alvo de armação política’. Firme e desinibido, busca convencer quem o assiste. Declara-se alvo de complô de seus investigadores.
Horror – ‘O Maluf é um ótimo ator’, avalia Cacá Rosset, ator de verdade, criador de Pai Ubu, personagem dos anos 80 que marcou época fazendo galhofa dos políticos de então, muitos deles ainda por aí. ‘Horror por horror, vote em Ubu para governador’, era o seu lema. ‘Se por qualquer motivo ele (Maluf) abandonar a carreira política ou de empresário, eu o contratarei para a minha companhia de teatro, seguramente de fome ele não morrerá’, anuncia.
Para o ator, Maluf usa muito bem o recurso da pausa. ‘Ele tem timing cênico e o timing é muito importante, faz pausas dramáticas, o efeito de um segundo a mais ou a menos na fala é fatal no teatro, não é coisa que se aprende na escola, é coisa intuitiva, aptidão. I isso realmente ele tem.’
Quando questionado sobre as contas, Maluf tem adotado comportamento diferente. Diante dos promotores, cala-se. Na TV, interpreta, diz que é vítima. Afirma e reafirma que não tem e nunca teve dinheiro lá fora. Fazem parte da defesa gestos largos, longos discursos aos quais empresta ênfase e a apresentação de pelo menos duas certidões que carrega a tiracolo – uma em papel timbrado do Tribunal de Contas do Município, que aprovou sua gestão à frente da Prefeitura (1993-1996); a outra, uma declaração pública por meio da qual se compromete a doar o dinheiro a quem encontrá-lo.
‘Ele tem um poder de persuasão extraordinário’, considera Cacá.
‘Independentemente da situação ou de fatos negativos que eventualmente o atinjam, ele tem talento muito grande para reverter o comportamento do espectador, no fundo é talento de ator e o ator trabalha exatamente com esse tipo de energia, ele vende o peixe seja lá qual for o peixe, pode ser um peixe podre, pode ser um ótimo peixe para fazer sushi.’
O ator observa que ‘no fundo, o trabalho de interpretação é exatamente isso, você pode interpretar um homossexual sem ser um homossexual, pode interpretar um assassino sem ser um assassino’. Cacá disse que lançou a candidatura Ubu porque percebeu ‘que na política havia e há palhaços amadores’.
Outro slogan de seu personagem, que surgia como um fantasma em comitês e escritórios políticos vestindo manta branca, chapéu coco e charuto pendurado na boca: ‘Chega de palhaços amadores, enfim um profissional no poder.’
‘O Jânio, apesar dos pesares, era um grande ator; esse é um canastrão’, anota Antunes Filho, festejado diretor de teatro, referindo-se primeiro ao ex-presidente Jânio Quadros e, depois, a Maluf.
O consultor político Ney Figueiredo avalia que ‘do ponto de vista estratégico, Maluf está agindo corretamente porque, se ele se omitir e se isolar, acaba preso’. Para Figueiredo, o ex-prefeito ‘é habilidoso, conhece as forças que atuam na sociedade e sabe que, se ficar encolhido, corre o perigo de aparecer algemado na TV’. O consultor dirigiu a área de marketing e pesquisa da campanha de Maluf ao governo do Estado, em 1990. ‘Eu conheço bem o Paulo, ele precisa desse palco para se defender.’’
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‘‘Minha arma são minhas cordas vocais’’, copyright O Estado de S. Paulo, 27/06/04
‘Paulo Maluf tem certeza de que a platéia acredita no que ele diz, apesar das evidências apontadas pela promotoria. ‘O ônus da prova cabe a quem acusa, eu não sou acusado pelos promotores nem denunciado por eles à Justiça’, declara. ‘Não tive acesso a nenhum documento, mas eu sou um democrata, sou um homem do debate, minha arma são minhas cordas vocais, não tenho outra.’
Maluf repete que não tem valores em paraíso fiscal. ‘Não existem provas das contas, o que existe é vazamento criminoso de um processo que está em segredo de Justiça’, insiste. ‘Se eu fosse culpado, o promotor público deveria cumprir seu dever e me denunciar à Justiça, mas ele prefere fazer uma guerrilha contra o Estado de Direito.’
Vale tudo para neutralizar o arsenal dos acusadores, até dançar diante das câmeras, como fez na semana passada, no programa Boa Noite Brasil, na TV Bandeirantes. O gesto custou-lhe uma bronca em casa. ‘Você é um estadista, não pode dançar e se requebrar na frente da orquestra’, repreendeu-o Sylvia, sua mulher. ‘Fui espontâneo, porque estava tocando Trem das Onze, que eu adoro’, explicou-se o ex-prefeito, que se intitula ‘um dos melhores dançarinos’ de sua geração.
Maluf afirmou que não se prepara para ir à TV. ‘A única coisa que faço é comer pouco no dia do programa, de preferência uma torrada com queijo branco magro por cima.’ Também faz a barba no capricho. ‘Richard Nixon perdeu o debate para John Kennedy em 1960 porque foi sem se barbear, o rosto estava cansado.’
Sobre as atitudes teatrais, se empolga: ‘Esse é o Paulo Maluf ao vivo e em cores.’’