CULPA DA MÍDIA
PT dirá a fórum é vítima de golpismo de mídia e oposição
‘O PT preparou um folheto a ser distribuído entre os participantes do Fórum Social Mundial em Caracas em que o partido afirma que a elite reage de ‘maneira golpista’ ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva da mesma maneira como o fez com Getúlio Vargas em 54 e com João Goulart em 64.
O texto, assinado pela Executiva Nacional do partido, classifica a crise após as denúncias do ‘mensalão’ de ‘violenta campanha’ da oposição e dos meios de comunicação. Também descreve os trabalhos das CPIs como ‘ofensiva conservadora’, da qual também faria parte a tentativa de ‘cassar o mandato de vários deputados petistas’ acusados de envolvimento com o mensalão.
Num documento de tom agressivo contra a oposição, o partido chama o senador Jorge Bornhausen (SC), presidente do PFL, de representante da ‘direita fascista’ -’ele disse que era preciso ‘acabar com esta raça’, ou seja, acabar com a raça dos pobres, dos trabalhadores, da esquerda brasileira’.
O texto também afirma que tucanos e pefelistas são hipócritas por criticarem o PT e pede a investigação dos governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), do ‘caixa 2 existente na campanha de José Serra [candidato a presidente pelo PSDB em 2002], objeto de uma ação na Justiça Federal de R$ 32 milhões; as conexões de organização criminosa de Comendador Arcanjo, que já está preso no Uruguai, suspeito de ter repassado R$ 5,7 milhões para as campanhas eleitorais do PSDB, além de outros graves ilícitos’.
Mas o panfleto, do qual o PT distribuirá 22 mil cópias na Venezuela, não se concentra apenas nos ataques à oposição e pede mudanças no governo Lula -como forma de garantir sua reeleição, que é defendida. ‘O Partido dos Trabalhadores -ao mesmo tempo em que valoriza as realizações do governo Lula e trabalha por sua reeleição- reconhece a existência de limitações e aponta a necessidade de mudanças’, diz.
‘Consideramos fundamental reduzir de forma significativa e sustentada as taxas de juros, algo totalmente compatível com o cenário internacional, com a situação das contas do governo e com a estabilidade de preços. Estimamos imprescindível ampliar os investimentos em infra-estrutura e nas políticas sociais, acelerar a reforma agrária e melhorar o funcionamento do conjunto do governo’, afirma o panfleto.
Ao dizer que o Brasil não pode ‘aprisionar seu futuro dentro da camisa de força imposta pela dívida pública e pelas altas taxas de juros impostas ao Estado brasileiro’, o partido do presidente propõe mudanças imediatas.
‘Nossa caminhada não se encerra, mas certamente passa pelas eleições presidenciais de 2006. Para isso, é preciso não apenas sinalizar para um segundo mandato superior ao primeiro, mas também implementar imediatamente mudanças que antecipem o que ocorrerá neste segundo mandato’, diz o panfleto petista.
No discurso ‘externo’, o PT saúda o fórum na Venezuela como parte do caminho que ‘nos levará ao socialismo’ e manifesta apoio ao regime cubano de Fidel Castro, fazendo um ‘cumprimento todo especial ao heróico povo cubano, que há 47 anos mostrou ser possível derrotar o imperialismo norte-americano’.
Sem poder
Embora proponha mudanças, faz o discurso da ‘herança maldita’ para explicar as dificuldades do governo Lula e diz que ‘o PT não conquistou o poder’. ‘Apenas elegemos o presidente da República.’ A culpa, dizem, é da oposição e das ‘elites’: ‘Os partidos conservadores mantêm, ainda, enorme força no Congresso Nacional, elegeram a maioria dos governadores estaduais, prefeitos, vereadores e deputados estaduais. Os grandes meios de comunicação e o poder econômico também seguem controlados pelas elites’.
O texto diz que o governo não é ‘exclusivamente petista’ e que enfrenta condições ‘estruturais e conjunturais muito difíceis’.’
BRASIL TELECOM
Herdamos bomba-relógio, afirma a Brasil Telecom
‘Desde que a nova administração assumiu a Brasil Telecom, em 30 de setembro do ano passado, as ações da companhia já caíram 16%, depois de uma alta expressiva nas primeiras semanas.
Sem citar o nome do Opportunity, que estava no comando da empresa, o presidente da BrT, Ricardo Knoepfelmacher, 39, responsabiliza a gestão anterior por essa queda. ‘Encontramos uma bomba-relógio que agora estamos desmontando’, afirmou Ricardo K, como é conhecido no meio empresarial.
Segundo Ricardo K, essa queda de ações é reflexo principalmente de uma renegociação de contratos feita pela gestão anterior um mês antes de os novos administradores entrarem na empresa.
Foram renegociados quase R$ 2 bilhões em contratos, quando a média mensal da empresa é de R$ 150 milhões. Os custos da empresa aumentaram 14%, e o mercado foi informado disso. ‘O resultado da empresa certamente foi afetado por esses novos custos.’
Apesar de responsabilizar o Opportunity por essa queda das ações, Ricardo K afirma que não é objetivo da empresa retaliar a antiga gestão. ‘Não vamos ficar chafurdando nessa lama’, afirma. ‘O passado tem de ser enterrado.’ Leia a seguir entrevista à Folha.
Folha – Como o sr. explica a queda de 16% no preço das ações da Brasil Telecom desde que a nova gestão assumiu a empresa?
Ricardo K – Toda informação, quando mal interpretada, pode gerar algum ruído. A atual administração da Brasil Telecom pauta o seu trabalho pela ética, pela transparência e pela obediência à lei. Desde a nossa chegada, deparamo-nos com uma série de aumentos de custos que nos obrigaram a tomar medidas estruturais complexas, e informamos esse problema ao mercado. Nós tivemos quase R$ 2 bilhões de contratos renegociados pela antiga administração às vésperas da nossa chegada. Todo mês, a empresa renova cerca de R$ 150 milhões em contratos.
Em agosto, um mês antes da nossa chegada, foi renegociado R$ 1,9 bilhão em contratos, o que representou um aumento médio de 14% nos custos de serviços de terceiros. Essa foi uma bomba-relógio que encontramos e agora estamos desmontando. Nós transmitimos essa informação ao mercado. Herdamos uma situação muito complicada.
Folha – Como a empresa pretende desmontar essa bomba-relógio?
Ricardo K – Nós estamos chamando os nossos 25 principais fornecedores para renegociar os contratos. Nossa expectativa é conseguir, em parceria com os fornecedores, uma redução substancial nos preços desses contratos. Quanto conseguiremos reduzir? Não sei. Nós estamos negociando contrato por contrato.
Folha – É isso o que explica a queda das ações?
Ricardo K – Claro. Ninguém sabia dessas negociações. O mercado não tinha esse conhecimento. O resultado da empresa certamente foi afetado por esses novos custos. E também fomos explícitos quanto à queda no mercado de voz fixa, que em 2006 não será compensado pelo reajuste tarifário. Essa transparência é fundamental para o mercado avaliar corretamente o valor da ação.
Folha – Foi por isso que a empresa anunciou a provisão de R$ 622 milhões?
Ricardo K – Não. A provisão de R$ 622 milhões foi feita por outros motivos. Houve necessidade de atualização da tábua atuarial do plano de previdência dos funcionários, que estava defasado. As pessoas hoje vivem mais, e a nossa tábua atuarial estava defasada. Também tivemos outras contingências decorrentes de processos trabalhistas e fiscais, aproveitamento indevido do ICMS, e nova súmula Fust.
Folha – A queda das ações da empresa preocupa?
Ricardo K – Não. Nós temos um mandato para valorizar a empresa no médio e longo prazos. As ações começaram a crescer muito, pouco antes da nossa entrada na empresa, e, depois que alcançaram um patamar bastante alto, começaram a cair. A ação, hoje, está no mesmo patamar de duas semanas antes da nossa chegada à empresa, quando o mercado já refletia a euforia com a perspectiva da rápida troca dos antigos gestores. Os fundamentos da empresa continuam muito sólidos.
Nós recebemos, na semana passada, vários relatórios de analistas. Nós analisamos oito, e esses mantêm recomendação de compra da ação. Um deles, do banco ABN Amro, diz que a ação da companhia tem potencial de crescimento de quase 150%.
O relatório chama a atenção, entre outras coisas, à maior transparência e à nova governança corporativa. As pessoas e o mercado tinham dúvidas sobre como eram tratadas essas questões dentro da empresa. Agora, os investidores estão muito mais tranqüilos.
Folha – Quais são as perspectivas da empresa para este ano?
Ricardo K – Nós fizemos uma reunião com os investidores no dia 19 dezembro na qual nós explicitamos os nossos planos e a nossa visão sobre o mercado de telecomunicações para este ano.
Nós temos alguns ofensores importantes à performance para este ano. O primeiro deles são as grandes questões regulatórias. Há uma série de investimentos importantes que nós vamos precisar fazer para atender às exigências dos novos contratos de concessão e à manutenção das agressivas metas do plano de universalização. O segundo ofensor é o fato de o nosso principal negócio, a telefonia fixa, estar encolhendo.
Esse não é um fenômeno brasileiro, mas que foi mascarado no Brasil durante bastante tempo por causa do índice de correção de tarifas. A inflação era alta e o índice anual encarregado do reajuste de tarifa, o IGP, mascarava esse encolhimento do setor.
Neste ano, com o índice de inflação tão baixo e com a adoção do novo índice, o IST, nós estimamos que o aumento da tarifa não vai ser suficiente para compensar a inexorável queda de receita. E o terceiro ponto, muito importante, é que, durante este ano, vamos partir para cortar custos e buscar rentabilidade. Nós temos que ser obsessivos no corte de custos.
Folha – Já foi definida qual será a nova agência de propaganda?
Ricardo K – Ainda não. Estamos na fase final. O mais importante, no entanto, é que a escolha da agência de propaganda foi feita dentro da empresa. Antes, a decisão era tomada fora da empresa.
Folha – Antes era o Opportunity que tomava essas decisões?
Ricardo K – Não localizamos dentro da empresa pessoas que tivessem participado da seleção nem critérios técnicos no processo. Agora foi diferente. Avaliamos 25 agências. Dessas, foram escolhidas oito, entre elas a Duda Mendonça, a atual agência principal. Serão selecionadas duas agências: uma que vai cuidar da telefonia fixa e móvel e outra que vai cuidar dos provedores de internet.
Folha – Como o sr. pretende tratar as irregularidades encontradas da administração anterior?
Ricardo K – Acho importante dizer que, felizmente, essa agenda de explicitação das irregularidades toma cada vez menos tempo dos executivos da empresa. Quando encontrarmos uma irregularidade, nós vamos tomar as medidas cabíveis. Não queremos ficar chafurdando nessa lama. Foi com esse intuito que fizemos a representação na CVM, além de todas as medidas judiciais que já foram e ainda serão tomadas. Mas isso toma cada vez menos tempo da administração da empresa. O passado tem que ser enterrado.
Folha – A nova gestão está preparando a empresa para ser vendida? Já há negociações?
Ricardo K – Nosso papel é valorizar a empresa e transformá-la na melhor empresa de telecomunicações do país. Qualquer negociação com os acionistas está nas mãos deles. Não temos conhecimento de qualquer negociação. Os principais parâmetros de avaliação da performance da empresa vêm caindo de 2002, e o nosso objetivo é recuperá-los. Em nenhum momento foi dito que nosso objetivo é vender a empresa.
Folha – Quais são os planos da Brasil Telecom?
Ricardo K – Nós estamos, neste momento, vivendo uma grande mudança no mercado de telecomunicações. Há uma tendência à queda do tráfico de voz, historicamente o principal negócio das grandes operadoras. Neste primeiro semestre, nós lançaremos três produtos inovadores.
O primeiro será um terminal móvel, que irá integrar telefone fixo e móvel. Hoje, mais de 30% dos consumidores, mesmo tendo o telefone fixo em casa, que custa um décimo, preferem usar o celular. Nosso produto permite que a ligação curse pela rede fixa mais barata e tem a conveniência da agenda do celular. Lançaremos também a nossa IPTV, para entrar no mundo da televisão sob demanda para os nossos clientes. O terceiro produto é o VoIP fone.
Folha – E o celular?
Ricardo K – O atraso no lançamento do celular na Brasil Telecom fez com que a companhia fosse a quarta entrante no seu mercado. O motor de crescimento de uma empresa de telecom hoje é o celular. Enquanto a telefonia fixa cai entre 4% e 6% ao ano no Brasil, o tráfego na telefonia celular continua aumentando, acima de dois dígitos por ano.
Nós já alcançamos a marca de 2,2 milhões de clientes. Pretendemos, no final deste ano, chegar a 3 milhões, e, no início de 2007, já vamos estar com a operação equilibrada. Hoje, essa é uma operação que ainda drena recursos.
Folha – Qual a estratégia da empresa para a área da internet?
Ricardo K – Nós temos três portais: o iG, o BRturbo e o Ibest. Já fizemos a integração operacional, que representa não só cortes de custos mas unidades de estratégias. Os três portais têm hoje os mesmos diretores. Nós estamos acompanhando com atenção os movimentos do mercado, inclusive o lançamento de ações do UOL. Nós vamos anunciar uma estratégia arrojada em breve.
Folha – E sobre a TV digital?
Ricardo K – A discussão da TV digital é muito mais do que a simples definição do padrão de qualidade de uma televisão. Até o nome é enganoso porque o que está por trás é a capacidade de explorar um novo modelo de negócio no país. Nós, empresas de telecomunicação, também podemos oferecer para os clientes serviços de interatividade, hoje exclusivos da DTH e TV a cabo.
O Brasil é um grande exportador de conteúdo -exportamos novelas para todo o mundo, por exemplo- e tem uma espetacular infra-estrutura de telecomunicações. A convergência tecnológica rompe as barreiras e não há uma regulação de nossos serviços possíveis com a introdução do sinal digital. O nosso pleito é que as discussões não se restrinjam sobre qual é o melhor modelo de televisão, mas que se olhe muito mais do que isso. Não podemos ficar alijados desse processo.’
O MISTÉRIO DAS BOLAS DE GUDE
Folha de S. Paulo
Dimenstein narra o despertar dos excluídos
‘O passeio literário começa na Vila Madalena e segue para o centro de São Paulo. Depois, passa por destinos como Rio, Recife, Cali (Colômbia), Manaus, Nova York e a Índia. Misto de investigação jornalística e de diário de viagem, a obra ‘O Mistério das Bolas de Gude’ (Papirus), que o jornalista Gilberto Dimenstein lança amanhã, narra histórias de invisibilidade e de encantamento.
Em 190 páginas, o colunista e membro do Conselho Editorial da Folha descortina casos de pessoas excluídas da sociedade que, das mais diversas formas de expressão, foram ‘despertadas’ e estabeleceram uma relação de pertencimento com o mundo.
Para Dimenstein, a invisibilidade é a principal causa da violência, maior ainda do que a pobreza. ‘O que gera a violência é a sensação de não ter conhecimento, de não pertencer à sociedade.’ A tese é corroborada por casos documentados em 16 anos de investigação jornalística pelo mundo.
Ele conta que a primeira vez que percebeu o fenômeno foi na Índia, país mais pobre do que o Brasil, marcado por tensões raciais e religiosas e que apresentava taxa de homicídios semelhante à de Florianópolis (SC).
Em Nova York, capital onde viveu durante três anos, Dimenstein diz ter assistido a uma série de iniciativas de inclusão social que melhoraram a questão da invisibilidade e que colaboraram para a redução da violência. ‘Não era só dar grana, era oferecer meios para as pessoas se expressarem por meio da dança, da música, da poesia, do esporte.’
Ao voltar para São Paulo, em 1998, o jornalista deparou com a capital vivendo um dos seus piores momentos, com altos índices de criminalidade. ‘Talvez tenha sido o momento em que São Paulo foi ao fundo do poço.’
Hoje, comparando com aquele período, ele acredita que a cidade tenha emergido e reduzido seus índices de violência graças à sofisticação do capital humano, dos programas sociais efetivos, das iniciativas do terceiro setor e das lideranças comunitárias.
No caso do Jardim Ângela, na zona sul de São Paulo, tido pela ONU como a região mais violenta do mundo, a taxa de assassinatos caiu 73%, se comparados o período de janeiro a junho de 2001 com o mesmo intervalo de 2005. Programas sociais também reduziram os índices de violência em 49% em Heliópolis, segunda maior favela da América Latina.
‘Tem uma coisa nova em São Paulo, um movimento de resistência. É uma cidade essencialmente selvagem, cruel. Mas é essa selvageria que está criando um movimento de resistência.’
Na sua avaliação, São Paulo nunca esteve tão exuberante do ponto de vista cultural. Sob essa ótica, ele afirma não ter dúvidas de que a capital é melhor do que parece, tema, aliás, de um debate que a Folha promove amanhã, por ocasião do 452º aniversário de São Paulo. Após o evento, haverá o coquetel de lançamento do livro do jornalista.
‘A cidade é melhor do que parece, mais interessante do que parece, oferece mais coisas do que parece. É eletrizante, tem uma sociedade empreendedora e efervescente. Não é uma cidade para amadores. É para pessoas que amam o urbano e a diversidade.’
Dimenstein não poupa críticas ao poder público. Esse sim seria ‘pior do que parece’, avalia o jornalista. ‘São Paulo é uma vítima do poder público. Podíamos ter metrô desde o início do século passado e, no lugar das marginais, jardins imensos. Vemos hoje parques e escolas abandonadas, centros de saúde semelhantes aos da África. A cidade é uma tragédia de planejamento urbano, de desrespeito e de descaso.’
Para ele, a única possibilidade de São Paulo melhorar seria por meio de um grande pacto metropolitano, com a conciliação de políticas federais, estaduais e municipais, a exemplo do que aconteceu em cidades como Nova York, Barcelona e Bogotá.
‘Tenho notado uma crescente resistência das pessoas neste começo do século 21. Você vai ao Jardim Ângela e vê crianças conversando com outras de Angola no computador, vai a Heliópolis e vê pessoas tendo aulas de estética com Rui Ohtake, vai para Sapopemba e vê todo um esquema de saúde pública montada pelo [médico] Adib Jatene.’
Terceiro livro de reportagens do autor, ‘O Mistério …’ retrata um hábito que Dimenstein adquiriu na infância: o de flanar, ou seja, de andar sem destino e descobrir coisas por si só. ‘O flanador não se incomoda de não conhecer o grande museu. O barato dele é andar, parar para tomar um café e descobrir um azulejo perdido, uma escada.’
Essa idéia o encanta de tal forma que por pouco não colocou o nome no livro de ‘Diário de um flanador.’ ‘Costumo andar oito, nove horas. Saio da Vila [Madalena], vou ao centro, passo pelo Pátio do Colégio, vejo exposições, paro para tomar café e vou anotando tudo o que acho de interessante.’
Foi numa dessas andanças que o jornalista deparou com a fachada de um bar tomada por bolas de gude, na Vila Madalena. Apesar da cobiça das crianças e da facilidade de serem arrancadas, as bolinhas sobrevivem até hoje. Um símbolo de resistência e o fio condutor para o passeio que o jornalista convida o leitor a fazer.’
Livro explicita ligação entre jornalista e cidade
‘‘O Mistério das Bolas de Gude’ trata de dois temas: pertencimento e visibilidade. Os termos inusuais podem parecer papo de ongueiro -e até são-, mas escondem uma história de amor que vale a pena ser contada. O amor de um jornalista por duas cidades.
O jornalista é Gilberto Dimenstein, desta Folha, autor do livro e criador da ONG Escola Aprendiz, localizada na paulistana Vila Madalena (zona oeste da cidade).
A primeira cidade, o paradigma, é Nova York, onde ele viveu por algum tempo na década de 90, quando os nova-iorquinos tomaram de volta suas ruas, impulsionados pela política de tolerância zero da polícia e pelo crescimento econômico dos Estados Unidos.
A combinação dos três fatores (cidadania, segurança e dinheiro) deu no que deu: uma das maiores cidades do mundo com índices de criminalidade de município interiorano dos anos 60.
A segunda cidade é São Paulo, onde Dimenstein vive hoje. A tese que ele vende, polêmica, é a de que a metrópole brasileira trilha o mesmo caminho de sua parente americana. O leitor tem todo o direito de discordar de tal premissa, mas este repórter avisa: vale a pena sentar e ler as histórias que o jornalista conta para ampará-la.
Pois, como mostra em suas duas colunas neste caderno Cotidiano e vem mostrando ao longo de três décadas de carreira, mormente nos últimos 16 anos, Gilberto Dimenstein sabe olhar onde estão as histórias, voltar para o computador e contá-las.
São casos pungentes de anônimos, de celebridades que superaram obstáculos pessoais terríveis ou de celebridades que descobrem um sentido na vida quando passam a ajudar anônimos. Como pano de fundo -e como personagem também-, a cidade. Mesmo aqui, o autor faz a opção preferencial pela urbanidade, não pelo urbanismo oco e descritivo.
Há o pianista que sobreviveu à perda dos movimentos nas duas mãos, a mãe que vê morrer a filha recém-nascida e passa a ajudar outras mães como ela espalhadas pelas UTIs, o emigrante que descobre a arte nas pedras da penitenciária recém-demolida.
E assim, cercado de boas histórias e auxiliado por estatísticas, Dimenstein defende nas 190 páginas que, ao se tornar visível, o sujeito vira cidadão. Defende também, como fazia o escritor cubano naturalizado italiano Ítalo Calvino (1923-1985), que o mesmo acontecerá se esse sujeito perceber que pertence a algo maior que ele, que também lhe pertence.
A cidade.
Pertencimento lembra uma das prováveis origens da palavra religião (questionada por alguns etimologistas): ‘religar’. Religar cidadão e cidade, sujeito e sociedade, eis o credo de Gilberto Dimenstein.
Livro: O Mistério das Bolas de Gude -Histórias de Humanos Quase Invisíveis
Autor: Gilberto Dimenstein
Editora: Papirus (190 págs.)
Quanto: R$ 28′
COBRAS E LAGARTOS
Daniel Castro
Lázaro Ramos será ‘porta-placa’ em novela
‘Um dos atores mais festejados da nova geração, o baiano Lázaro Ramos, 27, finalmente fará sua estréia em telenovelas. Em ‘Cobras e Lagartos’, próxima trama das sete da Globo, ele será Foguinho, um rapaz pobre que ganha a vida nas ruas do Rio como ‘porta-placa’ ou ‘homem-sanduíche’ (como são chamadas as pessoas que penduram no pescoço placas de compra e venda de ouro).
Segundo João Emanuel Carneiro, autor da novela, Foguinho será um personagem central. A negociação com Ramos, que está de férias na Bahia, foi fechada na última quinta. ‘Ele aceitou porque gostou do papel’, comemora Carneiro, que escreveu ‘Da Cor do Pecado’ _maior sucesso da Globo às 19h nos últimos anos.
Na trama, Foguinho será apaixonado pela personagem de Taís Araújo, mulher de Ramos na vida real. Taís interpretará uma vendedora ambiciosa. ‘Ela vai humilhar Foguinho. Diz que não namora preto’, conta Carneiro.
O cenário principal de ‘Cobras e Lagartos’ será a Luxus, uma megabutique como a Daslu, que venderá até aviões. Francisco Cuoco acertou com a Globo na semana passada e será Omar Pasquim, dono da Luxus, que morre por volta do 30º capítulo.
Também foram confirmados na novela na última semana Luís Mello, Marília Pêra e Otávio Augusto. As gravações começam na primeira semana de fevereiro. Não haverá cenas no exterior.
OUTRO CANAL
Real 1 Assim como sua Ornela de ‘Belíssima’, Vera Holtz está perdendo peso. ‘Já emagreci três quilos’, comemora a atriz, que freqüentou academia até novembro, quando sofreu um deslocamento na bacia justamente ao gravar uma cena na Physical (a academia da novela). Ela está pesando atualmente 78 kg.
Real 2 ‘Não sei se a malhação [de Ornela] não é apenas uma desculpa para ela estar com a juventude que tanto gosta e perto do Mateus [Cauã Raymond]’, afirma. Vera conta que foi esportista na adolescência (fazia atletismo e jogava vôlei em Tatuí-SP). ‘Eu pesava 68 kg quando comecei a fazer [a peça] ‘Pérola’, em 1995. O sucesso engorda’, brinca a atriz _em ótima forma artística e intelectual.
Rumos Ana Furtado, mulher de J.B. de Oliveira, o Boninho (diretor de ‘Big Brother Brasil’), deixará de ser repórter do ‘Vídeo Show’ em abril. Mas não ficará desempregada. A Globo já acertou com ela um novo contrato, de atriz, por dois anos. Ana ficará à disposição de futuras novelas da emissora.
Unidos de ‘Belíssima’ O elenco de ‘Belíssima’ não é unido apenas nos bastidores da novela. Parte dele passará o Carnaval junto. Leopoldo Pacheco (o Cemil), Pedro Paulo Rangel (Gigi), Maria Flor (Taís) e Bianca Comparato (Maria João) já confirmaram presença no camarote da Brahma, no Rio.’
PROVA DE AMOR
Laura Mattos
Surfando no ibope
‘A pressão alta gerada na Globo desde outubro por ‘Prova de Amor’ evoluiu para um princípio de infarto na última semana. O Ibope em tempo real registrou vitória histórica para a novela da Record na quarta: cinco minutos à frente do ‘Jornal Nacional’.
Nem o relatório consolidado do dia seguinte, que mudava o resultado do jogo para empate, acabou com a festa de um dos principais responsáveis pelo estresse global.
Autor de ‘Prova de Amor’, Tiago Santiago, 42, já se fincou no trono de rei da cocada preta da teledramaturgia off-Globo. O mais irônico é que ameaça a concorrente justamente com armas adquiridas por lá, onde atuou ao longo de 15 anos como colaborador de autores-grifes da casa.
Tentou emplacar tramas próprias, uma delas parecida com ‘Prova de Amor’, mas não conseguiu romper a barreira do ‘dream team’ de novelistas. Em 2004, recebeu do veterano diretor Herval Rossano o convite para escrever o remake ‘A Escrava Isaura’.
Trocou o segundo escalão da Globo pelo primeiro da Record, por um salário cinco vezes maior, e reinaugurou com boa audiência a teledramaturgia da emissora.
‘Prova de Amor’, ‘clone’ dos folhetins globais, fez estrago bem maior e está perto de deixar ‘Bang Bang’, da Globo, para trás. Santiago acompanha a aproximação em seu computador, que tem acesso ao tempo real do Ibope. Mais do que alavancar sua carreira, os números que vê na tela significam cifrões: quanto mais ibope, mais sobe sua remuneração.
Feliz, ele escreve os capítulos na sacada do flat, de frente para o mar, na Barra (Rio). E todo dia, o quarentão ‘sarado’ -1,77 m, 67 kg- arruma tempo entre as dez horas de trabalho para correr na praia, fazer musculação ou jogar tênis no condomínio. Surfista, encostou a prancha, por ora. O mar está gelado, e Santiago está longe de querer, bem agora, um banho de água fria. Leia a seguir a entrevista concedida à Folha.
Folha – Nos 15 anos de Globo, tentou emplacar uma novela sua?
Tiago Santiago – Entreguei três sinopses. Duas eram histórias minhas, contemporâneas, com tramas urbanas parecidas com as de ‘Prova de Amor’. Propus ‘Água do Paraíso’, em 1992, e ‘Flores e Espinhos’, em 2004, que tinha a história dos gêmeos que usei agora na Record. Em 97, sugeri uma trama de época, baseada na vida de Ana Jansen, imperatriz do Maranhão [século 19], que era um projeto do Herval Rossano.
Quando eu não estava envolvido diretamente em uma produção, usava o meu tempo para desenvolver sinopses, na esperança de que acontecesse a mágica de ela ser aprovada. Mas na Globo é muito difícil se tornar titular.
Folha – Quem avaliou suas propostas e que resposta deu a você?
Santiago – Entreguei as sinopses para o Mário Lúcio Vaz [diretor-geral artístico da Globo] e o Ari Nogueira [diretor de recursos artísticos]. Eles me respondiam que eram boas, mas que não ia dar para entrar. Eu estava concorrendo sempre com 20 escritores que têm muito mais experiência.
Para o horário das seis, competia com remake de Benedito Ruy Barbosa, Ivani Ribeiro, novela de Walter Negrão. É sempre assim. Às sete, tinha Maria Adelaide Amaral, Miguel Falabella, Antônio Calmon. Era difícil uma novela minha entrar em produção.
Folha – Como João Emanoel Carneiro conseguiu entrar no primeiro time, com ‘Da Cor do Pecado’?
Santiago – Tinha a supervisão do Silvio de Abreu, entrou na vez dele. Também vinha de três temporadas bem-sucedidas em ‘Malhação’. Agora vai concorrer comigo. A novela dele estréia em abril, no lugar de ‘Bang Bang’, e pega ‘Prova de Amor’ na fase final.
Folha – É mais fácil virar um autor titular com apadrinhamento?
Santiago – É. Eu tinha do Herval, e mesmo assim não conseguia. Ele tentou me chamar na Globo para fazer uma novela, mas não conseguimos emplacar. Quando foi para a Record me convidou para escrever ‘A Escrava Isaura’.
Folha – Na Globo, o salário de autor varia de quanto a quanto?
Santiago – Acho que vai de R$ 2.000, para roteiristas novos, recém-contratados, a R$ 200 mil.
Folha – Por quanto o seu salário foi multiplicado na Record?
Santiago – Cinco vezes. Eu saí de salário de colaborador na Globo para um de titular na Record. Quanto a isso, não tenho do que reclamar. O que a Record tem de bom é a premiação de pontuação, ou seja, quanto mais ibope eu dou, mais ganho. Na Globo isso não existe. Os salários de autores bem-sucedidos equivalem a de presidentes de multinacionais. Mas os colaboradores ganham muito menos, um décimo.
Folha – Quais são as principais diferenças entre trabalhar na dramaturgia da Globo e na da Record?
Santiago – Na Record, sou titular e tenho mais liberdade criativa. Na Globo, há muito mais interferências, tem mais gente, muito cacique para pouco índio. São muitos diretores de diversas áreas. Na Record, trabalhamos com um grupo menor, com mais proximidade entre o autor e alta direção.
Folha – Em que medida o fato de ‘Bang Bang’ ser uma novela problemática colaborou para o sucesso de ‘Prova de Amor’?
Santiago – Em ‘A Escrava Isaura’, lutamos contra Antônio Calmon, com ‘Começar de Novo’ e ‘A Lua me Disse’, do Miguel Falabella. Se o produto é bom, conquista o público independentemente da concorrência. Se ‘Prova de Amor’ fosse ruim, o telespectador poderia continuar em ‘Bang Bang’ por hábito de ver a Globo, colocar em outro canal ou até desligar a televisão.
Folha – O texto de ‘Prova de Amor’ costuma ser extremamente didático, mais até do que os das novelas da Globo. Por quê?
Santiago – Quero fazer um texto claro, que o espectador que ainda não viu a novela e veja pela primeira vez possa entender para aumentar a audiência. É uma estratégia. É sempre importante conquistar o telespectador que está passando por ali. Faço isso também para pegar de crianças a velhinhos, da classe A à E.
Folha – Apesar de criar uma opção de teledramaturgia fora da Globo, ‘Prova de Amor’ é criticada por ser uma cópia fiel do modelo global e não ousar. Não é como ‘Pantanal’, que trouxe uma nova linguagem.
Santiago – Fazer uma novela urbana e contemporânea fora da Globo é uma ousadia em si. Todas as novelas feitas para tentar combater a Globo foram de época ou rurais, como ‘Pantanal’, ‘Éramos Seis’, ‘Xica da Silva’, a própria ‘A Escrava Isaura’, ‘Dona Beija’, ‘Marquesa de Santos’, ‘Os Imigrantes’. Tentar entrar no território que era exclusivo da Globo até então é uma ousadia. As emissoras tinham medo da comparação. Novelas de época já têm um glamour por seus figurinos e cenários e podem esconder a falta de estrutura. Mas conseguir o glamour e o impacto visual numa novela contemporânea é mais difícil. Na Record, avaliamos se isso não seria perigoso. Meu argumento foi que a gente ia propor uma alternativa justamente no momento em que a Globo estava se saturando de novelas de época. Como reação à ‘Escrava Isaura’, a Globo colocou ‘Força de um Desejo’ no ‘Vale a Pena Ver de Novo’, ‘Alma Gêmea’ às 18h e ‘Bang Bang’, que também seria de época, às 19h. E ainda tinha ‘Xica da Silva’ no SBT. Defendi que o público estaria saturado.
Folha – Qual a sua opinião sobre o projeto da Record de tentar copiar toda a programação da Globo, na teledramaturgia e no jornalismo?
Santiago – De alguma forma, se basear no que existe de melhor é uma estratégia inteligente.’
***
Para ser ‘clone’ da Globo, Record assedia globais
‘‘Prova de Amor’ não será o único ‘clone’ da Globo na Record. A estratégia da emissora da Igreja Universal é copiar toda a programação da líder. O assédio da Record para contratar profissionais para a novela (atores, autor, diretor, iluminadores etc.) se amplia com o projeto de aproximar o ‘Jornal da Record’ do ‘Jornal Nacional’.
Após a rescisão com Boris Casoy, a ex-repórter global Adriana Araújo foi escalada para dividir a bancada com Celso Freitas, também ex-Globo. A Record está contratando também globais para a reportagem e se dispôs a pagar R$ 2 milhões de multa à Globo para adquirir o passe de Carlos Dornelles.
Em março, estréia ‘Cidadão Brasileiro’, do veterano e ex-Globo Lauro César Muniz. Assim, a Record consolidaria a cópia do ‘sanduíche’ novela das sete/jornal/novela das oito. No segundo semestre, deve entrar no ar a novela das seis. O investimento em teledramaturgia fez a Record crescer no Ibope do horário nobre, de 5,5 pontos em 2004 para 7,2 em 2005. O SBT, vice-líder de audiência, teve uma variação de 10,3 para 10,7.
Na média diária, a Record foi de 4,2 (2004) para 5 (2005), e o SBT, de 8,4 para 9. Em 2005, Record e SBT faturaram cerca de R$ 700 milhões cada uma.’
OS SIMPSONS
Marco Aurélio Canônico
Sexta temporada traz Simpsons sentimentais
‘Quando precisou sair da saia justa em que se meteu ao se referir ao telespectador médio do ‘Jornal Nacional’ como ‘Homer Simpson’, o apresentador William Bonner afirmou que via o personagem do desenho animado como ‘um pai de família trabalhador, protetor, conservador’, e não o idiota beberrão que é a imagem mais comum de Homer.
A sexta temporada de ‘Os Simpsons’, lançada pela Fox em caixa com quatro DVDs, comprova que é possível enxergar na estereotípica família norte-americana e em seu líder as qualidades ressaltadas por Bonner.
Os 25 episódios que compõem esta temporada (o desenho está na 17ª na TV norte-americana) são marcados por belas demonstrações de afeto, dedicação à família e aos amigos, abnegação e voluntarismo. O que não quer dizer que o desenho fica piegas -suas características continuam sendo a crítica irônica e as referências pop espalhadas em cada episódio.
Alguns momentos são particularmente tocantes: a cidade inteira se unindo a um Ned Flanders condenado à morte e cantando ‘Que Sera, Sera’ (em ‘O Cometa Bart’), o amor fraternal de Lisa e Bart superando suas rivalidades (em ‘Lisa no Hóquei’), o enorme sacrifício pessoal de Homer em prol do bebê da família (‘E com a Maggie Já São Três’) e de Marge (‘Homer Vs. Patty & Selma’).
É claro que o líder dos Simpsons continua estúpido (pois é de sua estupidez caricatural -de resto, uma crítica ao americano médio- que deriva boa parte da graça do desenho), assim como os demais personagens mantêm suas características. Mas, nessa temporada, os Simpsons estão mais sentimentais do que nunca.
Os Simpsons – Sexta Temporada
Lançamento: Fox
Quanto: R$ 140, em média’
GLOBO DE OURO
Globo de Ouro premia mulheres estranhas
‘E ela ganhou um Globo de Ouro, superando a quadra de ‘Desperate Housewives’. Quando esta coluna destacou a atuação de Mary-Louise Parker (‘Weeds’ ironiza os paradoxos da América’, em 20 de novembro de 2005), a comparação entre as atrizes de ambas as séries já se impunha.
Não por acaso, elas, as séries, são da mesma linhagem cômico-amargas e elas, as atrizes, também. Os dois seriados conseguiram criar personagens mulheres muito mais interessantes do que a média. E, novamente, nos dois casos, as atrizes chamadas para os papéis destoam do comum.
Aliás, não foi só essa que destacou os bons papéis e atuações. Todos os prêmios para atrizes e atores desta última edição do Globo de Ouro parecem indicar o que, esperemos, firme-se como tendência: trabalhos mais consistentes de interpretação e de personagens nas séries de TV.
Por exemplo, a vencedora na categoria de atriz dramática, Geena Davis, convence até em uma série fraquinha como ‘Commander in Chief’. Entre os homens, o premiado Hugh Laurie é quem empresta ao doutor House a ambigüidade necessária para que o personagem não seja totalmente repugnante.
De forma similar, o melhor papel masculino em comédia é o de Michael Scott, interpretado por Steve Carell, como o gerente cheio de empáfia e de cinismo da versão norte-americana de ‘The Office’. Novamente, uma espécie de modelo dessa América às avessas que os seriados mais adultos vêm conseguindo registrar.
Mas o Globo de Ouro foi mesmo das mulheres engraçadas e esquisitas -as quatro donas-de-casa de Whisteria Lane e a traficante mãe-de-família de ‘Weeds’. Num certo sentido, aqui, realmente, a importância da competição é maior do que a da vitória.
Embora Mary-Louise Parker em ‘Weeds’ esteja, de fato, alguns centímetros à frente de suas concorrentes, o fato de ‘Desperate Housewives’ ter conseguido as quatro outras indicações da categoria também é uma vitória.
Felicity Huffman, Marcia Cross, Eva Longoria, Teri Hatcher (nessa ordem) salvaram ‘Desperate Housewives’ da banalidade cínica em que poderia ter caído. Cada uma, a seu modo, emprestou inflexões um tantinho mais complicadas aos tipos que representam. Todas fugiram do naturalismo e do espontaneísmo que são moeda corrente da atuação em TV e souberam fazer caricatura sem estereotipia.
Mary-Louise, por sua vez, sabe tudo isso -e mais um pouco. Talvez esse algo mais seja uma fragilidade que a faz parecer estar à beira, não de um simples ataque de nervos, mas de uma desintegração mental (o que, de fato, acontecia com ela na ótima minissérie ‘Angels in America’), talvez seja uma espécie de graça tímida, à revelia de si mesma. O que quer que seja, foi o que os votantes do Globo de Ouro distinguiram das demais indicadas.’
******************
Folha de S. Paulo
Sábado, 21 janeiro de 2006
COBERTURA POLÍTICA
O gato e o rato
‘RIO DE JANEIRO – Acompanho à distância e sem muito entusiasmo a cobertura dos bastidores da política nacional. Bem ou mal, por dever de ofício, não de consciência ou vontade, passo por um canal da TV e descubro um cidadão dizendo alguma coisa para os outros cidadãos, inclusive para mim, que mal e porcamente me considero cidadão.
Foi assim que peguei o presidente da Câmara dos Deputados largando para todos nós, cidadãos, uma metáfora que já ouvira antes, mas dela não me lembrava. Dizia ele que não importa a cor do gato, se é branco, preto ou ‘cor de burro quando foge’, uma cor também metafórica e comum na natureza. O que importa é que o gato, qualquer que seja a sua cor, cace o rato.
Não tenho certeza, mas acho que a frase dita pelo presidente da Câmara foi mais econômica, como convém às metáforas: ‘Não importa a cor do gato se ele caça o rato’.
Evidente que concordei, também metaforicamente, com o ditado, mas fiquei sem saber em que contexto ele se encaixava. Quem era o gato? Quem era o rato?
Dizem que a frase mais importante de J.P. Sartre, a única que ficará para a história, foi aquela: ‘O inferno são os outros’. Aplicando a frase sartreana ao que foi dito pelo presidente da Câmara, pode-se deduzir que o rato são os outros. Que outros? Não ficou claro. Creio que ele se referia aos ratos mesmo, ficando a critério de qualquer um estabelecer o tamanho, os feitos e feitios de cada rato -isolado ou genericamente.
Pulando do democrata Aldo Rabelo para um dos pesos-pesados do fascismo em sua versão século 20, lembro uma frase que repetiu a seu modo a mesma metáfora: ‘Um gato come o rato. De quem é a culpa?’
Esquecendo o gato e rato, mas ficando na escala animal, invoco o porco, que agora pode ser iluminado, fosforescente, como nesta semana andei lendo por aí. O porco poderia entrar na metáfora, atribuindo-me o uso de seu espírito, que continua opaco.’
DEFESA DE LANCELOTTI
Meu caro padre Júlio Lancelotti
‘Li o artigo que a revista ‘Veja’ publicou sobre você. A jornalista certamente não conhece sua vida. Quantas vezes, caro padre Júlio, conversamos longas horas colocando em comum o ideal de seguir Jesus Cristo e de servir por amor o povo mais pobre. Lembro-me de quando o vi pela primeira vez, em 1976. Encontrei-o rezando na Igreja. Você era um jovem professor e educador dos rapazes da Febem no Tatuapé, na capital de São Paulo.
Mais tarde, você decidiu fazer os estudos do seminário e ser sacerdote para melhor anunciar Jesus Cristo, revelar a cada pessoa a dignidade de filhos de Deus e empenhar-se inteiramente na promoção dos excluídos e, em especial, dos menores de rua.
Foi nos anos 70 que nasceu a Pastoral do Menor, na área do Belenzinho, na Zona Leste. Você foi dos primeiros a assumir essa missão. Na época, vivi a seu lado e sou testemunha do seu zelo em acolher os jovens de rua, em atuar na Febem, buscando métodos mais humanitários. Perto da Igreja de São José do Belém, você abriu a casa para atender aos casos mais urgentes. Foi aí que velamos durante a noite e a madrugada o Joilson, rapazinho assassinado covardemente no largo São Francisco. Seguiram-se, é triste lembrar, outros muitos menores eliminados pela violência.
Passaram-se quase 30 anos de constante solicitude pelos meninos e meninas e pelos jovens desamparados. Seu empenho alargou-se para o povo sofrido das ruas do centro de São Paulo. Homens e mulheres rejeitados pela sociedade. Sem teto e sem apoio. Desnutridos. Expostos à violência e, não raro, resvalando na bebida, na droga, no desespero e no crime. Mas também quanta gente boa, de coração aberto, dividindo o pão e a coberta uns com os outros. São milhares, cada um com sua história, sofrimentos e pequenas alegrias. Quanta gente povoa a nossa memória: João, Aguinaldo, Joaquim, Tavares. Alguns bem doentes, com feridas, precisando de tratamento.
Seu sacerdócio, padre Júlio, desde cedo ficou marcado pelo anseio de amar e de acolher esses irmãos e irmãs, acompanhando-os nas vicissitudes e dando-lhes seu tempo, sua inteligência e seu coração para ouvi-los, compreendê-los e ajudá-los a ter esperança e caminhar na vida.
Surgiram iniciativas preciosas. Em 1990, você inaugurava a Comunidade São Martinho, no viaduto de Guadalajara, para oferecer ao povo da rua, durante o dia, um ambiente amigo, o café, banho, documentos e iniciação ao trabalho. Ver para crer. Quanto bem tem sido feito. Só Deus sabe. Veio depois a abertura da Casa Vida, para as criancinhas portadoras de HIV. Continuava o esforço hercúleo para a recuperação dos jovens internos na Febem, as visitas às delegacias e prisões e muitas outras lutas. Não me esqueço de sua colaboração com irmã Maria do Rosário, com Ruth Pistori e com tantos outros para a redação do Estatuto da Criança e do Adolescente e para as Semanas Ecumênicas do Menor. Tudo isso está escrito no Coração de Deus. Poucos conhecem sua incansável atuação na paróquia de São Miguel, onde tantos encontram a palavra de conforto, o alimento e o abrigo para a noite.
Caro irmão, não se impressione com o que alguns escrevem sobre você, deformando a verdade. Estou certo de que você perdoa a todos. Não conhecem sua vida nem o sofrimento dos pobres. Fiel discípulo de Jesus Cristo, continue fazendo o bem. Deus está com você.
Dom Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.
@ – almendescuria@yahoo.com.br’
NOSSA TV
R.R. Soares lança TV paga para evangélicos
‘Será lançada até maio a Nossa TV, a primeira operadora de TV paga evangélica do país. Será uma operadora via satélite (como a Sky e a DirecTV) que oferecerá 36 canais por até R$ 50 mensais. A meta é atingir 100 mil assinantes.
O projeto é do missionário R.R. Soares, líder da Igreja Internacional da Graça, que ocupa um hora da faixa nobre da Band e também está na Rede TV!. Soares é cunhado de Edir Macedo, da Igreja Universal, que chegou a ter uma licença para operar TV paga via satélite, mas desistiu do negócio.
Soares já tem uma pequena rede de TV em UHF, a RIT TV, que será uma das âncoras da Nossa TV.
Segundo Luís Mauro Santos da Silva, assessor de Soares responsável pela implantação da operadora, toda a parte operacional da Nossa TV (como equipamentos e aluguel de espaço em satélite) já está definida e encomendada a fabricantes. Ele não revela gastos.
O assessor diz que serão oferecidos três pacotes, um com 18 canais, outro com 25 e outro com 36. ‘A programação terá conteúdo cristão, da RIT e mais quatro canais religiosos de outras igrejas’, diz. Haverá também um canal jornalístico (próprio de Soares ou a Band News) e um esportivo.
Silva diz que negocia com a Discovery a inclusão de canais do grupo. Segundo ele, a Nossa TV também terá canais de cinema, ‘sem sexo e desvios’, como o MGM, e étnicos (o japonês NHK e o alemão DW já estão certos).
OUTRO CANAL
Crime Deu 46 pontos de média, com picos de 55, o capítulo de anteontem de ‘Belíssima’, que mostrou a suposta morte de Bia Falcão (Fernanda Montenegro). Foi frustrante para um momento tão importante para a trama _’viradas’ como essa costumam dar mais de 50 pontos. Mas ‘Belíssima’ está sofrendo com o ‘efeito ‘Bang Bang’, que fez cair a audiência do ‘JN’ e da novela das 21h.
Chuvisco Assinantes da Net em cerca de 25 bairros de São Paulo perderam o capítulo de ‘Belíssima’ na quinta-feira ou só o viram graças a antenas externas comuns (sinal aberto). A operadora afirma que ficou fora do ar devido à danificação de equipamentos (quebra de cabos, por exemplo) e por falta de energia elétrica. Ambos os problemas, diz a Net, foram causados pelas chuvas.
Falha Pode se dizer que o capítulo de anteontem de ‘Belíssima’ teve um roteiro impecável. Mas a produção e a direção da novela pisaram na bola: misturaram cenas em que Bia dirigia ora pela Via Anchieta ora pela Imigrantes.
Prêmio Produzida para a DirecTV, a série musical ‘7 x Bossa Nova’ acaba de ser indicada uma das cinco finalistas no New York International Television Festival, que teve 4.300 programas inscritos. A série foi criada por Rogério Brandão, hoje diretor de conteúdo da Rede 21.’
MISTÉRIO NO IBOPE
Record acha Ibope ‘estranho’
‘A direção da TV Record decidiu ontem questionar formalmente o Ibope pelo ‘sumiço’ dos cinco minutos em que sua novela ‘Prova de Amor’ superou o ‘Jornal Nacional’ (Globo), quarta-feira.
Na medição prévia feita na Grande São Paulo, enviada pelo Ibope em tempo real às emissoras, ‘Prova de Amor’ chegou a abrir quatro pontos de vantagem sobre o ‘JN’ (25 a 21 pontos, às 20h30). No relatório com os dados consolidados, remetido pelo instituto às redes no dia seguinte, em nenhum minuto a Record vence a Globo. A ‘vantagem’ de quatro pontos das 20h30 ‘virou’ a favor da Globo: no consolidado, nesse momento o ‘JN’ aparece com 26 pontos, contra 25 da Record. Cada ponto na Grande SP equivale a 52 mil domicílios.
‘Causou-nos muita estranheza essa variação de um dia para o outro. Se houve erro, por que só os números da Globo cresceram? É muito estranho que a emissora líder tenha crescido cinco pontos sem que houvesse variação no total de televisores ligados. Não foi um simples arredondamento, o que deixa a Record muito chateada’, afirmou ontem Alexandre Raposo, presidente da emissora.’
***
Ibope não comenta ‘sumiço’ de liderança
‘O Ibope não se pronunciou ontem sobre o questionamento da Record em relação à variação entre a audiência prévia e a consolidada, que prejudicaram a emissora e favoreceram a Globo.
Procurado pela Folha, o instituto se limitou a enviar por e-mail, via sua assessoria de imprensa, o seguinte texto: ‘O Ibope divulga diariamente dados de audiência com características técnicas conhecidas pelas emissoras e aprovadas por auditorias contínuas. O Ibope não comenta os dados obtidos pelas emissoras’.
Para a Record, o ‘sumiço’ dos cinco minutos em que a novela ‘Prova de Amor’ bateu o ‘Jornal Nacional’ continua sendo um mistério tão intrigante quanto o suposto assassinato da vilã Bia Falcão em ‘Belíssima’.
Até ontem, segundo Alexandre Raposo, presidente da Record, o Ibope não havia fornecido nenhuma explicação formal do que teria ocorrido. O instituto, informalmente, teria dito apenas que houve problemas técnicos.
Raposo decidiu ontem enviar uma carta ao Ibope formalizando a ‘estranheza’ da emissora. Pediu também ao instituto uma reunião para receber explicações.
‘Não estamos questionando se o Ibope não é sério. Mas é muito estranho que só os dados da Globo cresçam da prévia para o consolidado’, afirmou Raposo.
A posição do executivo é a mais ‘polida’ dentro da Record. Nos bastidores da TV, há muita indignação -o relatório consolidado do Ibope já está sendo chamado de ‘tapetão’, uma alusão ao futebol que se ganha fora de campo.
Extraoficialmente, técnicos do Ibope afirmam que a variação entre a audiência prévia e a consolidada ocorre porque o relatório oficial (consolidado) incorpora domicílios que, por algum problema técnico, não enviaram dados em tempo real para medição preliminar. Há ainda casos de exclusão de domicílios considerados ‘viciados’ (em que o televisor permanece ligado durante muito tempo em um único canal) ou de medidores com defeito.
É normal uma variação de até dois pontos entre a prévia e o consolidado, embora diretores do Ibope já tenham dito, em palestras, que o ideal seria alterar só um ponto. Mas variação como a das 20h30 de quarta-feira, de cinco pontos a favor da Globo, pode ter sido inédita. ‘Nunca ouvi falar numa variação tamanha como essa. É realmente estranha’, afirma Antonio Rosa Neto, diretor da Dainet, empresa que presta consultoria de mídia a anunciantes.
‘O Ibope não terá outra alternativa a não ser dizer que houve um erro. Se o Ibope não se preservar numa gestão transparente, com conselhos [formados por TVs, anunciantes e publicitários] que lhe dêem legitimidade, vai sofrer críticas sempre’, completa Rosa Neto, que acompanha o mercado há 30 anos.
Anteontem, ‘Prova de Amor’ voltou a vencer o ‘JN’ na prévia, por 24 a 23,7 pontos, às 20h23. No consolidado, no entanto, as duas redes empataram em 24,2 pontos.
Histórico
Se o resultado preliminar de quarta-feira fosse considerado oficialmente como vitória da Record, não seria a primeira vez que uma emissora superaria no Ibope o ‘Jornal Nacional’, o intervalo mais caro da televisão brasileira (cada 30 segundos em rede nacional custam R$ 292 mil).
Em 14 de janeiro de 2000, a Band venceu o telejornal ao exibir o jogo Corinthians x Vasco, pelo primeiro Mundial de Clubes da Fifa. No confronto com o ‘JN’, a Band marcou 31,5 pontos, contra 25,8.’
***
Instituto mede em 700 casas na Grande SP
‘A medição de audiência na Grande São Paulo é feita pelo Ibope em cerca de 700 domicílios. O instituto usa aproximadamente 1.400 aparelhos de medição, chamados de ‘people meters’.
Os moradores dos domicílios são instruídos a se identificarem aos ‘people meters’, apertando determinadas teclas, quando usam o televisor. Assim, o aparelho ‘sabe’ se quem está vendo TV naquele momento é criança ou adulto. Diferencia também se a TV é a da sala de estar ou a do quarto. E, principalmente, identifica o canal sintonizado.
Os dados são enviados por uma antena para uma central de processamento do Ibope. Esses dados geram uma primeira medição, a prévia, que é enviada imediatamente às emissoras -que os recebem em terminais específicos ou microcomputadores.
No dia seguinte, o Ibope gera um segundo relatório, o consolidado e oficial, que incorpora domicílios onde houve problemas técnicos e exclui casas ‘viciadas’ (muito tempo num só canal).
Segundo o Ibope, sua amostra é representativa estatisticamente de todos os segmentos sociais e faixas etárias. O instituto diz que as pessoas que fazem parte da medição não têm ligações com emissoras.’
***
Para a TV Globo, divulgação de ‘números irreais’ é preocupante
‘Para a Globo, o questionamento da Record dos números consolidados do Ibope lembra ‘um filme que a gente já viu’, numa referência aos problemas que o instituto teve com o SBT, que chegou a patrocinar a criação de uma empresa medidora de audiência, o Datanexus, fechada em 2004.
Diretor da Central Globo de Comunicação, Luís Erlanger afirma que a Record divulgou ‘números que não eram realidade’. ‘Quando os números do Ibope não se confirmaram, passaram a desqualificar o instituto’, diz. Por contrato com o Ibope, nenhuma emissora poderia divulgar audiências prévias -mas todas, inclusive Globo, fazem isso.
Erlanger critica a Record também por publicar anúncios em que a concorrente compara seu crescimento no Ibope com o da Globo. ‘Eles [Record] desviam o foco para a primeira colocada [Globo] quando não estão nem em segundo lugar [SBT]. Na verdade, eles estão mais para a quarta rede [Band] do que para a segunda, e crescem menos do que a quinta [Rede TV!]’, afirma.
O diretor diz que não há nenhuma crise com o ‘Jornal Nacional’, apesar de, oficialmente, a novela ‘Prova de Amor’, da Record, já ter empatado no Ibope, em alguns minutos, com o telejornal.
‘A queda do ‘JN’ é cíclica. Todo ano a audiência cai nesta época, mas depois volta a crescer’, afirma. De fato, o ‘JN’ está atualmente com 30 pontos de média. É menos do que em dezembro de 2004 (36), mas está acima da do mesmo mês de 2002 (29).
Para a Globo, o ‘JN’ é prejudicado nessa época pela queda no número de televisores ligados, por causa das férias e do horário de verão. Há também a novela das sete, ‘Bang Bang’, que está abaixo da meta de audiência da rede para o horário, o que afeta o ‘JN’.
De acordo com a Globo, a novela ‘Prova de Amor’ também está tirando audiência do SBT, que no horário exibe um telejornal.’
Laura Mattos
Autor da novela diz achar ‘muito esquisita’ a mudança de resultado
‘Autor de ‘Prova de Amor’, Tiago Santiago assistia sozinho ao capítulo da novela na última quarta-feira, em seu apartamento, e acompanhava a audiência pelo computador, que tem acesso à medição em tempo real do Ibope.
Quando o folhetim ultrapassou o ‘Jornal Nacional’, um resultado histórico, ele quase não acreditou: ‘Saí pulando e cantando feito louco [risos]. Ah, foi muito bom, um sonho realizado’, afirma o escritor, que trabalhou na Globo durante 15 anos como colaborador de escritores do primeiro escalão.
No dia seguinte, ao receber o relatório com os dados consolidados do Ibope, no qual a vitória havia se transformado em empate, Santiago diz ter tomado ‘um susto’. ‘Eu jamais podia imaginar que uma diferença de 3,6 pontos pudesse cair, que fossem colocar a Globo com 26 contra 25 e empatar os outros momentos em que a gente estava ganhando’, afirma.
Para o autor, a mudança ‘é inexplicável, surpreendente, muito esquisita’. ‘A gente fica pensando… porque sabe que a Globo é o principal cliente do Ibope.’
Acredita que o instituto tenha favorecido a Globo? Ele prefere não responder diretamente à pergunta da Folha. ‘A consolidação dos números sempre vem com um ponto para cima ou para baixo, mas 3,6 pontos é muito esquisito. Não quero acusar ninguém, mas realmente é muito estranho.’
Questão de tempo
Apesar da polêmica, Santiago acredita que ‘Prova de Amor’ irá ultrapassar a Globo no relatório consolidado do Ibope neste ou no próximo mês. A novela fica no ar até junho, quando será substituída por ‘Bicho do Mato’, que também conta com sua supervisão.
Em ‘Prova de Amor’, muitas histórias ainda não atingiram o clímax. Os pais dos gêmeos, por exemplo, ainda não descobriram que um deles não morreu após o nascimento, mas foi seqüestrado.’
ARTE E MÍDIA
Geijutsuka, o ‘desmaterializador’
‘No começo do mês, os jornais de Fortaleza publicaram reportagens e entrevistas com o ‘genial’ artista plástico japonês Souzousareta Geijutsuka, que abriria no dia 10 a mostra ‘Geijitsu Kakuu’ no MAC do Centro Dragão do Mar de Arte.
‘Ousado’, Geijutsuka ‘conquistou fama mundo afora ao aliar pesquisas na eletrônica e nas telecomunicações com conceitos de tempo real, simultaneidade, supressão de espaço e imaterialidade’, escreveu-se. Criou inclusive uma técnica de fotografar, o ‘shiitake’.
No dia, quem apareceu no museu deu de cara com o artista plástico paulistano Yuri Firmeza, 23. Com o aval do diretor do museu, Ricardo Resende, ele havia inventado tudo, artista, exposição, ‘shiitake’. A coluna conversou com ele por telefone:
Folha – Quem é Geijutsuka?
Yuri Firmeza – Ele não existe. O nome quer dizer algo como ‘artista inventado’ em japonês. O da exposição, ‘Arte e Ficção’. Eu escrevi o ‘press-release’. Fiz as fotos das ‘obras’, uma delas meu gato. A ‘assessora de imprensa’ que visitou as redações era minha namorada disfarçada.
Folha – Por que tudo isso?
Firmeza – Queria discutir as forças que regem a arte, essas entrelinhas nem sempre estéticas. A mídia como atração, o espaço do museu como consagração simbólica. Consegui.
Folha – E a reação da mídia?
Firmeza – Foi ruim. Fui chamado de ‘moleque’, de ‘boçal’, chamaram o Ricardo Resende de irresponsável. Preguei na sala os e-mails que troquei com Tiago Themudo, meu orientador, nos quais nós fomos formatando a idéia da falsa exposição e do falso artista, muito baseado nas idéias do [artista alemão] Hans Haacke e do [filósofo e sociólogo] Pierre Bourdieu. Agora estou pregando as reportagens com as reações.
Folha – E como eu sei se você existe mesmo?
Firmeza – Não sabe.’
DASPU LÁ FORA
Monica Bergamo
‘O desfile da grife Daspu no Fashion Rio virou notícia do jornal ‘Daily News’, de NY, que publicou que ‘um grupo de prostitutas ofuscou Gisele Bündchen ao passar pela passarela’. Um portal da Nova Zelândia também noticiou, dizendo que prostitutas ‘roubaram brilho de tops como Gisele’.’
ORESTES BARBOSA
Pai de ‘Chão de Estrelas’ ganha perfil
‘A história do nascimento de ‘Chão de Estrelas’ ocupa apenas três páginas (da 459 à 461) de ‘Orestes Barbosa – Repórter, Cronista e Poeta’. Mais à frente, a obra-prima do letrista volta no livro com o debate sobre como deve ser escrito seu verso mais famoso, aquele que Manuel Bandeira considerava o mais bonito da língua portuguesa: ‘tu pisavas os astros, distraída’ -esta foi a última forma dada por Orestes.
O comentário acima não é uma crítica, mas uma constatação: a biografia escrita por Carlos Didier não tem pressupostos comerciais, como mostra a presença discreta de ‘Chão de Estrelas’ no calhamaço que é o livro.
Esse é um mérito por comprovar o foco na vida toda do biografado, não em uma ou outra passagem que possa atrair mais leitores. É um demérito porque indica que, com uma edição mais rigorosa, o resultado poderia ter sido mais equilibrado e menos pesado -quanto a estilo e tamanho.
Escritor e músico, Didier tem no currículo o melhor trabalho da historiografia da música popular brasileira: ‘Noel Rosa – Uma Biografia’, escrito com o jornalista João Máximo. Novamente, ele se mostrou um pesquisador obsessivo, gastando 12 anos para produzir o livro sobre Orestes.
A listagem de todas os artigos, poemas, crônicas e reportagens feitos por Orestes -posta no final do livro de maneira absolutamente generosa, servindo como base para futuras pesquisas- deixa claro como foi minucioso o trabalho de Didier. Dizer, então, que essa biografia de Orestes é a definitiva é muito pouco. Didier retirou das sombras um gênio que, salvo uma ou outra citação ou gravação de ‘Chão de Estrelas’, estava caminhando para cair no esquecimento completo.
Com o livro, volta-se a perceber a beleza peculiar das letras de Orestes. Se por um lado ele era um admirador dos românticos e parnasianos, afeito a métricas rígidas e palavras pouco usuais, por outro foi o primeiro a trazer para a música popular imagens do cotidiano das ruas e de um mundo em transformação: arranha-céus, elevadores, ‘anúncios luminosos’. Depois viriam Noel -seu parceiro em quatro músicas- e todos os outros.
Didier ainda enfrentou as dificuldades de biografar alguém cujos contemporâneos estão quase todos mortos. Ainda assim, ao contar a vida de Orestes (1893-1966), ele faz um ótimo painel do Rio da primeira metade do século e, especialmente, da imprensa brasileira daquele período.
Combativo, polemista, sensacionalista, brigão que costumava andar armado, amigo intenso, inimigo idem, poeta delicado que amava luas e estrelas, depressivo que se afastou da música e dos amigos nos anos 50, dedicando-se à família e a luta contra os derrames, todos os Orestes estão no livro de Didier. Seu único senão, paradoxalmente, é o excesso de detalhes que deixa a leitura menos prazerosa do que poderia ser.
Orestes Barbosa – Repórter, Cronista e Poeta
Autor: Carlos Didier
Editora: Agir
Quanto: R$ 80 (684 págs.)’
******************
Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.