Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Fernando de Barros e Silva

‘Quem afirma que ‘o primeiro dever do jornalismo é a crítica do poder, onde quer que ele se manifeste -na política, na economia, nos negócios’, não pode, por princípio, manter com ele uma relação promíscua e proveitosa, sob o risco de ser desmoralizado. Essa é a primeira razão, não a única, pela qual o jornalista Mino Carta há muito tempo não pode e não deve ser levado a sério.

A definição sobre o dever do jornalismo, enunciada acima, não é minha, mas do personagem em questão. Consta de uma entrevista de 1997, reunida no livro ‘Eles Mudaram a Imprensa’, organizado pelo Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas.

Quem fala é a mesma pessoa que uma década antes, como diretor de Redação, transformou as revistas ‘Senhor’ e ‘IstoÉ’ em linha auxiliar e máquina de propaganda de Orestes Quércia no período em que este foi governador de São Paulo. É sabido que, entre outras estripulias, Mino Carta colocou a publicação que dirigia a serviço do então afilhado de Quércia, Luiz Antônio Fleury Filho, na campanha que o conduziu ao Palácio dos Bandeirantes, em 1990. A boa crônica desse episódio, no entanto, ainda está por ser feita. Terá o jornalista agido a pedido do patrão? Talvez ele próprio tenha algo a dizer a respeito.

Muito tempo passou desde então. Quércia não chegou à Presidência da República, como Mino Carta sonhava, mas Lula está aí. E com ele o fiscalizador do poder está novamente refestelado. Trocou de patrão, não de caráter.

A observação vem a propósito do editorial da última ‘CartaCapital’, assinado pelo próprio Odorico Paraguaçu do jornalismo brasileiro. Empavonado, como de hábito, em sua subliteratura rocambolesca, Mino Carta -logo ele- vem me acusar de ser um ‘sabujo de plantão’ a serviço dos donos da Folha. Isso porque chamei pelo nome, em artigo publicado na semana passada, o convescote comemorativo dos dez anos da revista, no qual estavam reunidos ‘o poder e o PIB’ -expressão que, mais uma vez, não é minha, mas da própria chamada de capa de ‘CartaCapital’.

É porque pensa e se comporta como um coronel, na base da truculência, de favorecimentos e do favor, que Mino Carta talvez até acredite que jornalistas escrevem sempre para adular alguém, não por convicção.

O assunto central do artigo em questão, que deu ocasião para mais um número da mesma estupidez verbal de sempre -marca folclórica do personagem-, nem era a troca de gentilezas e de favores entre os donos do poder naquela ‘noite feliz’, mas, sim, o que lá disse o presidente da República.

Provavelmente porque se sentia em casa, Lula estava à vontade para mais um de seus espetáculos retóricos. Lá pelas tantas, resolveu condenar o ‘denuncismo’ -segundo a versão oficial, uma espécie de mau hábito de uma imprensa irresponsável e venal, da qual o contraponto patriótico seria… Mino ‘CartaCapital’. Em resumo, uma piada.

Não é assim, evidentemente, nesse palco e nesses termos miseráveis, que se vai organizar na sociedade uma discussão séria sobre os problemas do jornalismo ou da concentração dos meios de comunicação no país. Nem é isso, parece claro, o que este governo deseja. Desde o episódio Larry Rohter, pelo menos, o que se viu foi a escalada meio desastrada do Planalto para tutelar e/ou intimidar órgãos de comunicação e profissionais de imprensa. A energia que este governo dedica ao controle da informação (e não à sua democratização, como pretendem alguns) é algo sem paralelo desde o fim da ditadura.

À falta de uma bandeira nova para empunhar, os recém-convertidos à ortodoxia econômica se abraçam a um confuso ideário neogetulista, mas com clara vocação autoritária, para viabilizar sua sede de poder. Optaram pela parte podre da herança varguista.

Mino Carta se encaixa perfeitamente nesse projeto neobananeiro, do qual é figura menor, mas útil, além de notório beneficiário (basta folhear as páginas da revista que dirige). Sua atuação lembra a dos fiscais do Sarney. Com uma diferença: o tabelamento de Lula não é de preços, mas mental. (Fernando de Barros e Silva, 38, jornalista, é editor do caderno Brasil da Folha e autor do livro ‘Chico Buarque’, da coleção Folha Explica (Publifolha, 2004).)’



Painel do Leitor, Folha de S. Paulo

‘Jornalismo’, copyright Folha de S. Paulo, 11/09/04

‘‘Após ler o artigo ‘Odorico, o fiscal de Lula’ (‘Tendências/Debates’, 10/9) e como leitor da Folha e de ‘CartaCapital’, digo que a primeira tem razão. Não dá para entender como Mino Carta, que desancava o governo FHC, aplaude o governo Lula -ou será que mudou a política econômica? Será que é pela amizade entre os dois ou pela publicidade na revista? Eu também apoiei Lula em 2002, mas, com sua guinada no poder, passei a ser crítico da sua atuação política e de seu partido. Esperava essa atitude de ‘CartaCapital’, mas infelizmente não foi isso o que ocorreu. A Folha, assim como fazia no governo anterior, continua analisando criticamente a atuação governamental.’ Audísio de Alencar Júnior (São Paulo, SP)

‘Como leitor da Folha e da revista ‘CartaCapital’, venho por meio desta repelir veementemente os termos nos quais o jornalista Fernando de Barros e Silva se referiu ao jornalista Mino Carta. A história de Mino Carta na história do Brasil está bem contada, sendo certo que quem viveu os anos de chumbo sabe de seu envolvimento em prol do restabelecimento da democracia no Brasil, coisa que não se sabe dizer do signatário do artigo publicado. Já cansou esse antigovernismo pueril que ataca alguns articulistas -não só da Folha. A ‘Carta Capital’ faz críticas quando são necessárias, mas também aplaude quando o governo merece, coisa que parece que os infantis da Folha não sabem fazer.’ Milton Lamenha de Siqueira (Palmas, TO)’



EM TEMPO AMORDAÇADO
Eduardo Ribeiro

‘Algemas, arrogância e autoritarismo’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 8/09/04

‘Almerindo Camilo, editor geral dos jornais O Tempo, Super Notícia e Pampulha, todos de Minas Gerais, viveu, como muitos de nós pudemos acompanhar, uma das mais constrangedoras e grotescas cenas para um homem de bem.

O episódio, para os que não se lembram, deu-se em decorrência da invasão da Polícia Federal à gráfica do jornal O Tempo, em Contagem, na última semana de agosto, cumprindo mandado da Justiça Eleitoral de Betim, de busca e apreensão do periódico apócrifo ‘Betim em Dia’, que teria sido impresso na gráfica do jornal, como publicação de terceiros.

Como este próprio Comunique-se destacou na ocasião ‘o simples pedido de informações aos policiais foi o bastante para Almerindo ter seus documentos pessoais retidos – inclusive a carteira da Fenaj -, receber voz de prisão e permanecer algemado por cerca de 30 minutos, das mais de duas horas da operação’.

Não bastasse a humilhação e o constrangimento do episódio, ele ainda viu dentro da própria comunidade jornalística algumas vozes isoladas levantarem suspeitas de que aquilo tudo seria uma grande armação política com fins eleitoreiros.

Vítima da truculência policial ele começou a perceber que, se não reagisse, acabaria sendo vítima também de uma truculência verbal, atacado pelos próprios jornalistas. Por conta disso, decidiu escrever um relato do que se passou naquele episódio, afirmando, entre outras coisas, que vai, sim, buscar reparação na Justiça contra a União por danos morais, por tudo o que ele e sua família sofreram com o episódio, mas que o fará apenas após o período eleitoral para que não pairem dúvidas sobre suas reais motivações.

Pela importância que um tema dessa natureza tem para os jornalistas e mesmo para a sociedade brasileira, esta coluna, com a devida autorização de Almerindo, reproduz, na íntegra, o texto por ele escrito e postado numa lista de jornalistas mineiros.

‘Quero que saibam que o que aconteceu comigo aconteceria com qualquer outro de nós. Não tenham dúvida. Não precisei ser grosseiro nem manifestei qualquer reação aos brutamontes armados (eram 12 com metrancas e revólveres). O que fiz foi simplesmente pedir orientações ao dono do jornal. Desnecessário lembrar que meu cargo hierárquico na empresa exigia que eu adotasse esta postura.

Aos berros, o delegado, que já chegou nervoso e mostrando uma ostensividade agressiva desproposital para a situação, ameaçou prender-me. Aliás, ameaçou também muitos outros colegas, como a editora executiva Lúcia Castro e o repórter fotográfico Élcio Paraíso. Antes, já ameaçara um gráfico, abordado na impressora, que recusou-se a falar com ele sem a presença de seu chefe, o gerente industrial. Eu cheguei ao galpão da gráfica e já havia agentes espalhados por toda empresa, sem que o tal mandado da Justiça tivesse sido apresentado a quem quer que fosse da direção da casa.

Depois de muito insistir, mostraram-me o mandado. Peguei-o e telefonei para o proprietário da empresa. Antes, avisara ao diretor executivo, Teodomiro Braga, do que estava ocorrendo, e ele, do alto de sua experiência, orientara-me a resistir. Com o mandado em mãos, liguei para o Medioli. Falava ao celular com o dono do jornal pegando orientações quando disse ao delegado que queria uma cópia do mandado. Ele então interpretou que eu estava obstruindo o trabalho da Justiça. Deu-me voz de prisão e, ato contínuo, um agente deu um golpe em minha mão esquerda jogando o telefone a uns 10 metros de distância. Com agilidade cinematográfica, atou as algemas. Não bastasse, ainda separou-me as pernas, como a gente vê fazendo nas batidas policiais do dia-a-dia.

A temperatura aumentou e a redação, numa atitude absolutamente espontânea, desceu em peso para a gráfica. Neste meio tempo, os policiais haviam impedido a saída do pátio da empresa de uma equipe de reportagem que ia cobrir assunto distinto. Num átimo, toda a empresa parara. Os mais de 400 funcionários reuniram-se no pátio e no galpão da gráfica. Na seqüência chegou o diretor executivo, Teodomiro Braga, que também protestou contra o que acontecia. (Faço parêntesis para dizer que a esta altura um agente mais calminho chamou-me num canto, disse-me que eu continuava preso mas que retiraria as algemas. Feito isto, reteve minha carteira de jornalista).

O Teodomiro recebeu também voz de prisão assim que protestou contra o delegado Magno José Teixeira, o tal exaltado que me algemara. E assim ficamos os dois até a chegada dos advogados da empresa. Importante destacar que em nenhum momento, a despeito do constrangimento geral na empresa, as buscas foram interrompidas. Vasculharam cada departamento da Sempre Editora, à exceção da redação, onde, creio, se subissem, poderiam ter que prender TODOS os jornalistas da empresa, tamanha a resistência que despertaram. Como todos sabem, nada ABSOLUTAMENTE NADA foi encontrado. As razões que motivaram as buscas, não nos cabe discutir. Cabe-nos, porém, contestar a forma, a prepotência, a arrogância, o autoritarismo. Nada justifica a forma como agiram. E isto ninguém, jornalista ou não, me fará pensar o contrário.

O desfecho todos conhecem.

Faço este relato para que não surjam mais especulações. Como profissional exijo ser respeitado. Especialmente pelos colegas. Não vou tolerar especulações e insinuações. Basta a humilhação a que fui submetido pela desastrada ação a Polícia Federal, da qual, informo a todos, buscarei ressarcimento quando julgar conveniente. Provavelmente o farei depois do período eleitoral para que não venham petistas, tucanos ou outros quaisquer, dizer que o faço com interesses políticos. Para esta ação, no momento oportuno, muito me agradaria poder contar com o apoio de todos.

Agradeço as muitas, inúmeras e sinceras manifestações de solidariedade que recebi. Assim como os colegas de O Tempo.

Abraços a todos.’ Almerindo Camilo, Editor Geral dos jornais O Tempo / Super Notícia / Pampulha’