Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Fernando Rodrigues

‘Chama a atenção nos números de incentivo à cultura no Brasil o fato de o valor dos projetos apresentados por interessados e aprovados pelo governo ser muito maior do que o dinheiro efetivamente captado no mercado.

De 1996 a 2004, o Ministério da Cultura deu sua aprovação para projetos cujo valor total somava R$ 13,463 bilhões. Nesse mesmo período, os interessados captaram no mercado R$ 2,366 bilhões. Ou seja, o valor solicitado foi 469% maior do que o montante oferecido como doação a esses projetos.

Não está disponível a lista completa de projetos aprovados. É possível, e muito provável, que muitos nem tenham saído do papel por falta de patrocinadores.

Quando um projeto recebe a chancela do Ministério da Cultura, seu idealizador está autorizado a tentar buscar um patrocínio no mercado. É o governo, portanto, que tem o poder de dizer quanto pode ser consumido de impostos dessa forma.

O valor anual de projetos aprovados tem tido uma variação bem menor do que o montante total de dinheiro captado -e, por conseqüência, dos incentivos fiscais concedidos.

Em 1996, ano mais longínquo para o qual a Folha obteve dados, o valor total de projetos aprovados pelo Ministério da Cultura foi de R$ 1,470 bilhão.

Neste ano, a cifra é de R$ 1,845 bilhão. Como os valores não foram atualizados monetariamente pelo ministério, a variação de R$ 375 milhões (26%) ficou bem abaixo da inflação do período.

Em resumo, o governo não tem aumentado significativamente o teto daquilo que pretende ver patrocinado na base da isenção fiscal. Mas as empresas estão se interessando mais pelo mercado. Ocorre que esse interesse maior vem apenas do próprio governo, por meio de suas estatais.

Em 1996, a renúncia fiscal (valor de impostos que deixaram de ser pagos) foi de apenas R$ 36,7 milhões para todas as empresas que investiram na área cultural.

No ano passado, a cifra havia pulado para R$ 349,8 milhões -o grosso disso sendo benefícios concedidos a empresas estatais.

Auto-incentivo

Existe outro fenômeno que pode ser observado nos números de incentivo fiscal para a cultura, com base nas leis Rouanet e do Audiovisual. Também entre os captadores de recursos é possível encontrar várias entidades estatais.

Ou seja: as empresas do governo federal às vezes aparecem nas duas pontas do processo, como doadoras e receptoras de dinheiro para o setor cultural.

Um caso exemplar é o do Banco do Brasil. A Associação dos Amigos do Centro Cultural Banco do Brasil foi a terceira maior receptora de recursos no ano passado (R$ 7,611 milhões). Também no ano passado, o Banco do Brasil foi o terceiro maior doador do país, com a cifra de R$ 8,571 milhões investidos.

Não estão disponíveis ainda no Ministério da Cultura -de onde saíram todas essas estatísticas- quanto o Banco do Brasil fez de autodoação para o seu centro cultural nem quanto deixou de pagar de impostos por conta dessa operação.

Tudo, ressalte-se, perfeitamente amparado pela lei. O fato é que o valor total investido pelo banco é muito similar ao que o seu centro cultural conseguiu captar.’

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‘Filme de Xuxa está entre os líderes em recursos’, copyright Folha de S. Paulo, 14/11/04

‘O filme ‘Xuxa e os Duendes 2 -No Caminho das Fadas’ está entre os que mais receberam recursos por meio da Lei do Audiovisual em 2002.

A produtora Diler & Associados aparece em quarto lugar na lista do Ministério da Cultura entre os maiores captadores de incentivos naquele ano. A empresa, que produz em sua maioria longas-metragens de Xuxa, Renato Aragão e padre Marcelo Rossi, captou em 2002, segundo o ministério, R$ 4,207 milhões, o que representa 1,23% do total do país.

O número, aliás, pode estar subestimado. A própria produtora diz que, dos recursos captados em 2002, R$ 4,2 milhões (R$ 1,4 milhão pelo artigo 1º da Lei do Audiovisual e R$ 2,8 milhões pelo artigo 3º, que dispõe sobre a exploração de obras audiovisuais estrangeiras no território nacional) foram destinados ao filme ‘Xuxa e os Duendes 2’; R$ 661 mil foram para ‘Dom’; e R$ 744,5 mil, pela Lei Rouanet, para o filme ‘Zico’.

Em relação aos questionamentos sobre o caráter comercial ou cultural do filme e se isso seria de interesse público, Diler Trindade, sócio da produtora, diz que ‘não se pode dizer ao povo o que é bom para ele ou o que não é. O povo é quem deve avaliar. O cinema não foi feito para educar, mas para divertir’. Para ele, mudanças nesse sentido ‘seriam uma ditadura cultural’. E completa: ‘Um dia a Xuxa será cult’.’



MERCADO EDITORIAL
José Sarney

‘Sua excelência, o livro’, copyright Jornal do Brasil, 12/11/04

‘Quando se fala nos avanços tecnológicos que vislumbram a morte do livro pelo livro eletrônico e outras mágicas, eu respondo: o livro nunca acabará, porque ele é a maior das descobertas tecnológicas: cai e não quebra, não precisa de energia e portanto de ligar e desligar. Pode ser levado para qualquer lugar, banheiro ou cama, com o que certamente os monitores de televisão não concorrem. O livro tem todos os programas de computadores e mais a diversidade de todos os assuntos guardados pela eternidade da escrita. E se, por uma desgraça, essa história de mercado um dia tornar o livro dispensável, ainda restará o livro de poesia, pois a poesia não precisa de mercado e salvará o livro.

O governo tomou, ontem, uma decisão de grande importância na área da cultura, especificamente para o livro. Resolveu desonerar de todas as contribuições e taxas o livro nacional e estrangeiro. A Constituição Federal, no seu artigo 150, inciso VI, já prevê a imunidade de impostos. Mas, como sabemos, para fugir à divisão da arrecadação com os estados, passaram a ser criados impostos com os eufêmicos nomes de contribuição e taxa. Nessa direção, nas leis sobre PIS/Pasep e Cofins tocaram taxas absurdas que chegam a 9,25%. Os resultados foram o encarecimento do livro, a queda de venda no mercado editorial e a redução do número de exemplares de cada edição.

Sempre tive a cultura como minha causa parlamentar. As leis de incentivo à cultura, estímulo à pesquisa cientifica, proteção do patrimônio histórico foram iniciativas minhas, há mais de trinta anos, apresentando projetos e chamando a atenção do país para esse problema, com a tese de que não basta ser uma potência econômica se não se for uma potência cultural.

Nesse sentido consegui aprovar uma lei instituindo a Política Nacional do Livro, no qual o artigo 4º previa a isenção total de taxas para o mercado livreiro. Este artigo foi vetado, mas o ministro Palocci assumiu comigo o compromisso de restabelecê-lo logo que a situação do país permitisse. Ontem ele cumpriu o prometido.

O presidente Lula, perante editores, livreiros e escritores, anunciou a decisão. O ministro Gil também já comandava essa reivindicação, incluindo-a no plano de cultura que está sendo coordenado por Galeno Amorim. Compareci à solenidade, e o presidente Lula pediu-me para dizer algumas palavras. Disse que não tivera tempo de elaborar um improviso como merecia o livro, mas o tema do livro ajudava.

O livro é o melhor amigo. Deus deu-me a graça de que, ao longo da minha vida, todo dia ele esteja ao meu lado, me socorrendo, me dando vida, acalmando os momentos em que as flores murcham.

Há um provérbio árabe que diz: ‘O paraíso sobre a terra pode estar nos belos seios de uma mulher, no lombo de um cavalo ou entre as páginas de um livro.’ Livro, também, nos diverte num jogo de esconde-esconde. De noite vou à minha biblioteca e não acho o livro no lugar que o deixei. Ele já está adiante: é o bicho que mais anda na madrugada.

Para terminar, recordo um refrão que, se não me falha a memória, está no Quixote: ‘Os livros fazem muitos sábios, mas poucos ricos.’ Que o digam os poetas e Josué Montello, que já escreveu mais de cem!’



PUBLICIDADE ENGANOSA
Débora Lima Rejane

‘Apresentadores devem responder por publicidade enganosa’, copyright Consultor Jurídico (www.conjur.com.br), 9/11/04

‘O consumismo desenfreado é uma característica inerente ao capitalismo moderno e reflete a imperiosa necessidade de dar saída às grandes massas de bens acumulados. Para isso, porém, não basta apenas conhecer os desejos mais profundos e escondidos dos consumidores.

Sabe-se que as empresas apelam desesperadamente para estratégias de marketing e veiculam publicidade enganosa ou abusiva a fim de dar vazão a produtos cuja qualidade nem sempre é condizente com as normas técnicas exigidas, correndo o risco de afetar os interesses dos consumidores, bem como as expectativas de outras empresas dedicadas ao mesmo ramo de atividades, sem contar, ainda, que atingem o próprio Estado, principal interessado em manter um mercado de competição regulado e saudável.

E para proteger esses interesses, o Código de Defesa do Consumidor estabeleceu o princípio da responsabilidade do fornecedor à oferta e à publicidade. Todavia, para se preservar a integralidade dos valores protegidos pelo aludido Código, se faz necessário estender a responsabilidade pela publicidade abusiva ou enganosa também àquelas pessoas que contribuíram, de forma decisiva, para o êxito na divulgação de tal mensagem, em troca de benefício patrimonial ou extrapatrimonial.

Daí porque a razão de se analisar o trabalho desenvolvido pelos apresentadores dos meios de comunicação social de massa, pois é inegável a sua importância na difusão do consumismo, através da publicidade por eles diretamente veiculada.

A realização de publicidade enganosa ou abusiva dá margem à responsabilização civil, penal e administrativa do fornecedor. No entanto, somente no campo penal (artigo 67) e administrativo (artigo 56, inc. XII), existem normas estabelecendo a responsabilidade do fornecedor no Código de Defesa do Consumidor.

Entende-se que como as agências publicitárias, embora estejam, em regra, sob o comando do anunciante, dão à publicidade a característica da ilicitude. Além disso, as agências publicitárias têm o dever de verificar as informações contidas no produto fornecido pelo anunciante, conforme previsão no artigo 36 do Código de Defesa do Consumidor.

Deve ser responsabilizado também o apresentador do programa que está divulgando um produto ou serviço diretamente para o consumidor. É o próprio apresentador que, aproveitando-se do carisma e da confiabilidade que ele representa para o grande público, oferece o produto e, via de conseqüência, cria expectativas que devem ser protegidas.

Afinal de contas, é inegável o efeito devastador dos apresentadores dos meios de comunicação social de massas, tanto que ‘o êxito de uma mensagem já não está na racionalidade argumentativa que a fundamenta, antes se encontra na repetição constante de uma imagem: a idéia de que uma imagem vale mais do que mil palavras nunca foi tão verdadeira’.

Tomado em consideração o baixo grau de instrução da maior parte da população brasileira, podemos dizer que o espectador é, muitas vezes, ‘iludido’ pelos apresentadores e somente adquire o produto por força da influência daqueles.

Entretanto, deve ser aplicada a regra da inversão do ônus da prova, nos termos do artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor. Ou seja, incumbe ao apresentador do programa de rádio ou televisão provar, em juízo, que não agiu com culpa ao anunciar a publicidade enganosa ou abusiva, isto é, que não laborou em equívoco, nem agiu com imprudência ou negligência no desempenho de sua atividade.

Do exposto, conclui-se que os apresentadores de programas de rádio e televisão podem ser responsabilizados, ainda que subjetivamente (artigo 186 do novo Código Civil brasileiro), pela publicidade enganosa e abusiva causadora de danos aos consumidores, recaindo, ainda, sobre eles, o ônus de provar em juízo que não agiram com culpa ao anunciar uma publicidade enganosa ou abusiva.’