Folha de S. Paulo, 23/4 Reincidência no vício Tornou-se quase um chavão dizer que os mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso serão vistos no futuro como um ciclo contínuo partilhado entre dois presidentes, por mais que eles se esfalfem em diferenciar-se por meio de picuinhas. Não é só no zelo com a própria imagem que Lula e FHC se equivalem, contudo. Também no apreço desmesurado por verbas de publicidade andam juntos. O padrão é conhecido. Nos anos imediatamente anteriores a eleições majoritárias, os gastos com propaganda federal disparam, não porque o governo tenha mais resultados para mostrar, mas para promover a candidatura pessoal ou a de um sucessor designado. Só no ano da própria eleição ocorre recuo aparente no dispêndio, por restrições da legislação eleitoral. Lula, no entanto, obteve certa vantagem sobre FHC. Em 2010, empenhado em fazer cair do céu a candidatura Dilma Rousseff, torrou R$ 1,629 bilhão com anúncios. Um gasto 70% superior ao do tucano em 2002 (R$ 956,4 milhões, em valores corrigidos pelo IGP-M). O PT em campanha notabilizou-se por pintar imagem edulcorada do país, que pouco tinha a ver com a herança de fato legada a Dilma, em que já despontam dificuldades fiscal, inflacionária e cambial. Além de dourar a candidata, Lula inovou na manipulação política das verbas publicitárias turbinadas, incluindo em seu reparte uma legião de veículos regionais sem cifras de circulação verificáveis pelo mercado. Desde março o Planalto nega acesso ao detalhamento dos valores pagos a cada veículo. Tradicionalmente, esta Folha não depende de publicidade governamental, por isso não pode ser acusada de advogar em causa própria ao condenar essa prática antirrepublicana. É uma porta para favorecer com dinheiro caciques políticos proprietários de órgãos locais de comunicação, sem dar na vista. Lula também modificou a composição relativa das mídias utilizadas. À parte o crescimento compreensível da internet, reduziu a participação dos meios jornal, revista e rádio, de quase um terço (31,2%), em 2003, para um quarto (25,3%), em 2010. A maior favorecida foi a TV, que passou de 61% para 63,9% do bolo publicitário, recompensa explicável por não ser um meio dado ao exame crítico das ações governamentais. No melhor dos mundos, a publicidade oficial deveria limitar-se a propagar informações de utilidade geral, como campanhas de esclarecimento de saúde ou sobre impostos e leis. De preferência, com um percentual fixo dos gastos públicos muito inferior à fatia bilionária de hoje. Com FHC e Lula, porém, o abuso só piorou.