SEGUNDA-FEIRA, 13/11
Folha critica lista de desafetos da OAB
Leticia Nunes
Leia abaixo os textos desta segunda-feira selecionados para a seção Entre Aspas.
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Folha de S. Paulo
Segunda-feira, 13 de novembro de 2006
INIMIGOS DA OAB
Lista de desafetos
‘É DE estranhar que uma entidade como a seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) mantenha listas de desafetos. Pior, ao que tudo indica, tais índices são produzidos por critérios exclusivamente corporativistas.
Reportagem desta Folha publicada na semana passada mostra que a OAB-SP ‘julgou e condenou’ 173 pessoas que teriam violado prerrogativas de advogados. A maioria são juízes, policiais, políticos e membros do Ministério Público. Há também dois jornalistas. A prática não é nova. Remonta pelo menos a 2004, mas ganhou destaque agora porque a seccional paulista pôs a lista de ‘personae non gratae’ em seu site na internet.
Como era de esperar, a divulgação da notícia gerou uma enxurrada de protestos de outras entidades, como a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), a Procuradoria Geral de Justiça de São Paulo e a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). A OAB-SP procura esquivar-se às críticas afirmando que as tais listas estão previstas pelo Estatuto da Advocacia (lei nº 8.906/94), mais especificamente pelo artigo 7º, inciso XVII, parágrafo 5º do referido diploma.
O argumento é discutível. O dispositivo prevê que advogados sejam publicamente desagravados quando ofendidos no exercício da profissão. Só que desagravar alguém não implica inculpar outra pessoa, principalmente não quando o ‘julgamento’ se dá no âmbito de uma entidade de classe como a OAB-SP e o suposto infrator nem sequer pertence aos quadros dessa sociedade. Se houve violação de prerrogativas profissionais, o foro para resolver a questão é a Justiça.
A OAB-SP, que tantos serviços tem prestado à causa da cidadania e do Estado de Direito no Brasil, não honra sua tradição ao produzir um índex de inimigos.’
EMIR SADER
Fernando de Barros e Silva
Decifrando o enigma
‘SÃO PAULO – Alguns leitores consideraram muito duras ou injustas as palavras que dirigi a Emir Sader na última segunda. Explico-me melhor e agrego novos fatos à discussão, cuja importância vai muito além da estatura do personagem.
No texto do abaixo-assinado em solidariedade a Sader se lê que a decisão do juiz visa ‘impedir o direito de livre expressão’ e ‘criminalizar o pensamento crítico’. Balela.
O manifesto é oportunista e hipócrita. É oportunista porque quem aprova a execução dos dissidentes cubanos não pode ser a favor da ‘livre expressão’. São coisas excludentes -e isso é simples assim.
É hipócrita porque o petista mobiliza contra outro intelectual o mesmo instrumento que condena para si. Embora pouca gente saiba, Sader é testemunha de acusação de um processo em curso contra César Benjamin, vice de Heloísa Helena.
Trata-se, como este que o senador Bornhausen move contra Sader, de um processo por calúnia e difamação. Quem acusa (ou tenta ‘impedir o direito de livre expressão’ de) Benjamin é Ivana Jinkings, grande parceira de Sader e sócia da editora Boitempo. E por quê?
Porque num e-mail de circulação restrita, escrito em 2004 e destinado ao próprio Sader, Benjamin narra como praticamente flagrou a dupla -que, segundo ele, fraudou uma licitação e superfaturou a publicação do livro ‘Governo Lula: Decifrando o Enigma’. Resultado de um convênio com uma fundação alemã, a obra foi publicada pela Boitempo.
O caso está na Justiça e um dia seus detalhes sórdidos (são muitos) virão a público. Sem dúvida menor, esse episódio ilustra no entanto a deterioração e o cinismo de parte expressiva da esquerda brasileira.
Uma esquerda que se vale de manifestos e recorre à patota ao mesmo tempo em que invoca princípios para legitimar sua demanda por impunidade diante da lei e do público. Uma esquerda intelectualmente embotada, incapaz de refletir a sério sobre o alcance da vitória de Lula, tão mais problemática e passível de críticas do que sugerem os slogans triunfalistas repisados pelos que teriam a obrigação de pensar.’
MÍDIA E RELAÇÕES
Separação exemplar
‘O casal de atores se separa. Ela é Gabi, ele é Gianecchini. Em tempos de pessoas públicas lamentáveis, o que importa é o ato exemplar
UM PARADOXO interessante. O casal de atores acaba de se separar. Uma semana depois, no primeiro reencontro público, ele a abraça e ela o beija afetuosamente no rosto. Mais que isso, faz uma declaração surpreendente para a imprensa: ‘Amo para sempre os homens que amo’. Ela é Gabi e ele é Gianecchini. Mas, nesses tempos de pessoas públicas lamentáveis, o que importa é o ato exemplar.
Gabi talvez tenha brilhado mais do que nunca nessa separação. Por ter dissociado claramente o casamento do amor. O casamento é sempre datado. Do dia tal ao dia tal. Pode chegar às bodas de prata, de ouro e até às bodas de diamante. Mas tem a ver com o tempo que passa, e não com a eternidade. O amor, quando acontece, é eterno, suspende o tempo do relógio e não se inscreve nele. Psique foi flechada por Eros para sempre. Amor eterno. Como os amantes clássicos. Tristão e Isolda, Romeu e Julieta, Heloísa e Abelardo…
Por outro lado, Gabi brilhou por ter dissociado a separação da inimizade. A transformação nefasta do amor em ódio é tão usual que até existe na psicanálise um conceito para designar essa transformação. Porém, o amor que se transforma em ódio pode ser posto entre aspas. Não é verdadeiro.
Ademais, o ódio não deve ser cultivado. Cada um que ensina isso está ensinando uma conduta de que todos nós precisamos. E, além do desempenho eficiente, o que se espera da pessoa pública é que a sua conduta na esfera privada seja eticamente correta.
Como a de Marília Gabriela ou a de Eduardo Suplicy ao se separar de Marta. Eduardo não quis saber de luta de prestígio, nunca tomou o não da esposa por uma oposição a ele. Aceitou que ela tivesse um novo amor dizendo que amava a mulher de quem ia se divorciar e apoiando politicamente a candidata. Honrou o seu passado.
O mesmo fez a esposa de François Mitterrand. Quem pode se esquecer das imagens do enterro do presidente francês? Danielle, a esposa, e Anne Pingeot, a amante, lado a lado. E, como Mitterrand desejava que a amante e sua filha estivessem presentes no enterro, Danielle tomou a iniciativa de levá-las no avião em que foi para o cemitério. As fotos são impressionantes. Atrás do caixão e de frente para todas as câmeras, Danielle, Anne Pingeot e os filhos das duas mulheres.
Nessa ocasião, a França exibiu a sua grande tradição de civilidade entre os homens e as mulheres, uma tradição que o século 18 levou às últimas conseqüências. Assim, o prédio onde fica o museu Picasso de Paris foi construído por um conselheiro do rei para abrigar a sua família e a do amante de sua esposa. Cada uma das personalidades mencionadas contribuiu para ensinar o respeito pelo desejo alheio e para fazer a ética da amizade vigorar entre os homens e as mulheres. Por isso, tem sentido a mídia focalizar a vida das pessoas. Desde que não o faça por sadismo. Escrevendo, por exemplo, no texto sobre a separação de Gabi e Gianecchini que ‘hordas de mocinhas com câmeras (…) buscavam, afoitas, posar ao lado do ator -e, quem sabe, paquerá-lo’. Ou escrevendo, quando Marta se separou, que ‘a prefeita abandonou o marido e se uniu a um sombrio assessor de campanha, nascido na Argentina, que a imprensa local apelidou de Rasputin’.
Quem se detém no texto acima vê que o jornalista se valeu dos fatos para achincalhar a prefeita e o companheiro. Fez isso com o verbo ‘abandonou’ e o adjetivo ‘sombrio’. Se a meta do jornalista fosse simplesmente informar, ele teria utilizado o verbo reflexivo ‘separar-se’, em vez do ‘abandonar’, e não teria adjetivado o ex-assessor. Valeu-se, contudo, da informação para exercer o sadismo -talvez com o pretexto de vender mais.
Não usou o poder que o jornalismo lhe confere. Dele abusou, revelando o seu conservadorismo e a sua vaidade.
A mídia pode mudar a relação entre as pessoas, desde que possa resistir ao gozo sádico, não brincar em serviço, não sacanear. Isso tanto depende da formação do jornalista quanto da sua capacidade de contenção. A exemplaridade dele é tão importante quanto a da pessoa pública. Porque sua palavra é para todos. O jornalista sádico ensina o sadismo.
Nestes tempos em que o deslize é a regra, todo cuidado é pouco. A palavra bem-vinda é a palavra justa, a rosa que fura o asfalto, à qual Carlos Drummond de Andrade se refere. A rosa que perfuma a nossa hora neste tempo é de fezes e maus poemas.
BETTY MILAN, escritora e psicanalista, é autora de, entre outros livros, ‘O Clarão’ e ‘A Paixão de Lia’.’
TODA MÍDIA
O jogo continua
‘Nos sites de ‘Wall Street Journal’, ‘Miami Herald’ e outros, os despachos das agências Associated Press, Dow Jones e outras perseguem, dia após dia, a dança diplomática do reeleito Lula. Primeiro com o peruano Alan García, agora com o venezuelano Hugo Chávez.
García, lembrando as ameaças da Bolívia, ofereceu a energia de hidrelétricas andinas e de reservas de gás e petróleo a serem operadas pela Petrobras. Chávez vai tratar do investimento na refinaria em Pernambuco e talvez inclua a visita a um poço operado em conjunto.
Ficou para trás a especulação sobre uma primeira viagem de Lula para falar com o americano George W. Bush. No dizer do portal G1, é ‘sinal de preservação da atual política externa’. No título do correspondente Jorge Marirrodriga, no espanhol ‘El País’ de ontem, sobre as ameaças aos acordos bilaterais após a vitória democrata, ‘Alca versus Mersosul: o jogo continua’.
GUERRA SURDA
Na bolsa de especulações e pressões sobre cargos, em que até ‘Jornal Nacional’ entrou na semana, uma reprise.
Enquanto a rádio Band News e outros ironizavam o presidente ‘comunista’ Aldo Rebelo, com Lula em viagem, o site da Agência Carta Maior postou artigo extemporâneo que aconselha Lula a ‘frear as ambições de seus aliados’, ao que parece, o mesmo Rebelo -ao contrário do que ele teria feito durante a ‘guerra surda’ pela Câmara, dois anos atrás.
Rebelo pode se reeleger na Câmara com apoio de Lula. José Dirceu, descrito no site como um ‘ás’, um ‘cavaleiro’ de Lula, pensa diferente.
PELA PRIMEIRA VEZ
O ‘JN’ deu na semana que ‘pela primeira vez no Brasil um militar reformado começa a responder judicialmente por torturas na ditadura’.
É Carlos Alberto Brilhante Ustra, entrevistado pelo site de ‘O Estado de S. Paulo’, com declarações como:
– O que eles querem com este processo contra mim é acabar com a Lei da Anistia. É o primeiro passo. Com a reeleição de Lula, o Brasil caminha a passos largos para a implantação da república socialista. O controle da mídia é indispensável. Agregam-se as ações do MST, verdadeiro exército, o braço armado. Só lhe faltam armas de fogo…
DO CELULAR
Nas palavras de Glória Maria, do ‘Fantástico’, ‘por que uma relação amorosa termina em explosão de fúria?’.
Era o ‘seqüestro do ônibus 499’, como se alcunhou o caso que foi manchete de ‘JN’, ‘Jornal da Record’ etc. na sexta, no sábado -e de volta no domingo. No ‘JN’, o enunciado foi ‘Exclusivo: imagens gravadas por telefone celular mostram o homem ameaçando a ex-mulher com uma arma’. Desde o atentado ao metrô de Londres, cujas cenas por celular caíram na internet, é assim. O apelido é jornalismo cidadão, mas pode chamar de sensacionalismo.
ABSOLVIDO
Foi destaque de BBC Brasil, UOL, iG e outros, ao longo do dia. O ‘Sunday Times’, de Londres, noticiou ontem que Sir Ian Blair, o chefe de polícia que protagonizou os dias seguintes ao assassinato do brasileiro Jean Charles de Menezes, ‘será absolvido da acusação de que mentiu’ sobre o episódio, ‘segundo fontes’. Na BBC e em muitas outras, à época, ele e a polícia indicaram que o brasileiro teria resistido, num ‘comportamento’ inadequado etc.
O ANO DA MACACA 1
Frank Rich, dos principais colunistas do ‘NYT’, fez um balanço da eleição nos EUA e decretou que 2006 foi ‘o ano da macaca’, em referência ao vídeo que flagrou expressão racista de um candidato que seria o símbolo da ‘era Karl Rove’ -este o marqueteiro de Bush e seus republicanos.
O ANO DA MACACA 2
O vídeo com o derrotado George Allen foi parar no You Tube e se tornou o ‘evento cultural que marcou o ano’.
A avaliação de Frank Rich serve para quem ainda quer ver, nos velhos marqueteiros de TV e não nos militantes de internet, os vitoriosos deste ano político. Lá como cá.’
FUTEBOL NA REDE
Internet vira maior arma das oposições nos clubes
‘A batalha pelo poder nos clubes tem um novo ‘front’. A internet virou a arma da oposição em times que vivem hoje acirradas disputas políticas.
Criados por torcedores ou cartolas oposicionistas, sites se transformaram em tribunas para críticas aos diretores. Alguns embalam isso com uma ampla cobertura dos assuntos esportivos e, em alguns casos, prestam um serviço até mais amplo do que os sites oficiais.
O caso mais combativo é do Vasco. O MUV (Movimento Unido Vascaíno) tem desde 2002 um site que tem como grande função desconstruir a gestão de Eurico Miranda. Seu grande teste acontece hoje, quando o cartola tenta sua reeleição contra o ídolo Roberto Dinamite, apoiado pelo MUV.
Bancada por mensalidades, a página lista processos contra a gestão de Eurico e as dívidas acumuladas pelo clube. Também deixa vascaínos famosos opinarem sobre o cartola.
Segundo José Henrique Coelho, presidente do MUV, a opção pela internet se deu pela tensão no clube -sócios oposicionistas, como o próprio Coelho, foram expulsos.
‘O caminho pela internet foi uma estratégia contra o processo de perseguição dentro do clube’, diz Coelho, que considera a rede uma forma de discutir o clube em todo o país.
O www.resgatesantista.com.br também começou como uma tribuna de uma chapa de oposição. No caso, do Santos. Hoje, faz críticas mais pontuais à administração de Marcelo Teixeira, como o destino do dinheiro recebido pela venda de Robinho ao Real Madrid.
A queixa dos santistas não é quanto à truculência, caso do Vasco, mas ao poder econômico de Teixeira, cuja família é dona de universidade e meios de comunicação em Santos. ‘É uma forma de falarmos com mais gente. Aqui, 80% da imprensa é ‘marcelista’, diz Arnaldo Hase, o editor-chefe do site, que tem média de acessos diários entre 7.000 e 10 mil.
O site www.ecbahia.com.br se classifica como um ‘veículo informativo independente’ sobre o clube nordestino, que pena na Série C.
Recheada de informações sobre o desempenho do time, a página é crítica feroz da administração atual. Nesta semana, fez um ácido balanço da gestão de Petrônio Barradas.
‘A internet surgiu para desespero dos cartolas’, afirma Nelson Barros Neto, editor do site. ‘Com a liberação do pólo de emissão, podemos nos manifestar à vontade, observando os limites legais. O único senão é que seu raio de alcance ainda perde de goleada para TV e rádio, sobretudo em Salvador, onde a população ainda é mais carente que no Sul/Sudeste.’
Em alguns casos, o cuidado de evitar a associação dos sites com movimentos organizados, como de torcedores ou de cartolas oposicionistas, é grande.
Em www.vrs.com.br/peloatletico, a apresentação deixa bem clara que o projeto é ‘independente de qualquer outra instituição relacionada ao Clube Atlético Paranaense’. Já a pauta de assuntos é grande, indo das parcerias montadas pelo clube e as contratações. O www.cruzeiro.org é outro que faz questão de mostrar independência das organizadas.
Uma página alternativa pode ganhar tanta força até se transformar no site oficial de um clube. Foi o que aconteceu com o www.coralnet.com.br.
Criado há dez anos por três irmãos, ele recebeu a proposta da diretoria do Santa Cruz no começo desta década para se tornar o canal oficial do clube.
A missão foi aceita, mas a página não se transformou numa chapa-branca. Tanto que o site se diz isento na eleição que se aproxima e fez uma enquete, divulgada com destaque, em que cerca de 90% de mais de 3.000 internautas disseram preferir a vitória da oposição.
‘Nós só divulgamos o resultado de uma enquete respondida pelos torcedores. O site é isso. Dez anos de informação, entretenimento e amor ao Santa Cruz. Se alguém do clube achar ruim, é só pedir que nós mesmos acabamos com o título de site oficial’, diz Renato Bezerra de Arruda, o gerente do site.’
TV
MTV expõe ao mundo sexo do jovem latino
‘A MTV do Brasil está produzindo um documentário que será exibido pelas MTVs do mundo todo em 1º de dezembro, dia mundial de combate à Aids. Todos os anos, a Staying Alive, ONG ligada à MTV americana, escolhe uma das MTVs para produzir um programa para essa data. Neste ano, a escolhida foi a MTV brasileira.
O programa da MTV, que tem o nome de ‘Life Swap’ (troca de vida, literalmente), registrará o comportamento sexual do jovem em três países latino-americanos: Brasil, Jamaica e México. O programa será todo montado com depoimentos íntimos, em que jovens falam sobre sexo, drogas, política, cidadania e igreja.
Segundo Zico Goes, diretor de programação da MTV, o documentário mostra que o jovem da Jamaica é bem mais liberal que o do Brasil, que, por sua vez, é menos conservador que o do México. ‘Essa sexualidade que a gente vê nos bailes funks do Rio, na Jamaica ocorre nas ruas, ao ar livre’, conta Goes. Os jovens mexicanos, segundo Goes, atacam abertamente a Igreja Católica, que não aceita o uso de camisinha.
No Brasil, os depoimentos foram colhidos no trecho da rua Augusta (região central de São Paulo) que atualmente concentra ‘inferninhos’ (clubes alternativos) e saunas. Esses ambientes, contatou a MTV, são ‘democráticos’ _freqüentados por pessoas de classes sociais e raças distintas.
SHOW DO INTERVALO 1 Realizado há 28 anos, o prêmio Profissionais do Ano, para campanhas publicitárias veiculadas na Globo, vai virar programa de TV. O evento deste ano, que ocorre amanhã em São Paulo, vai passar na Globo em versão compacta domingo que vem, após ‘Sob Nova Direção’.
SHOW DO INTERVALO 2 Por causa do programa, a Globo vai rechear o Profissionais do Ano de atores. Tony Balada, personagem do ‘Casseta & Planeta’, fará entrevistas.
RESERVA DE MERCADO Bianca Rinaldi e Tuca Andrada já estão reservados para a novela da Record que substituirá ‘Vidas Opostas’, que estréia dia 21, no lugar de ‘Cidadão Brasileiro’. O texto será de Tiago Santiago, autor de ‘Prova de Amor’, maior sucesso da rede.
PAREM AS MÁQUINAS O apresentador Amaury Júnior e a Editora Scala romperam relações, por questões financeiras, na última sexta-feira. Com isso, a revista ‘Flash’, que, depois de três anos, não vinha vendendo bem, não deverá mais circular, como estabelece contrato entre as partes.
ALMA CUBANA 1 Em seminário na última sexta, a autora Glória Perez contou que cada personagem que constrói está associado a uma música, que não necessariamente entra na novela.
ALMA CUBANA 2 ‘Quando eu fiz ‘Hilda Furacão’ [minissérie de 1998], precisava encontra a alma do personagem de Rodrigo Santoro para conseguir escrever. A encontrei ouvindo uma música do [cubano] Bola de Nieve’, revelou.’
NOTAS
No planalto
‘A ministra Dilma Roussef, da Casa Civil, recebeu Johnny Saad, presidente do Grupo Bandeirantes, para uma audiência na sexta-feira. O encontro ocorreu um dia depois de Johnny ter bombardeado a candidatura de Alexandre Jobim, filho de Nelson Jobim, para a presidência da Anatel, por ser ele, segundo Johnny, ‘caracterizadamente ligado aos interesses da TV Globo’. Jobim é ex-consultor da Abert, a associação de rádios e TVs comandada, na prática, pela TV Globo.
TELA
Dilma, por sinal, tem sido interlocutora do governo com os donos de TVs. No debate de presidenciáveis no SBT, Silvio Santos agradeceu a ela ‘tudo o que tem feito’ pela emissora; dias antes, em meio à campanha eleitoral, a ministra havia se reunido com João Roberto Marinho, da TV Globo, para uma conversa em Brasília, levando-o, em seguida, para ‘um abraço’ no presidente Lula.
MARCOS EM TRÂNSITO
Mudanças no jornalismo da TV Globo: o correspondente Marcos Losekann troca Israel por Londres, na Inglaterra, em substituição a Marcos Uchôa, que volta para o Brasil.
TURMA DO BIRA
Só deu Bira, baixista do sexteto do ‘Programa do Jô’, na tumultuada entrada do camarim de Roberto Carlos, no show de quinta. Ele conseguiu furar a multidão de fãs e emplacar cerca de 20 amigos e parentes para conhecer o Rei.
PAUSA ASTRAL
E Roberto aguarda o fim da lua minguante para reuniões sobre novos projetos, como o especial de fim de ano da Globo.
VENDE MENOS
O troca-troca no jornalismo do SBT preocupa o departamento comercial da emissora. Teme que a ida de Carlos Nascimento do ‘Jornal do SBT’ para o ‘SBT Brasil’ murche o faturamento do primeiro.’
FOTOGRAFIA
Ferrez faz século 19 voltar à Paulista
‘Inaugurada em 1891, sob o signo da modernização e do capital, a avenida Paulista se tornou um marco do progresso que, ao apontar para o futuro, apaga violentamente os vestígios da sua história. Hoje, com a abertura da exposição ‘O Brasil de Marc Ferrez’, na Galeria de Arte do Sesi, ela recupera um pouco da esquecida e trepidante atmosfera da segunda metade do século 19.
Marc Ferrez nasceu no Rio de Janeiro em 1843, apenas quatro anos após a fotografia ser inventada oficialmente por Louis Daguerre, na França. No início da década de 1860 começou a fotografar. Em 1867, abriu seu próprio estabelecimento, no Rio. Em 1870, se tornou fotógrafo da Marinha Imperial.
A mostra foi revista e ampliada após passar por Rio, Poços de Caldas, Porto Alegre e Paris, reserva um de seus módulos justamente para as fotos de vapores, cruzadores e veleiros.
A produção de Ferrez se torna histórica e mais intensa a partir de 1875, quando passa a trabalhar na Comissão Geológica do Império, o que o leva a viajar pelo Brasil. Ferrez constitui a partir daí o acervo mais rico de imagens do Brasil, sem paralelo com outros fotógrafos.
Ferrez também ficou conhecido pelo grande rigor na forma de elaborar suas composições, além de pesquisar novas soluções técnicas que o levaram a obter, por exemplo, negativos em chapa de vidro com a incrível dimensão de 1,10 metros.
As mais de 350 cópias expostas nesta mostra, refeitas com o mesmo processo utilizado por Ferrez a partir de seus originais, possuem uma definição de imagem que fará corar qualquer fotógrafo contemporâneo. ‘Esta também é uma mostra que fala da involução da qualidade da fotografia do século 19 até os dias de hoje’, diz Sergio Burgi, co-curador da mostra.
Em salas de paredes vermelhas, o visitante encontra registros da natureza e da arquitetura do Rio, belas composições da colheita do café em São Paulo, trabalhadores do ouro em Minas, entre outras cenas.
Na sessão dos retratos, os destaques são o olhar magnético de d. Pedro 2º (1885), que já pressente a chegada da República, e um raro registro de Machado de Assis (1890).
A última sala da mostra contém câmeras e alguns negativos originais de vidro, entre outros objetos.
A qualidade ímpar dos originais de Ferrez unida à tecnologia de impressão de hoje permitiu ampliar três imagens de cachoeiras em 7 metros de altura, um dos destaques da mostra. É aqui que século 19 e a modernidade representada pela avenida Paulista se reconciliam.
O BRASIL DE MARC FERREZ
Onde: Galeria de Arte do Sesi (av. Paulista, 1313, tel. 0/xx/11/3146-7405)
Quando: abertura hoje (convidados), às 19h; de ter. a sáb., das 10h às 20h; dom. das 10h às 19h; até 4/3
Quanto: entrada franca’
Instituto reconstitui método antigo e ‘quebra’ ovos para fixar as imagens
‘Para a itinerância da mostra ‘O Brasil de Marc Ferrez’, os técnicos do Instituto Moreira Salles, detentor do acervo do fotógrafo, precisaram resolver a problemática questão do binômio entre exibir e preservar um patrimônio raro e antigo.
Resolveu-se não expor os originais, que devem ficar permanentemente conservados em baixas temperaturas e exposto o mínimo possível à luz.
No entanto, ao mesmo tempo, a mostra deveria trazer à tona as imagens tais quais elas foram feitas por Marc Ferrez, para preservar as mesmas qualidades pictóricas da época. Simplesmente fazer novas cópias a partir de scanner desfiguraria completamente as imagens em relação aos originais.
Foi então que a sede do instituto se transformou num verdadeiro laboratório do século 19, reproduzindo toda a técnica de cópia fotográfica tal qual Ferrez utilizava.
Para a fixação e melhor definição da imagem, Ferrez e os fotógrafos do período utilizavam a albumina extraída da claro do ovo, que com o tempo dava à cópia um tom meio amarelado. Para as cópias da exposição, os técnicos do IMS necessitaram quebrar centenas de ovos. As gemas, não utilizadas no processo, foram enviadas para uma cozinheira, que as devolvia para a equipe em forma de muitos quindins.’
JACK PALANCE
Palance personificou o mal no cinema
‘A figura sóbria e a voz solene são as lembranças mais comuns de quem conheceu Jack Palance apenas como o apresentador, já envelhecido, da série ‘Acredite se Quiser’, apresentada na TV brasileira nos anos 80. Mas foi com sua figura imponente e sua visada dura feito rocha que ele marcou indelevelmente com rudeza o cinema americano nos anos 50. Palance morreu na última sexta, aos 87 anos.
Descendente de ucranianos, seu olhar negro empesteou os filmes que estrelou, desde ‘Pânico nas Ruas’, de Elia Kazan, no qual fez um gângster portador de peste bubônica.
A encarnação do mal cabia-lhe como um figurino feito sob medida e foi com ela que seu status de ícone ficou registrado para todo o sempre a partir de 1953, quando fez um pistoleiro em ‘Os Brutos Também Amam’. Para assegurar o simbolismo de sua figura, seu personagem aparece vestido de preto do chapéu às botas, como se fosse um emissário da morte, um ‘príncipe das trevas’ que prenuncia em indumentária, gestos e intenções de Darth Vader, de ‘Guerra nas Estrelas’.
Mas nem sempre de estereótipos bem-sucedidos sobrevive a carreira longa de um grande intérprete. E Palance soube quebrar aos poucos os clichês que ameaçavam lhe enredar numa espiral sem fim de vilões. Quem lhe propiciou os papéis para essa virada na carreira foi o imenso Robert Aldrich, um diretor então no auge.
Seu papel de um ator em crise em ‘A Grande Chantagem’ (1955) ofereceu-lhe a oportunidade de demonstrar seu gigantesco potencial dramático longe da mera vilania. Com Aldrich, um poeta da violência e da brutalidade, Palance se obrigou a um jogo contido, em que a perturbação se jogava mais na face que no gesto, em que a violência se desdobrava não em assassinatos, mas na lenta autodestruição.
Aldrich retomará Palance em dois outros trabalhos. No drama de guerra ‘Attack’, ele enfrenta, com seu físico vigoroso e sua astúcia mental, as irracionalidades da guerra, e em ‘A Dez Segundos do Inferno’, a brutalidade da guerra é reduzida ao confronto entre dois militares diante de uma decisão de grande risco.
Foi também como ícone estelar de Hollywood que sua ‘monstruosidade’ foi capturada pela desconstrução moderna empreendida por Godard, que o utilizou no papel do produtor de cinema cínico e pragmático em ‘O Desprezo’. Com uma fala exemplar, o personagem de Palance define uma visão predominante da arte: ‘Quando ouço a palavra cultura, saco meu talão de cheques!’.’
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O Estado de S. Paulo
Segunda-feira, 13 de novembro de 2006
LIBERDADE DE IMPRENSA
Tempestade em copo d’água?
‘Os deputados Raul Jungmann e Fernando Gabeira divulgaram nota em 1º/11 alertando que a liberdade de imprensa no Brasil está ameaçada. E a Associação Nacional de Jornais protestou contra a intimidação sofrida por repórteres da revista Veja durante depoimento prestado à Polícia Federal (PF) na investigação do dossiê dos aloprados.
A mim também me arrepia qualquer tentativa de controle do pensamento e de sua expressão. Em setembro, quando uma ameaça terrorista forçou o cancelamento de uma ópera de Mozart em Berlim, como amante da música e da política, pensei em escrever sobre os abusos da censura e do terror. A política brasileira me oferece a oportunidade de falar sobre o tema e começo com o resumo da ópera.
Há mais de 3 mil anos, Netuno, deus do mar, brincava com a vida dos homens. Depois da Guerra de Tróia, Idomeneo, rei de Creta, retornava a casa quando se defrontou com uma tremenda tempestade. Para salvá-lo e à sua frota Netuno exigiu o sacrifício do primeiro homem que Idomeneo encontrasse ao desembarcar. Quem era ele? Ninguém mais, ninguém menos que seu filho Idamante.
O drama cabe com perfeição a uma ópera. Tanto que Mozart dele se valeu em 1781. E, neste ano de 2006, Idomeneo faz parte da temporada de Nova York. Também faria da de Berlim se uma ameaça de bombas não tivesse provocado seu cancelamento. O grupo islamita queria calar os cantores porque a montagem alemã adicionara à ópera de Mozart uma cena em que, juntamente com a frase ‘os deuses estão mortos’, a diretora exibia as cabeças decepadas de Netuno, Buda, Jesus e Alá.
Claro que sou contra os terroristas. Por outro lado, sou a favor da degola de qualquer deus que entre em competição com outro pelo título de maior, único e verdadeiro. Mas decepar a cabeça de Netuno me parece repreensível. Afinal, a intolerância religiosa era desconhecida na Antiguidade até que os homens inventaram o monoteísmo.
Essa teoria não é minha. Até onde sei, quem apontou a crença num único deus como raiz da intolerância religiosa foi Freud. Não o Freud assessor do governo, cujo depoimento na polícia em nada contribuiu para nossa educação. Mas sim o dr. Sigmund, pai da psicanálise, cujo exame da religião em Moisés e o Monoteísmo continua precioso. O assassinato de Moisés é água rolada, mas o dr. Freud continua atual.
Há pouca novidade no terrorismo religioso e político. Durante quase 2 mil anos, o tirano que proibia uma maneira de pensar diferente da sua era a igreja cristã. Não só censurava qualquer influência externa, como matava, perseguia, queimava e torturava infiéis em nome de deus. Somos herdeiros de quase 2 mil anos de uma tirania diante da qual Stalin e Hitler não passam de aprendizes, segundo a escritora inglesa Doris Lessing.
No primeiro quartel do século 20, a igreja perdeu boa parte de sua influência sobre a sociedade. Desdentada, tornou-se amável, orientou-se para obras de caridade, dividiu-se em inúmeras seitas e, assim, deixou de ser o árbitro da conduta e do pensamento ocidental. Lembrar essa tirania passada não é mero exercício histórico, mas reconhecimento de processos que ainda atuam nas mãos de quem tenta controlar o pensamento da sociedade.
Os políticos aprenderam com as religiões monoteístas a tentar silenciar as vozes críticas e discordantes. E poucos aprenderam com tanta competência como os socialistas. Stalin matou 20 milhões de pessoas. A Revolução Cultural chinesa, entre 20 e 60 milhões. Ninguém conseguiu contar todos os mortos. Mas é preciso contá-los na Etiópia e na Somália para impedir que lunáticos socialistas fascinem jovens alheios à História.
A garantia constitucional de liberdade de expressão e de imprensa é a forma mais importante de conter os fanáticos do poder, que gostariam de mandar e desmandar sem peias. Com certeza, deixar-se amedrontar e fechar a ópera em Berlim é diferente de mandar fuzilar a oposição. Mas a sociedade que fecha os olhos à censura corre o risco de se tornar vítima dos crimes dos poderosos.
No começo de novembro, a oposição e a imprensa vislumbraram nuvens espessas sobre a liberdade de expressão no Brasil. Tudo começou com o entendimento de que movimentos ligados ao governo acusavam a imprensa de partidarismo na campanha eleitoral. O presidente do PT, Marco Aurélio Garcia, aconselhou aos jornalistas uma auto-reflexão. Os jornalistas desconfiaram do conselho. O que o petista sugeria? Cautela? Acredita ele que o homem é fraco para suportar a surpresa magnífica da verdade? Pensa que a palavra é uma agulha que espeta o coração? E pondera o resultado do sangue derramado, mesmo se apenas em fantasia ou alucinação?
De qualquer forma, não houve sangue, mas apenas empurrões quando militantes do PT agrediram repórteres na frente do Palácio da Alvorada na volta do presidente reeleito a Brasília. A situação complicou-se quando um delegado da PF pressionou repórteres da Veja. Levantou-se a suspeita de continuidade do movimento que tentara criar conselhos estatais para a imprensa no primeiro mandato (os projetos da Agência Nacional de Cinema e Audiovisual e do Conselho Nacional de Jornalismo, que foram abandonados).
Do lado positivo, sentença do juiz da 22ª Vara Criminal de São Paulo condenou o petista Emir Sader por crime de injúria, calúnia e difamação contra o senador Jorge Bornhausen, presidente nacional do PFL. No artigo O ódio de classe da burguesia brasileira, Sader chamara Bornhausen de ‘racista’ e foi condenado, como a lei determina que seja punido quem acusa e não prova.
Na semana passada, o assunto da liberdade da imprensa no Brasil saiu das manchetes. Afinal, as nuvens no horizonte não eram nimbos-estratos, mas apenas cumulus mediocris incapazes até mesmo de levantar tempestade num copo d’água. Pelo menos enquanto o presidente mantiver vivas as suas convicções democráticas.
Eliana Cardoso, doutora em Economia pelo MIT, é professora titular da FGV-SP’
CONTROLE DA INTERNET
Projeto antidemocrático
‘A Comissão de Constituição e Justiça do Senado demonstrou bom senso ao retirar da pauta a votação do projeto que regulamenta o acesso à internet e cria a Lei de Crimes de Informática. Resultante da fusão de três outros projetos apresentados entre 2000 e 2003, o texto cuja votação foi adiada é um substitutivo preparado pelo senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) que introduz amplas alterações no Código Penal, no Código de Processo Penal, no Código Penal Militar e na Lei de Interceptação de Comunicações Telefônicas, com o objetivo declarado de coibir a pornografia infantil, a difusão de vírus, a ação de hackers, o roubo de senhas, a manipulação de informações eletrônicas e transmissão de vídeos e músicas sem pagamento de direitos autorais.
Embora uma iniciativa com esse objetivo fosse oportuna, tal o anacronismo da ordem jurídica brasileira, o substitutivo de Azeredo ficou tão ruim que conseguiu a proeza de ser vetado por quase todos os setores interessados. Para o Ministério da Justiça, o projeto acaba com o direito à privacidade. Para o Ministério das Comunicações, o texto fere os ‘princípios norteadores da internet’. Para o Ministério da Educação, ele dificulta o programa de inclusão digital, cujo objetivo é interligar as escolas com rede de acesso em banda larga. Para entidades jurídicas, a proposta restringe a liberdade de expressão. Para as organizações não-governamentais, ela é uma ‘colcha de retalhos’ que só beneficia bancos e administradoras de cartões de crédito, os principais alvos do cibercrime. E, para os especialistas em informática, Azeredo teria cedido ao lobby de algumas empresas de certificação digital, uma espécie de cartório virtual que atesta a veracidade de informações veiculadas pela internet.
Atualmente, o Brasil possui mais de 14 milhões de usuários de internet e só perde para a França no tempo de permanência online. Em média, cada usuário passa 19 horas e 24 minutos conectado à rede mensalmente. O problema do substitutivo de Azeredo é que, com o objetivo alegado de tornar mais seguro o uso da internet, ele obriga o usuário a fornecer nome, endereço residencial, telefone e o número da cédula de identidade e do CPF às empresas provedoras, que exerceriam o papel de fiscal, confirmando a veracidade dos dados. O acesso à internet somente seria liberado após o provedor confirmar a identidade dos usuários.
A excessiva burocratização no uso de um instrumento concebido para acelerar a transmissão de informações e a criação de novas práticas cartoriais num País marcado por cinco séculos de cartorialismo não são os únicos defeitos do projeto. Outro, mais grave, é que, ao obrigar os provedores de serviços de correio eletrônico a manter por longo período um detalhado cadastro com a data e a hora em que cada comunicação por e-mail foi efetuada, sob a justificativa de propiciar ‘informações que permitam esclarecer autores de delitos’, o projeto permite a diferentes instâncias do poder público invadir a privacidade de todo cidadão que tenha um computador.
Com o controle da comunicação eletrônica pelo Estado, as autoridades teriam acesso desde a uma simples troca de mensagens entre adolescentes apaixonados até a correspondência sigilosa entre empresas e seus fornecedores e clientes. Uma das críticas dos especialistas em informática é que o projeto não estabelece de modo preciso as condições para as autoridades requisitarem extratos das comunicações eletrônicas e os limites jurídicos que terão de respeitar. Outra crítica é que informações de natureza pessoal de usuários da internet ficarão em bancos de dados expostos a eventuais devassas judiciais, além de poderem ser extraviadas e utilizadas para fins escusos. Os advogados criminalistas também chamam a atenção para a desproporção das penas, lembrando que o projeto pune mais severamente quem acessa a internet sem autorização do que quem entra na rede com o objetivo de destruir arquivos ou de roubar dados.
Por isso, foi oportuna a decisão da Comissão de Constituição e Justiça do Senado de retirar o projeto da pauta de votação. Agora, o que dela se espera é que, em vez de retomá-lo ainda este ano, como querem as empresas provedoras e os bancos, o mande de uma vez por todas para a lata de lixo.’
Maurício Moraes e Silva
Projeto de Azeredo cria ‘provedor Big Brother’
‘Toda vez que você entrar na internet, o provedor terá o papel de Big Brother e ficará de olhos bem abertos. Caso acredite que você esteja fazendo algo de errado, denunciará à polícia. Mas não é só. Você terá de fornecer seus dados – nome, RG, data de nascimento e endereço – à empresa utilizada para se conectar. As informações ficarão gravadas junto com o registro dos dias e horas em que você acessou a web nos últimos três anos.
Esse cenário fará parte do seu dia-a-dia se o Congresso aprovar o substitutivo ao Projeto de Lei 76/2000, elaborado pelo senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG). A proposta – que procura coibir crimes na internet – seria votada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado na quarta-feira, mas causou tanta polêmica que teve sua análise adiada. As críticas se concentraram na exigência de os usuários se cadastrarem.
Uma versão anterior da proposta previa que isso poderia ocorrer de dois modos: pessoalmente, por meio da apresentação de documentos originais ao provedor de acesso, ou com um certificado digital (uma espécie de RG eletrônico, que deve ser comprado de uma empresa especializada). O texto sofreu modificações e, na versão que seria votada na CCJ, não deixa claro se os internautas têm de se dirigir fisicamente às empresas.
Um item, porém, passou despercebido. O inciso IV do artigo 22 determina que o provedores têm de vigiar seus clientes. O texto diz que a empresa precisará ‘informar, de maneira sigilosa, à autoridade competente (…) fato do qual tenha tomado conhecimento e que contenha indícios de conduta delituosa na rede de computadores sob sua responsabilidade’.
O restante do projeto propõe alterar o Código Penal para incluir crimes cometidos pela internet que não estão previstos na legislação brasileira (leia quadro abaixo). Espalhar um vírus, por exemplo, passa a ser punido com pena de 1 a 3 anos de prisão e multa.
A inclusão dos delitos é vista com bons olhos por Rogério Santanna, diretor do Comitê Gestor da Internet no Brasil. ‘O problema do projeto são os acréscimos do senador Azeredo e de seu assessor.’ Para ele, a exigência de cadastro não vai impedir crimes e levará muita gente a procurar provedores no exterior, para evitar dor de cabeça. ‘O Comitê tem posição contrária a esse assunto’, disse. ‘Forças maiores levaram o senador a propor isso, possivelmente um lobby muito forte.’
Opinião parecida tem o presidente da ONG Safernet, Thiago Tavares. A entidade fiscaliza delitos contra os direitos humanos cometidos na web. ‘Não criticamos todo o projeto, mas as partes que limitam os direitos individuais e as liberdades civis’, afirmou. ‘Parte-se da premissa equivocada de que todo usuário de internet no Brasil é um criminoso em potencial e tem de ser monitorado. Isso não é verdade.’ Ele acha que o cadastro foi incluído para beneficiar empresas de certificação digital.
A Associação Brasileira dos Provedores de Acesso (Abranet) também é contra a coleta de dados pessoais de usuários. ‘A quem interessa que a lei exista dessa forma?’, questionou o presidente da entidade, Antonio Tavares. Já o empresário Marcelo Ballona, fundador do site Submarino, acredita que a web deve ser livre. ‘Deixo uma pergunta para o senador Azeredo: a transação em que ele recebeu R$ 150 mil do Marcos Valério foi feita com certificação digital?’
Segundo o advogado especializado em internet Omar Kaminski, o cadastro servirá mais para desmotivar o uso da web do que para garantir segurança. ‘Os criminosos vão procurar outros meios em que não possam ser identificados. A lei só servirá para quem quiser cumpri-la.’
Mas há também quem apóie o projeto de Azeredo. A idéia é vista como positiva pelo advogado Rony Vainzof, também especialista em delitos virtuais. ‘Não podemos permitir que as pessoas cometam crimes no anonimato’, disse. Segundo ele, a coleta de informações já é feita extra-oficialmente pelos provedores. ‘Não vai mudar grande coisa.’
O presidente da empresa de certificação digital Certisign, Sérgio Kulikovsky, também defendeu a iniciativa. ‘Somos favoráveis ao combate aos crimes de internet e achamos o cadastro uma coisa positiva nessa direção’, destacou. Ele negou que tenha havido lobby para alteração da proposta. ‘Nunca estivemos com o senador.’’
‘Eliminar o cadastro vai prejudicar investigações’
‘Eduardo Azeredo, senador do PSDB-MG
Ao incluir a necessidade do cadastro, o senhor atendeu a um lobby de empresas de certificação digital?
Não existe isso. O projeto não manda usar certificação digital. Críticas desse tipo eu não recebo. Eu nem sei quais são as firmas que mexem com certificação digital no Brasil. E olha que eu sou da área.
Por que o senhor tomou a decisão de incluir o cadastro no projeto?
Isso não está sendo inventado por mim. É um projeto do senador Delcídio Amaral (PT-MS), que fala dessa questão (prevê o cadastro de usuários de e-mail), que se soma à implantação, pela Comunidade Européia, da Convenção de Budapeste (que propõe medidas para combater os crimes virtuais, como monitorar o tráfego dos usuários sem, contudo, identificá-los).
É possível a proposta ser aprovada com ou sem essa idéia?
Hoje, quando você contrata um provedor, já dá todos os seus dados para efeito de cobrança. Eu não estou entendendo muito por que tanta briga. Mas tudo bem. Se for aprovado sem a questão da identificação do usuário, vai ter prejuízo para o processo investigatório.
Essa medida não seria inócua uma vez que qualquer criminoso poderia acessar um provedor de outro país, por linha discada, e lançar um ataque?
É possível. Mas aí é eu faço a pergunta: por que a pessoa se negaria a fornecer o endereço? A tendência é que os provedores do exterior também venham a fazer esse tipo de exigência. Se for de um país como a Coréia do Norte, pode ser que não. Mas a Europa e os Estados Unidos também estão caminhando nesse sentido.
Como será agora o andamento do projeto?
Estou aguardando sugestões dos senadores. Estou pronto a discutir e conversar. O próximo passo vai depender desses entendimentos.’
Conheça a proposta
‘NOVOS CRIMES PREVISTOS
– Criar e espalhar vírus: pena de 1 a 3 anos de prisão e multa
– Uso indevido de PCs ou redes: de 2 a 4 anos de prisão e multa. Donos de provedores que não cadastrarem usuários pegam de 6 meses a 1 ano de prisão e multa
– Obtenção de dados sigilosos: quem roubar informações em redes ou micros e divulgá-las pega de 2 a 4 anos de prisão e multa
– Violação de banco de dados: a divulgação indevida é punida com 1 a 2 anos de prisão e multa
– Phishing: enganar usuários com programas maliciosos dá de 1 a 3 anos de prisão
– Clonagem: quem falsificar celulares ou outros dispositivos pegará de 1 a 5 anos de prisão e multa
CADASTRO OBRIGATÓRIO
– Quem precisa fazer: todo usuário que usar rede local, regional, nacional ou mundial
– O que é preciso: é necessário fornecer ao provedor o nome completo, data de nascimento, RG e endereço. Isso também pode ser feito por meio da apresentação de certificado digital
– Prazo: 120 dias depois de a lei entrar em vigor
OBRIGAÇÕES DO PROVEDOR
– Armazenar dados: horas e datas de conexão de usuários têm de ficar gravados por 3 anos
– Fiscalizar: atitudes suspeitas devem ser informadas à polícia
– Fornecer registros: dados dos usuários devem ser liberados sob mandado judicial’
LANÇAMENTO EDITORIAL
Revista feita por leitores acirra disputa no mercado popular
‘A Editora Abril lança no próximo dia 23 uma revista semanal totalmente feita pelos leitores. Embora esse formato já exista no exterior há pelo menos duas décadas, é novidade no mercado editorial brasileiro. Na Inglaterra, onde estão os principais títulos que inspiraram a revista, o segmento que trata da chamada ‘vida real’ vem ganhando leitores, enquanto publicações que falam sobre a vida de celebridades perdem mercado.
A revista da Abril, batizada de Sou+Eu, recebeu investimentos estimados pelo mercado em cerca de R$ 20 milhões, e terá tiragem de 850 mil exemplares. É uma tentativa da editora de ampliar sua presença nas classes de poder aquisitivo mais baixo: será vendida inicialmente a R$ 1,99, passando a R$ 2,50 em 2007.
O surgimento de publicações para a população mais pobre vem na esteira do crescimento do consumo nesse segmento – a classe C já responde por cerca de um quarto do consumo do País, ou algo em torno de R$ 300 bilhões por ano. ‘Não há números que confirmem, porque surgiram muitos títulos nos últimos anos que não são auditados pelo Instituto Verificador de Certificação (IVC), mas há sim um aumento de publicações populares, em especial as femininas’, diz a diretora executiva da Associação Nacional de Editoras de Revistas (Aner), Maria Célia Furtado.
A Sou+Eu é tida como o maior investimento da Abril nos últimos dez anos, como reconhece o diretor de redação da nova publicação, Kaíke Nanne – ele prefere, porém, não mencionar valores. A revista, destinada prioritariamente ao público feminino das classes B e C, vai, segundo Nanne, abrir novas frentes de mercado. ‘Não é apenas mais uma revista’, diz. ‘Ela inaugura uma tendência no setor editorial com a presença da interatividade.’
A nova revista vai concorrer com títulos da própria Abril, como Ana Maria e Viva Mais!, e com várias publicações de editoras menores, todas focadas no mesmo público. Entre esses está a revista 7 Dias com Você, da Editora Escala. O presidente da empresa, Hercílio Lourenzi, não se assusta com a chegada de mais um concorrente. ‘Apenas cerca de 7% da população compra revistas semanalmente’, diz. ‘É um índice muito baixo, que precisa ser expandido.’
Para Gisele Peralta, editora da revista Malu, da Editora Alto Astral, sempre que há sobra de dinheiro, aumenta o número de leitoras da publicação. Mas, embora ela acredite que o mercado para esse tipo de publicação vive um bom momento, teme, por outro lado, a expansão da Abril. ‘Em agosto, a Editora Abril baixou os preços das revistas Ana Maria para R$1,99 e Viva Mais! para R$1,49, e com isso houve um retração do nosso espaço’, diz.
O alto custo do projeto da Abril deve-se, entre outros aspectos, segundo Nanne, ao fato de a Sou+Eu ter de chegar às bancas de todo o Brasil no mesmo dia. ‘A revista estimula a participação dos leitores por meio do sistema de mensagens via celular e premiações de R$ 5 mil por semana’, diz. Para operar essas promoções, há restrições legais que exigem a distribuição ao mesmo tempo para dar condições de igualdade a todos os candidatos, o que requer uma logística cara.
MODELO INGLÊS
Outro aspecto incomum no processo de implantação da Sou+EU está nas ações de marketing da fase inicial. Os jornaleiros, por exemplo, vão ficar com 100% da receita de venda da primeira edição, o que não é habitual no meio. ‘Queremos convidar um leitor novo a conhecer o projeto e o jornaleiro poderá ajudar muito nessa tarefa’, diz Nanne.
O projeto levou mais de um ano para sair do papel. ‘Investigamos o que está se fazendo lá fora e concluímos que duas fortes tendências marcam o mercado hoje em dia: a de as pessoas mostrarem mais interesse por histórias de cidadãos comuns do que as de celebridades e o fato de o público querer produzir conteúdo’, diz Nanne. Esses dois pilares constituem a estrutura do projeto inspirado nas similares inglesas no gênero: Chat, Take a Break e Pick me Up. Juntas, elas vendem mais de 2,5 milhões de exemplares por semana.
No caso da Sou+ Eu, os leitores serão convidados a relatar aventuras vividas por eles. Todo o material enviado passará pelo crivo dos 16 jornalistas que compõem a equipe da revista. Os melhores casos, devidamente checados, serão reproduzidos e pagos aos autores. As regras para participar das edições foram organizadas em um guia. Os leitores também serão convidados a fazer as inevitáveis sessões fixas sobre beleza, saúde e moda.’
PASSANDO O BASTÃO
A dura missão de ser o sucessor de Bill Gates na Microsoft
‘GUARDIAN – O homem escolhido por Bill Gates para sucedê-lo no dia-a-dia da Microsoft admitiu que tem gasto um bom tempo tentando impor sua autoridade dentro da companhia. Ray Ozzie, que assumiu o cargo de arquiteto-chefe de softwares da empresa em junho, disse que o respeito demonstrado por Gates tem tanto ajudado quanto atrapalhado suas ações.
‘Há uma certa mitologia que envolve todo líder, e isso vale especialmente para Bill, que é uma pessoa realmente talentosa’, disse Ozzie. ‘Ele sempre teve um nível fantástico de poder, mas de forma suave, e as pessoas querem segui-lo. A organização o reverencia e quer fazer o que ele quer. Eu preciso ainda adquirir essa confiança, e isso leva tempo.’ Mas Ozzie disse também que sua missão de revigorar a gigantesca empresa, que vem sendo atacada por vários rivais em diferentes segmentos de mercado, vem começando a dar resultado.
No ano passado, um curto comunicado escrito por ele apontava várias falhas que vinham sendo cometidas pela empresa, e ele reforçava a necessidade de partir seriamente para a nova geração de serviços online, como forma de garantir o sucesso da Microsoft no futuro. O comunicado provocou alvoroço na empresa, mas Ozzie disse que a poeira agora está começando a se assentar.
‘Eu pude ver que algumas pessoas realmente entenderam as mudanças que essa indústria está passando, enquanto outras estavam muito focadas em fazer exatamente aquilo que estavam fazendo’, disse. ‘Eu realmente senti a necessidade de passar uma mensagem mais ampla.’
Ele também falou sobre a reação dentro da Microsoft quando Gates anunciou que iria se aposentar em dois anos e repassar várias responsabilidades estratégicas da companhia. ‘Isso fez com que as pessoas voltassem várias vezes para ler e reler o comunicado’, disse. ‘Fiquei feliz de Bill ter dado um prazo de dois anos para a transição, porque as pessoas querem nos ver juntos.’
Antes de ingressar na Microsoft, Ozzie, de 50 anos, trabalhou na primeira planilha eletrônica, o VisiCalc, no começo da década de 80, e, em 1983, ingressou na Lotus, para desenvolver o pacote de aplicativos Lotus Symphony. Depois disso, ele fundou a Iris Associates (1984) e a Groove Networks (1997). Em abril de 2005, a Groove Networks foi comprada pela Microsoft.
APOSENTADORIA
Gates anunciou em junho que iria deixar de participar da gestão diária da Microsoft a partir de julho de 2008. Seu objetivo é dedicar tempo integral à Fundação Bill e Melinda Gates, que promove projetos sociais de saúde e educação em todo o mundo.
Este ano, Gates esteve pela 12ª vez no topo da lista dos mais ricos da revista Forbes, com fortuna pessoal avaliada em US$ 50 bilhões. De gênio temido, e até odiado, no mercado de tecnologia, a imagem do executivo tem mudado nos últimos anos.
Hoje, ele é reconhecido como o maior filantropo do planeta. Ano passado, ele e sua mulher foram escolhidos – ao lado de Bono Vox, da banda U2 – como Pessoas do Ano pela revista Time. A escolha foi feita a partir de suas obras de caridade, que financiam projetos para combater doenças como malária e aids em todo o mundo.’
TV
RTP teme restrições a cenas de sexo
‘Conhecidos por seu conservadorismo, os portugueses estão de olho na estréia de Paixões Proibidas, nova novela da Band, amanhã. O público brasileiro será uma espécie de termômetro de aceitação do folhetim, que irá ao ar também em Portugal, a partir de janeiro, fazendo jus à co-produção entre a emissora brasileira e a RTP, Radio e televisão Portuguesa.
A preocupação prévia da RTP é o horário de exibição da trama, uma vez que Paixões Proibidas promete ser pra lá de picante. Apesar da intenção do canal lusitano de colocar a novela em seu horário nobre, há uma preocupação com possíveis reclamações de telespectadores e punições por parte de órgãos reguladores da comunicação social de lá. Por muito menos, o Big Brother português quase saiu do ar.
Temendo sofrer com problemas similares, a maior concorrente local da RTP, a SIC, resolveu colocar a também ‘caliente’ Jura, nova novela da rede, na faixa das 23 horas. A audiência é menor, mas a calmaria compensa, alegam seus dirigentes.
A própria Band se mostrou precavida. De olho nas cenas de sexo de Paixões Proibidas, a rede colocou a novela na faixa das 22 horas.’
ZAPEANDO
O fim da piada
‘Cheguei em casa na quinta-feira passada, à noite, depois de um dia extenuante de trabalho e liguei a televisão. Fui zapeando, mudando de um canal para o outro, indo e voltando, passando por todos eles e… nada. Não achei programa nenhum que quisesse assistir.
Não sei se isto acontece com você, mas sempre que ocorre comigo fico ligeiramente indignado, para não dizer magoado. Tenho acesso a uns 60, 70, 80, sei lá, a um monte de canais na TV a cabo, com programação brasileira, americana, inglesa e até italiana. Como é possível não encontrar nada, zero, picas que eu queira ver? É comigo o problema ou é com a televisão? Acaba surgindo esta dúvida, que me incomoda mesmo. Diz respeito à minha inserção no mundo.
Devo dizer que gosto de TV. Sou da primeira geração de americanos a ser criada diante do aparelho, aquela que levava broncas diárias por sentar muito próximo à tela. ‘Você vai ficar cego!’, diziam todas as mães. Sempre gostei. Desde pequeno. Entendo todas as piadas feitas com base em anúncios televisivos dos anos 60 e 70 nos filmes do diretor Quentin Tarantino. É uma espécie menor de erudição, convenhamos, da qual não me orgulho particularmente, mas que existe.
Naquele meu tempo havia apenas três canais, pelo menos na minha casa, acho que no país inteiro. E sempre encontrava a que assistir.
Diante da falta de alternativos televisivos na noite de quinta-feira passada, resolvi voltar ao meu livro, mas deixei a TV ligada, sem som, para o caso de aparecer alguma coisa.
O livro se chama The Joke’s Over (O fim da piada, numa tradução meio livre), acabou de sair nos Estados Unidos, e me foi enviado por minha prima Paula, aquela que é livreira em São Francisco, na Califórnia. Foi escrito pelo britânico Ralph Steadman, grande amigo e ilustrador das reportagens de Hunter S. Thompson, o criador do jornalismo gonzo, ídolo meu e de muita gente e um dos grandes escritores americanos do século 20.
Steadman relata suas aventuras com Hunter. E não foram poucas. Estou apenas na metade do livro e já fizeram cada coisa! Acabariam virando ícones da contracultura dos anos 60 e 70, exemplos de artistas que pesquisaram com enorme disposição e acuidade os limites de texto e arte e vida. Cobriram o caso Watergate para a revista Rolling Stone (lançada recentemente no Brasil, diga-se de passagem) e Steadman já levou para dentro do que só pode ter sido o Senado americano seis latinhas de cervejas, seis!, e um frasco de uísque (da marca Glenfiddich) para ajudá-lo a elaborar suas ilustrações. Acaba ficando bêbado e derramando cerveja no terno de um senador poderoso da época, diante das câmeras de televisão. Hunter, logo ele, fica furioso.
Não é um comportamento que se recomenda aos jovens jornalistas, concordo. Mas a história é engraçada. Vai ver que nunca vou me curar da adolescência. Não sei como conseguiam trabalhar daquele jeito. Se acontecesse algo semelhante, hoje, Steadman seria preso e enviado num vôo sem escalas para Guantánamo.
A dupla de artistas apoiava George McGovern, o candidato do partido Democrata à Presidência em 1972, amigo do Hunter, e outro ídolo meu. Steadman lembra que, já naquela época, imagine, McGovern se preocupava com questões ecológicas. E escreve a seu respeito duas frases que merecem tradução. ‘O mais admirável em McGovern é que ele quase conseguiu fazer com que um sonho se realizasse. Ele fez você acreditar que seria possível ligar a televisão e acreditar no presidente.’
Enquanto ressoava esta frase na minha cabeça, olhei para a TV e vi que, para meu espanto, passava um antigo e maravilhoso documentário sobre Jimi Hendrix. Liguei o som. Eram bons tempos aqueles.’
YOUTUBE
A revolução do vídeo apenas começou
‘Quem vê pela primeira vez o trabalho de Jarbas Agnelli, logo imagina que os seus comerciais publicitários e videoclipes custaram uma verdadeira fortuna e deram um baita trabalho para serem feitos. Afinal, eles transbordam de computação gráfica e pirotecnia tecnológicas, como efeitos especiais em 3D.
Mas, quando Jarbas diz que eles não foram assim tão caros e que muitos deles foram realizados em sua casa, com ele deitado na cama e com um notebook em seu colo, chega até a parecer brincadeira.
Dono de um currículo profissional que inclui alguns dos clipes musicais mais legais dos últimos anos, o publicitário não se diz surpreso com a revolução que o You Tube trouxe para o mundo do vídeo.
‘Eu meio que previ isso quando descobri que eu podia fazer o meu trabalho em casa. Saquei que um dia todo mundo poderia fazer filmes caseiros também. É uma revolução que apenas começou’, diz.
Essa luz acendeu quando Jarbas produziu o filme A Semana, um comercial para a revista Época. Ele era diretor de arte da agência publicitária W/Brasil e fez o vídeo no aconchego do lar. Meses depois, a publicidade ganhava os respeitados prêmios Leão de Ouro e Clio.
‘Minha carreira mudou ali. Eu estava concorrendo com a Nike e outras gigantes e ganhei. O meu laptop eu uso para tudo e com ele posso ir muito longe, tudo depende do quero fazer.’
Esse sucesso (aumentado após ganhar novamente por duas vezes esses prêmios) o levou a criar a AD Studio, sua produtora pessoal. Seu lema era que, mesmo com pouca grana, dava para fazer opções criativas na publicidade.
Junto de uma pequena equipe, começou a usar esse know-how para fazer experimentos de videoclipes para a sua banda, a AD, um duo eletrônico dele e seu sócio Waldo Denuzzo.
O clipe de Contact, filmado numa webcam no deserto de Las Vegas e composto de vários discos voadores em 3D, acabou concorrendo na categoria de melhor Demo Clip do VMB (Video Music Brasil), de 1999. Foi o passaporte para que ele fosse convidado pelo Pato Fu a dirigir o vídeo de Made in Japan.
‘Minha idéia era fazer um megaclipe com Motion Capture e robôs gigantes em 3D atacando uma cidade’, lembra.
Para fazer o Motion Capture, diversos sensores, ligados a um PC, são espalhados pelo corpo dos músicos. Cada movimentado é registrado no micro e, a partir deles, um boneco digital é desenhado.
Com Made in Japan, Jarbas viu que fazer videoclipes no Brasil não é tarefa fácil. A falta de verbas, prazos curtíssimos e a ausência da estrutura digital usada no exterior pareciam ser uma tarefa impossível.
A verba da gravadora foi toda gasta para importar, do Canadá, os uniformes usados pelos patos. O pessoal trabalhou de graça, com quatro pessoas fazendo a edição de madrugada – em sua casa, lógico. ‘Videoclipe virou mais do que um hobby, é um experimentalismo. Ali eu faço o que quiser e testo tecnologias técnicas para inovar’, diz.
Essas inovações incluem Todo Universo, de Lulu Santos, com o aluguel de um avião russo que faz manobras no ar que simulam o efeito de gravidade zero. Vale lembrar que os equipamentos usados por Jarbas são sempre o que há de mais moderno, e custam raro. Essas maluquices só foram possíveis por ele ter uma carreira sólida e bem-sucedida como publicitário.
O conhecimento tecnológico que ele tem vem desde criança. Fã de ilustração e gadgets hi-tech, ele diz sempre ter sido ligado em qualquer tipo de tecnologia que possa gerar arte. Sua paixão vai desde os computadores oitentistas Commodore SX-64 e Atari 1040, até o novíssimo iPod video de 80 GB.
Aliás, Jarbas é um Macmaníaco assumido. Toda a AD é repleta de computadores brancos com o logo da maçã, o que dá um clima todo moderno ao ambiente, reforçado pelos móveis de vanguarda. Isso a deixou com a cara do cenário de 2001: Uma Odisséia no Espaço.
E se tem uma coisa que Jarbas quis fazer é deixar a empresa moderna. Pelo corredor todo emborrachado, os funcionários circulam de skate. Na seção de criação, os publicitários se divertem jogando Winning Eleven.
Hoje, enquanto não trabalha, brinca fazendo um videoclipe para a banda de seu filho. Para a alegria do garoto, ele promete várias instrumentos musicais explodindo em câmera lenta.’
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