Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Folha de S. Paulo


VENEZUELA
Editorial


Faz parte


‘FORAM INFELIZES , para dizer o mínimo, as frases com que o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva tentou justificar o mais recente passo de Hugo Chávez na
construção de um regime autoritário na Venezuela. Ao decidir pelo fechamento de
uma emissora de TV oposicionista, o líder bolivariano estaria exercendo apenas,
segundo o raciocínio de Lula, uma prerrogativa inerente ao seu cargo
presidencial.


‘Não dá para ideologizar essa questão da televisão’, disse Lula, em
entrevista publicada na sexta-feira nesta Folha. Feitas na Alemanha, suas
declarações pareciam vir de alguma galáxia distante. Contra ou a favor de
Chávez, nenhum observador ignora que sua decisão de não renovar a concessão da
RCTV é ideológica do princípio ao fim.


Para os chavistas, a emissora merece ser fechada pelo apoio que prestou ao
frustrado golpe oposicionista de 2002. Repudiam, com razão, aquela aventura
autoritária e truculenta. Fazem-no, contudo, para que seu líder prossiga na
própria aventura, no próprio autoritarismo e na própria truculência, sem nenhuma
TV a criticá-lo.


‘O mesmo Estado que dá uma concessão’, filosofa Lula, ‘é o Estado que pode
não dar a concessão.’ Na contemplativa serenidade da frase, algo que lembra um
fatalismo teológico (‘Deus dá e Deus tira’), oculta-se a essência do caso. Na
verdade, o mesmo Chávez que fecha a TV de oposição é o Chávez que abre mais uma
TV a seu favor.


Para Lula, entretanto, seriam dois atos igualmente democráticos. No Brasil,
ressaltou, a concessão de canais de TV ‘não é uma decisão unilateral do
presidente’. Na Venezuela é. Lula conclui, um tanto desenxabido: ‘Faz parte da
democracia deles’.


Que democracia? Pode-se dizer, sem dúvida, que o poder presidencial de tomar
decisões unilaterais sobre meios de comunicação faz parte, vá lá, ‘da
Constituição deles’, feita sob medida para dar poder a Hugo Chávez. Mas não ‘faz
parte’ de nenhuma democracia digna desse nome.


É recorrente na esquerda o hábito de particularizar, conforme características
locais, a acepção de um conceito universal como a democracia. Desse modo se
falava, em outros tempos, da ‘democracia soviética’ e, ainda hoje, de uma
‘democracia cubana’, no rumo da qual parece seguir firmemente o ‘socialismo do
século 21’ defendido por Chávez.


Não cabe, por certo, ao presidente do Brasil imiscuir-se nos assuntos
internos de outra nação. O princípio da não-ingerência foi agora lembrado por
Lula, que entretanto não o aplicara em circunstâncias mais amenas. Apoiou a
candidatura de Evo Morales, na Bolívia, e do mesmo Chávez, na mesma
Venezuela.


E é o mesmo Lula, afinal, quem corretamente defende o Senado brasileiro,
quando este é atacado por Chávez, e quem defende Chávez, quando este ataca a
democracia. ‘Faz parte’, digamos, do estilo dele, sem dúvida mais macunaímico do
que bolivariano. O que, comparativamente, já é alguma coisa.’


Boris Fausto


Genealogia de Chávez


‘Hugo Chávez, presidente da Venezuela, converteu-se nos últimos anos numa
figura central da cena política latino-americana.


Depois que Fidel Castro envelheceu e perdeu o brilho, depois que Lula -seu
entusiástico admirador de outros tempos- guardou distâncias, em boa hora, Chávez
se converteu no novo super-herói de uma certa esquerda, se é que a expressão se
aplica a esse contingente.


Exemplos do encanto chavista se revelam nos encontros do Fórum Social Mundial
ou, para tomar um exemplo recente, no apoio que o presidente venezuelano
recebeu, no Brasil, de organizações como o PT, o MST e o PSOL diante da medida
de cassação [da concessão] da rede de TV RCTV, numa demonstração de nítido
desprezo pela liberdade de expressão.


Neste texto, trato de me concentrar na biografia de Chávez e nos pontos mais
relevantes de sua ideologia. A referência básica é o livro de dois jornalistas
venezuelanos, Cristina Marcano e Alberto Barrera Tyszka, com o título ‘Hugo
Chávez sem Uniforme – Uma História Pessoal’ [ed. Gryphus].


Publicado em 2004, sem o conhecimento, portanto, das novas e mais profundas
escaladas chavistas, a análise dos autores mantém, entretanto, a atualidade.


Chávez nasceu num povoado, Sabaneta de Barinas, nos ‘llanos’ venezuelanos
[planícies do norte e noroeste do país], filho de um modesto professor, sendo o
segundo entre seis irmãos.


A condição social e a proveniência geográfica lhe permitiram construir um
imaginoso mito de origem, ao qual se refere com freqüência em suas falas,
recordando a vida simples, as histórias de infância, as músicas da cidade natal.


Consta que Sabaneta de Barinas, fundada antes de Caracas, foi um centro
dramático das guerras da Independência, a ponto de sua população de 10 mil
habitantes ter-se reduzido apenas a 600 pessoas no fim dos conflitos.


A opção do presidente venezuelano pela carreira militar não representou
necessariamente uma vocação, mas uma das poucas alternativas abertas para um
jovem de sua origem.


A socialização nesse âmbito, as amizades e lealdades que aí forjou são
importantes para entender o personagem que emergiu da obscuridade com a
tentativa do golpe de abril de 1992.


Animal político


Seria, porém, insuficiente querer explicar a figura de Chávez apenas pela
formação militar. No livro citado, Barrera e Marcano acentuam que, acima de
tudo,


Chávez é um ‘animal político’, dotado de uma grande intuição, de um grande
olfato. Nesse ponto, é preciso qualificar melhor.


Sem dúvida, Chávez vive e respira política, mas seu olfato e sua intuição
cedem muitas vezes lugar a uma agressividade sem limites, que só lhe cria
problemas.


Os exemplos são muitos. O mais recente é o das ofensas dirigidas ao Senado
brasileiro -que pode ser tudo, menos ‘papagaio de Washington’-, forçando o
presidente Lula a demonstrar desagrado e um distanciamento mais nítido do
companheiro de tempos atrás.


Guardadas as diferenças, Chávez lembra os generais nacionalistas
convictamente autoritários, inimigos da velha oligarquia, que vicejaram na
América Latina. Não é ocasional sua admiração pelo general Velasco Alvarado,
presidente do chamado ‘Governo Revolucionário das Forças Armadas do Peru’
(1968-75), resultante de um golpe militar.


Revolta bolivariana


Proveniente de uma família humilde, Velasco Alvarado esteve à frente de um
governo reformista autoritário, que nacionalizou a indústria petrolífera peruana
e promoveu uma reforma agrária.


Chávez, a princípio, foi influenciado também por ex-guerrilheiros de proa,
como Douglas Bravo e Teodoro Petkoff, antes de chegar ao poder. Entretanto,
tanto Bravo quanto Petkoff romperam com ele por razões políticas, e este último
está hoje no campo da oposição democrática esclarecida, como político e
jornalista.


O presidente venezuelano, inegavelmente, tem o talento de recorrer ao passado
ao construir sua imagem de líder incontrastável. Antes de chegar ao poder,
escreveu um livro intitulado ‘El Libro Azul – El Árbol de Tres Raíces’, em que
define seu Movimento Revolucionário Bolivariano como ‘um modelo ideológico
autóctone, enraizado no que há de mais profundo de nossa origem e no
subconsciente do ser nacional’.


As três raízes do título referem-se a Bolívar [1783-1830], em primeiríssimo
lugar, depois a Ezequiel Zamora, líder em meados do século 19 de uma insurreição
camponesa, e a Pedro Pérez Delgado, bisavô de Chávez, mais conhecido como
‘Maisanta’, tido como um combatente guerrilheiro contra a ditadura de Juan
Vicente Gómez nos primeiros anos do século 20.


Mas é Simón Bolívar o grande personagem do panteão de Chávez, que, como se
sabe, mudou o nome do país para República Bolivariana da Venezuela.


Com o culto a Bolívar, Chávez magnifica uma tradição patriótica, centrada na
figura do ‘pai da pátria’, herói das guerras da Independência
latino-americana.


A Venezuela não é um país que tenha uma enraizada cultura política
democrática ou mesmo liberal. Entre 1830 e 1958, o país foi governado por civis
durante nove anos apenas.


Só a partir dessa data se abriu um período democrático, que resultou numa
sucessão de presidentes regularmente eleitos, associados, porém, com algumas
exceções, a uma calamitosa corrupção. Esse quadro, acrescido da crise econômica,
acabou por desmoralizar a democracia e abrir caminho para o golpismo
‘purificador’.


Esses antecedentes explicam o fato de que o golpe militar de abril de 1992,
liderado por Chávez, tenha fracassado, mas não tenha sido derrotado. Desde os
primeiros dias de uma prisão que duraria menos de dois anos, ele se tornou um
personagem admirado por amplas camadas da população -e não apenas pelas classes
populares. Seu acesso à televisão, já preso, pouco após o golpe, revelou ao
grande público os traços de um personagem decidido, dotado de um imenso poder de
comunicação.


Num cenário sociopolítico de massas, que caracteriza os pleitos eleitorais,
que torna cada vez mais indispensável a capacidade de se comunicar com o grande
público, Chávez utiliza seus dotes com maestria.


Em toda a América Latina, os mais pobres parecem estar cansados dos discursos
bem articulados, mas que transpiram uma distância entre o governante e a massa
popular.


Apelo popular


Tal como o presidente Lula, Chávez sabe muito bem disso. Deixa de lado
discursos escritos, opta por falar de improviso -embora seja possível que o
‘improviso’ já venha decorado-, diz disparates ou lança ameaças que seus
seguidores acolhem com entusiasmo.


O traço principal da fala de Chávez é a confrontação. Nessa linha, investe
contra o ‘Grande Satã do Norte’, no melhor estilo islamista, ofende o presidente
[dos EUA, George W.] Bush com os epítetos mais grosseiros.


A paciência de Bush -diga-se de passagem- não deriva da caridade cristã, mas
principalmente do fato de que o presidente venezuelano vem cumprindo os
contratos de fornecimento de petróleo aos EUA.


No plano interno, Chávez refere-se com o maior desprezo aos privilegiados,
entre os quais não se incluem, entretanto, os fíéis ‘boliburgueses’ [adeptos
abastados da ‘revolução bolivariana’] que vicejam à sua sombra, promovendo toda
sorte de negócios.


Contando com um grande apoio ao alcançar o poder nas eleições de 98, alienou
a classe média e boa parte das elites, por adotar a linha de confrontação e
escalar no rumo da implantação de um regime autoritário.


É forçoso convir, ao mesmo tempo, que a oposição facilitou em muito seu
caminho, com seus preconceitos arraigados e, mais ainda, com suas ações
desastrosas. Para ficar num só exemplo, a fracassada tentativa de golpe
antichavista de abril de 2002 manchou as supostas credenciais democráticas de
certos opositores, provenientes de círculos empresariais e de setores
militares.


A íntima relação entre a figura de Chávez e as grandes massas não é feita
apenas de palavras, embora as palavras sejam muito mais do que simples fumaça
que se esgota no ar.


A rede assistencial constituída pelas chamadas ‘misiones’ [programas de
saúde, alfabetização etc.] nada tem de desprezível, combinando o auxílio, sob
variadas formas, às camadas mais pobres da população, com a constituição de uma
poderosa rede de fiéis seguidores.


Como em outras partes, também aí a lógica dos benefícios materiais se combina
com a lógica simbólica.


Até que ponto o fenômeno Chávez vai perdurar? Embora tenha substituído Fidel
Castro no panteão dos heróis vivos, Hugo Chávez não é Castro. Os tempos são
outros, e a Guerra Fria, pelo menos tal como se definia no passado, se foi.


Revolução exportada


Na política externa, ainda que algumas vezes chegue a falar em transformações
de efeito planetário, Chávez busca construir uma hegemonia na América Latina
pela via dos favores que o petróleo permite, pela construção de uma entidade
exótica, a chamada Alba -Alternativa Bolivariana para as Américas-, por
propostas que vão desde a formação de uma rede de TV continental, para opor-se à
ideologia imperialista, até a construção de um grandioso gasoduto, cortando a
América Latina de norte a sul.


Mas seu ímpeto político -a ‘exportação da revolução’ de outrora, transformada
na tentativa de intervir na política interna em países do continente- tem
provocado mais resistências do que apoios, como se viu no caso do Peru, do
México, do Brasil e do Chile, no governo socialista do presidente Ricardo
Lagos.


É claro que um fator desencadeante do declínio de Chávez seria uma queda
vertiginosa dos preços do petróleo -hipótese, porém, bastante remota.


Melhor será apontar os pontos mais frágeis de seu governo, como a inflação, o
elevado grau de corrupção -que ele mesmo admite e diz combater-, o estado de
abandono da infra-estrutura material do país, a crise de gêneros
alimentícios.


Se todos esses fatores combinados têm influência, o mais importante me parece
ser o baixo índice de coesão social.


A Venezuela é hoje um país dividido ao meio, e uma nova oposição democrática
parece desenhar-se, superando, na medida do possível, os erros do passado.


Em poucas palavras, os propósitos de Chávez de se reeleger indefinidamente,
quem sabe até 2021, devem frustrar-se bem antes do que alguns imaginam.


BORIS FAUSTO é historiador e preside o conselho acadêmico do Gacint (Grupo de
Conjuntura Internacional), da USP. É autor de ‘A Revolução de 1930’ (Companhia
das Letras). Ele escreve mensalmente na seção ‘Autores’, do Mais!’


Gregorio Salazar


Chávez algema TV para ampliar controle


‘Retornei a Caracas na noite de quinta-feira, depois de assistir em Moscou ao
congresso mundial da FIP (Federação Internacional de Jornalistas), que emitiu
uma condenação unânime ao governo venezuelano pelo fechamento da RCTV. Minha
primeira curiosidade foi assistir a algum programa da substituta da emissora, a
nova Tves, mas a tela me devolveu o rosto do presidente Chávez discursando para
um punhado de estudantes universitários uniformizados de vermelho.


Decidi passar para a Venezolana de Televisión (VTV), a única emissora que o
Estado venezuelano tinha quando Chávez chegou ao poder (agora ele possui sete
apenas em Caracas), mas ali me recebeu o mesmo homem, dessa vez cantando uma
velha canção de Leonardo Favio: ‘Hoje cortei uma flor… e chovia, e chovia…’.


Pulei rapidamente para a Globovisión, o canal privado que também se encontra
de molho, acusado de ‘golpismo, instigação ao magnicídio e dissociação
psicótica’, e o presidente estava presente num segmento de variedades musicais,
mas agora imitando o lendário Alí Primera, o ídolo da canção de protesto de
nossa geração: ‘Soldado, volta teu fuzil contra o oligarca’, entoava o líder da
revolução humanista, pacífica e democrática (é assim que se autoproclama) que
acontece na Venezuela. Como deixam claro as programações das televisões, nada é
deixado ao acaso, nem sequer os trechos das canções que Chávez ‘canta’ em cada
uma de suas apresentações.


Desde o fechamento do órgão de comunicação mais importante do país, os
estudantes universitários não pararam de fazer passeatas, as condenações
internacionais não pararam de chegar e as donas-de-casa e avós não deixaram de
lamentar a ausência da ‘Rádio Rochela’ e das telenovelas.


Mas Chávez já disse que tudo não passa de uma nova modalidade
desestabilizadora denominada ‘golpe suave’, que vem do império e é orquestrada
pela CIA e seus lacaios no quintal. Então os agentes do império já podem
gabar-se de contar com o apoio de mais de 80% da população, que rejeita uma
medida que também contém forte ingrediente militar, haja vista que o Supremo
Tribunal ordenou a ocupação ‘temporária’ das instalações de transmissão da RCTV
em todo o país. Ao mesmo tempo, é claro, em que elas são usadas pela Tves.


Enquanto Chávez continua a aumentar seu recorde Guinness de redes de
televisão, a Venezuela vive tempos de incerteza profunda não apenas no campo da
liberdade de expressão e de exercício do jornalismo, mas em todos os âmbitos da
vida nacional.


Instituições subjugadas


A hegemonia dos meios de comunicação e informação a que ‘o processo’ se
propõe, sem disfarces, já está instaurada no campo das instituições. Os poderes
Judiciário, Legislativo e Eleitoral, o Ministério Público, a Defensoria do Povo,
o Tesouro, todos foram subjugados e aviltados pela ação revolucionária.


O fechamento da RCTV, com a negação da renovação da concessão que a emissora
explorou durante mais de 50 anos -com e sem acertos, mas de maneira
bem-sucedida- é uma das maiores arrancadas de Chávez na marcha rumo ao controle
de todo o poder possível por todo o tempo possível. Já é amplamente conhecida
sua proposta de reformar a Constituição para criar a possibilidade de reeleição
por tempo indefinido. Sem instituições, os meios de comunicação são o único
contrapeso com que a população conta e que Chávez teme.


Se existe algo de alentador nesse contexto é que as razões apresentadas para
o fechamento não convenceram nem mesmo os próprios chavistas: se o canal é
golpista, por que seus responsáveis não foram levados a juízo nos cinco anos
passados desde o 11 de Abril? Se as razões são de natureza ética, por que a VTV
mantém no ar programas que são simplesmente escatológicos? Se a razão é
administrativa, por que foi renovada a concessão do canal de Gustavo Cisneros, o
Venevisión, de onde, em abril de 2002, saiu Pedro Carmona Estanga para reunir-se
com os militares e, mediante um decreto infame, transformar em golpe a
manifestação popular mais formidável que jamais havia sido vista na Venezuela?


E, para concluir, que espécie de socialismo é esse que, de uma só canetada,
deixa cerca de 10 mil trabalhadores na rua?


Tradução de CLARA ALLAIN


GREGORIO SALAZAR é presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores da
Imprensa da Venezuela’


Aram Aharonian


Oposição quer impor a ditadura da mídia


‘É cada vez mais evidente que a questão dos meios de comunicação está ligada
ao futuro de nossas democracias: uma ditadura de mídia procura suplantar as
ditaduras militares de décadas passadas.


Não há dúvida de que o espectro radioelétrico é um patrimônio da humanidade e
que os Estados são soberanos em sua administração, em função do interesse
nacional e geral. É sem dúvida falsa a idéia de que as empresas são donas do
espaço radioelétrico, como querem fazer parecer os meios de comunicação
comerciais.


Em maio de 2007 aconteceu na Venezuela uma nova versão do golpe continuado,
quando, com a desculpa da decisão democrática de pôr fim à concessão de uma TV
privada, a RCTV, foi posto em marcha um novo plano de desestabilização.


Os papéis se renovaram: a direção opositora tradicional passou para terceiro
plano, um canal de TV assumiu a provocação ao governo, em busca de uma reação
que o vitimasse diante da opinião pública (nacional e internacional), e os
estudantes, em especial os das universidades privadas, foram lançados como
protagonistas (e bucha de canhão) que, paradoxalmente, aproveitam as
possibilidades da total liberdade de expressão vigente no país para protestar
contra a suposta falta desses direitos.


Não surpreende a insistência de que na Venezuela seja a ‘sociedade civil’ que
se mostre, e ninguém deve surpreender-se pelo fato de que são organizações do
governo norte-americano, como o NED (National Endowment for Democracy), com
experiências diferentes do que é resistência cívica e como usá-la para fomentar
mudanças políticas, que financiam jornalistas e grupos de oposição para que
empreendam sua tarefa de desestabilização.


Os direitos humanos não podem existir sem a liberdade de palavra, de
imprensa, de informação, de expressão. A transformação dessas liberdades em um
direito individual ou coletivo mais amplo, o de comunicar, é um princípio
evolutivo no processo de democratização.


A polêmica deixou à mostra a forma de operar das direitas latino-americanas,
que consiste em repetir os mesmos argumentos reiterados pelas usinas globais dos
EUA e da Europa. Elas esquecem que a liberdade de expressão tem uma história
longa e triste neste continente, que inclui desde jornalistas assassinados até o
gotejar de demissões, sempre avalizadas pelo empresariado da mídia, com honrosas
exceções cúmplice das ditaduras militares.


Meios e golpismo


Na Venezuela, os meios de comunicação foram um fator decisivo para criar as
condições que estimularam o golpe de Estado de abril de 2002. Depois desataram
uma ofensiva feroz para promover e manter a greve e a sabotagem do setor
petrolífero, além de silenciar sobre a reação popular que reconduziu ao poder o
presidente constitucional.


Em 2000, o setor público dispunha de um canal de TV VHF, o setor privado
tinha 19 e a proporção na TV UHF era de 2 para 28. Na rádio AM, a relação era de
36 para 143. Na FM, de 3 para 365. O setor privado dispunha de maioria
desproporcional, sempre. Em 2006, a relação na TV VHF continuava 1 para 20, mas,
na TV UHF, o setor privado tinha 28 canais, o público, 6, e o comunitário (de
alcance muito limitado), 44. Na rádio AM, a proporção se mantinha igual: 36 para
143, mas na FM o setor privado tinha 440, o comunitário, 167, e o público, 10.


Hoje a luta pela democratização passa pela reconstrução do espaço público
sul-americano (privatizado e esvaziado por décadas), uma reconstrução que
reaproxime os meios estatais, regionais, educacionais, universitários,
legislativos e comunitários dos usuários e produtores independentes.


Há coisas que acontecem na América Latina e que os meios de comunicação
comerciais procuram ignorar: a nova lei de radiodifusão no Uruguai, que
regulamenta a existência de um terceiro setor (a rádio e TV comunitária); a
criação do canal educativo Encuentros, na Argentina; a decisão da Suprema Corte
de Justiça do México contra a obscena lei de rádio e televisão aprovada no
governo Fox, e a decisão do governo brasileiro de avançar na criação de uma TV
pública nacional.


O que temem os empresários que, por décadas, detiveram o poder da mídia na
região é que, depois dessa decisão legal na Venezuela, haja um efeito dominó. O
medo é do que virá… no Equador, na Bolívia, na Argentina e, por que não, no
Brasil.


ARAM AHARONIAN é diretor-geral da Telesur’


CASO RENAN CALHEIROS
Folha de S. Paulo


Jornalista diz que recebeu dinheiro vivo de lobista


‘A jornalista Mônica Veloso, mãe de uma filha do presidente do Senado, Renan
Calheiros (PMDB-AL), afirmou à revista ‘Veja’ que sempre recebeu os pagamentos
da pensão, de ao menos R$ 8.000, em dinheiro vivo, das mãos do lobista Cláudio
Gontijo, da empreiteira Mendes Júnior. ‘Dinheiro era sempre com o Cláudio’,
disse.


Mônica contesta a versão do lobista, de que o dinheiro era depositado em sua
conta. Ela reafirma que sempre recebia em dinheiro vivo, a maior parte das vezes
no escritório da Mendes Júnior, na sala de Gontijo.


Segundo a ex-apresentadora de TV, Renan jamais falava de dinheiro com ela. A
única vez em que isso ocorreu foi para discutir quanto ela receberia depois de
se mudar para uma casa no lago Sul, área nobre de Brasília. Fixou-se o valor em
R$ 8.000. A jornalista diz que, mesmo quando estava a sós com Renan, o
presidente do Senado jamais lhe dava pessoalmente o dinheiro e nem sequer
mencionava os pagamentos.


Mônica afirma que o senador nunca lhe disse que o dinheiro era dele, mas ela
também nunca perguntou sobre a origem.


A principal questão dos pagamentos da pensão à jornalista é a origem do
dinheiro. O fato de os pagamentos serem feitos por um lobista da Mendes Júnior
levantaram a suspeitas de que o dinheiro fosse do caixa da empreiteira. Renan
contesta essa versão e apresentou documentos que supostamente provariam que ele
teria recursos para fazer os pagamentos à jornalista. Mas não são conclusivos em
relação à origem do dinheiro.


Na entrevista de Mônica, a dúvida não se desfaz. Com base nos documentos
apresentados por Renan e na entrevista, a ‘Veja’ afirma que seria ‘improvável’
que o dinheiro fosse todo do presidente do Senado, pois o valor dos saques na
conta dele em 2004 para saldar o aluguel de uma casa em que a jornalista moraria
não é suficiente para cobrir todas as despesas dela que ele teria se
comprometido a cobrir no período.


A reportagem procurou ontem o assessor de imprensa e o advogado de Renan,
além do lobista Cláudio Gontijo, mas não conseguiu falar com eles.’


MÍDIA & POLÍTICA / EUA
Sérgio Dávila


Hillary luta contra imagem negativa


‘DE WASHINGTON – Já no começo de seu namoro com Bill, no começo dos anos 70,
Hillary Clinton fez um ‘pacto secreto de ambição’ que previa ‘revolucionar’ o
Partido Democrata, a conquista da Casa Branca para o futuro marido e, depois,
oito anos na presidência para cada um dos dois.


Em 1992, o então ex-governador, enquanto empacotava as últimas coisas para
assumir seu novo posto em Washington, chegou a pensar em se divorciar para ficar
com uma milionária do Arkansas. Anos antes, Hillary cogitara disputar com o
marido o governo daquele Estado como retaliação por uma de suas
infidelidades.


Essas são apenas três das revelações que duas extensas e bem pesquisadas
biografias sobre Hillary Clinton que acabam de chegar às livrarias dos EUA fazem
sobre a ex-primeira-dama norte-americana. O momento de seu lançamento não
poderia ser pior para ela.


A senadora em segundo mandato pelo Estado de Nova York é a favorita à
indicação por seu partido para concorrer à presidência dos EUA, em 2008, pela
oposição. Segundo as últimas pesquisas de intenção de voto, está pelo menos dez
pontos percentuais à frente do segundo colocado, o senador negro Barack Obama
(Illinois).


Mas pesquisa do Instituto Gallup feita nos últimos dias mostra que 40% dos
eleitores têm uma imagem negativa da senadora, ante 58% dos que a vêem de forma
positiva. Entre os cinco principais motivos citados pelos ouvidos estão ‘eu
simplesmente não confio nela’, ‘acho que ela é uma oportunista’ e ‘ela muda
muito de opinião’ em temas importantes.


Os números são melhores do que os do ano passado (52% e 45%,
respectivamente), mas ainda estão longe dos do auge do escândalo Monica
Lewinski, em 1999, momento em que a mulher traída mereceu a melhor porcentagem
de simpatia do país até hoje, 66%, um número que a futura política nunca repetiu
na carreira.


Foi pensando nesses índices que a democrata montou uma seção em seu comando
de campanha ocupada exclusivamente em identificar os ‘agressores’ de sua imagem
e tentar fazer valer -ou pelo menos ser ouvida- a versão da senadora. As faces
mais evidentes são de Philippe Reines, porta-voz no Senado, e Howard Wolfson,
seu equivalente da campanha.


Os dois terão muito trabalho. A começar pelo estrago feito pelos detalhes do
suposto ‘pacto’ em ‘Her Way -The Hopes and Ambitions of Hillary Rodham Clinton’
(À Sua Maneira – A Esperança e as Ambições de Hillary Rodham Clinton, editora
Little, Brown and Company), escrito pelos jornalistas Jeff Gerth e Don Van Natta
Jr.


‘Nos primeiros dias de seu romance’, escrevem os autores, Hillary e Bill
‘fizeram um pacto secreto de ambição, cujos detalhes e importância permaneceram
secretos nesses anos todos’. O acordo, batizado pelo casal de ‘Projeto 20 Anos’,
previa inicialmente que os dois protagonizassem uma ‘revolução’ no Partido
Democrata.


Depois que Bill foi eleito para o primeiro de seus dois mandatos como
presidente, em 1992, o pacto seria ‘ampliado’ pelo casal e preveria então oito
anos de presidência para ele e oito anos para ela. Gerth trabalhou no ‘New York
Times’ até 2006; Natta Jr. ainda é da equipe.


Já as questões de cama são tratadas com minúcia por Carl Bernstein, em seu ‘A
Woman in Charge – The Life of Hillary Rodham Clinton’ (Uma Mulher no Comando – A
Vida de Hillary Rodham Clinton’, Knopf).’


***


Tom de livros reflete relação conturbada com imprensa


‘DE WASHINGTON – Antes mesmo de as duas biografias críticas a Hillary Clinton
chegarem ao público, na semana passada, o comando da campanha mostrou as armas.
‘Fontes anônimas’ vazaram a blogs simpáticos à senadora que um dos autores de
‘Her Way’, Jeff Gerth, é marido de uma assessora de um candidato nanico
democrata, o senador Chris Dodd (menos de 1% de nas pesquisas).


Então, uma das testemunhas-chave do tal ‘pacto’ entre Hillary e o marido, o
historiador Taylor Branch, resolveu vir a público desdizer o que havia dito aos
autores. Ainda assim, Gerth afirmou que a informação continuava valendo, pois
ele a confirmara também com o ex-chefe de gabinete de Bill Clinton, que teria
ouvido a expressão ‘Projeto 20 Anos’ do próprio presidente, no AirForce One, em
1996.


Mesmo resenhistas isentos, como Robert Dallek, reclamaram do que consideraram
ser um tom excessivamente crítico. ‘O livro é quase uniformemente negativo’,
escreveu o historiador especializado em presidentes norte-americanos, que acaba
de lançar o livro ‘Nixon and Kissinger’, sobre a complexa relação do republicano
e seu secretário de Estado.


Como exemplo, Dallek cita a crítica feita ao excesso de ambição da senadora.
É uma qualidade desejável num presidente, argumenta o historiador, e não um
defeito, como querem os autores. Esse excesso, pergunta ele, retoricamente, faz
o casal Clinton ‘diferente de qualquer outra pessoa na política, incluindo
Lincoln e Roosevelt?’.


O problema, acredita Carl Bernstein, o outro biógrafo, reside na relação de
Hillary com a imprensa norte-americana. Para o jornalista, que junto de Bob
Woodward ganharia o Pulitzer pela série de denúncias que ajudaram a derrubar
Richard Nixon em 1974, a senadora deveria parar de ver os jornalistas ‘como um
bloco único’.


Hillary se recusou a falar com Bernstein para seu ‘A Woman in Charge’, apesar
de ambos se conhecerem socialmente. Em entrevista à ABC News, ele diria que, se
pudesse fazer apenas uma pergunta à senadora, seria ‘por que você não quis falar
comigo?’. ‘Ela odeia a imprensa’, disse. E deveria superar isso ‘porque é tolo e
imaturo’.


Bernstein passou oito anos trabalhando na biografia, que resultou num
cartapácio de 628 páginas. Falou com 200 pessoas, muitas próximas ao casal, mas
suas duas principais fontes são Betsy Wright, ex-chefe de gabinete de Bill
durante o período no Arkansas, e Diane Blair, amiga íntima de Hillary morta em
2000, que planejava um livro ela própria.


Ele desmonta o conceito de que Hillary seria uma ‘Lady Macbeth’
contemporânea, governando o país por trás da cadeira do marido. ‘Era mais uma
co-presidência’, escreve. Entre as revelações, a de que Bill pensava em se
divorciar da mulher já em 1989 ou 1990 -ela o impediu e o ameaçou.


‘Hillary se casou com Bill Clinton já sabendo que as chances de ele ser fiel
eram menores do que as de ele virar presidente dos Estados Unidos’, escreve
Bernstein. Segundo o jornalista, a senadora contratou investigadores para
desqualificar depoimentos de mulheres que ela sabia serem ex-amantes de
Bill.’


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Cristiane Barbieri


Brasil passa a exportar jovens publicitários


‘Como no futebol, o Brasil virou um celeiro de talentos para o mercado de
publicidade. Há hoje dezenas de jovens brasileiros em posições de destaque nas
principais agências do mundo. Apenas em San Francisco, sete diretores de criação
são brasileiros. A lista segue em várias áreas e diversos países.


‘O mercado internacional de propaganda está aquecido e, como no futebol, o
Brasil não tem a exclusividade de mandar craques para fora’, afirma PJ Pereira,
33, diretor de criação da AKQA em San Francisco. ‘Mas alguns dos publicitários
mais prestigiados no mundo hoje são brasileiros.’


PJ, por exemplo, está na lista das 50 pessoas donas das grandes idéias que
surgiram ou foram executadas em 2006 para marcas e tendências de consumo, da
revista ‘Creativity’.


Ele não é o único. Fernanda Romano, 32, acaba de aparecer na lista ‘Women to
Watch’, da revista ‘Advertising Age’. Lá estão as publicitárias mais promissoras
do mundo.


Diretora de criação da Lowe Nova York, no último ano Romano conquistou cinco
contas grandes para a agência. O resultado foi tão bom que ela acaba de ser
promovida a diretora mundial de criação de um grupo novo de agências da própria
Lowe, a Lowe Latina (Lola). Sediada em Madri, a Lola pretende usar a
criatividade latina para fazer campanhas mundiais.


‘Os brasileiros têm um talento incrível, mas, infelizmente, ninguém faz
campanhas mundiais a partir do Brasil’, diz Romano. ‘Eu queria ter essa
credencial internacional.’


A experiência no exterior é um ponto em comum apontado para a escolha dos
expatriados. Outro é a violência. ‘Eu tinha a minha agência [Click], a mais
premiada da área e cheia de clientes, mas estava cansado do medo de ser
assaltado’, diz Pereira. ‘Quando apareceu o convite, fui embora.’


Ritmo brasileiro


O cenário desfavorável, no entanto, dá ao profissional brasileiro resiliência
para se destacar lá fora. Daniela Ribeiro, 33, tornou-se diretora de criação da
Fischer Portugal há seis meses. Graças à competitividade e à velocidade do
mercado nacional, trabalha num ritmo mais forte e diferenciou a agência.


‘Os clientes ficam espantadíssimos quando chegamos com três, quatro idéias
para uma campanha’, diz Ribeiro. ‘No Brasil, temos de lutar loucamente pelo
emprego, o que não acontece na Europa.’


Nem mesmo em Nova York, onde circulam 80% dos US$ 270 bilhões movimentados
anualmente pela publicidade americana, o ritmo ‘indolente’ brasileiro deixa a
desejar.


‘Nos EUA trabalha-se muito, mas, às 7 da noite, todo mundo vai para casa’,
diz Romano. ‘Para dar a virada na Lowe, impus o ritmo brasileiro.’


Outra carência nacional, a falta de verba, também é uma vantagem para quem
vai para fora. ‘No Brasil a gente samba, dá uma rebolada e se vira nos 30’, diz
Mauro Ramalho, 26, diretor de arte da Organic Toronto. ‘Com os recursos daqui,
fazemos muita coisa boa.’


Ter fama de criativo, no entanto, não garante vaga no exterior. Romano, por
exemplo, conquistou sete leões de ouro no Festival de Cannes de 2005. Ramalho
levou o prestigiado prêmio D&AD, em 2006. Depois, vieram as propostas.


Além disso, nem tudo é simples na experiência internacional. A resistência a
jovens de um país em desenvolvimento é grande em muitos lugares. Romano, por
exemplo, tem abaixo de si cinco diretores. São quatro americanos e um inglês,
todos homens e mais velhos.


‘Foi muito difícil no começo’, afirma. ‘Mas não tenho medo de cabelo branco e
tinha de me provar.’ Segundo ela, depois de algum tempo, passaram a respeitá-la.
‘Hoje trabalhamos muito bem juntos’, diz.’


***


Publicidade brasileira vive crise criativa


‘A publicidade brasileira está em crise. ‘Há anos não temos tido presença
marcante em Cannes, não há campanhas que todos lembrem, nem o barulho que a
publicidade brasileira costumava criar’, afirma Mario Castelar, diretor de
serviços de marketing da Nestlé.


Castelar cita como exceção, é claro, a nova campanha da Nestlé, criada pela
W/ Brasil para a linha de soja Solis. Mas, mais surpreendente do que um diretor
de marketing assumir a fase de baixa, é muitos publicitários concordarem com
ele.


‘A espontaneidade da publicidade brasileira se perdeu’, afirma Tomás Lorente,
vice-presidente de criação da Young & Rubicam. ‘Há trabalhos incríveis, mas
a necessidade de errar o menos possível impede vôos altos.’


Ele não é o único. ‘O processo passou a ser mais importante do que a ousadia
da idéia’, diz André Laurentino, vice-presidente de criação da Lew, Lara.
‘Quando se busca o consenso, a tendência é ir para o meio e o infalível é nocivo
às novidades.’


O êxodo de jovens talentos seria o fator que, como no futebol, condenou os
campeonatos locais à mediocridade? Os publicitários dizem que não, até porque há
ótimos publicitários jovens no país. Para eles, a expatriação é conseqüência, e
não causa.


‘A propaganda internacional trilha um rumo diferente’, diz PJ Pereira,
diretor da AKQA San Francisco.


‘No Brasil, as agências dependem do bônus de veiculação, principalmente o da
Globo, e a dependência mata a ousadia.’


Bônus de veiculação é o valor pago a agências de propaganda que concentram
anúncios em grandes veículos de comunicação.


‘Enquanto o modelo de negócios se pautar pela compra de mídia, e não pela
idéia, não mudaremos’, diz Fernanda Romano, diretora de criação da Lowe Nova
York.


No exterior, os jovens encontram ambiente favorável para criar e aprender,
principalmente em novas mídias. Romano criou para a Nokia um documentário
dirigido pelo cineasta Win Wenders e apresentado por David Bowie. No filme, eram
mostrados 40 curadores da Nokia que indicam as melhores novidades musicais de
seus países para downloads.


‘Eles pediram um filme simples’, diz ela. ‘Eu me recusei e consegui
ousar.’


Por aqui a situação não é tão fácil. ‘A publicidade brasileira está com a
auto-estima em baixa’, diz Washington Olivetto, da W/Brasil.


Para ele, campanhas globais fazem a propaganda perder a alma e a graça
regionais. Dono de 52 leões em Cannes, Olivetto diz ter recebido várias
propostas de trabalho no exterior, mas preferiu montar sua agência.


É mais difícil para os jovens brasileiros empreenderem hoje por causa da
globalização das agências.’


CRÍTICA & INTERNET
Motoko Rich


Filtro suave


‘No ano passado, Dan Wickett, ex-gerente de controle de qualidade em uma
fábrica de autopeças, escreveu 95 resenhas de livros em seu blog, o Emerging
Writers Network [Rede de Escritores Emergentes], o que significa que, sozinho,
escreveu um número de críticas literárias equivalente a quase metade das
resenhas de livros publicadas pelo ‘Atlanta Journal-Constitution’ em 2006.


Wickett deixou seu emprego no setor automotivo e criou uma organização sem
fins lucrativos que apóia a publicação de revistas literárias e a criação de
programas de escritores residentes em universidades norte-americanas, o que lhe
dá mais tempo para seu blog de literatura.


Já o ‘Atlanta Journal-Constitution’ eliminou recentemente o posto de editor
de livros.


Isso fez com que muitos fãs se preocupassem com a possibilidade de que a
cobertura literária do jornal passasse a ser produzida apenas com base em
matérias de agências de notícias ou artigos publicados originalmente por jornais
de maior porte.


A decisão do jornal de Atlanta -no qual as resenhas literárias agora serão
supervisionadas pelo editor que responde pela cobertura geral do setor de artes-
surge depois de uma série de mudanças na maneira pela qual livros são criticados
nos EUA.


Faz pouco tempo, o ‘Los Angeles Times’ fundiu seu caderno de resenhas
literárias, até pouco tempo independente, com as páginas de opinião de sua
edição dominical, criando um novo caderno que, na prática, reduz o espaço
dedicado a livros de 12 páginas para 10.


A seção de resenhas do ‘San Francisco Chronicle’ caiu de seis para quatro
páginas.


Em todo o país, os jornais estão reduzindo as dimensões de seus cadernos de
livros ou publicando mais artigos adquiridos de agências de notícias ou de
publicações maiores.


Transição inevitável


Para alguns escritores e críticos, essas decisões representam um novo passo
para o sepultamento da cultura literária.


Mas algumas editoras e autores de blogs literários consideram que isso
representa parte da transição inevitável rumo a um cenário literário novo e mais
democrático, no qual qualquer pessoa poderá comentar livros.


Para pessoas acostumadas ao velho sistema, a evolução é difícil.


‘Como qualquer novidade, é difícil para os autores e agentes compreenderem
quando pedimos desculpas e dizemos que seus livros não serão comentados pelo
‘New York Times’ ou ‘Chicago Tribune’, mas que sairá uma resenha no
curledup.com’, disse Trish Todd, editora-chefe da Touchstone Fireside, uma das
divisões da editora Simon Schuster. ‘Mas acreditamos que seja essa a tendência.’


Obviamente, as mudanças nas seções de crítica literária dos jornais refletem
os desafios mais amplos que estes enfrentam, dada a queda na receita
publicitária e a perda de leitores para a web.


Mas alguns escritores (e leitores) questionam a idéia de que a economia seja
o fator preponderante. Jornais como o ‘Atlanta Journal-Constitution’ poderiam
‘publicar resenhas como um serviço público, e o fato é que eles não estão
dispostos a fazê-lo’, disse Richard Ford, romancista premiado com o Pulitzer.


‘Acredito ser vital a função da crítica literária em sua forma jornalística
mais plena’, prosseguiu ele, ‘da mesma maneira que a literatura em si é vital’.


Ford é um dos mais de 120 escritores que assinaram um abaixo-assinado pedindo
ao ‘Atlanta Journal-Constitution’ que Teresa Weaver, a editora de livros,
mantivesse seu posto.


O abaixo-assinado, patrocinado pelo Círculo Nacional de Críticos Literários,
é parte dos esforços da organização para salvar o segmento de resenhas
literárias.


‘Continuaremos a usar free-lancers, agências de notícias respeitadas e nossos
jornalistas para escreverem artigos sobre livros que interessem aos nossos
leitores e à comunidade literária local’, afirmou Mary Dugenske, porta-voz do
jornal de Atlanta, em um e-mail.


Mas, embora o interesse da mídia on-line possa ajudar alguns livros, os
jornais despertam o interesse do leitor comum, disse Oscar Villalon, editor de
livros do ‘San Francisco Chronicle’.


Os blogs, diz, ‘não são mídia de massa’. Seu jornal, por exemplo, tem
circulação de quase 500 mil exemplares, número que poucos blogs conseguem
atingir.


Polidas demais


Por outro lado, os leitores dedicados que devotam seu tempo à busca de um
blog literário talvez tenham mais probabilidade de comprar um livro do que os
leitores casuais de um caderno dominical de resenhas.


‘Sei que todo mundo que vem ao meu site se interessa por livros’, diz Mark
Sarvas, editor do The Elegant Variation.


E as resenhas em jornais, muitas vezes acusadas de optar preferencialmente
por ‘escolhas seguras’, poderiam aprender alguma coisa com a abordagem mais
dispersa adotada pelos blogs literários, disse David L. Ulin, o editor do
caderno de livros do ‘Los Angeles Times’.


‘Um dos problemas com a crítica de livros na mídia impressa é que as pessoas
tendem a ser polidas demais’, diz Ulin. ‘Creio que esse é um dos aspectos da
cultura mais áspera dos blogs com o qual podemos aprender -não de modo
irresponsável, mas para ressaltar claramente aquilo de que um crítico gosta ou
não gosta.’


É claro que os autores de blogs sobre literatura argumentam que eles oferecem
uma multiplicidade de vozes.


Mas alguns autores desconfiam delas. Ford, que nunca leu um blog literário,
disse apreciar a ponderação e o filtro que, em sua opinião, um editor de livros
é capaz de oferecer, em um jornal.


‘Os jornais, por contarem com sustentação institucional, têm uma relação
responsável com aqueles que os publicam e também com aqueles que os lêem’,
disse, ‘de uma maneira que um sujeito sentado em seu porão em Terre Haute talvez
não tenha’.


Este texto saiu no ‘New York Times’. Tradução de Paulo
Migliacci.’


TELEVISÃO
Laura Mattos e Silvana Arantes


Camila Pitanga e eu forçamos a paixão


‘Ele era ‘só um cara da Bahia’, repórter do programa de televisão ‘Michelle
Marie’, que entrevistava globais de qualquer escalão no Carnaval de Salvador.
Hoje ele é Olavo Novaes, vilão mais irresistível do currículo de Gilberto Braga,
o criador de Odete Roitman.


Já faz três meses que Wagner Moura rouba a cena em ‘Paraíso Tropical’. Só que
nos últimos capítulos, o cara da Bahia está abusado: aproveitou o romance com
Bebel (Camila Pitanga) e tomou o posto de galã.


A novela das oito, que teve a pior audiência de estréia desta década,
finalmente decolou. À Folha, Moura (30 anos, 1,80 m, 78 kg, casado, um filho)
falou sobre o romance com a ‘piranha’, a amizade com Lázaro Ramos e muito mais.
A seguir:


FOLHA – Por que Olavo Novaes se apaixonou por Bebel?


WAGNER MOURA – Acho que a gente deu uma forçada de barra na paixão. Não era
para ser isso, e o [autor da novela] Gilberto [Braga] comprou. Eu dizia para a
Camila: ‘A gente faz o que ele quer, mas vamos fazer esse negócio render
[risos].’ Aí, pronto, ele ficou apaixonado. É um contraste espetacular esse cara
apaixonado pela piranha.


FOLHA – Nada disso estava antes previsto na sinopse da novela?


MOURA – Estava previsto os personagens se encontrarem e terem uma relação.
Existia uma relação sexual forte, de tesão. Acho que era mais por aí.


FOLHA – A paixão do casal Olavo e Bebel ajudou a levantar o ibope?


MOURA – Não. Isso é mérito do Gilberto, que movimentou mais a trama. Achei
sensacional ele ter dado mais força ao personagem do Fabio [Assunção], o Daniel.
Achava que o Olavo estava um pouco brigando sozinho. Agora que o Daniel
descobriu tudo, ficou muito mais legal. Adoro fazer as cenas com Fabinho. Outro
dia saímos na porrada. Eu adorei. Vocês viram essa cena? Que cena boa!


FOLHA – Apesar do papel de mocinho em ‘A Lua Me Disse’, é agora, como o vilão
Olavo, que você foi percebido pelo público como galã.


MOURA – Será?


FOLHA – Você não percebe isso?


MOURA – Não percebo, inclusive acho o Olavo feio, triste.


FOLHA – Perto da Camila Pitanga ele não fica mais interessante?


MOURA – Perto da Camila Pitanga tudo fica mais interessante [risos]. A
história com o personagem dela está sendo muito boa, é uma válvula de escape do
Olavo, que é duro, introspectivo, ardiloso, invejoso. Com a Bebel, posso mostrar
um outro lado dele, até de humor.


FOLHA – Se você fosse o autor, escreveria que final para os dois?


MOURA – Eles se gostam, têm que ficar juntos. Ou se fodem juntos ou se dão
bem juntos.


FOLHA – Qual dos dois prefere?


MOURA – Depende. Pode ser um ‘se fodem’ interessante.


FOLHA – Você não tem contrato fixo com a Globo. Nem pretende?


MOURA – Tenho conversado sobre isso. Temo parecer picareta, fazer um contrato
e ficar recusando papéis. Não vou me sentir bem de ser pago sem trabalhar. Mas
estou revendo isso.


FOLHA – O que fará após a novela?


MOURA – Quero muito voltar ao teatro. Sempre quis fazer Shakespeare, mas
sempre o achei muito grande. Estou perdendo um pouco esse medinho.


FOLHA – Dirigir cinema está nos seus planos?


MOURA – Tenho planos de dirigir, mas naturalmente o meu caminho como diretor
tem que começar pelo teatro, que é o que sei fazer melhor.


FOLHA – É por isso que você se diz um ator mais inteligente no teatro?


MOURA – Quando comecei, em Salvador, a gente aprendia que teatro é uma coisa
de grupo, que você tem que fazer tudo, varrer o palco, cuidar do seu figurino,
que o teatro é um templo, o palco é sagrado. Tenho uma relação com esse lugar
que não tenho em lugar nenhum. Por isso, quando faço teatro, eu me sinto pleno e
fico melhor para fazer cinema e televisão.


FOLHA – Na preparação da peça ‘A Máquina’ [2000], você se mudou para o Recife
para ensaiar e morou com o elenco e o diretor. Era uma disponibilidade total ao
trabalho?


MOURA – Total. Que época boa! Outro dia estava me lembrando que, em 1996, eu
e Vladimir [Brichta] fizemos uma peça com José Possi Neto, em Salvador. Eu
estava quase desistindo de fazer teatro. Achava que ia ser jornalista mesmo, que
o teatro não ia dar certo. Possi fez um teste para a peça, e eu não quis fazer.
Aí ele me chamou para ser testado. Ele disse: ‘Quero que você faça a minha
peça’. Saí correndo da escola de teatro até minha casa, na chuva. Outro dia
fiquei com saudade dessa sensação, que acho que perdi um pouco.


FOLHA – O jornalismo frustrou sua expectativa de mudar o mundo?


MOURA – Hoje em dia estou tentando me mudar [risos]. É mais fácil começar por
mim e ver se depois, quando amadurecer, vou pensar no mundo.


FOLHA – Quando pensou em largar o teatro ‘porque não ia dar certo’, o que
exatamente imaginava? Que nunca chegaria à novela das oito?


MOURA – Juro que a novela das oito nunca foi meu foco. Não estava com tesão
de fazer o que estava rolando. Gostava de jornalismo, estava dividido à beça.


FOLHA – E a carreira jornalística?


MOURA – Foi um lampejo. Trabalhei no [diário] ‘Correio da Bahia’, fazendo o
roteiro de TV e cinema, depois na coluna social televisiva ‘Michelle Marie’, que
existe até hoje. Depois, montei uma assessoria de imprensa, com uns colegas de
faculdade, para trabalhar com projetos culturais. Só que os clientes geralmente
eram meus amigos e não me pagavam.


FOLHA- Quem entrevistou no programa ‘Michelle Marie’?


MOURA – Entrevistava todos os artistas da Globo que iam passar o Carnaval em
Salvador.


FOLHA – Dá um exemplo.


MOURA – Todos. Eram sempre as mesmas perguntas: ‘O que você está achando da
Bahia?’ ‘Qual é a sua relação com o Carnaval?’ As pessoas diziam: ‘Tô amando.
Essa Bahia é linda, um axé maravilhoso!’


FOLHA – Agora, quando está em festas e os jornalistas chegam com essas
perguntas, o que responde?


MOURA – ‘Esse axé, essa luz, essa energia, essa cidade!’ [risos]’


***


Moura revela imitar o ‘genial’ Pedro Cardoso


‘Wagner Moura conta a seguir como se tornou galã e analisa o gênero
telenovela, o papel da TV e a iniciativa do governo de determinar o horário de
exibição dos programas.


FOLHA – No filme ‘Cidade Baixa’ [2005], em que o seu personagem e o de Lázaro
Ramos disputam violentamente a mesma mulher, vocês chegaram a pôr a amizade à
prova?


MOURA – [A preparadora de elenco] Fátima [Toledo] tentou fazer isso, mas não
conseguiu. Ela achava que, para haver o conflito dos personagens, precisava
desestabilizar nossa relação. Com exercícios, tentou fazer com que nos
odiássemos. Foi cansativo, porque nos amamos. Mas ela conseguiu que ‘Cidade
Baixa’ fosse uma grande revisão da nossa amizade. Sempre tive Lázaro [27 anos]
como o irmão mais novo, quando ele é um homem de uma maturidade que não tenho. O
maluco sou eu. Ele é centrado.


FOLHA – Como se conheceram?


MOURA – No teatro. Eu já trabalhava muito como ator. Fui ver uma peça que ele
fez com 16 anos. Fiquei impressionado. Fui ao camarim e disse: ‘Quero ser seu
amigo’.


FOLHA – O que ele respondeu?


FOLHA – ‘Porra, então vamos ser amigos!’ Aí ficamos amigos.


FOLHA – Que ator viu em cena e pensou: ‘Quero ser assim’?


MOURA – Pedro Cardoso.


FOLHA- Mas Pedro Cardoso não faz sempre o papel de Pedro Cardoso?


MOURA – Mas é genial. Ninguém faz Pedro Cardoso melhor que ele. Eu imito
Pedro Cardoso. Quando fazia [o seriado da Globo] ‘Sexo Frágil’ meu trabalho era
uma imitação grotesca de Pedro Cardoso. Eu era louco por ‘Sexo Frágil’. Lamento
até hoje ter acabado.


FOLHA – Concorda com a portaria do governo que classifica programas de TV por
idade e horário de exibição?


MOURA – É legal dizer ao telespectador para que idade os programas são
indicados. Mas querer obrigar uma empresa privada a mudar um horário é uma
espécie de censura. A TV não tem que educar ninguém.


FOLHA – A ‘TV de autor’, de programas como ‘Sexo Frágil’, te atrai mais do
que a dos mocinhos e vilões das novelas?


MOURA – É diferente. Os trabalhos de Guel são sempre inovadores. Mas ele só
pôde fazê-los porque a Globo tem as novelas.


FOLHA – Novela é mal necessário?


MOURA – Não. É que a novela dá o sustento. Se a novela não tivesse a
audiência que tem, Guel não poderia ter brincado com as coisas com a liberdade
que teve. A novela é um gênero que é um barato fazer -o folhetim. Se entrar na
novela achando que vai fazer cinema, Fellini, vai se foder. O barato é você
servir ao gênero. É uma brincadeira boa danada. E as coisas que fiz em novela
são pilares da dramaturgia folhetinesca, o mocinho e vilão. Por isso não sei o
que mais eu vou fazer.


FOLHA – Não poderia fazer outro mocinho e outro vilão?


MOURA – Não sei. Se forem interessantes, se me desafiarem.


FOLHA – Mesmo o mocinho de ‘A Lua Me Disse’ te desafiou?


MOURA – Foi maravilhoso. Quem ia pensar que eu ia fazer um mocinho da
televisão?


FOLHA – Por que não?


MOURA – Nunca fui galã. Era um cara da Bahia, um maluco. ‘Você quer fazer um
galã?’ É agora, na hora! Pô, demorou.’


Marcelo Bartolomei


HBO e Conspiração retomam as filmagens da série ‘Mandrake’


‘Doutor Mandrake, o advogado criminalista mulherengo que virou uma espécie de
super-herói brasileiro na investigação de crimes do submundo carioca, está de
volta. Em parceria com a Conspiração Filmes, o canal pago HBO acaba de retomar a
produção da série e exibirá, no final deste ano, cinco novos episódios.


Durante as filmagens, na semana passada, o protagonista Marcos Palmeira, 42,
acomodava-se entre os quartos da locação -um de descanso, outro de troca de
figurinos e o set de filmagem- num hotel de luxo de Copacabana, no Rio. Entre um
café, um charuto (hábito adquirido com o personagem) e cenas do episódio 12,
dizia estar mais maduro. ‘Todos estão. A primeira fase nos fez aprender, a
dramaturgia está mais amarrada. Temos um grande prazer em fazer isso’,
afirma.


‘Mandrake’, baseado no personagem criado por Rubem Fonseca, estreou em 2005
como a primeira produção original brasileira da HBO. Foram oito episódios e um
razoável sucesso, o que gerou pirataria e arquivos trocados via internet. ‘Me
reconhecem na rua como o doutor Mandrake. As pessoas acompanham, o que para mim
é uma surpresa, porque a referência que a gente tem no Brasil é sempre de
novela’, diz.


‘Tinha a impressão de que poucos viam por ser na TV paga. Mas tem grupo de
discussão no Orkut sobre o Mandrake com 6.000 pessoas’, conta o diretor da
série, José Henrique Fonseca, filho do criador do personagem.


No episódio 12, Mandrake reencontra Ligia (Mônica Martelli), uma paixão do
passado. De volta ao Brasil, ela procura o advogado para tentar resolver um caso
internacional de meio ambiente.


A atriz, uma das participações especiais da nova fase (que tem ainda Nelson
Motta, Cacá Carvalho, Bruna Lombardi e Ewerton de Castro, entre outros), vive
uma mulher lembrada desde o primeiro episódio por ter trocado o policial Raul
(Marcelo Serrado) por seu melhor amigo, Mandrake.


Desde o final de abril, as filmagens, por diversos locais do Rio, estão em
ritmo acelerado. ‘O Rio está muito presente na série’, diz Fonseca, que segue na
produção até 17 de junho.


Com uma indicação na edição do Emmy do ano passado, na categoria série
dramática, ‘Mandrake’ finalmente completa sua primeira temporada, com 13
episódios, depois de um hiato de dois anos. Após a exibição, será lançada em
DVD.


Orçado em R$ 900 mil por capítulo e produzido com verba de incentivo fiscal,
os novos episódios de ‘Mandrake’ serão exibidos em outros países da América
Latina, assim como ocorreu com a primeira fase.’


Sylvia Colombo


Carvalho prega ‘descontrole’ na TV


‘Quando era criança, o pai de Quaderna deu-lhe chá de cardina para tomar. A
beberagem, dizia-se no sertão paraibano nos distantes anos 30, ajudava a ‘abrir
a cabeça’ dos garotos, mas diminuía sua ‘homência’, ou seja, sua virilidade.


Quaderna então cresceu, alucinado pelo sol inclemente e a obsessão de
escrever uma ‘obra magnífica’ que o faria ser eleito ‘grande gênio da raça’.


A trajetória delirante, verborrágica e quixotesca desse herói sertanejo
conduz a minissérie ‘A Pedra do Reino’, arriscada investida do diretor Luiz
Fernando Carvalho, 47, que vai ao ar a partir da próxima terça-feira, na Rede
Globo, depois de ‘Casseta & Planeta’ (por volta das 22h30).


Releitura do romance de Ariano Suassuna, a série usa recursos já apresentados
em ‘Hoje É Dia de Maria’ (2005), que confrontava o naturalismo narrativo com a
criação de um universo lúdico e simbólico.


Agora, Carvalho busca dissociar-se ainda mais da narrativa formal e linear.
Os cinco capítulos de ‘A Pedra do Reino’ correspondem aos cinco livros em que se
divide a obra de Suassuna, mas cada um evolui de forma particular.


O que alinhava a história é menos um referencial cronológico do que a
intenção de provocar experiências ‘sensoriais’ nos espectadores. Nas palavras de
Carvalho, roubadas das páginas do próprio escritor paraibano, o seriado é um
‘circorama da phantasmagoria’.


O diretor de ‘Lavoura Arcaica’ (2001) diz que está propondo uma ‘uma
narrativa do descontrole’ dentro de um universo televisivo tomado por apenas
‘uma forma de narrar’. Apesar disso, não acredita na hipótese de a obra parecer
hermética para o público comum. ‘A Pedra’ faz parte do projeto ‘Quadrante’, que
prevê a adaptação de outras três obras literárias pelo diretor. A próxima será
‘Dom Casmurro’, de Machado de Assis. Depois virão ‘Dois Irmãos’, de Milton
Hatoum, e ‘Dançar Tango em Porto Alegre’, de Sergio Faraco. Leia, abaixo, os
principais trechos da entrevista que Carvalho concedeu à Folha.


FOLHA – Você diz que nunca pensou ‘A Pedra do Reino’ como cinema. Mas a série
tampouco parece se identificar muito com TV. Como você definiria essa releitura
da obra?


LUIZ FERNANDO CARVALHO – Me pergunto se é necessário um nome. O que vejo é um
organismo dividido em cinco partes. O pouco que realizei para TV foi no caminho
de tentar humanizar a narrativa, na maioria das vezes forjada de forma
hegemônica e industrial. Se na televisão tenho a sensação de estar sendo vigiado
por todos os lados, no cinema é o contrário. Como se estivesse sozinho em meu
quarto, falando com meus segredos: livre, dentro do cativeiro do rigor.


Meu modo de rodar ‘A Pedra do Reino’ não diminui a TV nem engrandece o
cinema, mas também não se deixa escravizar por essa ou aquela linguagem
artificial. Quero me libertar do peso industrial que transforma tudo em uma
leitura anódina dos seres e da vida. Também não vejo ‘A Pedra do Reino’ como
cinema. Gostaria de insistir que é um projeto de TV e para a TV, mas, talvez,
simplesmente, uma outra TV.


FOLHA – Os dois primeiros capítulos expõem o deslumbramento do personagem e o
mundo mítico que o cerca. A ‘trama’ propriamente dita só começa no terceiro
capítulo. Não acha que corre o risco de o seriado tornar-se pouco acessível?


CARVALHO – Pertenço ao grupo daqueles que acreditam que o público não é
burro, mas doutrinado debaixo de um cabresto de linguagem. Luto contra isso.
Sabendo da dimensão que a televisão alcança no Brasil, tratá-la apenas como
diversão me parece bastante contestável. Precisamos de diversão, mas também
precisamos nos orientar e entender o mundo.


Procuro um diálogo entre os que sabem e os que não sabem; um diálogo simples,
sóbrio e fraterno, no qual aquilo que para o homem de cultura média é adquirido
e seguro torne-se também patrimônio para o homem mais comum, pobre, e que, em
relação a tantas questões, está ainda abandonado.


FOLHA – Não crê que pode parecer hermético ao público mais amplo?


CARVALHO – Fomos adestrados para compreender e gostar de apenas um modo de
narrar.


Somos induzidos pelo cinema norte-americano. Por uma linguagem que leva as
pessoas a gostar mais daquilo que podem controlar. Existe uma ideologia do
controle, e o que proponho é uma narrativa do descontrole, algo que provoque um
desequilíbrio sensorial, que quebre o tédio cartesiano que reina.


Não acho que a pessoa mais letrada vá entender melhor do que quem tem uma
formação simples, pois é preciso pegar pelo sensorial. É como se estivéssemos
num centro de macumba. Proponho uma cosmogonia que não quer ser didática.


FOLHA – O discurso dos extremistas de ‘esquerda’ e de ‘direita’ de Taperoá
dialoga com a política atual?


CARVALHO – A carapuça vai encaixar como uma luva. Quaderna se sente um
estrangeiro em relação à moral estagnada daquela Taperoá, que é um microcosmo do
Brasil. Suas idéias expõem as máscaras do pseudopoder, do falso intelectualismo,
transformando seu discurso em metáfora revolucionária.


Com a fala emblemática, enraizada, Quaderna reúne as reflexões, as emoções e
o riso que nos são hoje necessários.


Vejo o Brasil paralisado. Em que as pessoas têm dificuldade em imaginar um
país melhor.


FOLHA – De que modo Glauber Rocha o inspirou nessa releitura?


CARVALHO – A ‘Pedra do Reino’ é um romance selvagem. O espaço da imaginação
do mundo sempre foi um espaço selvagem, por pertencer mais ao inconsciente. O
selvagem está associado ao indeterminado, ao estado bruto, a um fluxo de imagens
que não foi desbastado pela oficialidade da razão.


O universo sertanejo do romance, épico e barroco, naturalmente nos aproxima
da obra selvagem de Glauber. Em algumas seqüências, mesmo sem pensar muito
nisso, sem fazer uma mínima força sequer, estava o cara ali,
presente.’


***


Obra evoca romances de cavalaria


‘Mistura de romance de cavalaria com literatura de cordel e pontuada por
referências da cultura popular sertaneja e de tradições árabes e ibéricas,
‘Romance d’A Pedra do Reino’ (1971) é a mais importante obra de Ariano
Suassuna.


O paraibano celebrizou-se por idealizar, nos anos 70, o Movimento Armorial,
que buscava criar uma arte erudita a partir da cultura popular.


A história é narrada por Pedro Diniz Ferreira Quaderna, em três momentos. No
primeiro, ele está preso durante o período do Estado Novo (1937-1945), em
Taperoá, na Paraíba, e começa a escrever sua história, a partir das memórias de
seus ancestrais.


Noutro, ele é um velho palhaço que conta seu passado num teatro improvisado
no centro do vilarejo. Enquanto num terceiro momento enfrenta o juiz corregedor
que investiga a morte de seu padrinho, dom Pedro Sebastião
Garcia-Barreto.’


Cássio Starling Carlos


Minissérie desafia os códigos


‘Não é de hoje que a TV foi buscar na literatura um sinal de nobreza para
distinguir algumas produções no volume de folhetins popularescos. Mas quase
sempre esse recurso funcionou como redução do literário ao narrativo e à
sofisticação visual, no trabalho consistente de diretores de arte e figurinistas
para reconstituir épocas.


Contudo, o que Luiz Fernando Carvalho vem realizando, desde ‘Hoje É Dia de
Maria’, constitui um sinal de ruptura com essa concepção de ‘qualidade’.
Trata-se de abordar a literatura como manancial expressivo, e não apenas como
fonte sofisticada de histórias. A distinção anunciada em ‘Hoje É Dia’ tornou-se
essencial no resultado de ‘A Pedra do Reino’ e consiste na idéia de artesanato.


Naquela produção, a forma artesanal restringia-se à execução de cenários e
figurinos. Agora, passou a servir de princípio ao próprio modo de narrar e à
estrutura do relato, com a incorporação de colagens de cortes abruptos, da
encenação feita de achados e do desempenho dos atores. Tudo cria um conjunto
marcado por mudanças rítmicas que transmitem a vertiginosidade do texto.


Por outro lado, o artesanal cria uma alternativa à dicotomia arte e
indústria, pois oferece um meio-termo pelo qual a TV pode almejar obter uma
singularidade expressiva no próprio âmbito industrial que já consolidou.


Não se trata, ressalte-se, de mimetizar modos canonizados do cinema novo para
a TV, apesar de não ser difícil identificar sinais glauberianos. Mas de desafiar
de dentro os códigos da televisão, elevando-a a um patamar criativo que
desafiará hábitos do espectador padrão.


A PEDRA DO REINO


Avaliação: ótimo’


Bia Abramo


O último seriado adolescente


‘O CLIMA é de luto entre os fãs de seriados: foi ao ar nesta semana o último
episódio da última temporada de ‘Gilmore Girls’. Juntando com o final de ‘The
O.C.’, algumas semanas atrás, isso significa que está vago o lugar do seriado
adolescente.


Os requisitos básicos são os mesmos desde ‘Dawsons Creek’. Em primeiro lugar,
é preciso ser o mais cool possível: gente linda e ‘perfeita’, roupas legais,
referências espertas à cultura pop, um tantinho de neurose em grau suficiente
para tornar tramas e diálogos atraentes e divertidos… Em segundo lugar, há que
ser, por mais tortuoso que o percurso até lá queira parecer, profundamente
moral.


Funciona assim: ao mesmo tempo em que exibem modelos moderninhos, inclusive
de comportamento, no final reitera-se a centralidade da família (ainda que tenha
que se admitir famílias não tradicionais), os valores competitivos nos estudos e
no trabalho e, sobretudo, a alegria do conformismo.


Permite-se tudo, desde que, no final, qualquer traço de rebeldia real, de
angústia verdadeira e de experimentação existencial autêntica seja devidamente
apaziguado.


‘Gilmore Girls’ era uma espécie de achado, porque era um seriado com duas
protagonistas ‘adolescentes’: uma no papel de filha e outra no de mãe. Ou seja,
Lorelai engravida na adolescência e, com 30 e poucos, é uma mãe de uma
adolescente; Rory é a filha muito madura dessa mãe muito jovem.


Em outras palavras, dois tipos contemporâneos típicos: jovens amadurecidos a
fórceps e adultos eternamente presos à sua juventude. À esperteza sociológica do
argumento, some-se que, de cara, há um erro -o de ter se tornado mãe ainda
adolescente- a reparar e um -o de impedir, a todo custo, que a filha siga o
mesmo caminho- a evitar. Para um projeto moralista, nada mais apropriado.


Todo o seriado consistia nessa tensão, da adequação dos que, em algum
momento, parecem inadequados. A jovem mãe prova aos pais que, apesar do erro de
juventude, é capaz de ser uma empresária de sucesso (e regular a sexualidade da
filha), e a doce Rory, cerebral e sensível, é um modelo de aluna, filha, neta,
amiga, namorada etc.


O pulo do gato é operar essas trajetórias, no fundo exemplares, como se
fossem críticas e não convencionais. Em ‘Gilmore Girls’ isso se fazia com
diálogos muito ágeis e espertos -mãe e filha tinham quase que uma linguagem
própria- e um timing cômico invejável.’


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