Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Fernando Rodrigues

‘Há um frenesi no governo por conta do recorde atrás de recorde nas exportações do país.

O boletim ‘Em Questão’, produzido pela Presidência da República e apelidado rapidamente em Brasília de ‘Pravda petista’, anunciou com júbilo que ‘há um crescimento muito acima da média’ da exportação brasileira ‘nos lugares por onde passou a comitiva brasileira’ com Lula.

Mais ou menos. Não tão rápido. Os redatores governistas fizeram um estágio pela metade com Duda Mendonça -ou não. Ao final do ‘Em Questão’ que anunciou o milagre das exportações lulistas, há alguns países citados. Demonstrariam o poder magnético exercido por Lula em suas andanças pelo exterior.

Um exemplo: as exportações para a Síria cresceram 805% de novembro de 2003 a maio de 2004 em comparação com o mesmo período um ano antes -de US$ 10,2 milhões para US$ 81,8 milhões. OK. US$ 81,8 milhões equivalem a 0,1% de tudo o que o Brasil exporta. Não é nada, não é nada… não é nada mesmo.

As viagens de Lula ajudam a promover o comércio brasileiro. Não há disputa a respeito. O exagero, quase poético e ingênuo, está em atribuir os recordes de exportação à agenda internacional do presidente.

Há contra-exemplos que o ‘Pravda petista’ não menciona. Lula já foi três vezes à Suíça. As exportações para aquele país despencaram 26,73% em 2003 versus 2002.

Outros casos são Equador, Bolívia, Uruguai e Índia, países visitados por Lula e que registraram redução nas exportações -de 8,56%, 14,47%, 1,7% e 15,37%, respectivamente.

A julgar pelo raciocínio binário do ‘Em Questão’, a oposição pode fazer um boletim com a seguinte manchete: ‘Vendas brasileiras caem em países visitados por Lula’. Seria uma generalização mentirosa. Assim como não é verdade que as exportações crescem em alguns locais só por causa da passagem do presidente.’



FESTA JUNINA DE LULA
Maria Sylvia Carvalho Franco

‘Lula e cultura popular’, copyright Folha de S. Paulo, 2/07/04

‘Cessado o alvoroço da festa junina de Lula e Marisa, é tempo de ver suas implicações graves.

Restrita aos íntimos, seu burlesco seria de somenos, como vários feitos do casal: o cantinho do namoro, os embalos ‘country’, o futebol e churrasco marinados em cachaça e cerveja. Mas, exorbitando o gosto banal, aqueles festejos invadiram a esfera pública, a exemplo de outras condutas do par: as gafes diplomáticas, a ilegal estrela em jardins tombados, o passar de chapéu para reformas em bens nacionais etc. A violação mais óbvia do plano político sobressai na mascarada de áulicos submissos aos caprichos do líder. ‘O ministro faz o passo de bajulador, de criado ou de mendigo perante seu rei. O cortejo de ambiciosos dança de mil modos, mais vis uns que os outros’ (‘Sobrinho de Rameau’).

O menos visível e mais alarmante significado ético desse evento, porém, é certa opacidade da opinião pública, caracterizando-o como ‘caipira’, seja para execrá-lo, seja para defendê-lo, invocando estereótipos e preconceitos. Aquela festa nem é caipira, nem segue tradições. Lembremos alguns prismas da velha cultura rural, vivida ‘no provisório da aventura’, equilibrada na base de mínimos vitais e sociais, compensados pela contraprestação vicinal, familiar e produtiva, pelo farto lazer e parca necessidade de trabalhar. (A. Cândido, ‘Parceiros do Rio Bonito’). Desse ritmo social e biológico nasceu o fantasma do caipira indolente, ‘símbolo de preguiça e fatalismo, de sonolência e imprevisão, de esterilidade e tristeza, de subserviência e embotamento’ (Rui Barbosa).

Se, de um lado, a cultura instável tolheu as tradições, de outro, definiu forte ‘ethos’, normas reguladoras de um estilo de vida ora solidário, ora violento. Nesses grupos precários, a vida católica constituiu alguma solidez. Nos bairros e capelas sucedem-se as missas, rezas, procissões, quermesses. As irmandades locais, com sua hierarquia, elegem o festeiro, que promove o evento, reúne os ‘ajutórios’ (leitoas, aves, ovos, bolos, doces), apura o lucro ou cobre os prejuízos. As prendas são vendidas ou leiloadas em prol da igreja.

A Irmandade de São João ultrapassa os bairros. Sua festa também associa ritos religiosos e intensa sociabilidade, em efemérides que exigem a melhor fatiota: nos homens, terno de brim ou camisa e calça de algodão; nas moças, vestido modesto, mas próximo à moda; nas mais velhas, saia e bata estampada, os cabelos em birote. A quadrilha, dança camponesa arcaica apropriada pela aristocracia, recolheu as vestes de séculos passados, antes depurando os trajes cortesãos que tendendo para a miséria abjeta. Esse campo de forças equilibrado e periclitante configurou um cosmos conservador, cerimonioso, arredio, enfático na auto-estima. Nele, a festa exclui, dado o esmero exigido pela religiosidade e consciência das pessoas, roupas andrajosas, chapéus e calçados rotos, mimetismos ‘western’, arrebiques ‘típicos’.

É conhecida a saga da figura deplorável, maltrapilha, banguela, descalça, bem datada social e politicamente. Nos inícios do século 20, aderindo à doutrina racial e climática dos males nacionais, Monteiro Lobato construiu o roceiro esfarrapado, doente, subnutrido, ignorante, parceiro das cidades mortas. Desenhou o Jeca Tatu, ‘espécie degenerada’, parasita preguiçoso, incapaz de civilização. Contra o romantismo, deu violentas cores malfazejas ao ‘piolho’ das fazendas e acentuou a ‘praga’ de seus afazeres, ligando a tibieza física e moral do Jeca às facilidades da terra.

Com linguagem assustadoramente violenta, o ‘modernista’ repetia uma sentença tão velha, pelo menos, quanto o ‘Corpus Hippocraticum’. Depois, penitencia-se e, acolhendo o ideário higienista, detecta os males nacionais no ambiente insalubre e no homem doentio, curáveis pelo conhecimento científico apto a projetá-los na civilização. A propaganda educativa completaria as intervenções técnicas. Em que pesem sua valiosa eficácia efetiva e intenções redentoras, esses paladinos deram argumentos que permitiram legitimar a alegação de incapacidade, em vastos setores da população, para o exercício dos direitos civis e políticos. (Tânia de Luca; R. A. dos Santos).

Em Lobato, os tropos da morbidez substituíram os da indolência, mas persistiram figurando o ser inferior que a inépcia malsinou. Sem surpresas, em sua trajetória, a representação do Jeca prendeu-se a interesses do capital e aproximou-se do ideário vigente nas esquerdas. Lobato firmou a imagem do roceiro atrasado em sua choça miserável, com sua família suja e empestada, as criações magricelas. O milagroso Biotônico Fontoura curou-os e dirigiu rumo ao progresso: tornaram-se prósperos, sadios, gordos e risonhos, com boas casas, roupas e sapatos. A propaganda daquele tônico inscreveu-se nos ideais de industrialização e aproximou-se das alianças com a burguesia nacional, temas nucleares na ideologia que opunha atraso e progresso, preconizando a passagem de etapas retrógradas para adiantadas e modernas. Nessas alturas, o Jeca recebeu as tintas do trabalhador explorado, tendo percorrido, na pena de seu criador, de mea culpa em mea culpa, todas as posições ideológicas vigentes em seu tempo (M. Lajolo).

No vai-e-vem das modas doutrinárias, um circuito completo reuniu crenças dominantes na construção da quimera, inclemente de estereótipos e preconceitos, do homem rústico. Mazzaropi explorou, com adição de outros monstros mais ladinos, esse prato feito para o ridículo. Tal é o retrato doloroso, feito com representações falazes, da história social brasileira que Lula e Marisa acolheram (a família Jeca), encarnando pseudocaipiras com novos arrebiques: o xadrez imitando ‘country’, os remendos em ‘patchwork’, a trança loira.

Contra o labéu de que o presidente carece de escolaridade, argumentou-se que a sabedoria dispensa diplomas. Mas sua insciência transcende esse ponto, é substancial: ignora a cultura do povo e se apraz com seu deslustre. Lula, em explícito despotismo, afirma-se ‘pai’ da população, mas desrespeitou sua ‘prole’ ao dar a festança desairosa.

Não deveria ser este, o caso de Lula, cercado de intelectuais. Não haverá, à sua volta, um só historiador qualificado para expor a violência da dominação inerente àquela fantasmagoria, ou pelo menos um cristão capaz de apontar sua pungente falta de caridade? Nesse clima, poderá o governante aprender algo sobre a dignidade de toda a cidadania? Quem sabe, então, trate os contribuintes com espírito republicano, grande milagre de Santo Antônio. No entrementes, atroam responsos e foguetórios louvando o reles salário mínimo. Maria Sylvia Carvalho Franco é professora titular do Departamento de Filosofia da Unicamp e do Departamento de Filosofia da USP.’



BRIZOLA & VEJA
Matheus Schmidt

‘Nota do PDT/RS para a Revista Veja’, copyright PDT-RS (boletim por e-mail), 2/07/04

‘O Diretório Regional do PDT no Rio Grande do Sul, deputados estaduais e federais, prefeitos e vereadores, surpreendidos com a matéria publicada pela Revista Veja, edição 1860, de 30 de junho de 2004, sob o título ‘As mortes de Brizola’, páginas 52, 53 e 54, de autoria de Mario Sabino, lamentam com pesar o desrespeito com aquele que foi considerado pela maioria da imprensa brasileira ‘o maior líder republicano do Século XX’.

Ao contrário da maioria das publicações e noticiários brasileiros – inclusive os que historicamente fizeram oposição ao ex-governador Leonel Brizola, como a Rede Globo, que dedicou várias horas de sua programação nacional com documentários e reportagens sobre a sua trajetória política – encontramos na Revista Veja um relato inferior ao padrão jornalístico da publicação, que nunca simpatizou com Leonel Brizola, mas sempre primou pelo bom texto e pela informação correta.

Através de um relato preconceituoso e desrespeitoso com a história brasileira, episódios contemporâneos liderados pelo ex-governador Leonel Brizola foram contados como se fizessem parte de uma anedota e não das páginas de nossa História.

Que a Revista Veja o considerasse morto é um fato que não nos causa estranheza; que o escrevente despreze o povo brasileiro e sua reverência aos líderes que souberam honrar sua confiança e a ele dedicou sua vida, também não estranhamos. As homenagens a Leonel Brizola não estavam dissociadas do ‘caudilhismo, populismo e nacionalismo’, que a revista acredita estavam sepultadas há mais tempo.

Ainda consternados com a perda do nosso líder político, esperamos que a revista conteste as publicações estrangeiras que reconheceram a importância de Leonel Brizola para a História do Brasil: segundo o americano New York Times, foi ‘uma das figuras mais importantes da política brasileira’; ‘o veemente líder esquerdista’, conforme o Washington Post; ‘uma das mais carismáticas e polêmicas figuras políticas de esquerda dos últimos 50 anos’, de acordo com o jornal inglês The Guardian; destaque para a construção do Sambódromo no seu primeiro mandato como governador do Rio de Janeiro, lembrou o ‘Independent’; também os jornais franceses Le Monde e Libération reconheceram a sua liderança:

‘No fim da vida, Leonel Brizola denunciou a traição de seu antigo aliado, o presidente Lula, de se submeter aos ditames do FMI’, escreveu o Libération. Para o El País espanhol, Brizola foi o ‘velho leão da esquerda radical brasileira, um radical apaixonado, polêmico e inconformista, sempre ao lado dos trabalhadores’. O jornal argentino El Clarín disse que Brizola era um dos últimos símbolos do nacionalismo latino-americano.

O El País uruguaio, país que ele tanto amava e onde viveu seus últimos momentos, lembrou o exílio de Brizola depois do golpe militar e as constantes visitas a Montevideo e sua fazenda em Durazno.

Matheus Schmidt – Presidente Regional do PDT

Deputado Giovani Cherini – Líder da Bancada do PDT

Vereador Nereu D’Avila – Presidente do Diretório Metropolitano do PDT

Porto Alegre, 29 de junho de 2004′