Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Folha de S. Paulo

‘Mais um jornalista estrangeiro foi seqüestrado no Iraque. A italiana Giuliana Sgrena, 56, foi levada ontem por homens armados que esperavam por ela na saída de um mesquita sunita, nos arredores de Bagdá. Pelo menos 36 estrangeiros são mantidos reféns no país, entre eles um brasileiro.

Um grupo chamado Organização da Jihad Islâmica, ainda desconhecido no Iraque, reivindicou o seqüestro e exigiu que as tropas italianas deixassem o país em 72 horas.

Sgrena trabalha para o jornal de esquerda ‘Il Manifesto’. Ela estava perto da Universidade de Bagdá para entrevistar refugiados da cidade de Fallujah. Depois, assistiu às orações de sexta-feira em uma mesquita sunita. De acordo com o iraquiano que servia de intérprete para a jornalista, os seqüestradores estavam esperando por Sgrena em dois carros quando ela saiu da mesquita. Seguranças da universidade, que atiraram contra os seqüestradores, confirmaram a informação.

Barbara Schiavulli, outra jornalista italiana que está no país, afirmou que recebeu uma ligação do telefone celular de Sgrena, mas só ouviu tiros. Schiavulli ligou várias vezes para a colega sem resposta. Na última vez, alguém atendeu o telefone, mas não falou. Logo depois o aparelho foi desligado.

Sgrena, que já viajara diversas vezes ao país, estava no Iraque desde o dia 23 de janeiro. ‘Ela estava fazendo seu trabalho’, disse Schiavulli, para quem a presença prolongada da jornalista no local abriu caminho para o seqüestro.

Em Roma, o premiê italiano, Silvio Berlusconi, disse já ter começado a agir. Sgrena é a segunda jornalista italiana e nona cidadã do país a ser seqüestrada no Iraque. Em agosto de 2004, o repórter free-lancer Enzo Baldoni foi levado e, dias depois, assassinado. As voluntárias Simona Pari e Simona Torretta foram seqüestradas e soltas em setembro passado. Um líder parlamentar afirmou que um resgate de US$ 1 milhão foi pago. O governo negou.

A ONG internacional Repórteres sem Fronteiras se disse ‘muito preocupada’ com o seqüestro e pediu a rápida libertação de Sgrena. A RSF frisou a importância de os jornalistas ‘continuarem presentes no Iraque para cumprir o dever de informar, ainda que este seja o país mais perigoso do mundo para se exercer a profissão’.

O seqüestro da jornalista francesa Florence Aubenas, 43, do diário ‘Libération’, e de seu intérprete iraquiano, Hussein Hanun al Saadi, completou um mês ontem. Até o momento, nenhum grupo pediu resgate nem fez reivindicações políticas.

O silêncio também marca o seqüestro do brasileiro João José de Vasconcellos Jr., que foi levado por insurgentes no dia 19 de janeiro. O grupo Esquadrões Al Mujahidin reivindicou a ação, mas não fez nenhuma exigência nem mostrou imagem do brasileiro vivo.

O Exército dos EUA anunciou que um marine foi morto, mas diz que os ataques diminuíram desde a eleição. Na internet, o grupo terrorista de Abu Musab al Zarqawi prometeu novos atentados.’



O Estado de S. Paulo

‘Jornalista italiana seqüestrada telefona novamente para amiga’, copyright O Estado de S. Paulo, 6/2/05

‘Uma amiga da jornalista italiana seqüestrada na sexta-feira no Iraque disse ter recebido um novo telefonema de Giuliana Sgrena ontem, enquanto as autoridades italianas intensificavam seus esforços para obter sua libertação.

Barbara Schiavulli, uma amiga de Sgrena que também está trabalhando em Bagdá, disse que não escutou vozes, somente uma música árabe ao fundo e não sabe se realmente era a jornalista seqüestrada ao telefone, contou Cristiana Tomei, amiga de Schiavulli falando de Roma. O telefonema durou 15 segundos, disse Tomei.

Schiavulli disse que recebeu na sexta-feira a primeira ligação do celular de Sgrena, aparentemente quando o seqüestro estava ocorrendo. Sgrena não falou nada, mas se ouvia um tiroteio ao fundo.

Sgrena, de 56 anos, jornalista do jornal italiano de esquerda Il Manifesto, foi capturada na sexta-feira por homens armados que bloquearam seu automóvel perto da Universidade de Bagdá. O motorista e o intérprete da jornalista não foram seqüestrados e fontes informaram que eles estariam sendo interrogados pela polícia iraquiana.

O governo do primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, e os partidos de oposição prometeram trabalhar juntos para obter a libertação de Sgrena. O governo anunciou ter posto em marcha um dispositivo especial para libertar a jornalista, cuja autoria do seqüestro foi reivindicada pelo desconhecido grupo Organização para a Jihad Islâmica. Na estratégia do governo não se descarta a possibilidade de eventuais negociações, segundo disse o primeiro-ministro Silvio Berlusconi.

O pai da jornalista, o veterano dirigente comunista Franco Sgrena, fez ontem um emotivo apelo aos seqüestradores e disse que sua filha sempre foi contra a guerra e a favor da paz. Por meio da TV Al-Jazira, do Catar, seus companheiros do jornal Il Manifesto, para o qual a repórter trabalha como enviada especial para áreas de conflito, enviaram uma mensagem pedindo a libertação de Sgrena.’



Folha Online


"Outro grupo reivindica seqüestro de Italiana no Iraque", copyright Folha Online / France Presse, 6/02/05 "Um grupo islâmico desconhecido, a Organização da Jihad no País de Rafidain, reivindicou o seqüestro da jornalista italiana Giuliana Sgrena e ameaçou matá-la se Roma não anunciar a retirada das tropas no Iraque até a noite de segunda-feira (7), em um comunicado divulgado pela internet.


A jornalista, que trabalha para o jornal italiano ‘Il Manifesto’, foi seqüestrada na última sexta-feira (4) por quatro homens armados, próximo a uma ponte sobre o rio Tigre.


‘Nós, Organização da Jihad no País de Rafidain, anunciamos que a aplicação do veredicto divino contra a refém italiana Giuliana Sgrena acontecerá dentro de 48 horas se o governo italiano, que tem o criminoso Berlusconi [Silvio, premiê da Itália] à frente, não anunciar sua retirada do Iraque. ‘Berlusconi e seu grupo, inimigos do islã, são responsáveis pelo derramamento de sangue de vossos filhos’, diz o comunicado


‘Manter vosso Exército no País do Rafidain terá sérias conseqüências. Não terão [os italianos] segurança enquanto os muçulmanos do Iraque não viverem em segurança’, acrescenta o grupo.


Outra reivindicação


Um primeiro grupo armado, autodenominado Organização da Jihad Islâmica, também reivindicou na sexta-feira (4), em um comunicado na internet, o seqüestro da jornalista.


A Organização Jihad Islâmica convocava Roma a retirar os 3.000 soldados que tem no Iraque em um prazo de 72 horas, que expira também nesta segunda-feira, mas sem fazer ameaças contra a refém. A autenticidade do comunicado ainda não foi verificada.


Sem se pronunciar sobre o aspecto político da questão, funcionários do governo italiano citados pela imprensa julgaram de pouca credibilidade a primeira reivindicação da autoria do seqüestro.


Falso anúncio


Sgrena é a segunda jornalista italiana a ser seqüestrada no país. Outros nove cidadãos italianos já foram seqüestrados no Iraque nos últimos meses. No dia 26 de agosto do ano passado, o jornalista italiano Enzo Baldoni foi assassinado.


Em setembro passado, um grupo usando o mesmo nome assumiu a morte de Simona Torretta e Simona Pari, italianas que trabalhavam para uma organização não-governamental no Iraque, seqüestradas no início daquele mês. Elas foram libertadas pouco tempo depois.


Outros jornalistas desaparecidos no país foram a francesa Florence Aubenas, do jornal francês ‘Libération’, no dia 5 de janeiro, ao deixar seu hotel em Bagdá, e os franceses Christian Chesnot e de Georges Malbrunot, libertados em dezembro último."



DEMOCRACIA NO IRAQUE
Alberto Dines

‘ Democracia e demo+fantasia ‘, copyright Último Segundo, 4/2/05

‘Brasil e Iraque têm pouco em comum, a não ser agora, de forma dramática, através do seqüestro do engenheiro brasileiro pelos terroristas. Enquanto o país médio-oriental raras vezes experimentou o sistema de escolha popular (um duvidoso plebiscito em 1921 para confirmar o rei Faissal e as eleições de 1954, que trouxeram de volta o caudilho Nuri Said), desde a nossa independência predomina a legalidade quando comparada com os períodos de ditadura formal e estados de exceção.

Ao examinar o processo de democratização em qualquer parte do mundo é preciso levar em conta que o ato de votar não é garantia de vigência do Estado de Direito. No Iraque, votava-se durante a férrea repressão de Saddam Hussein, o mesmo aconteceu em nosso país durante os 21 anos de regime militar, só encerrado num pleito indireto e com partidos criados mediante autorização das autoridades.

As eleições do último domingo no Iraque têm aspectos simbólicos que não podem ser desprezados. Foi uma clara resposta à intimidação do terror e um sólido indicador de que, apesar dos traumas, grande parte dos iraquianos ainda confia numa solução política. Foi também o primeiro ato de afirmação da dissidência xiita fora do Irã. Os resultados iniciais apontam para uma situação peculiar em que uma minoria sai das urnas transformada em maioria, com os inevitáveis riscos para a unidade da nação iraquiana e a continuidade do processo agora iniciado.

Não há termos de comparação: nossa democracia é sólida, estável, institucionalizada e os resultados das eleições, indiscutíveis. Mas no intervalo entre os pleitos, quando o confronto político e ideológico transforma-se em desesperada luta pela manutenção do poder, diante dos desenfreados apetites desvenda-se a sua fragilidade. Nesses momentos, claudica a democracia e escancaram-se os instintos canibais dos nossos políticos.

Nada a ver com a série de desastradas tentativas para controlar o fluxo informativo do país, recentemente ampliada com a quarentena de 48 horas imposta pelo Executivo à publicação dos dados do IBGE. Mero caipirismo político, não podem ser consideradas como evidência de uma estratégia autoritária.

Preocupante em matéria de solidez, decoro e mesmo lisura do sistema político como um todo é a desmoralização da instituição parlamentar que se manifesta nesta esdrúxula e vexatória folia que envolve a escolha do presidente da Câmara dos Deputados.

Esta não é apenas uma carnavalização das aparências, é a avacalhação intrínseca de um processo que começa na credibilidade do Legislativo e termina no comprometimento do equilíbrio entre os poderes, peça-chave do sistema democrático.

A disputa é natural, sadia, está prevista e regulada pelo regimento interno da Casa e pela tradição parlamentar. A fragmentação do PT com seus dois candidatos e a ameaça de desmonte da base de apoio ao governo podem afetar a governabilidade, mas isto faz parte da ‘normalidade’ do jogo político. O que, de forma alguma, pode ser considerado natural, sadio, normal e, sobretudo, aceitável é o vale-tudo, o despudor que envolve todos os lances da escolha daquele que depois do vice é o substituto do presidente da República.

Num parlamento debate-se, discute-se e se vota. O recinto do Congresso é sagrado, templo da soberania popular. Não se admitem violações da Câmara, seja por forças policiais, seja pela falta de compostura representada pelos enormes cartazes.

A existência de uma ‘caixinha’ para cobrir o altíssimo custo das absurdas campanhas dos candidatos é liminarmente suspeito: tanto o deputado que paga uma contribuição para influir numa votação quanto o deputado que recebe favores para depositar o seu voto estão incursos em falta grave. Não são probos. Se houvesse respeito pela instituição, e um mínimo de auto-estima, deveriam ser cassados.

O descarado troca-troca de partido na véspera da eleição, a acintosa compra de votos com verbas e a vergonhosa promessa de aumento dos vencimentos dos legisladores, acrescido de mais vantagens para os assessores, é um espetáculo que compromete os ritos e solapa as entranhas do sistema democrático.

Acostumado a jogar pesado nas eleições que preside desde 2003, o governo não se preocupa com as aparências nem com os efeitos desta prevaricação nos paradigmas morais da sociedade brasileira. Deveria. A formosa República, tão citada e prezada, neste Carnaval corre o risco de sair no Bloco dos Sujos.’



Clóvis Rossi

‘Iraque, democracia e cinismo’, copyright Folha de S. Paulo, 6/2/05

‘Adoraria poder festejar a grande vitória do presidente Bush no Iraque, na forma do que se supõe ter sido uma maciça votação.

Mas faz parte dos instintos básicos da profissão ser cético, e vou exercer até o fim o meu direito de sê-lo.

Estou, aliás, em companhia notável, a de Jean Daniel, um dos fundadores e diretor da revista francesa ‘Le Nouvel Observateur’, que, em artigo na sexta-feira para ‘The International Herald Tribune’, dizia:

‘Na manhã de segunda-feira (após a eleição), o mundo foi confrontado com um país coberto de ruínas, no qual os mortos se contam por dezenas de milhares e no qual os norte-americano raramente foram tão impopulares. Mas foi igualmente confrontado com um povo singularmente firme no seu realismo: um povo, a crer no que dizem alguns de seus ministros, que quer conseguir por meio de negociações tudo o que os insurgentes fracassaram em conseguir por meio da violência’.

Ou, posto de outra forma: a vitória é menos do presidente norte-americano e mais da sociedade iraquiana, se se confirmarem os números sobre elevado comparecimento.

Aliás, esse é outro motivo de ceticismo: estou cansando de ver operações de ‘spin’, conforme o jargão anglo-saxão, qual seja ‘turbinar’ determinados fatos para parecer melhores do que são ou, no mínimo, mais favoráveis aos desígnios políticos de fulano ou beltrano.

Os jornalistas, confinados a seus hotéis, puderam acompanhar poucos pontos de votação. Pode ser que o comparecimento maciço tenha sido nesses pontos. A ver, quando surgirem dados mais sólidos.

Ainda no capítulo de espalhar a democracia pelo mundo, a bordo dos tanques dos EUA, a nova secretária de Estado, Condoleezza Rice, diz que não acha que ‘os mulás não-eleitos sejam uma coisa boa para o povo iraniano ou para a região’.

Por acaso o xá Reza Pahlevi, que os Estados Unidos armaram até os dentes e sustentaram no poder até a revolução dos mulás, era uma ‘coisa boa’ para o Irã e para a região?’