‘O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu reduzir o valor nominal gasto com publicidade federal e ter mais exposição na mídia se comparado ao do seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso.
Pelos cálculos da Secom (Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica), o volume de comerciais é hoje um terço maior do que no final do período de Fernando Henrique Cardoso no Planalto (1995-2002).
‘Esse governo tem mais poder de fogo de comunicação. Conseguiu isso a partir de uma negociação realizada com os veículos de comunicação’, diz Caio Barsotti, subsecretário de publicidade da Secom. Para ele, ‘os veículos têm sido sensíveis ao veicular propagandas de interesse do Brasil’.
Barsotti se refere a comerciais como o do slogan ‘o melhor do Brasil é o brasileiro’ e à campanha do desarmamento, que incentivou a entrega de armas.
No caso da propaganda ‘o melhor do Brasil…’, o custo estimado apenas de veiculação é de R$ 50 milhões. ‘Mas muitas rádios estão reproduzindo e não há controle total sobre tudo o que foi veiculado, que pode ser maior do que essa estimativa’, diz Barsotti sobre a campanha produzida e veiculada pela ABA (Associação Brasileira de Anunciantes) sem custo direto para o governo. O espaço em meios de comunicação foi em parte doado pelos veículos.
O mesmo ocorreu com a campanha do desarmamento. O governo produziu os filmes. A veiculação não teve custo. ‘Não temos o valor exato, mas, por alto, ficou entre R$ 15 milhões e R$ 20 milhões’, diz Barsotti.
Esses valores recebidos indiretamente pelo governo explicam, em parte, o valor relativamente menor de gasto total publicitário do período de Lula na comparação com o de FHC.
Só há estatísticas disponíveis de 1998 para cá. O tucano gastou sempre acima de R$ 600 milhões por ano com veiculação de propaganda, considerando-se as administrações direta (Presidência, ministérios, autarquias etc.) e indireta (estatais). Em 2001, o valor anual chegou a R$ 806 milhões.
Os gastos com produção de comerciais, propaganda legal (publicação de editais e balanços) e patrocínio não são divulgados de maneira consolidada pelo governo. Estima-se no mercado que fiquem entre R$ 200 milhões e R$ 250 milhões por ano. A despesa total com propaganda, portanto, fica por volta de R$ 1 bilhão por ano, o que faz do governo federal o maior anunciante do país.
No seu primeiro ano de governo, em 2003, Lula gastou R$ 563,3 milhões apenas com a veiculação de comerciais -uma queda de 12,4% sobre os R$ 643,4 milhões investidos por FHC em 2002.
Em 2004, Lula gastou R$ 525,3 milhões até outubro. Segundo dados preliminares, deveria fechar o ano em torno de R$ 620 milhões de investimentos em propaganda -seria um aumento de 13,61% em relação a 2003, mas ainda abaixo dos R$ 643,4 milhões gastos no último ano de FHC.
A diferença agora é o processo de terceirização informal de certas campanhas e a redução dos valores de veiculação que o governo negociou no início da gestão.
‘Hoje, gastamos o mesmo que o governo anterior -ou até um pouco menos- e fazemos um terço a mais de publicidade. Quem questiona esse fato está questionando a nossa competência. A pergunta a ser feita é por que o governo anterior não fez isso’, diz o subsecretário. Segundo ele, no início do governo ‘havia emissoras de rádio que davam desconto de 20% sobre o preço de tabela para veicular anúncios’. Após negociação com a Secom, ‘o desconto agora é de 70%’.
O ministro Luiz Gushiken (Secom) teve papel fundamental na criação do bom relacionamento entre governo e meio publicitário.
Quando estava para ser aprovada no Congresso em 2004 a medida provisória 183, que alterava a cobrança da Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), Gushiken vocalizou dentro do governo o pleito das agências de publicidade. Conseguiu dobrar o Ministério da Fazenda e a Receita Federal. O ministro passou então a ser admirado por vários publicitários.
Daí a conseguir que fosse montada uma campanha com custo zero para o Planalto foi um pulo. Assim nasceu a propaganda ‘o melhor do Brasil é o brasileiro’, cujo mote foi idealizado por Gushiken, mas a produção foi bancada pelas agências de publicidade. A idéia é continuar com a mesma estratégia nos próximos anos.
Na explicação de Barsotti, essas experiências ‘transcendem o conceito de republicano de comunicação pública, pois são campanhas que não prestam conta de uma determinada ação do governo’. Para ele, ‘essa campanha pode ser enquadrada numa categoria de promoção do próprio brasileiro para si mesmo. O governo não poderia investir recursos nesse tipo de propaganda.’’
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‘Gushiken ajuda agências a pagar Cofins menor’, copyright Folha de S. Paulo, 3/01/05
‘Visto com desconfiança pelos publicitários no início do mandato de Lula, o ministro Luiz Gushiken (Secom) é hoje admirado pelas agências de propaganda.
A razão é simples: Gushiken conseguiu dobrar o governo para que fosse incluído um parágrafo na medida provisória 183, editada em 30 de abril passado, para beneficiar as agências de publicidade -que passaram a pagar menos Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social).
Quando a MP virou a lei 10.925, em 23 de julho passado, surgiu um artigo que determinou qual seria a base de cálculo da Cofins para agências de publicidade.
Antes da lei, as agências pagavam a Cofins sobre o faturamento total. Por exemplo, quando enviavam um comercial para uma emissora de TV e pagavam R$ 1 milhão pela veiculação, a cobrança era de 7,6% sobre esse valor. Depois da ajuda de Gushiken, os 7,6% passaram a ser cobrados sobre a comissão que a agência recebe do cliente -em geral, 20% do valor da veiculação.
No exemplo acima, antes da lei patrocinada por Gushiken, o valor a ser pago de Cofins pela agência seria de R$ 76 mil. Agora, o valor cai para R$ 15,2 mil -uma redução total de 80%.’
Eliane Cantanhêde
‘Auto-estima ‘do’ brasileiro’, copyright Folha de S. Paulo, 30/12/04
‘Lula aproveita o final do ano para discorrer sobre auto-estima, afeto, família, orgulho nacional e fracassomaníacos. Tudo, em resumo, para falar ‘ao coração das pessoas’. Ou ao voto do eleitor.
Com seus discursos e entrevistas, ele ocupa longos minutos de TV e de rádio e páginas inteiras de jornais. Antecipa, assim, o clima de palanque e propaganda que se espera em 2005, véspera das eleições presidenciais.
Note-se sobretudo a campanha pela auto-estima que o ministro Gushiken bolou e está encomendando a agências e publicitários. Como se o problema dos brasileiros não fosse desemprego, miséria, violência e falta de moradia, mas, sim, falta de vocação para ser feliz. Baixa auto-estima.
Italianos, espanhóis, portugueses e franceses, para ficar entre os europeus, acham justamente o contrário: não entendem como é que os brasileiros vivem em poleiros nos grandes centros, pedem esmola nas ruas, vestem-se com molambos e estão sempre sorrindo (sem dentes!). Apesar de tudo, fazem Carnaval, rebolam, são bonitos, sensuais e cheios de lero-lero.
Lá, na Europa, eles acham que o brasileiro é um pobre feliz. Aqui, o presidente vê o brasileiro como um sortudo que só reclama do lado ruim das coisas. Questão de ótica. Uma é do turista. A outra é do candidato.
Se alguém chega ao fim de 2004 com boas razões para estar com a auto-estima lá em cima, não é o zé-povinho, mas, sim, o próprio Lula. Passou o ano apanhando por causa da política econômica e da má gerência na área social, perdeu colaboradores importantes e simbólicos, levou um tranco no segundo turno das eleições municipais. Mas sua aprovação cresceu dez pontos em quatro meses e bate em 45% segundo o Datafolha.
A economia dá bons sinais, o presidente vai bem e o candidato à reeleição parece ótimo. Com uma freada nos juros e uma campanha maciça de afeto, amor, orgulho e felicidade, Lula entra 2005 com tudo. As condições do brasileiro podem não estar lá essas coisas, mas a auto-estima do presidente está uma maravilha.’
Contardo Calligaris
‘Afeto e família’, copyright Folha de S. Paulo, 30/12/04
‘Um pouco antes do Natal, o presidente Lula anunciou a campanha que o governo planeja para o ano que vem.
Em 2004, foi promovida a idéia de que ‘O Melhor do Brasil É o Brasileiro’, o qual não desiste nunca.
A campanha de 2005 se propõe a corrigir a ‘falta de afeto’ e a ‘desagregação da estrutura familiar’.
Difícil desaprovar, não é? Quem ousaria sugerir que a gente seja mais frio, distante ou cínico, em suma, menos ‘afetivo’? Ou que criemos nossos filhos sem lar, num mundo celibatário desprovido de pernis e árvores de Natal?
Mas não deixa de ser curioso que logo um governo brasileiro proponha uma campanha em favor de afeto e família. Estamos quase no septuagésimo aniversário de ‘Raízes do Brasil’. Nesse livro seminal da sociologia brasileira, Sérgio Buarque de Holanda mostra como, no Brasil, afeto e família prevaleceram sobre espírito cívico e sentimento de cidadania. Conseqüência: uma tradição política clientelar e paternalista, dominada pelo princípio ‘para os amigos e os parentes, tudo; para os outros, inimigos e estranhos, o rigor da lei’. Com efeito, família e afeto são os valores centrais de qualquer gestão mafiosa do poder (releia ou reveja ‘O Poderoso Chefão’).
Como fica, então? No Brasil, família e afeto fazem falta ou abundam e transbordam, invadindo o campo da vida pública?
Cuidado, não sou contra a família nem contra os afetos. Mas prefiro desconfiar das ideologias, sobretudo quando são objetos de campanhas.
As ideologias, promovidas de maneira abstrata, estabelecem parentescos desagradáveis. Por exemplo, a idéia de que afeto e família nos ajudariam a combater o cinismo do mercado é simpática, mas a mesma idéia poderia ter sido a bandeira do ruralismo moralizador e assassino que, em 1975, levou Pol Pot a exterminar os cidadãos de Phnom Penh. Ou que animou a cólera de Deus (não foi seu melhor momento) na hora de destruir Sodoma e Gomorra.
É mais prudente (um resto de marxismo não dói) considerar que as ideologias são concretas: seu valor não é absoluto (tipo: ‘a família é um bem em si’), mas varia segundo a conjuntura política. Ora, acontece que, hoje, o mundo ocidental vive uma época de revalorização dos afetos do lar. É possível subir nesse bonde, mas é útil lembrar-se de que, a essa altura, ele já carrega outros passageiros: Tradição-Família-Propriedade ocupa um assento no fundo e, bem na frente, estão sentados George Bush e seus fundamentalistas evangélicos.
No meu campo de trabalho constato o seguinte: nos anos 60 e 70, a psiquiatria, a psicologia e, em geral, a cultura criticavam a família como berço da loucura. Em 68, o primeiro filme de Ken Loach, ‘Family Life’, foi um verdadeiro ato de acusação contra a família. Em 1970, Laing e Esterson publicaram ‘Sanity, Madness and the Family’ (saúde mental, loucura e a família). A família era a grande responsável pela repetição dolorosa do mesmo e da mesmice, uma jaula em que se debatiam os anseios e os desejos de mudança, em particular os dos jovens.
Durante os anos 70, historiadores e sociólogos, inspirados no ensino de Michel Foucault, descreveram a família como um refinado instrumento de domínio: o ‘sistema’ se reproduzia delegando a tarefa de subjugar os corpos e as almas à família, única instituição capaz de controlar a vida cotidiana (‘La Politique des Familles’, de Jacques Donzelot, é de 77).
Naquelas décadas, na saúde mental, vivia-se uma contradição aguda: tratava-se de fechar os asilos e, portanto, era necessário devolver os pacientes aos cuidados de suas famílias. Mas as famílias apareciam como o caldo em que se originava o sofrimento dos pacientes. O que fazer?
Hoje, a cena mudou. Na bibliografia recente, há muito pouco sobre a família como produtora de loucura. Em compensação, abundam os manuais para que a família, valorizada e devidamente instruída, possa se tornar a terapeuta de seus membros doentes.
Estávamos certos em 1970? Ou estamos certos agora? Um pouco dos dois.
A família é um sistema de controle e repressão. Como mostrou Freud, em regra, educamos nossos filhos como nossos avós teriam gostado de educar nossos pais: haja conservadorismo. Além disso, a família é um emaranhado de amores, ódios e invejas capazes de enlouquecer a muitos. Mas a família é também um amparo sem o qual seríamos indivíduos perfeitamente isolados, conformes ao figurino de nossa cultura, mas desesperados e provavelmente incapazes de viver em sociedade.
Então, família sim? Ou família não? Alternativa furada. Aliás, as palavras de ordem extremas e jacobinas seriam sempre ridículas, se não fossem perigosas. É o caso de ‘Morte à família!’, que, nos anos 70, presidia à miséria de experiências comunitárias em que os filhos eram criados coletivamente, sem que fosse reconhecida sua ascendência paterna. E é também o caso do apelo à família como se fosse a única fonte de valores, apelo que anima os ideólogos da direita americana e agora, aparentemente, os da esquerda brasileira.
Moral da história: não discordo da campanha anunciada, mas gostaria que, na hora de pegar um bonde andando, a gente fosse menos ingênuo.’