Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Fernando Gabeira

‘Dois mestres do século 20 desaparecem num curto espaço de tempo: Henri Cartier-Bresson e Richard Avedon. Este último foi também um fotógrafo de moda e, como a moda teve um grande papel no capitalismo moderno, muitas lembranças se concentraram no tema.

No entanto Richard Avedon foi um grande mestre do retrato, enriquecendo a tradição norte-americana do gênero. Suas fotos falavam alguma coisa sobre o modelo e, na verdade, falavam alguma coisa em convergência com o modelo. O retrato de Chaplin erguendo os dedos sobre a cabeça, como se fosse o Diabo, era uma clara mensagem às autoridades americanas sobre a intolerância com que tratavam o gênio do cinema.

Talvez seja por essa nova relação com o retrato, marcando um papel do olhar do fotógrafo, que Henry Kissinger tenha dito para Avedon no momento em que fitava a lente: ‘Tenha piedade de mim’.

Alguns fotógrafos americanos foram também grandes intérpretes do país. Walker Evans, por exemplo, pago pelo governo, viajou pelo interior fotografando gente pobre na dignidade de sua luta pela sobrevivência. Evans viajava com um dos mais fulgurantes talentos da literatura americana, James Agee, e os dois juntos fizeram um livro histórico para elogiar o homem comum.

Naquele momento de depressão, era importante levantar o astral. Richard Avedon percorreu 17 Estados fotografando seu país. O resultado de seu trabalho foi considerado pessimista. Mas a América já se sentia o país mais bem-sucedido do mundo. Não se tratava de levantar o astral, mas de trazer uma ponta de realidade para o sonho americano.

Talvez mais pessimista que Evans, Avedon, que estudou com o lendário diretor de artes Alexey Brodovitch, fez um longo trabalho sobre manicômios, relacionando-os com o Vietnã, pois, na sua opinião, a guerra era uma espécie de continuidade da loucura americana. Também mergulhou na agonia de seu pai, Jacob Israel Avedon. Saiu dali com uma série que não apenas registrava a decadência gradual de uma forte personalidade mas resgatava para ele as lembranças dos gestos e expressões de um ente querido.

Por toda a sua contribuição às revistas de moda e a influência que exerceu sobre a nova geração, é razoável que Richard Avedon seja associado ao tema. A idéia de tirar os modelos dos estúdios foi uma ruptura, consagrada com a foto da modelo Davima entre os elefantes, tirada no Circo de Inverno de Paris, em 1955.

Mas sua passagem pela Europa foi marcada por uma série de ensaios com meninos de rua da Itália. O trabalho chegou a ser exposto, assim como o que fez sobre os loucos no Lousiana State Hospital e depois com as vítimas do napalm no Vietnã.

Ele só não avançou nessa trilha por uma definição filosófica: achava que as fotos de violência contribuíam para aumentar a violência.

O último retrato feito por Avedon foi publicado na semana passada pela revista ‘New Yorker’. O modelo é Teresa Heinz Kerry, mulher do candidato à Presidência. Muitos, com o sucesso das fotos de exterior, pensam que Avedon continuou nessa trilha.

A sensação que tenho é que optou por um fundo branco para ressaltar a pureza dos movimentos de seus modelos. Ele mesmo, num certo momento, desabafou: ‘Como perseguir a luz natural, se vivemos entre Hiltons, aeroportos e coquetéis?’. Para ele, a luz natural era como a infância, uma bela lembrança.

A conclusão a que chego é que os grandes fotógrafos de moda são, nos EUA, grandes fotógrafos em quase todas as áreas. Está aí, com 87 anos, Irving Penn, que também começou na ‘Vogue’ e construiu uma obra de importância mundial.

A fotografia é um momento de esplendor da cultura norte-americana. Avedon, um mestre do século 20, teve em quem se inspirar, se pensamos em Paul Strand e Walker Evans, para falar apenas de dois.

Num nível mais modesto do que americana e talvez a mexicana, a fotografia brasileira deu inúmeros passos. Temos, entre outros, um mestre em preto-e-branco, Sebastião Salgado, e um mestre em cores, Miguel Rio Branco.

Um obstáculo para o progresso fomos nós, editores de jornais e revistas, nas décadas anteriores. Com uma cultura tipicamente literária, sempre entendemos a foto como uma ilustração; éramos adversários da autonomia da imagem.

Outro obstáculo é a dificuldade de reconhecer a fotografia como uma atividade cultural. Faz tempo que insisto com amigos cearenses para fazerem uma espécie de museu da fotografia do Ceará. Eles gostam dos fotógrafos, tanto que deram a uma avenida o nome de Luciano Carneiro. Mas ainda não cultivam a foto como um trunfo da cultura local. Isso tudo pode mudar: a editora Cosac & Naify, por exemplo, está lançando um livro sobre a história da fotografia moderna no Brasil.

Truman Capote dizia que Avedon tinha o dom do olhar. Cartier-Bresson também o tinha. Num momento em que a fotografia vive a revolução digital e milhões de pessoas no mundo se dedicam a ela, fica sempre uma interrogação no ar. Esse fenômeno vai estimular ou inibir a aparição de grandes mestres? Já temos as câmeras onde tudo pode ser feito automaticamente. Ficam faltando apenas o talento e a cultura plástica dos grandes artistas, que, aos poucos, deixam a cena.

Que o novo século tenha algo como os anos 60 do século 20 e alguém para eternizá-lo como Richard Avedon.’



O SAPO E O PRÍNCIPE
Fábio Santos

‘O sapo, o príncipe e este país’, copyright Valor Econômico, 8/10/04

‘Ao longo dos últimos 33 anos, como repórter de algumas das principais publicações e emissoras brasileiras, e também, entre 1971 e 1975, como militante do extinto PCB, o jornalista Paulo Markun assistiu a muitos dos fatos políticos que marcaram a história do país. Quando era chefe de reportagem da TV Cultura, em 1975, foi preso e torturado.

Markun foi também editor do jornal ‘Opinião’, uma das publicações alternativas fundadas pela esquerda em fins da década de 70, onde conheceu Fernando Henrique Cardoso. Assessorou a campanha de Mário Covas ao governo de São Paulo em 1990 e chegou a ser tucano de carteirinha, condição que abandonou por ver dificuldades de compatibilizar jornalismo e partido. Nem por isso esquivou-se de trabalhar com o publicitário Duda Mendonça na campanha de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002.

Com esse extenso currículo – Markun conta que já teve 48 empregos – o jornalista, de 51 anos, reuniu experiência e conhecimento suficientes para se lançar à empreitada que acaba de concluir: a redação e publicação de ‘O Sapo e o Príncipe – Personagens, Fatos e Fábulas do Brasil Contemporâneo’, uma espécie de biografia de Lula e FHC, o ‘sapo barbudo’ e o ‘príncipe da sociologia’. Seu oitavo livro é um panorama da história política recente do país, construído a partir de entrevistas feitas pelo autor e de uma extensa pesquisa em jornais e outras fontes . Na obra, o jornalista mostra como as trajetórias políticas de seus personagens nascem num mesmo momento e, no correr dos anos, se aproximam e se afastam, sem nunca se tornarem completamente opostas.

‘Lula e Fernando Henrique nunca se tornaram inimigos’, disse ele em entrevista ao Valor, durante uma de suas passagens por São Paulo para apresentar o programa ‘Roda Viva’, na TV Cultura. ‘Há uma diferença de tom nas declarações de um sobre o outro. É rara uma frase do Fernando Henrique em que esculhambe Lula. Já do lado inverso há dezenas. A despeito disso, toda vez que se encontram, sentam e conversam como se tivessem se visto na noite anterior’, diz. Nesta conversa, além de tratar de seus personagens, Markun faz algumas reflexões como observador da cena política, como jornalista praticante e também com pai preocupado com a pouca politização da juventude. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: Os dois personagens principais de seu livro saíram de uma, digamos, mesma região política e tiveram trajetórias que convergiram e divergiram. Os partidos deles, o PT e o PSDB, saem das urnas como as duas principais forças do país, mas em campos opostos. Essa oposição veio para ficar?

Paulo Markun: Bom, preciso deixar registrado que o livro não tem pretensão de fazer análise e de expressar minha opinião. Embora, obviamente, quando se faz um painel desse tipo, quando se escolhe o fato A ou o fato B, há a interferência de uma visão pessoal. Agora, o que eu penso é que PT e PSDB são mais ou menos como primos de uma família grande que tiveram momentos de amizade e de afastamento. Mas imagino que não há possibilidade de eles se juntarem, de convergirem para essa origem mais ou menos comum, salvo contra uma ameaça muito grande. E não há nenhuma perspectiva nessa direção. O PFL, que muito provavelmente será uma terceira força muito significativa, dificilmente poderá ser esse pólo que faça com que PT e PSDB se aproximem novamente. Também vivemos uma situação em que esses dois partidos ainda enfrentam dificuldades de interpretar os papéis que lhes foram reservados. O PSDB está aprendendo a ser oposição, e o PT aprendeu muito rapidamente a ser governo – no bom e no mau sentido, talvez mais no mau sentido. Há um outro dado relevante: o PT se preparou para chegar ao poder. Há quem diga que ele não tem um projeto de país, mas é indiscutível que se preparou para o poder. E o PSDB, quando foi governo, não se preparou para ser partido. O PSDB tem de compreender que o primeiro passo dele deve ser se organizar como partido para chegar ao poder.

Valor: Essas duas forças são, inegavelmente, democráticas…

Markun: A política brasileira está avançando, e esse avanço é resultado justamente da chegada de uma geração ao poder – que é a minha geração. A chegada do Lula ao poder e a transição da forma com foi feita pelo Fernando Henrique representam efetivamente a chegada ao poder da geração que cresceu sob a ditadura, mas que fez política depois da ditadura. O que me preocupa é como a juventude encara o processo político e quão pouco ela participa dele. Esse é um fenômeno que não é apenas brasileiro, mas que aqui, talvez, seja mais grave. O distanciamento da juventude é enorme, o desinteresse é gigantesco. O PT – eu vi, trabalhando durante quatro meses para o Duda Mendonça durante a campanha de Lula – está de cabelo branco, o PT está careca. Envelheceu como todos nós, e não está havendo renovação. Algum tipo de mudança terá de acontecer, para que essa juventude se integre na política como se integra na luta das organizações não-governamentais, em algum tipo de assistencialismo, ou mesmo em determinados protestos, como aquele de Salvador pela meia passagem no transporte.

Valor: Alguma coisa dessa mudança geracional se deve à normalidade política que se conquistou. O jornalismo tem um papel na forma como se vê a política, como se atua na política hoje. O jornalismo é menos politizado?

Markun: Sem dúvida, ele é muito mais determinado, como a própria política, pelas pesquisas de opinião: o que é que o leitor quer saber, qual foi o índice de audiência. Parece um cachorro correndo atrás do rabo. Ah, as pessoas querem ouvir falar de saúde, então a campanha do político só fala de saúde. Ah, a população está preocupada com a forma física, então as revistas semanais só dão capa sobre como é que você envelhece menos… É a redução do debate, o que também não é um fenômeno só brasileiro. Na democracia, determinados processos são chatos como reunião de condomínio. Mas não se inventou uma fórmula melhor. O jornalismo – sem ser militante, pois esse tipo de jornalismo tem um espaço muito reduzido hoje – poderia cobrir melhor certos processos. O Congresso Nacional, por exemplo. Só é coberto quando há um escândalo ou quando, eventualmente, se aprova um determinado projeto, mas só quando sai a aprovação. Não se estabelece o que está em jogo, como se chegou ali, pois isso demora. Para completar, há o fato de que são repórteres iniciantes que fazem a cobertura, ao contrário do que acontece nos EUA. Isso é de responsabilidade dos jornalistas que estão no comando. E é assim porque é mais barato. O espaço para haver, na frente de batalha, repórteres com 33 anos de janela, como eu, é muito pequeno.

Valor: No livro, você registra que na plataforma do PT, em 1989, havia uma proposta de que as redações deveriam ser comandadas por conselhos. Agora, com o PT no governo, vem a proposta do Conselho Federal de Jornalismo. Muita gente viu aí um viés autoritário.

Markun: Isso não é idéia do governo. É dos jornalistas que estão na Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) e que são ligados ao PT – provavelmente, os mesmos que, lá em 1989, defendiam os conselhos de redação, que é uma coisa que alguns jornais da Europa têm, não é da Albânia. Agora, o núcleo do PT que está no poder, certamente, gostaria de ter uma imprensa mais cordata. Se bem que o do FHC também gostaria. O que distingue é que o PT tem uma base no movimento sindical, que, diga-se, não representa a totalidade dos jornalistas, e que vai lá e diz: ‘Opa, vamos apresentar a idéia do conselho.’ Não vejo na coincidência de determinados processos nada além de um interesse da imprensa em juntá-los e tentar apresentá-los como um plano autoritário. O que incomoda realmente a mídia não é o CFJ, é a Ancinav (Agência Nacional de Cinema e Áudio-Visual). A agência pode mexer na estrutura que faz com que, no Brasil, haja uma emissora de TV que tem 35% da audiência e 65% do faturamento. Resultado do quê? Da competência dessa emissora, mas também de um mercado completamente livre. Na hora em que se quer regulamentar esse mercado, fazer com que tenha mais produções independentes, aí é conveniente você enxergar um processo maquiavélico.

Valor: Você falou em imprensa cordata. A nossa imprensa é critica o bastante, faz pouca crítica ou extrapola?

Markun: Acho que ela não age de modo coerente. Não tem uma constância. De modo geral, é muito simpática aos governos. Se você examina, vê quanto os governantes dão o norte da discussão. Paradoxalmente, revela escândalos, denúncias. Ajudou a haver mais transparência, mais democracia, menos caudilhismo. No cômputo final, o resultado do trabalho da imprensa é altamente positivo para o país. Eu diria que a imprensa é meio parecida com a sociedade, e em muitos aspectos, é até melhor.’



JORNAL DA IMPRENÇA
Moacir Japiassu

‘Veneno de cobra’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 7/10/04

‘ESTRANHA NO NINHO, dizia o escandaloso ‘chapéu’ da matéria publicada na Folha de S. Paulo, matéria que serpeava assim:

Bombeiro improvisou retirada do réptil

Cobra é capturada em anexo da Câmara

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Uma faxineira que circulava pelos corredores quase vazios da Câmara dos Deputados encontrou, no final do expediente de ontem, uma cobra na entrada de um dos anexos da Casa. Medindo entre 40 e 50 centímetros, o réptil atraiu a curiosidade dos poucos funcionários que permaneciam no Congresso e que formaram um círculo em torno da cobra (…)

Janistraquis leu e identificou a peçonha do desleixo na indigência do textinho:

‘Considerado, no nosso tempo de Jornal do Brasil (1964-67), informava-se logo qual a espécie do, com perdão da palavra, ofídio; depois, o Departamento de Pesquisa aninhava-se ao pé da matéria, com um texto sempre bem escrito e completo a respeito do animal.

E, além do mais, o chapéu desta notícia da Folha, Estranha no Ninho, nasceu certamente da inexperiência do redator; ora, por que estranha? Todos sabem que onde tem rato abundam cobras!’

É verdade. Aqui no sítio, onde o rato vai, a cobra vai atrás…

Bush na rabeira

A considerada Maria Eugênia Lima envia link de um site que está fazendo uma pesquisa mundial sobre quem ganharia a eleição nos EUA se o mundo inteiro pudesse votar.

Ontem, 6 de outubro, Kerry ganharia com 87% dos votos de todos os países, contra 12% de Bush.

O download é pesado, lento para baixar, mas se o leitor quiser votar e conferir o resultado em cada país é só clicar.

Vulgo do vulgo

Nosso considerado Camilo Viana, diretor da mais nova sucursal desta coluna, a de Belo Horizonte, é doido por política, como todo mineiro que se preza. Depois das eleições, ao avaliar o panorama eleitoral do país a partir da genealogia dos candidatos, chegou à seguinte conclusão:

O povo político brasileiro vem abdicando do nome de registro, preferindo as alcunhas. É divertido ler como preferem suas senhorias serem chamados. Coletei alguns, candidatos a prefeito, uns eleitos, outros não. Veja minha seleção, apelido e cidade.

Macarrão – Aimorés; Quem-Quem – Teresina; Bala – Macapá; Teteco e Baiano -Vitória; Pudim – Campos; Ratinho – Nilópolis; Sexta-feira – Maceió; Chiquinho do Atacadão – Gramacho; Totó – Cuiabá; Gica – Duque de Caxias; Uzias Mocotó – São João de Meriti; Charlinho – Itaguaí; Baleia – Ribeirão Preto; Rogério do Salão – Queimados; Zé da Bruma – Ibirité; Gláucia da Farmácia – Ferros.

A esta lista podemos incorporar mais de uma centena de insatisfações. Quantos pais que não sabem escolher nomes para os filhos!!!

É mesmo, Camilo; aqui em Cunha, entre os candidatos a vereador, tivemos Zeca do Vardo, Bill da Roça Grande, Zé Bideco, Cipó e Nêgo Zé Ogênio, entre outras curiosidades. César da Catioca, vizinho e candidato de Janistraquis, recebeu dois votos. Nem a mulher votou no cara!!!

Indignação

Deu aqui mesmo neste Comunique-se:

Radialista Pedro Luiz Junior é morto em assalto

Da Redação (*)

O radialista e comentarista da Rádio CBN de Campinas, Pedro Luiz Junior, foi morto a tiros por um assaltante este domingo (03/10), quando chegava em casa (…) O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo divulgou uma nota de repúdio ao assassinato do radialista:

‘Que a mesma indignidade que nós, seus amigos e, principalmente, os seus familiares, sentem diante da inoperância das autoridades em conter a violência…

Janistraquis, amigo e admirador do pai da vítima, o saudoso narrador esportivo Pedro Luiz, lamentou duplamente:

‘Considerado, a nota do sindicato diz que sente ‘a mesma indignidade’ diante da inoperância, etc., etc. Pois eu gostaria de enviar meu abraço solidário à família amargurada e também lamentar a manifestação sindical, que assalta o idioma e nos causa justa indignação.’

Rádio Nacional

A coluna recebeu a seguinte mensagem do presidente da Radiobrás:

Caro Japi, como sempre, é bem humorada demais a sua nota. De mau humor fico eu quando vejo um erro da Radiobrás. É muito chato. As agressões à grafia já foram corrigidas. A qualidade do som, porém, não tem jeito de melhorar. É o que dizem os nossos técnicos. São gravações muito antigas.

Estão na página apenas como registro.

Grande abraço. Continuo contando com a sua graça e com a sua atenção

Eugênio Bucci

O colunista informa que a divulgação da correspondência acima foi devidamente autorizada pelo remetente e não constitui, de modo algum, tentativa de exibir inexistente prestígio junto ao Pudê. Acontece que a Rádio Nacional é assunto de interesse público. Releia a coluna de 23/9 e confira as correções.

Prateleira

Decepcionado com as barbaridades cometidas pelo Globo Online, nosso considerado José Truda Jr. resolveu procurar melhor noticiário noutras plagas – e o encontrou, na Folha Online – Dinheiro:

Criação de emprego formal até agosto é a maior desde 92

O mercado de trabalho criou 1,466 milhão de empregos com carteira assinada de janeiro a agosto deste ano. Foi o maior volume de vagas formais já geradas para o período desde 1992, quando a pesquisa do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) começou a ser feita.

Desse total, 229.757 postos de trabalho foram abertos em agosto, o que elevou em 0,94% o estoque de assalariados com carteira assinada. Esse volume de contratações também foi recorde para o mês de agosto. Nos últimos 12 meses foram geradas 1,433 milhão de vagas formais.

Então, Truda desabafou:

‘Eu já estava quase feliz da vida, até com o governo, pensando que poderia reencontrar meu emprego há tantos anos perdido, quando percebi do que se tratava. Nos meus tempos de comerciário (fui empacotador da Exposição Modas, no Largo da Carioca), o que ia para o estoque eram as mercadorias; hoje, são os assalariados…

Claro que é sinal de que finalmente passamos a valer alguma coisa. Mas a essa altura da vida, dada a incerteza de por quanto e para quem serei vendido, não me sinto muito disposto a parar numa prateleira.’

Ricos paulistanos

Saiu no dia seguinte, num verdadeiro caçuá de jornais importantes:

04/10/2004 – 04h33

Serra vence em zonas ricas, e Marta, na periferia

O candidato do PSDB à Prefeitura de São Paulo, José Serra, obteve votação bem acima de sua média em zonas eleitorais de bairros mais ricos. Já sua rival no segundo turno, Marta Suplicy, do PT, conseguiu vitórias expressivas em bairros mais pobres.

Como Serra recebeu 43,56% dos votos e Marta 35,82%, conclui-se que em São Paulo os ricos constituem maioria. ‘Parece que os paulistanos vivem em Oslo, né, considerado?’, ironizou Janistraquis.

Copenhague também serve.

Preciosa pedra

Depois de cumprir o dever cívico de naufragar seus candidatos, como dizia Vicente Matheus, o considerado José Paulo Lanyi foi passar uma vista d’olhos nalgumas notícias e encontrou esta, de responsabilidade da Agência Estado:

Ministro da Saúde é atingido por uma pedra

Recife – O ministro da Saúde, Humberto Costa (PT), foi atingido na testa por uma de três pedras jogadas contra o caminhão em que se encontrava ao lado do prefeito João Paulo, na Avenida Mário Melo, bairro de Santo Amaro, pela manhã. As pedras foram atiradas por militantes do candidato Carlos Eduardo Cadoca (PMDB). A pedra não o atingiu de frente e ele não se machucou. O ministro preferiu mandar o veículo seguir para evitar confusão. Cadoca negou envolvimento do seu comitê no caso.

O espanto rendeu a Zé Paulo o alinhavo de uma curiosa pensata:

‘A gente nunca sabe o que se passa na cabeça dos políticos. Muitos dizem sim quando pensam não, ou vice-versa. Talvez isso explique a lógica da repórter da Agência Estado, que conseguiu atirar a tal pedra na testa do ministro, ainda que o ataque não tenha sido frontal. A política vira mesmo a cabeça das pessoas…’

Nota dez

O jornalista Pedro França Pinto envia à coluna dois singelos parágrafos do veterano Gilberto Di Pierro, o Giba Um, aqui reproduzidos com o único e honesto intuito de oferecer alguma munição ao tiroteio que o apaixonante assunto sempre provoca:

Contra desarmamento

O Movimento Viva Brasil está colocando nas ruas uma ação contra o desarmamento no Brasil, com divulgação de levantamento feito em todo o mundo pela Toledo & Associados, segundo o qual tirar armas legais da população não significa reduzir a criminalidade no Brasil ou em qualquer outro país do mundo. A novidade é que o Viva Brasil agora ganha o reforço de quem entende do assunto. O primeiro é o ministro do Superior Tribunal Militar, Flávio da Cunha Bierrenbach, que diz que ‘é inconstitucional coibir a posse de arma de fogo’. O segundo é o Coronel Paes de Lima, comandante da Região Metropolitana de São Paulo da Polícia Militar.

Bandidos pesquisados

O levantamento da Toledo & Associados chegou a entrevistar 1.800 criminosos: 81% afirmam que procuram saber antes se a vítima está armada; 74% afirmaram evitar entrar em casas onde sabem morar cidadãos armados; 40% disseram que deixaram de cometer crimes por medo de que a vítima estivesse armada; 57% afirmaram temer mais o cidadão armado do que a própria polícia; e 56% disseram não abordar vítimas que desconfiam estar armadas.

Errei, sim!

‘CRIME HEDIONDO – Promotor usa informática para reproduzir homicício, anunciou o Estadão em título de três colunas. Como a reprodução de homicídios, dependendo da quantidade, pode virar até genocídio, Janistraquis foi interpelar o promotor e voltou aliviado: ‘Considerado, a autoridade não vai reproduzir homicídio algum; tenta, simplesmente, reconstituir o crime’. (novembro de 1993)’



LÍNGUA PORTUGUESA
Deonísio da Silva

‘O português da internet’, copyright Jornal do Brasil, 11/10/04

‘Você já acessou a internet hoje? Tudo em ordem com o seu servidor? Seu antivírus deletou todas as mensagens intrusas atochadas em sua caixa postal? Encriptou as mensagens e salvou como documento o que você descobriu enquanto navegava? Anexou ou atachou o que queria para seus destinatários preferidos?

Com a chegada da internet, o português recebeu do inglês, o latim do império e o esperanto da globalização, uma enxurrada de palavras – mais de duas mil – com as quais o habitante da Galáxia Gutenberg é obrigado a conviver e das quais precisa descobrir urgentemente o significado e sua aplicação. Estão estimadas em cerca de três mil as novas palavras indispensáveis.

Digamos que até a última década do século passado ainda era possível a um vivente optar por viver sem computador. Desolado com tantos tropeços, comuns a todo início de caminho, o internauta exclamava: ‘Não sei como é que vivi sem computador até hoje’. E em seguida, exalava o contrário: ‘Não sei como é que vivo com computador!’.

O paradoxo é este mesmo: ruim com ele, pior sem ele. Alguns jurássicos ainda insistem em ignorá-lo, esgueirando-se sorrateiros rente à escrivaninha, que não pode mais ter a antiga bela forma, pois o novo eletrodoméstico exige móvel de estrutura e contornos diferenciados. E nem faltam esgares e muxoxos, comuns diante do que não se entende.

Você não gosta de computador? Mas seus filhos o adoram! Ele disputa com o telefone celular o primeiro lugar entre os fetiches do nosso tempo. O sistema – ou será a nova onda? – impôs os dois ícones.

Você ainda se lembra do sistema? Agora ele freqüentemente está fora do ar, mas este não é mais aquele, o do complexo tecnológico e bélico de que tanto nos falavam quando éramos mais jovens, digamos assim. O sistema é primo do financeiro. Os dois juntos compõem a mais sólida dupla que tudo impede. Ou tudo resolve. E rapidamente.

Embora, claro, tudo dependa de quem esteja com o cabo do relho na mão. Se é você, o sistema e o financeiro são seus dois mais sólidos aliados. No Brasil, os novos capitães-do-mato, em vez de relho ou chicote, têm à mão um computador. Não batem em você. Basta que lhes seja informado o seu CPF ou CIC. O CIC faleceu, pobrezinho. Ficou o CPF. Ou o CNPJ.

Também estas reduções de palavras a simples iniciais é necessário entender, ao lado dos neologismos da tecnologia, do contrário o seu browser não poderá levá-lo aos altos mares da internet e conduzir seu frágil barquinho aos portos onde você precisa buscar as mercadorias que lhe faltam, todas disponíveis no comércio internacional, ainda que virtuais.

Para tanto, você precisa de um cartão! Não é aumentativo de carta. Onipresente, o cartão substituiu até o dedo de Sua Excelência, o juiz Armando Nunes Castanheira da Rosa Marques, que teve a coragem de expulsar o rei Pelé. Não há mais juízes como aquele! E os novos artilheiros comemoram com raiva, fazendo gestos obscenos, ostentando desprezo pelo ato amoroso, transformado em vingança.

Substituíram aqueles homens alegres que comemoravam seus gols aos pulos, saltos e gritos, semelhando o rei Davi dançando um salmo, em louvor dos prazeres que o Senhor lhe concedia, ainda que por ínvios caminhos. Como o amor da linda Betsabéia, aquela que tomava banhos e se purificava na sacada de sua casa, em frente ao palácio, levando o monarca ao louco gesto de, por amor, matar seu marido.

Ah, a astúcia feminina! Ah, as astúcias da língua portuguesa. Devagarinho domará todas as novas palavras. Para isso precisa de tempo. Lembremos da lição do escritor italiano Giuseppe Tomasi di Lampedusa em O Leopardo: ‘Se quisermos que tudo permaneça como está, é preciso que tudo mude’.’