Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Florência Costa

‘‘Seja o primeiro, mas primeiro seja correto.’ Era comum ver essa mensagem nas paredes das redações dos jornais americanos antigamente, como conta Eugene Goodwin, professor de jornalismo da Universidade da Pensilvânia (EUA), em seu livro clássico Procura-se ética no jornalismo. É longa a história dos erros da mídia (intencionais ou não), com efeitos arrasadores para acusados e acusadores. Há 106 anos, o The New York Journal, de William Randolph Hearst, e o New York World, de Joseph Pulitzer, praticamente acusaram a Espanha de explodir o navio americano Maine, em Cuba. Sem saber se era acidente ou atentado, o World trouxe a manchete sensacionalista: ‘Explosão do Maine causada por bomba ou torpedo?’ O Journal publicou ilustração do naufrágio do Maine, atribuindo-o a uma secreta ‘máquina infernal’. Hearst ordenou ao ilustrador, em Cuba: ‘Você fornece as imagens que eu forneço a guerra.’ Dito e feito: os EUA declararam guerra, derrotaram a Espanha e invadiram Cuba e Porto Rico.

Nos últimos anos, uma avalanche de erros e retratações atingiu a mídia americana. O The New York Times fez mea-culpa na primeira página ao descobrir, em 2003, que Jayson Blair havia fraudado várias matérias. Em 1998, a TV CNN transmitiu reportagem – reproduzida pela revista Time – acusando o governo dos EUA de usar gás sarin contra desertores do exército na Guerra do Vietnã. O âncora Peter Arnett, ganhador do Prêmio Pulitzer, narrou a história para a CNN, que teve de pedir desculpas ao público, assim como a Time. Um ícone da imprensa, Seymour Hersh – que neste ano denunciou a tortura de prisioneiros iraquianos em Abu Ghraib, na revista The New Yorker -, também já passou por mea-culpa. Em 1974, no The New York Times, Hersh foi um dos autores de artigos que acusavam o então embaixador dos EUA no Chile, Edward Korry, de envolvimento no golpe contra Salvador Allende. Com a carreira arruinada, só em 1979 o diplomata conseguiu trabalhar como professor de relações internacionais, como conta Eugene Goodwin em seu livro. Em 1981, Hersh descobriu que falhara e reconheceu.

Nos quase 200 anos de imprensa no Brasil, os casos de erros e retratações são inúmeros. O Correio Braziliense ganhou o Prêmio Esso em 2000, com a manchete: ‘O Correio Errou.’ Referia-se à matéria acusatória contra suposto contrato do Banco do Brasil com Eduardo Jorge, secretário-geral da Presidência no governo FHC. Em 25 de julho de 2001, ISTOÉ (na edição 1660) divulgou que o então senador Jader Barbalho (PMDB-PA) estaria pedindo propinas para liberar verbas da Sudam. Uma fita contendo um diálogo de Jader com o deputado estadual Mário Frota (PDT-AM) sustentava a reportagem. Segundo perícia, a fita não sofrera edições. Frota contestou a matéria, dizendo que a voz não era dele. Nova perícia, feita a pedido da revista, comprovou que o deputado tinha razão. Foi a vez de ISTOÉ se retratar, na sua edição 1664, em 22 de agosto de 2001, quando publicou o artigo ‘Farsa Amazônica’, revelando os detalhes da falsificação da fita e seus autores, todos, posteriormente, indiciados pela PF. Como diz um provérbio americano, ‘Se errou, é melhor consertar.’’



Edson Sardinha

‘‘Durmo em paz’’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 16/8/04

‘Sem citar o nome da revista ISTOÉ, o jornalista Luís Costa Pinto criticou nesta segunda-feira (16/08) a ‘supervalorização’ dada ao impacto de uma reportagem de Veja, assinada por ele há onze anos, no processo de cassação do deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS).

Segundo ele, a revista da Editora Abril não foi a única a veicular a denúncia de um suposto envolvimento do ex-presidente da Câmara com a máfia do Orçamento, alvo de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) em 1993. A reportagem acusava o deputado de movimentar valor incompatível com seus rendimentos e de ter relações estreitas com outros parlamentares envolvidos no escândalo, como Genebaldo Correia e João Alves.

‘Não estou falando sobre o assunto, mas digo que o Ibsen não foi cassado só por causa dessa reportagem. O erro ajudou a formar opinião contra ele. A Veja não foi o único veículo a publicar esse erro. A revista teve a maturidade, difícil de se ver em veículos de comunicação, de pedir desculpas a Ibsen, Alceni Guerra e Eduardo Jorge. Está havendo uma supervalorização da história’, disse ao Comunique-se.

Costa Pinto também lamentou que o depoimento, que seria publicado no livro autobiográfico escrito por Ibsen, tenha ganhado a capa de uma revista. ‘Isso ficou desvirtuado’. Ele manifestou preocupação com o possível uso do episódio para reforçar o discurso favorável à criação do Conselho Federal de Jornalismo (CFJ).

‘Eu sou contra a criação do Conselho Federal de Jornalismo. Enviei artigos para várias redações semana passada falando sobre o assunto. Erros jornalísticos acabam se corrigindo com o tempo. O melhor foro para resolvê-los é a Justiça’, considera.

Numa nota intitulada ‘Durmo em paz’, repassada ao Comunique-se, Costa Pinto volta a atacar a criação do CFJ e diz que reconhece com humildade o erro cometido. ‘No jornalismo, a maturidade profissional só é atingida quando aprendemos a dizer ‘não’ para o andar de cima das redações. Aprendi isso com celeridade e sem a ajuda de um infame Conselho Federal de Jornalismo ou algo do gênero’, critica.

Pela denúncia, Pinheiro teria feito transações no valor de US$ 1 milhão. O erro teria sido descoberto pelo chefe da equipe de checagem, Adam Sun, antes de as primeiras edições chegarem às bancas. A dolarização dos valores movimentados por Pinheiro não passavam de US$ 1 mil, constatou-se. A decisão de manter a denúncia teria sido do então editor-executivo de Veja, Paulo Moreira Leite. Motivo: grande parte da tiragem já havia sido rodada.

Moreira Leite, segundo Costa Pinto, teria ordenado a ele que encontrasse algum membro da CPI que sustentasse a acusação. Mesmo sendo informado da descoberta do erro no valor da transação bancária, o ex-deputado Benito Gama (PFL-BA) embasou a denúncia, conta o jornalista.

Gama nega que tenha agido por má-fé. O ex-editor-executivo de Veja classificou de fantasiosa a versão de Costa Pinto. ‘Prevaleceu a versão errada de um repórter em vez da estimativa correta de um checador’, disse à ISTOÉ.

A Câmara acabou ignorando levantamento de uma consultoria que indicava a inocência de Ibsen Pinheiro no caso. Depois de ganhar notoriedade na presidência da Câmara durante as investigações que resultaram na renúncia do presidente Fernando Collor de Mello, Pinheiro era nome forte do PMDB para a sucessão presidencial. Cassado, não retornou à vida política.

Leia a nota assinada por Luís Costa Pinto:

Durmo em paz

‘Debater hoje os erros de ontem e consertar desvios do passado à luz do presente é uma das virtudes de se viver sob regimes democráticos. Há 11 anos, errei. Nunca tive a pretensão mitômana de crer que o erro do qual era um dos sócios fora decisivo para cassar o mandato de Ibsen Pinheiro. Quando escrevi o relato que ganhou a capa da revista Istoé deste fim de semana, movia-me o desejo de tirar um peso histórico dos ombros e de ajudar um homem público a traçar sua biografia com a contribuição de quem protagonizara um episódio chave no epílogo de sua carreira.

O relato que titulei como ‘O homem que se recusou a morrer’ é a descrição de fatos que vivi. Há três meses entreguei-o a Ibsen Pinheiro, por e-mail, e disse-lhe que podia dar o destino que quisesse àquele texto. Não o imaginava como peça de resistência da reportagem de capa de uma revista semanal. Mas não o renego.

Não temo ser condenado por estar do lado da verdade. No jornalismo, a maturidade profissional só é atingida quando aprendemos a dizer ‘não’ para o andar de cima das redações. Aprendi isso com celeridade e sem a ajuda de um infame Conselho Federal de Jornalismo ou algo do gênero. Mas em 1993, com 24 anos, a despeito de ter dado alguns bons furos de reportagem, não tinha essa maturidade. Passei a exigi-la, depois, dos repórteres que comandei nas redações onde exerci cargos de chefia. Escrevi um capítulo da biografia de Ibsen. Não sou o único jornalista que publicou um erro. Certamente, perfilo ao lado dos poucos que têm a humildade de admiti-lo. Jornalistas erram, assim como médicos e engenheiros erram. Erros médicos, em geral, são fatais. Erros de engenharia provocam tragédias. Erros jornalísticos produzem vítimas silenciosas, dores de alma. Devia ficar em silêncio?’. Luís Costa Pinto, jornalista e consultor de comunicação.’



IstoÉ

‘Versão Dos Envolvidos No Caso’, copyright IstoÉ, 17/8/04

‘Procurado por ISTOÉ, Paulo Moreira Leite, ex-editor executivo da Veja e atual diretor de redação do Diário de S. Paulo, enviou à redação o seguinte texto: ‘A versão de que decidi publicar um erro – de propósito – que iria prejudicar o Ibsen Pinheiro para não atrapalhar a circulação da Veja e evitar um prejuízo à Editora Abril é uma fantasia do Luís Costa Pinto (Lula). Ele conta uma história conveniente para quem quer enfeitar a biografia profissional, rica em detalhes secundários, mas absurda no essencial. Foi o Adam Sun quem descobriu, de madrugada, que havia um erro nos números do Benito Gama sobre o Ibsen. A revelação não me espantou, porque era evidente que, depois do impeachment de Fernando Collor, ele se tornara alvo do ódio do PFL, partido de Benito naquele momento. Telefonei para o Lula Costa Pinto com a informação de que o Adam havia desmentido sua fonte e toda a matéria. Queria conferir, saber o que ele tinha a dizer. Lula ligou para o próprio Benito e retornou dizendo que o deputado mantinha a versão. O próprio Lula seguiu sustentando a versão do Benito, que era sua fonte, que jamais havia mentido para ele. Por isso aquele número foi publicado: prevaleceu a versão errada de um repórter em vez da estimativa correta de um checador. Ninguém nos proibia, naquele momento, de publicar duas versões, o que teria ao menos amenizado o erro. Isso teria sido feito se o Lula tivesse tido mais humildade profissional, admitindo que poderia estar sendo vítima de uma armadilha. Mas ele insistiu várias vezes que o Benito falava a verdade, que tinha acesso aos números da CPI e assim por diante. Ao longo de todos esses anos sempre tive orgulho de meu esforço para apurar a verdade neste caso tão marcante. Fui o primeiro a louvar o trabalho do Adam Sun e nunca deixei de citá-lo neste episódio específico. O Lula não tem do que se orgulhar nessa história e só posso lamentar, hoje, que prefira divulgar fantasias.’

Luís Costa Pinto confirmou o conteúdo e a autoria do texto. ‘Escrevi rigorosamente o que se passou. Não foi por minha causa que ele perdeu o mandato. Mas continuo achando que ele foi vítima de injustiças, de um massacre da mídia.’ Benito Gama confirmou a declaração publicada na Veja, mas negou que tenha participado de uma combinação. ‘É mentira. Eu não daria uma declaração para confirmar uma mentira. Além disso, Ibsen foi cassado por causa das operações com doleiros na fronteira com o Uruguai.’ ISTOÉ contatou a produtora Silvia Rebelo, da Bandeirantes, onde Mario Sergio Conti trabalha como correspondente em Paris, e mandou um e-mail com perguntas às 22h40 da quinta-feira 12, mas, pela diferença de fuso horário – cinco horas a mais em Paris – até 4h de sexta-feira Conti não havia respondido. A direção da Veja preferiu não se manifestar.’



Eliane Cantanhêde

‘De ‘denuncista’ a denunciado’, copyright Folha de S. Paulo, 15/8/04

‘O depoimento do jornalista Luís Costa Pinto publicado pela revista ‘Isto É’ desta semana é avassalador, não para um jornalista nem para um veículo de comunicação, mas para toda uma categoria.

Em resumo, ele admite que errou feio, ao publicar, lá se vão uns dez anos, uma capa da revista ‘Veja’ informando que o então deputado Ibsen Pinheiro -ex-presidente da Câmara e citado como presidenciável- tinha depósitos de US$ 1 milhão. Eram de US$ 1.000.

Tudo é grave, mas o mais grave é que o erro foi descoberto a tempo, antes de a revista ir para as bancas. Mas só foram feitos ajustes. Há diferentes versões: seria caro, o repórter ‘bancou’ a informação, medo de uns e acomodação de outros.

Resultado: a ‘onda denuncista’ ganhou corpo e impediu que todos ouvissem os argumentos do réu (ou vítima), lessem a auditoria da consultoria Trevisan a seu favor, tivessem clemência. E jogou fora a vida política e a paz pessoal de Ibsen Pinheiro. Ele foi cassado, emagreceu dez quilos e fechou-se em silêncio.

Um dado perturbador é que o pivô dessa história foi, nada mais, nada menos, Waldomiro Diniz -que já naquela época trabalhava e denunciava ao lado de José Dirceu e de Aloizio Mercadante nas CPIs de Collor, primeiro, e do Orçamento, depois. Na versão de Costa Pinto, quem lhe deu as cifras erradas foi Waldomiro, anos depois flagrado pedindo 1% em negociata com um bicheiro.

O ‘mea culpa’ de Costa Pinto expõe a imprensa e o PT quando se discute o Conselho Federal de Jornalismo e corrobora minha posição desde o início: a favor da discussão sobre algum tipo de olhar externo sobre a atividade jornalística e contra um conselho em forma de autarquia proposta pelo presidente- ou seja, com a mão do Estado, do governo e de entidades alinhadas a partidos políticos. Ontem, o PT era o ‘denuncista’. Hoje, é o denunciado clamando contra os ‘denuncistas’.

Para Ibsen: pedido de desculpas serve para alguma coisa?’