Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Folha de S. Paulo

LÍNGUA
Carlos Heitor Cony

A torre de Babel

‘RIO DE JANEIRO – O grande público ignora, mas está em discussão -aliás, continua em discussão- o acordo ortográfico entre Brasil, Portugal e demais países que falam e escrevem o português, designados eruditamente como ‘lusófonos’. Uma velha questão que motivou diversos acordos -e nenhum deles foi realmente respeitado.

Tanto na academia brasileira como na congênere portuguesa, sempre houve comissões mais ou menos permanentes em busca da unificação ortográfica -que, a bem da verdade, é quase completa, com exceção de pequeno número de palavras sobre as quais não existe consenso. Exemplo: dificilmente o Brasil aceitará escrever ‘facto’ em vez de ‘fato’, duas palavras que, em Portugal, têm sentidos diferentes.

Em linhas gerais, os especialistas lusitanos obedecem ao critério histórico das palavras: ‘Súbdito’ em lugar de ‘súdito’, em respeito ao prefixo ‘sub’, que indica submissão. E por aí vai.

Problema maior será obter consenso com os povos africanos que falam português. Alguns deles não abrem mão das origens, que nascem dos diversos dialetos espalhados pelo imenso território da África. É o caso da letra ‘K’, muito usada em todos eles. Não vejo a possibilidade de adotarmos aqui no Brasil a grafia de ‘kiabo’ no lugar de ‘quiabo’, ou ‘muleke’ no lugar de ‘moleque’.

Pessoalmente, me abstenho dos debates lá na Academia. Não sou especialista e aproveito a erudição alheia. Considero que língua, linguagem, fonética e ortografia são como a famosa ‘La donna è mobile’, cantada na ária de Verdi.

Não adianta regredir aos tempos anteriores à construção da Torre de Babel, quando, segundo o relato bíblico, os homens começaram a falar cada qual à sua maneira e a torre do consenso humano jamais chegaria ao céu.’

 

Boaventura de Souza Santos

Libertem a língua

‘SENDO A ortografia uma pequena dimensão da vida da língua, seria legítimo esperar que não fosse necessário o acordo ortográfico ou que, sendo-o, pudesse ser celebrado sem dificuldade nem drama. No caso da língua portuguesa, assim não é, e há que refletir por quê.

A razão fundamental reside no fantasma do colonialismo inverso que desde há séculos assombra as relações entre Portugal e Brasil. Por séculos, a única colônia com propósitos de ocupação efetiva no império português, o Brasil, foi sempre e simultaneamente um tesouro e uma ameaça grandes demais para Portugal.

Após um curto apogeu no século 16, Portugal foi durante toda a modernidade ocidental capitalista um país semiperiférico, isto é, um país de desenvolvimento intermédio, desprovido dos recursos políticos, financeiros e militares que lhe permitissem controlar eficazmente o seu império e usá-lo para seu exclusivo benefício. Teve, pois, de o partilhar desde cedo com as outras potências imperiais européias, e foi por conveniência destas que ele se manteve até tão tarde.

A partir do século 18, Portugal foi simultaneamente o centro de um império e uma colônia informal da Inglaterra. À semiperifericidade de Portugal correspondeu a semicolonialidade do Brasil, tão bem analisada por Antonio Candido, a idéia contraditória de um país mal colonizado e superior ao colonizador, um país que resgatou a independência de Portugal e que, logo após sua própria independência, foi visto como uma ameaça aos interesses de Portugal na África.

A relação colonizador-colonizado entre Brasil e Portugal foi sempre uma relação à beira do colapso ou à beira da inversão. Até hoje. É essa indefinição que torna tão necessário quanto difícil o acordo ortográfico.

Do lado português, a posição ante o acordo assenta sempre na idéia de ‘rendição ao Brasil’, tanto para o aceitar como para o recusar. Em ambos os casos, o fantasma do colonialismo do inverso, em vez da idéia libertadora do inverso do colonialismo. Acontece que hoje a inconseqüência do acordo tem conseqüências que não tinha, por exemplo, em 1911.

Em 1911, o acordo teve lugar entre dois países em que a língua portuguesa era a língua natural. No caso português, o colonialismo proibia que as línguas nacionais faladas nas colônias fossem um problema lingüístico. No brasileiro, o colonialismo interno impedia que as línguas indígenas existissem. Portugal considerava-se o dono da língua portuguesa, mas, porque não o era de fato, o acordo só começou a ser implementado em 1931.

Hoje são oito os países de língua oficial portuguesa, e em seis deles a língua portuguesa coexiste com outras línguas nacionais, algumas delas mais faladas que o português. Nesses países, o contexto da política da língua é muito mais complexo.

Mexer no português só faz sentido se se mexer nas línguas nacionais, e mexer nestas, em países que há pouco saíram de uma guerra civil, pode ter conseqüências bem mais graves que as do drama bufo luso-brasileiro.

Por essas razões, deviam ser esses países a decidir o desacordo, mas pelas mesmas razões é pouco provável que aceitassem tal magnanimidade.

Nesse contexto, a língua portuguesa deve ser deixada em paz, entregue à turbulência da diversidade que torna possível que nos entendamos todos em português. Revejo-me, pois, no comentário irônico e contraditório de Fernando Pessoa aos acordos ortográficos, escrito em 1931, ano em que se implementava o acordo de 1911: ‘Odeio… não quem escreve em orthographia simplificada, mas a pagina mal escrita, como pessoa propria, a syntaxe errada, como gente em que se bata, a orthographia sem ipsilon, como o escarro directo que me eno- ja independentemente de quem o cuspisse.

Sim, porque a orthographia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da translitteração greco-romana veste-m’a do seu vero manto regio, pelo qual é senhora e rainha’.

Apesar de transcrito na ortografia de Pessoa, foi difícil entender esse passo?

BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS , 67, sociólogo português, é professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal). É autor, entre outros livros, de ‘Para uma Revolução Democrática da Justiça’ (Cortez, 2007).’

 

PESQUISA
Frederico Vasconcelos

Datafolha cresce e completa 25 anos como referência

‘O Datafolha Instituto de Pesquisas está completando 25 anos de atividades. ‘Nasceu junto com a redemocratização do país, preocupado em mostrar transparência na maneira de fazer pesquisas’, diz Antonio Manuel Teixeira Mendes, superintendente da Folha e primeiro diretor do instituto.

O Datafolha foi criado em 1983. Um ano antes, ainda com o nome de ‘Pesquisa Folha’, inaugurou estudos de intenção de votos, na primeira eleição direta para governos estaduais. O futuro instituto era só uma mesa, no meio da Redação, onde a socióloga Mara Kotscho, com sua máquina de calcular, orientava os entrevistadores, estudantes da PUC (Pontifícia Universidade Católica).

‘Tenho muito orgulho de ter montado o Datafolha’, diz Mara, mulher do jornalista Ricardo Kotscho. Ela aplicou a metodologia do professor Reginaldo Prandi, então titular do Departamento de Sociologia da USP e um dos pesquisadores do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).

Prandi foi apresentado ao ‘publisher’ da Folha, Octavio Frias de Oliveira, por Vilmar Faria, que anos depois seria assessor do presidente FHC. O professor da USP mantinha uma equipe de pesquisa no comitê de Lula, e foi convidado por Frias a levar sua metodologia ao Datafolha. ‘Ele impunha certas regras: a pesquisa tinha que ser rápida, econômica e transparente’, diz Prandi.

‘A primeira grande pesquisa nacional foi bastante inovadora, usando o método que desenvolvi para o PT.’

Os sociólogos Reginaldo Prandi, Antonio Manuel Teixeira Mendes e Antonio Flávio Pierucci desenvolveram a metodologia que cruza dados geográficos, de renda e sociais.

Até então, metodologia de pesquisas era ‘segredo industrial’ dos institutos. O jornal passou a explicar o processo de amostragem e o conceito de margem de erro. ‘O instituto aliou a agilidade e o faro jornalístico ao instrumento científico de investigação da opinião pública’, diz Mauro Paulino, atual diretor do Datafolha.

Pesquisas eleitorais

Em 1988, o Datafolha mostrou, na véspera da eleição, que a então candidata petista à prefeitura paulistana, Luiza Erundina, estava em ascensão e poderia derrotar Paulo Maluf, o que de fato ocorreu.

Em 1989, o Datafolha cravou que Lula, e não Leonel Brizola (PDT), iria para o segundo turno contra Fernando Collor (então no PRN).

Em 1998, o instituto foi o único a mostrar que, na disputa pelo governo paulista entre Paulo Maluf, Mario Covas e Marta Suplicy, a petista tinha, na véspera do primeiro turno, chances reais de ir ao segundo.

Diferentemente de outros institutos, o Datafolha não faz pesquisas encomendadas por políticos ou partido políticos. Entre as suas capacitações ao longo do tempo, o instituto desenvolveu metodologia própria para medir aglomerações. Ela foi usada, por exemplo, durante a campanha das Diretas.

O instituto elaborou pesquisas de fôlego, como o estudo que resultou no livro ‘O Racismo Cordial’ (1995), e dossiês sobre religião, família, sexualidade, sem-terra e outros.

‘A freqüência com que o Datafolha passou a publicar estudos comportamentais e eleitorais foi um processo de educação da própria opinião pública’, diz o sociólogo Gustavo Venturi, que dirigiu o Datafolha entre 1992 e 1996.

Em 1993, a economista Eneida Nogueira assumiu a diretoria comercial, desenvolvendo a área de pesquisas de mercado. ‘Tenho orgulho de ter trabalhado no Datafolha. Estou na TV Globo, que é cliente do instituto, porque a qualidade do trabalho continua excelente.’

Com metodologia própria, o Datafolha faz pesquisas de mercado para grandes companhias. ‘Hoje é uma empresa com vôo próprio e continua tendo na Folha o seu principal cliente’, diz Teixeira Mendes.’

 

DITADURA
Janio de Freitas

As várias indenizações

‘ESTOU VIVO , para desgosto do Ziraldo. Ainda não pude atender ao desejo exposto por esse velho colega na solenidade que lhe deu uns trocados vitalícios, sob o nome de indenização: ‘Quero que morram os que criticam. São todos uns X’. Não reproduzo a palavra final, por fidelidade ao conceito de que a linguagem do jornalismo não inclui as vulgaridades dos que a usamos. Já que estou vivo, embora jamais o tenha sido tanto quanto o rico Ziraldo, e a discussão das indenizações continua nos jornais, pode ser um assunto para me salvar no domingo.

Está criada muita confusão quanto a anistia e indenização. Indenizações aos que agiram contra a ditadura são, em princípio, injustificáveis. O que altera essa norma é a indecência da impunidade assegurada aos torturadores e assassinos de presos. A compensação civilizada e legítima de suas vítimas, ou familiares de vítimas, seria vê-los presos e condenados pelas leis do regime democrático.

As indenizações foram criadas como aparente reparação para a impunidade irreparável aos criminosos. Adotada, por sua vez, muito mais para atenuar os que aceitaram, incluídas várias vítimas da ditadura, a imoralidade da anistia estendida à autoria de crimes brutais. E criminosos até segundo suas próprias leis, como a Convenção de Genebra e os juramentos de formatura militar.

Contra essas indenizações, o que há a dizer -salvo algum caso de concessão incabível- é que submetem seus beneficiários a outra injustiça: são as menores indenizações, mesmo nos casos dos assassinatos que deixaram famílias condenadas a anos e anos de vida deformada em definitivo, pela pobreza e a conseqüente dificuldade de educação formal dos filhos. A perda de um pai e chefe de família por atividade sindicalista de oposição, por exemplo, está ‘indenizada’ em R$ 100 mil.

Justificadas podem ser, também, as indenizações aos presos e maltratados, com tortura ou não, por deduções erradas dos captores. Caso, por exemplo, do jornalista Luiz Edgard de Andrade, sem militância alguma, nem sei se com algum sentimento oposicionista, mas preso e torturado por telefonar para a casa de um colega ocupada pela polícia. A propósito, vimo-nos quando cheguei a uma prisão do Exército, ainda de terno e gravata como próprio da época, entregue por um colega que, preso, fez entregas a granel. Ao sair, Luiz Edgard escreveu um pequeno texto sobre a experiência de preso inocente, e não se poupou a inclusão de uma frase falaciosa e mal intencionada: ‘…ao sair, cruzei com Janio de Freitas, elegante como sempre’. À parte a hombridade de cada um, presos e torturados inocentes houve muitos, para quem a indenização pode ter sentido reparador, à falta da reparação típica nas democracias.

Diferente de tudo isso, e causa da polêmica sobre as indenizações, são as ‘reparações’ vitalícias, e com generosos atrasados, a jornalistas e alguns outros. Esses, os jornalistas em especial, eram todos adultos, cientes das implicações do que fizessem, e autores de atos deliberados em plena consciência do seu significado e possíveis conseqüências. Indenização de quê e por quê, então? E são as maiores indenizações, algumas, só de atrasados, na ordem do milhão.

Os argumentos e cálculos de várias dessas indenizações chegam ao cômico. Quanto ganharia hoje, se não fosse a ditadura e hoje chegasse a cargo de direção? Logo, calcule-se pelos atuais salários de direção. Mas esses indenizados exerceram várias direções durante a ditadura, mais remunerados do que os salários então vigentes e hoje ganham até mais do que diretores. A revistinha ‘Pererê’, feita pelo Ziraldo, dá outro exemplo repleto de casos semelhantes: quem decidiu fechá-la foi a editora ‘O Cruzeiro’, não a ditadura. Só jornalistas torturados ou mortos por militância estão, para efeito das indenizações, em situação equivalente à das vítimas dos criminosos da repressão.

Para o bem de nós todos, só não sei se também o de Ziraldo, Millôr continua vivo: ‘Pensei que essas pessoas estavam lutando contra a ditadura, mas estavam fazendo investimento’.’

 

RÚSSIA
Neil Buckley

Medvedev herda Rússia mais rica e menos livre

‘DO ‘FINANCIAL TIMES’, EM MOSCOU – A Rússia está no limiar de uma transição histórica. O novo presidente, Dmitri Medvedev, 42, que assume o poder nesta quarta-feira, será o mais jovem líder russo desde o último czar, Nicolau 2º, que subiu ao trono aos 26, em 1894.

E, pela primeira vez, o chefe de Estado não deixará o poder no caixão, doente ou à força. Em lugar disso, Vladimir Putin completará seu mandato como requer a Constituição e no auge de seu poder e de sua popularidade. Mas ele não está abandonando o palco político. Vai se tornar premiê no governo de Medvedev e assim continuará a ser uma força dominante.

A chegada do terceiro presidente do país na era pós-comunista suscita muitas questões. Como funcionará a parceria Medvedev-Putin? Poderá ela evitar a instabilidade associada a passadas tentativas russas de estruturas de poder dual? O pêndulo que oscilou do caótico liberalismo dos anos 90 para o capitalismo autoritário desta década se moverá um pouco na direção oposta sob Medvedev?

O novo presidente está herdando um país transformado, para o bem e para o mal, nos oito anos transcorridos desde que Putin assumiu. O crescimento econômico anual tem mantido a média de 7%. Propelido primeiro pela retomada do valor do rublo depois da crise financeira de 1998 e depois pelos preços recorde de energia e matéria-prima, ele vem sendo sustentado por um boom de consumo e investimento.

Isso produziu um extraordinário aumento de 600% no PIB (Produto Interno Bruto) nominal do país nos dois mandatos de Putin, chegando a US$ 1,27 trilhão no ano passado. Um país que estava quase falido uma década atrás amealhou reservas de US$ 500 bilhões em ouro e moedas fortes, as terceiras maiores do mundo.

Os salários médios saltaram de US$ 80 ao mês em 2000 para US$ 640, agora. Uma crescente classe consumidora dirige Fords, toma café no Starbucks, tira férias na Turquia e compra em imensos shoppings repletos de produtos com os quais ninguém sonhava na era soviética.

Problemas

Alexei Kudrin, ministro das Finanças, diz que, agora que o PIB real enfim retomou o nível de 1990, o país chegou a um momento marcante. ‘Atingimos um marco que demonstra que por fim superamos a crise pós-comunismo’, afirma.

Outra prova da recuperação russa é o fato de que, passada só uma década de sua grave crise financeira, o país é visto como uma espécie de refúgio seguro contra os tumultos causados em outros lugares pela compressão no mercado de crédito.

Mas a dívida empresarial total superior a US$ 400 bilhões começa a causar certo alarme. Ter de garantir liquidez suficiente no sistema bancário também complicará a luta contra um problema que era visto como derrotado: a inflação, que, no ano passado, subiu a 12%.

O país também enfrenta imensos problemas de longo prazo. Eles incluem a população em declínio e uma infra-estrutura de serviços sociais e transportes digna de uma nação do Terceiro Mundo. Críticos dizem que, ao recusar reformas em seu segundo mandato e concentrar suas atenções na tomada de controle de ativos energéticos, Putin perdeu uma oportunidade histórica de realizar uma transformação muito mais profunda.

Bóris Nemtsov, político liberal, e Vladimir Milov, presidente de um instituto de pesquisa sobre energia, publicaram um relatório altamente crítico sobre a era Putin. ‘As oportunidades colossais criadas pelos preços muito elevados do petróleo deveriam ter sido usadas por Putin para modernizar o país, executar reformas econômicas e criar um Exército e sistemas de saúde e previdência modernos. Nada disso foi feito’, concluíram.

Democracia frágil

A estabilidade e a prosperidade russas foram acompanhadas por uma erosão da democracia, da liberdade de imprensa e da sociedade civil. Ainda que Putin esteja cumprindo a Constituição e deixando o cargo, ele só o está fazendo após uma série de medidas repressivas para assegurar uma transição suave em benefício do sucessor que escolheu e sufocar o surgimento de um candidato de oposição competitivo.

A eleição presidencial vencida por Medvedev foi a mais pesadamente controlada que o país já viu desde a era soviética. Graças às medidas oficiais de interferência e às suas disputas internas, a oposição democrática está completamente desestruturada e sem esperança. Não conta nem mesmo com representação no Parlamento, dominado pelo governismo.

A Rússia que Medvedev governará não é uma democracia com economia de mercado, dotada de instituições desenvolvidas e de um Estado de direito. Em vez disso, o país está sob controle de uma imensa burocracia, que age quase sem restrições. E, como dizem Nemtsov e Milov, ‘suborno e convergência entre serviço civil e empresas se tornaram a norma em todos os níveis de governo’.

O novo presidente deixou claro que defenderá os interesses externos da Rússia de maneira tão robusta quanto Putin. Mas, em termos de política interna, Medvedev demonstrou surpreendente disposição de ao menos reconhecer algumas das deficiências. Em uma série de discursos, ele repetiu o slogan de que ‘liberdade é melhor do que não-liberdade’. ‘A Rússia tem todas as oportunidades de construir uma sociedade democrática e desenvolvida e um Estado plenamente democrático’, disse em entrevista ao ‘Financial Times’. Também prometeu combater a corrupção e estabelecer um Estado de direito, ou, ao menos, como afirma em outro de seus slogans, eliminar o ‘niilismo legal’ do país.

Mas ainda é cedo demais para dizer se Medvedev tem a força de vontade e o poder necessários para cumprir o que promete. A oposição trata o sucessor de Putin como criatura do sistema que diz querer reformar. Mas muitos russos estão dando a Medvedev o benefício da dúvida e expressam a esperança de que um presidente mais jovem possa reforçar os aspectos positivos dos anos Putin e mitigar os negativos.

Tradução de PAULO MIGLIACCI’

 

Angelo Segrillo

Como Putin exercerá poder no futuro?

‘Uma das questões prementes do momento na Rússia é como Putin preservará seu poder supremo quando se tornar primeiro-ministro sob o novo presidente, Dmitri Medvedev. A Presidência tem tradicionalmente sido o ‘locus’ principal do poder no país. Como Putin poderá reinar supremo se ele for apenas o primeiro-ministro?

Há especulações de que mudanças constitucionais serão feitas para tornar a posição de premiê mais forte.

Ou que um novo posto, de ‘líder nacional’, pode ser criado especialmente para Putin. Entretanto aos analistas tem passado desapercebida a possibilidade de uma solução bem mais simples do que todos esses cenários extraconstitucionais.

Há uma maneira pela qual Putin pode manter seu poder legalmente, sem precisar haver mudanças na Constituição. A razão é o detalhe teórico pouco notado de que a Constituição de 1993, em vez de ser presidencialista como muitos pensam, originalmente concebeu um regime político semipresidencialista para a Rússia (seguindo o modelo francês).

O semipresidencialismo é caracterizado não apenas pela existência de um presidente e um primeiro-ministro, mas também pelo fato de que suas funções mais ou menos se equivalem em termos de importância e poder político.

Na Rússia o presidente indica o primeiro-ministro e atua como chefe de Estado, controlando a defesa e as relações exteriores. Mas a indicação presidencial do primeiro-ministro tem de ser aprovada pelo Parlamento, e o primeiro-ministro é o chefe de governo, dirigindo as políticas internas do país no dia-a-dia. No papel, esse é um arranjo semipresidencialista, como o francês.

Entretanto, na Rússia -devido em parte a tradições históricas de autoritarismo, em parte a desenvolvimentos contextuais empíricos e (sob Putin) a uma enorme maioria governista obtida no Parlamento-, os poderes da Presidência cresceram desproporcionalmente em relação ao seu papel original na Constituição.

Assim, da mesma forma que, para garantir a continuidade de seu projeto estratégico, não precisou mudar a Constituição a fim de obter um terceiro mandato, Putin poderá manter seus poderes enormes dispensando alterações constitucionais.

Irá, em coordenação com Medvedev, atuar como um primeiro-ministro estritamente de acordo com a letra da Constituição de 1993. Ou seja, como premiê, ele será o chefe de governo, enquanto Medvedev cumprirá as funções cerimoniais e não-cerimoniais de chefe de Estado (incluindo ser o responsável por defesa e relações exteriores). Em outras palavras, Putin será quem realmente governará e dominará toda a política dentro da Rússia.

Sem necessidade de mudanças ou malabarismos constitucionais, a hegemonia de Putin no país poderá continuar devido à flexibilidade oscilante (‘co-habitação’) permitida pelos regimes semipresidencialistas.

ANGELO SEGRILLO , historiador de USP, UFF e Instituto Pushkin de Moscou, é autor de ‘O Declínio da URSS: um Estudo das Causas’ (Record) e ‘Rússia e Brasil’ (7Letras).’

 

TELES
Roberto Machado

Teles disputam mercado de R$ 900 bilhões

‘A compra da BrT (Brasil Telecom) pela Oi, se efetivada, vai inaugurar uma nova fase na competição entre as gigantes da telefonia no país. Em disputa, um mercado que neste ano vai chegar a R$ 150 bilhões -soma do faturamento das empresas que atuam em telefonias fixa e móvel, banda larga e TV por assinatura.

Os analistas projetam ainda um crescimento das receitas da ordem de 10% ao ano até 2012. Isso significa que estarão em jogo aproximadamente R$ 900 bilhões nos próximos cinco anos (incluindo 2008). A disputa será travada entre três grandes grupos, em dois campos de batalha.

Os grupos: o espanhol Telefónica, o mexicano Telmex e o nacional que resultará da compra da Brasil Telecom pela Oi -que, no entanto, ainda depende de mudanças na legislação e de autorização de órgãos governamentais.

Os campos de batalha: o mercado de celulares pré-pagos (voltados às classes C, D e E) e os serviços via banda larga para as classes A e B -em especial, TV por assinatura e acesso à internet. No caso da TV por assinatura, a permissão para que as teles ofereçam o serviço ainda depende de mudanças na chamada Lei do Cabo.

De qualquer forma, os especialistas afirmam que a disputa pelo consumidor de maior poder aquisitivo só vai se intensificar a médio prazo. Hoje, o mercado de celulares pós-pagos praticamente se estagnou e o de telefonia fixa está declinante. No curto prazo, nos próximos dois anos, a disputa -que promete ser feroz- terá um único alvo: os milhões de brasileiros que estão migrando para a ‘nova classe C’.

‘O que está puxando o crescimento da receita é o celular pré-pago. Estimamos que o Brasil vá terminar 2008 com 145 milhões de celulares, um crescimento de 20% em relação a 2007’, diz Eduardo Tude, diretor da consultoria Teleco, que produz estatísticas para a Telebrasil (a associação que reúne operadoras, fornecedores e prestadores de serviços da área de telecomunicações).

Segundo ele, o Brasil vai ter, no fim do ano, 75 celulares para cada 100 habitantes -a chamada teledensidade do serviço móvel, parâmetro utilizado internacionalmente. E, dentro de três ou quatro anos, o número de celulares vai ultrapassar o de habitantes, um fenômeno que já ocorre em 48 países, entre os quais estão Argentina, Portugal e Rússia.

‘Nas faixas de renda mais baixa, ainda há muito espaço para crescimento. Estimamos até 30% por ano. Depois, virá a disputa da internet em alta velocidade e do celular de terceira geração. Mas isso será um pouco à frente’, afirma Juarez Quadros, que foi ministro das Comunicações e hoje atua como consultor.

O desafio da receita

Com o mercado dos países desenvolvidos caminhando para a estabilização, as maiores operadoras voltam-se, cada vez mais, para os emergentes. Entre eles, o Brasil ocupa papel de destaque, por conta da ascensão de um contingente de 35 milhões de pessoas que, nos últimos anos, deixaram as classes D e E em direção à classe C.

Mas as operadoras enfrentam um desafio: obter lucros crescentes com um serviço de baixo custo (o pré-pago) e tarifas cada vez mais baixas por causa da competição.

Ao longo da última semana, os investidores receberam com cautela a proposta de compra da BrT. Nos encontros que os executivos da Oi estão promovendo com analistas para explicar a operação, o recado é direto: a estratégia é quase dobrar o número de clientes de celular num prazo de cinco anos. Hoje, são 16 milhões na Oi e 4,4 milhões na BrT. O objetivo é chegar a 38 milhões. A líder Vivo (da Telefónica, em parceria com a Portugal Telecom) encerrou 2007 com mais de 37 milhões de clientes.

Pré-pago

Nas reuniões, os diretores da área financeira têm reiterado que é possível obter boa rentabilidade das linhas pré-pagas, mesmo com tarifas menores. Segundo pesquisa da LatinPanel, a receita média mensal do pré-pago caiu de R$ 13,34 para R$ 11,60. E, segundo cálculos do setor, há tendência de redução de 5% por ano nas tarifas.

A resposta que as operadoras oferecem pode ser sintetizada numa palavra: escala. Se os preços caem 5%, o mercado cresce ao menos 15%. E há a esperança, por parte das empresas, de que uma pequena fração desses novos consumidores também contrate os serviços da telefonia fixa.

‘Com a manutenção do atual ritmo de crescimento da economia, ainda há algum espaço para crescer. Apesar de o número de assinantes ser menor, a telefonia fixa ainda responde pela maior parte do faturamento’, afirma o consultor José Fernandes Pauletti, presidente da Abrafix, que reúne as operadoras de telefonia fixa.’

 

Ex-diretor do BC critica ‘dinheiro fácil’ do BNDES

‘Diretor do Banco Central (1980-1982) numa época em que o Brasil estava a léguas de distância do grau de investimento conquistado na semana passada, o economista Claudio Haddad, 61, acompanhou- sempre de uma posição privilegiada- a evolução do mercado de capitais do país. Foi sócio do banco Garantia e hoje é diretor-presidente do Ibmec (Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais), em São Paulo. Haddad diz que o grau de investimento é motivo de comemoração, mas que o Brasil ainda oferece muitos outros motivos para preocupação. Entre eles, o que chama de ‘dinheiro fácil’ com que o BNDES financia grandes grupos empresariais. Leia trechos da entrevista.

FOLHA – O senhor criticou enfaticamente o crédito que o BNDES concedeu à Vale. Como vê o apoio para a reestruturação societária da Oi?

CLÁUDIO HADDAD – São companhias muito grandes, que têm todas as condições de se capitalizar no mercado. O valor patrimonial da Vale é de quase R$ 300 bilhões. É uma empresa próspera, que gera caixa, bate recordes de exportação. Teria todas as condições de ir ao mercado e obter excelentes condições de financiamento.

FOLHA – Segundo a Vale, são recursos para investimentos.

HADDAD – Na verdade, é irrisória [a linha de crédito] para a Vale. Mas é muito dinheiro para o BNDES. Complica ainda mais se pensarmos que boa parte dos recursos do banco vem do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). São recursos que o trabalhador brasileiro está subsidiando. Aliás, se a Vale, com o tamanho que tem, precisa de subsídios do BNDES para tocar projetos, talvez sejam projetos que não precisem ser tocados.

FOLHA – E quanto à reestruturação societária da Oi?

HADDAD – O mercado está muito fácil, há liquidez para empresas brasileiras. Existe um amplo mercado de financiamento que os controladores da Oi poderiam buscar. É possível dar as garantias necessárias, tudo o que se exigiria para a operação.

FOLHA – Com o grau de investimento, as condições de obter crédito lá fora melhoram?

HADDAD – Mas as condições já estavam boas! Agora, ficarão melhores. Antes, havia inflação no Brasil, não havia mercado financeiro sólido, não havia financiamento de longo prazo. Mas hoje há várias alternativas no mercado interno e externo.

FOLHA – Há prejuízo para o mercado de capitais?

HADDAD – Sim. Uma das razões para que o mercado financeiro, historicamente, tenha se desenvolvido pouco no país foi a alternativa fácil de poupança oferecida pelos bancos oficiais. Ou seja, o dinheiro fácil do BNDES. O BNDES precisa incentivar o desenvolvimento, e não emprestar dinheiro barato a companhias que podem se financiar no mercado. É preciso romper com isso.

FOLHA – Por que não se rompe?

HADDAD – É um pouco a essência do que alguns chamam de política industrial. No fundo, é a escolha de setores e empresas favorecidas, as campeãs. Foi assim com a proteção ao setor de informática, nos anos 70, com o projeto nuclear. E o que resultou? Destruição de recursos. Se é um projeto socialmente relevante, ambientalmente relevante, que tem rentabilidade baixa, faz parte do papel do BNDES. Não é o caso da Vale ou da Oi.

FOLHA – No caso da Oi, o argumento é que o apoio à reestruturação será fundamental para a consolidação do setor, com a compra da Brasil Telecom.

HADDAD – O BNDES, que é um braço do governo, garante uma reestruturação societária que resultará numa operação de aquisição que ainda depende de uma mudança na lei!’

 

Mudança na legislação acirra disputa na TV por assinatura

‘As operadoras de telefonia se movimentam para ocupar mercados que ainda não foram regulamentados no país. A compra da Brasil Telecom pela Oi depende de mudança no Plano Geral de Outorgas, que regulamenta a telefonia fixa. E todas estão de olho no segmento de TV por assinatura, regulamentado pela chamada Lei do Cabo, de 1995, que restringe a participação das empresas de telefonia e limita a participação do capital estrangeiro. O Congresso discute mudanças na lei.

É um mercado menor, mas em franca recuperação -depois de um período de estagnação. No ano passado, o número de assinantes chegou a 5,3 milhões (alta de 12% em relação a 2006). A Oi, por exemplo, espera ter 8 milhões de clientes de TV por assinatura em cinco anos. Hoje, conta com cerca de 100 mil assinantes, depois de adquirir uma operadora de TV a cabo de Minas Gerais.

‘Para as operadoras de telefonia, é um mercado que vem pronto, já que elas contam com a infra-estrutura instalada. E a Net está sozinha. O consenso é que a lei tem que mudar’, diz José Fernandes Pauletti, presidente da Abrafix, associação que representa as operadoras de telefonia fixa.

O presidente da ABTA, que reúne as operadoras de TV por assinatura, discorda: ‘O que ocorre é um movimento defensivo das teles para evitar competição na banda larga, incluindo aí o acesso à internet. As teles querem sufocar as operadoras de cabo, que não têm tanta capacidade de financiamento’, diz Alexandre Annenberg.

No segmento de TV por assinatura, que inclui operações via cabo e satélite, a Net (controlada pela Globopar e pela Telmex) tem 48% do mercado, contra 30% da Sky (DirecTV e Globopar). ‘Mas há cerca de 70 empresas nesse mercado, que começam a oferecer acesso à internet’, diz Annenberg.

Numa coisa os dois lados concordam: o que está impulsionando o mercado é a possibilidade de oferecer pacotes que reúnam acesso rápido à internet e programação de TV por assinatura. Segundo pesquisas, 60% dos clientes que contratam serviços de banda larga também compram pacote de TV por assinatura.

‘Há muitos interesses em jogo. O número de assinantes pode chegar a 10 milhões em cinco anos’, diz Eduardo Tude, da consultoria Teleco.’

 

MÍDIA NA JUSTIÇA
Folha de S. Paulo

Juíza condena por má-fé pastor da Universal

‘A juíza Simone Nacif Lopes, do juizado especial de Miracena (RJ), julgou improcedente o pedido de danos morais do pastor Luciano da Silva Xavier, da Igreja Universal contra o jornal ‘Extra’ e o condenou por pagar multa por litigância de má-fé.

O pastor disse ter se sentido agredido em sua honra com a publicação de uma reportagem sobre um fiel que havia sido preso por danificar imagem de Nossa Senhora de Santana, em Salvador. Segundo a juíza, como a notícia trata de interesse público deve prevalecer a garantia da livre manifestação do pensamento.

Nesta semana, a Folha obteve mais duas sentenças favoráveis em ações movidas por fiéis da Universal -são 34 sentenças favoráveis ao jornal em 89 ações movidas.’

 

TELEVISÃO
Daniel Castro

Nova novela da Globo vai ‘discutir’ famílias modernas

‘As famílias modernas, não-convencionais, serão um dos temas principais de ‘A Favorita’, próxima novela das oito da Globo. A trama central envolverá uma mulher que cria a filha da amante do marido -assassinato por esta amante. Em outra história, dois homens heterossexuais assumirão o filho de uma mulher bígama que desaparece.

João Emanuel Carneiro, autor da novela, chama esses núcleos de ‘famílias do futuro’. ‘Nessa novela, uma questão que está sempre muito presente é: afinal, o que conta mais? O laço de sangue ou o que a gente faz na vida? Será que vamos viver num mundo onde as relações sangüíneas não serão mais tão importantes? E as pessoas, no futuro, vão poder se unir com amigos, adotar filhos, viver em comunidades? Será que a família vai ressurgir com força?’, indaga Carneiro.

Na trama central, Donatela (Claudia Raia) criará Lara (Mariana Ximenes), filha biológica de Flora (Patrícia Pillar). No passado, Donatela e Flora formaram uma dupla sertaneja. Casada com Dodi (Murilo Benício), Flora se torna amante do marido de Donatela e fica grávida dele.

Na outra trama, Giulia Gam será Diva, uma bígama que, 15 anos atrás, abandonou seus dois homens -Augusto César (José Mayer), um ex-roqueiro para quem ela fora abduzida por ETs, e Elias Filho (Leonardo Medeiros), um dentista com ambições políticas. Em casas separadas, os dois criam Shiva, filho de Diva com um deles, e fazem um pacto de jamais tentarem descobrir quem é o pai verdadeiro.

RUIVA DO MAL

Pela primeira vez, Lucinha Lins (foto) teve que pintar seus cabelos de vermelho. Foi a maneira que a Record encontrou para eliminar o ‘ar angelical’ da atriz, loira, sempre associada a papéis do bem. Em ‘Chamas da Vida’, próxima novela da rede de Edir Macedo, Lucinha será a vilã Vilma, que se faz de boazinha, mas no fundo planeja uma vingança contra o homem que acha ter sido responsável pela morte de seu marido. A trama, sobre bombeiros, estréia em junho.

AMIZADE DE RISCO

Marisol Ribeiro (foto), 23, começou cedo na TV. Aos 16 anos, trabalhava no infantil ‘Disney Cruj’, do SBT. Depois fez as novelas ‘Marisol’ (nada a ver com seu nome), ‘América’, ‘Cristal’ e ‘Sete Pecados’, ora no SBT, ora na Globo. Desta vez, atuará na Band. Em ‘Água na Boca’, será a chef de cozinha Erica. ‘Ela é a melhor amiga da mocinha. É simpática, mas um tanto invejosa, carente. Depois vai antagonizar com a mocinha, passar por cima da amizade’, conta. Marisol ainda não revela, mas sua personagem vai roubar o mocinho da mocinha.

Pergunta indiscreta

FOLHA – ‘Caminhos do Coração’ é novela, história em quadrinhos ou um samba do mutante doido?

TIAGO SANTIAGO (autor de novelas) – É uma novela inspirada na mitologia, nas lendas, no folclore, em arquétipos que se encontram em todos os povos e culturas. Se quiser chamá-la de ‘samba do mutante doido’, não me importo, porque é uma oportuna homenagem ao grande Sérgio Porto.

BOSSA

A Globo está preparando um especial para comemorar os 50 anos da bossa nova, em julho. Com exibição prevista para agosto, está sendo tocado por Roberto Talma. Por enquanto, o conteúdo do programa é sigiloso.

LETRAS

O ‘Caldeirão do Huck’ exibirá um ‘Soletrando’ especial em 7 de junho. Participarão apenas pessoas famosas. Uma semana antes, a atual edição do quadro, com estudantes de todo o país, chega ao fim, com transmissão ao vivo pela Globo.

ACADEMIA

Doutor em novelas, Mauro Alencar apresentará painel do gênero no Brasil em cúpula de TVs latinas em Miami, dia 10.

MONOTEMA

Autora da novela que substituirá ‘A Favorita’, Glória Perez só escreve em seu blog sobre a Índia, onde a trama se passará.’

 

Laura Mattos e Paulo Sampaio

Ana Paula Arósio, 32, tem filhas de 23, 22 e 19

‘Não faz muito tempo, Ana Paula Arósio era a garota mais disputada para a capa de revistas adolescentes. Amanhã, aos 32 anos, estréia como mãe de três filhas, de 23, 22 e 19.

A atriz será Laura, protagonista de ‘Ciranda de Pedra’, nova novela das 18h da Globo. Se alguém ainda não fez as contas, ela precisaria ter tido a primeira filha aos nove anos, se fosse na vida real. Com dez teria a segunda e 13, a terceira.

Na primeira versão da novela, exibida na emissora em 1981, isso não ocorria. O papel de Arósio coube a Eva Wilma, então com 48 anos. As atrizes que interpretavam suas filhas -uma delas, Lucélia Santos-, tinham 31, 26 e 24. Eva, então, ‘se tornou mãe’ com 17.

Arósio é ‘muito jovem’ e ‘sem idade’ para o papel, na opinião de novelistas que marcaram a sua trajetória. Benedito Ruy Barbosa, 77, autor de ‘Terra Nostra’ (1999/2000), em que a atriz interpretou a chorosa mocinha Giuliana, afirmou à Folha: ‘Eu a acho muito moça e muito bonita para fazer o papel de mãe tão já, mas, como a novela não é minha, não tenho nada a ver com isso. Nas minhas novelas, ela continua como mocinha’.

Para Manoel Carlos, autor de ‘Páginas da Vida’ (2006/07), na qual Arósio fez uma marcante cena de striptease para o marido (Edson Celulari) e na segunda fase se tornou mãe de um garotinho, também a considera ‘nova, sem idade para ser mãe de adolescentes’. ‘Mas é uma atriz soberba, que fará bem tudo. Será uma mãe linda, que se cuidou e mantém a aparência. Também é preciso ver que uma atriz não envelhece só na pele, mas na maneira de falar, andar, sentar-se, olhar. E ela saberá fazer tudo isso muitíssimo bem, porque é uma excelente atriz’, afirmou.

Já Glória Perez, que assinou a minissérie ‘Hilda Furacão’ (1998), em que Arósio chegou ao estrelato na pele da prostituta protagonista, prefere não se envolver na polêmica. ‘Nunca me ocorreu chamar a Ana Paula para ser mãe em alguma novela minha, mas não quero opinar, porque não vi a novela e não tenho como saber.’

‘Gotosa’

Arósio está levando a história com bom humor, ao menos em frente aos flashes e repórteres que participaram da entrevista coletiva do lançamento da novela, no último dia 14, no Rio. ‘Gente, eu não quero parecer velha, enrugada, pelo amor de Deus. Faço uma mãe conservada, ‘tô gotosa’, bonitona.’

Diretora de núcleo da novela, Denise Saraceni também põe panos quentes na controvérsia. ‘Ana Paula tem o talento necessário para cumprir seu papel na criação da personagem. A Laura tem 36, é apenas quatro anos mais velha do que a atriz. Não precisamos de nenhum truque ou recurso especial para envelhecê-la’, disse.

Anna Sophia Folch, 22, que é Bruna, a filha mais velha da personagem de Arósio -embora não seja a mais velha do trio de jovens atrizes-, diz achar ‘a idade um detalhe’. ‘A Ana é uma atriz de mão cheia. Pode ter 20 como 40 anos que o público terá a leitura exata do tempo’, acredita.

‘Jovem senhora’

Na história, as filhas de Laura têm 20, 19 e 18 anos. E, na década de 50, época em que a trama se passa, casar-se e ter filhos ainda na adolescência era mais comum. Mas sempre choca ver uma atriz que marcou como mocinha exercer o papel de uma ‘jovem senhora’, termo utilizado em tom de brincadeira pela própria Arósio em entrevista. Essa é a avaliação de Mauro Alencar, doutor em teledramaturgia da USP.

‘Isso aconteceu também com Regina Duarte’, lembra. Segundo ele, a primeira vez em que a namoradinha do Brasil fez papel de mãe foi em ‘Malu Mulher’ (1979/80), quando tinha 32, como Arósio. Isso não quer dizer que elas não possam ter tido filhos em histórias anteriores, mas que foi naquele momento que deixaram para trás a clássica mocinha.

Ele afirma que é comum a disparidade de idades entre personagens que interpretam pais e filhos. Conta que, em ‘Escrava Isaura’ (1976/77), Beatriz Lyra, que fazia a mãe do vilão Leôncio, era um ano mais nova do que o ator que o interpretava, Rubens de Falco.

Atualmente, talvez Júlia Lemmertz seja a atriz que mais simbolize a falta de compromisso com as idades na escalação de elencos. Ela, que está com 45 anos, já foi mãe de Wagner Moura, 32, na minissérie ‘JK’, e de Selton Mello, 35, no filme ‘Meu Nome Não é Johnny’. À época do lançamento da novela ‘Desejo Proibido’, que terminou na última sexta, a atriz disse que não queria mais ‘queimar etapas’ e só fazer ‘mãe de marmanjo’.

‘O público se convence se a atriz conseguir dar peso à interpretação’, diz Alencar. Vamos ver como Arósio, a ex-garotinha da ‘Capricho’, se sai na pele de alguém que pode virar até avó na trama.’

 

Baseada em livro, novela exclui eutanásia e lésbica

‘Baseada no livro homônimo de Lygia Fagundes Telles, de 1954, ‘Ciranda de Pedra’ já havia virado novela em 1981. A refilmagem que estréia amanhã é chamada de ‘adaptação livre’ e foi ‘suavizada’.

A história, que na primeira versão se passava em 1948, agora acontece na São Paulo de 1958 e fala do triângulo amoroso entre Laura (Ana Paula Arósio), seu marido Natércio (Daniel Dantas) e o médico Daniel (Marcello Anthony).

Desta vez, Daniel não submete Laura à eutanásia nem se mata no fim. E Letícia, antes interpretada por Mônica Torres (que está na nova versão em outro papel) e agora por Paola Oliveira, não é lésbica.

‘O livro tem uma narrativa densa. Para o horário das 18h, é necessário suavizar. Independentemente da classificação indicativa [que estipula para qual faixa etária o programa é liberado], temos o bom senso de levar ao público uma obra leve e elegante’, afirma Alcides Nogueira, que assina a adaptação.

Os principais atores do elenco foram à entrevista coletiva, no Rio, no último dia 14. Jornalistas rodeavam galãs como Anthony, Bruno Gagliasso e Caio Blat, fazendo perguntas, na maioria das vezes, pessoais. ‘O que faz girar a ciranda da vida?’, questionaram a Gagliasso. Ele pensa, pensa: ‘O amor à vida, ao ser humano, ao animal. O amor a você mesmo’.

Para Anthony, indagaram: ‘Você foi vilão nos últimos papéis e está voltando a ser mocinho. É bom ser bom?’. E ele: ‘Tanto faz. Tendo um bom texto, uma boa direção… Mas, se pinta vilão, é uma festa. Porque o mocinho é só deixar ir, ser perfeito o tempo todo’.’

 

Cássio Starling Carlos

Autor usa cinema para explicar novelas

‘O que cinema e novela têm em comum, além de narrar histórias em linguagem audiovisual? Responder a questão é o esforço de José Roberto Sadek em ‘Telenovela – Um Olhar do Cinema’.

Com origem em tese de doutorado defendida na USP e texto ligeiramente adaptado para publicação, o livro guarda interesse para quem pesquisa ou trabalha com ficções de TV e para o público que consome com voracidade as narrativas que se impuseram há décadas com a força da ‘vida como ela é’.

Uma das vantagens do trabalho de Sadek é priorizar o exame das estruturas, em vez de se ater aos simbolismos, aos significados ou ao estudo dos conteúdos, como os poucos bons estudos até agora já publicados.

Com esse objetivo, o autor recorre ao paradigma do que se convencionou denominar ‘cinema clássico’, um modelo de contar histórias tornado predominante graças à sua adoção em escala industrial, o que implica ser inteligível pelo maior número e diversidade de espectadores. Como o cinema industrial, a TV obedece a princípios que se norteiam pela lógica de mercado e, portanto, buscou na matriz clássica as condições para o consumo de suas ficções na maior escala possível.

A trama linear, a estrutura dramática que toma por base relações de causa e efeito e a distinção nítida de protagonistas e antagonistas são algumas das características do ‘cinema clássico’. A novela parte desses pressupostos, mas os altera por vezes radicalmente, por um conjunto de fatores: a forma seriada que se estende por meses, a duração irregular dos capítulos, a flutuação de ênfase e de audiência nos focos dramáticos, a intromissão de marketing que interrompe seu fluxo.

Ora, como demonstra o autor, tais alterações acabam configurando para a novela uma linguagem de teor e articulações específicas. Sua astúcia é investigar a novela com o olhar do cinema sem pretender tingi-la com aspectos supostamente mais nobres deste modo de expressão. Nem, ao contrário, elevar a novela a um patamar de popularidade que a imponha como modelo para o cinema copiar no esforço da sedução.

TELENOVELA – UM OLHAR DO CINEMA

Autor: José Roberto Sadek

Editora: Summus Editorial

Quanto: R$ 31 (152 págs.)

Avaliação: bom’

 

Mônica Bergamo

Favoritas do Brasil

‘Entre personagens que ‘parecem seres humanos com todas as suas falhas, suas fraquezas’, o repórter Paulo Sampaio vive um dia de novela nos estúdios da TV Globo

Cláudia Raia põe as mãos nos lóbulos e fala baixo, mas abrindo bem a boca: ‘Tem U$ 80 mil aqui, só de brincos.’ Seu interlocutor é o marido, Edson Celulari, que foi buscá-la na gravação da festança de aniversário de 21 anos da personagem de Mariana Ximenes, Lara, na próxima novela das oito (que vai ao ar por volta de 21h e substituirá ‘Duas Caras’ em junho). Em ‘A Favorita’, Cláudia é Donatela (assim, como a Versace) e cria Lara, cuja mãe biológica, Patrícia Pillar (Flora), esteve presa por 20 anos e sai da cadeia no primeiro capítulo querendo reconquistar o que perdeu e colocar tudo em pratos limpos.

Como sempre acontece nas gravações dos primeiros capítulos de novela, os atores explicam nas entrevistas a ‘construção psicológica do personagem’. Taís Araujo, por exemplo, que faz Alícia, conta que se submeteu à aplicação de um megahair, ganhou uma franja e precisa ter os olhos muito pintados. ‘A caracterização e o figurino são fundamentais para eu entender quem é a pessoa’, diz ela, que tem sido comparada a Naomi Campbell.

Enrolada em um roupão atoalhado bege (‘o vestido da Alícia é indecente, não quero me expor’), Taís nega que a personagem seja ninfomaníaca: ‘Isso é uma besteira que estão dizendo porque sexo vende. A Alícia é carente, louca para ser amada porque o pai não deu amor a ela, só dinheiro. Tanto que ela só quer ficar com o maior inimigo dele, por ser justamente o único que o enfrenta. Olha isso! Ninguém compõe personagens como o João (Emanuel Carneiro, autor da novela). Eles parecem seres humanos com todas as suas falhas, suas fraquezas…’, acredita Taís, que usou como referência na construção de Alícia o filme ‘Palavras ao Vento’.

O aniversário de Lara foi produzido no campo de futebol de uma propriedade do colégio Santo Agostinho (que ficou em segundo lugar do Brasil em ensino, pela avaliação do MEC), perto do Projac, em Jacarepaguá. Este é o segundo de cinco dias de gravação, e está ali boa parte do elenco: Cláudia, Mariana, Patrícia, ‘dona’ Glória (Menezes), Mauro Mendonça, Murilo Benício, Milton Gonçalves, Taís Araujo, Elisângela e mais de 300 figurantes. As cenas são gravadas em um espaço de 2.000 m2, cercado por uma estrutura alta de paredes de treliça de madeira forradas de cortinas brancas. Há 30 mesas para os ‘convidados’, bufê, orquestra com 17 músicos e telão que exibe fotos de Mariana Ximenes criança e adulta.

Cláudia Raia e Carmo Dalla Vecchia repetem pela oitava vez uma cena. Pede-se silêncio o tempo todo. Os jornalistas são controlados passo-a-passo pela assessoria de imprensa. É proibido se aproximar de algum ator, maquiador, figurinista, diretor, etc. sem autorização prévia. A informação mais ordinária é tratada como se fosse o endereço de Fidel Castro em Cuba. Desconfiadíssima, a assistente de figurino recusa-se terminantemente a dizer o próprio nome, depois de revelar que o vestido de Raia é de Sandro Barros. Em silêncio absoluto, olhando para os lados para não ser descoberta, ela escreve no bloco da reportagem o nome da figurinista, única autorizada a sair no jornal: ‘Cristina Wright’.

Ricardo Waddington, o diretor, fala em um microfone, sentado atrás de uma barraca improvisada com um plástico preto e equipada com TVs de vários tamanhos. Único autorizado a quebrar o silêncio, ele orienta os técnicos de luz e som e solta piadinhas eventuais para descontrair: ‘A figuração pensa que está onde, na avenida Paulista? Ninguém olha para a câmera. Pode tomar o Sprite quente e fazer cara de felicidade. Quero alegria.’

Agora a assessoria chama o grupo de jornalistas para entrevistar Mariana Ximenes. Ela passa a mão no cabelo cortado, sorri para os fotógrafos e sussurra para os repórteres: ‘Boa noite, gente.’ Está à vontade nesse vestido? ‘Eu, Mariana? Tô tranquila. A roupa é do personagem, então eu visto’, explica ela, muito magra, espetacular em um longo tomara-que-caia salmão. Diz que sua personagem só está usando aquela roupa no dia do aniversário para agradar a mãe. ‘Ela é geóloga. O que faz um geólogo? Vai estudar fósseis. Abaixa, cava, procura’, diz Mariana, que descobriu isso tudo assistindo a aulas na USP. Diz que a classe a recebeu com a maior naturalidade. ‘Imagina, eu também freqüento a filosofia como ouvinte’, diz. Uma repórter pergunta se ela comemorou o aniversário, cinco dias antes, com um festão como o de Lara. Ela sorri, distante. ‘Fui dar um mergulho nas (ilhas) Cagarras (em frente à praia de Ipanema).’

Próxima: Cláudia Raia. A atriz explica que o longo verde com megadecote de cristais nas costas e detalhes do mesmo tecido pendendo nas laterais, como escamas de peixe, ‘é a cara da Donatela’. Em seguida, diz uma frase que está na boca de todo o elenco: ‘É um personagem diferente de tudo o que eu já fiz’. Cláudia ergue na lateral um pedaço do longo esvoaçante: ‘A Donatela nasceu pobre, perdeu o pai e a mãe em um acidente de ônibus, ficou sozinha naquela palafita…Gente, pensa bem, é muito difícil’, diz ela, girando o anel com uma esmeralda do tamanho de um canapé, que faz conjunto com os brincos e a gargantilha.

De repente, cai um toró. Correria. Os figurantes vão parar embaixo de um galpão, onde é servida a ‘janta’: dois pães, um bombom Sonho de Valsa, um pacote de biscoito Trakinas, um de Club Social, batata frita tipo palha de saquinho e refrigerante. André Villas Boas, 23, estudante de engenharia de petróleo e gás, abocanha seu bombom ao lado do colega de curso Rodrigo Leitão, 24. Cada um ganhou R$ 50. Mas eles contam que quem faz ‘personagem’ ganha R$ 70. Personagem é o figurante que não fica apenas sentado, ou misturado em um bolo: pode ser o garçom, a empregada, o policial. Esses, de acordo com Ricardo Waddington, têm grandes chances de virar protagonista. ‘Essa história de que o bom ator vem do teatro não existe mais desde os anos 70’, diz.’

 

Cristina Fibe

Quatro amigos protagonizam versão ‘viril’ de ‘Sex and the City’

‘Quatro homens conversam à beira da piscina, enrolados em toalhas, tomando drinques e reclamando do sexo oposto. ‘Somos as novas mulheres’, diz um deles, contemplando os dramas à mesa.

Eles podem não ser bem ‘as novas mulheres’, mas são as versões masculinas de Carrie, Samantha, Charlotte e Miranda, o quarteto de ‘Sex and the City’. Enfrentam dramas semelhantes, só que fazem menos compras. A série ‘Big Shots’, que o canal pago Warner estréia nesta quarta-feira, às 23h, é mais uma das que tentam embarcar na fórmula do retrato da vida adulta, independente, embalada por crises amorosas e sustentada por amigos que os espectadores gostariam de ter.

Apesar do elenco competente -os homens são interpretados por Michael Vartan (o mais bonito, que saiu de filmes como ‘Nunca Fui Beijada’), Dylan McDermott, Joshua Malina e Christopher Titus-, a série, da ABC, foi recebida com frieza nos EUA e não deve ter uma segunda temporada. No episódio desta quarta-feira, tudo começa bem para os amigos, mas dramas pessoais, problemas de relacionamento e inseguranças profissionais enroscam a trama, bem do jeito da extinta série feminina.

O mais bem casado descobre a traição da mulher enquanto tenta conquistar uma promoção no trabalho; o menos atraente deles tem duas mulheres e precisa conter a fúria da amante; o divorciado bem-sucedido suporta a filha ciumenta; e o último, casado, atende com medo aos pedidos da atual.

A série ‘Moonlight’, que ocupava a faixa de horário de ‘Big Shots’, passa a ser exibida aos domingos, às 17h.

BIG SHOTS

Quando: estréia nesta quarta, às 23h

Onde: no Warner Channel’

 

Bia Abramo

Falta graça aos novos humorísticos

‘O QUE há de errado com os programas de humor da Globo?

Nenhum dos três títulos que a emissora estreou em abril, ‘Casos e Acasos’, ‘Dicas de Um Sedutor’ e ‘Faça a Sua História’, consegue mover o espectador muito além de um risinho amarelo.

Dos três, ‘Casos e Acasos’ é o que tem mais potencial para decolar. A idéia até que é bem boa: a cada episódio, três histórias que iniciam aparentemente sem relação entre si acabam se tocando mais ou menos por acaso e tendo seu desfecho alterado por essa interferência. O problema é que as situações acabam apelando um pouco para o já ridículo, o que torna a piada muito óbvia.

Os diálogos, em geral bem fracos, dependem e muito do traquejo dos atores, o que nem sempre funciona. ‘Dicas de Um Sedutor’ recicla idéias de ‘Minha Nada Mole Vida’.

A série tem Luiz Fernando Guimarães no papel central, agora como um conselheiro sentimental que convive com uma filha adolescente e problemática e, claro, se envolve em uma série de casos amorosos. De novo, o argumento já antecipa (e tira a graça) das situações cômicas, todas elas, de cara, meio absurdas. Além disso, apesar de ter um talento inegável para a comédia, Luiz Fernando Guimarães parece estar preso sempre mais ou menos ao mesmo tipo, o bofe vaidoso e sem noção, desde ‘Os Normais’.

‘Faça a Sua História’ já parte de um clichê, aquele que supõe o taxista como um observador da vida urbana, quase que um protagonista involuntário de uma série de dramas humanos. Nem o carisma de Wladimir Brichta, o Osvaldir (e por que é mesmo que os tipos populares têm de ter nomes considerados ‘engraçados’ pela classe média?), nem o de Carla Marins, que interpreta a mulher ciumenta e controladora do motorista de táxi, salvam o programa dos roteiros mal-ajambrados, dos lugares-comuns e de uma concepção folclorizada, beirando o preconceituoso, dos tipos urbanos.

Se os novos não convencem, aqueles que estão há tempos no ar também carecem de renovação. O humor do ‘Casseta & Planeta’ enfrenta -e perde- a concorrência tanto com o ‘Pânico’ como com o ‘CQC’; ‘Zorra Total’ insiste no humor popularesco e de fórmulas repetitivas.

Entre o popularesco e o pretensamente sofisticado, faltam às séries de humor da Globo justamente a graça e a capacidade de fazer rir. A exceção que confirma a regra é ‘A Grande Família’, que, mesmo depois de tantos anos no ar (começou a ser exibida em 2001), mantém a qualidade e o frescor.’

 

INTERNET
Marco Aurélio Canônico

Escritores recriam clássicos on-line

‘Comparada ao cinema e à música, a literatura engatinha na internet -até há textos disponíveis, mas, na maioria, sem avançar nenhum milímetro em relação ao formato do papel e com a desvantagem de serem bem menos confortáveis de ler.

Foi para tentar avançar o segmento e criar uma literatura digital que abraçasse de fato as possibilidades da internet que a editora britânica Penguin se uniu à empresa digital Six to Start e lançou o projeto We Tell Stories (wetellstories.co.uk).

A idéia era pegar seis livros célebres e convidar autores para que, baseados neles, criassem histórias exclusivamente on-line, amparadas em ferramentas digitais -ou seja, algo que não coubesse no papel.

O resultado (veja quadro ao lado) foi sendo publicado ao longo de seis semanas no site do projeto e está disponível gratuitamente, em inglês.

Siga aquele mapa

A primeira história a ser criada foi justamente uma das mais inovadoras: a adaptação que o escocês Charles Cumming fez para ‘Os 39 Degraus’, de John Buchan, usando o Google Maps -um mapa on-line que usa imagens de satélite.

‘O estilo do livro, cheio de ação e suspense e com reviravoltas em sua trama, era ideal para a web’, disse Cumming, em entrevista à Folha.

‘Acho que as pessoas têm uma atenção muito curta quando estão lendo on-line, por isso na história há tanto movimento, cenas de exterior e relativamente pouco conteúdo psicológico ou emocional.’

O inglês Toby Litt, por sua vez, usou blogs de texto e de fotos (como o Flickr) para contar uma história de fantasmas, ‘Slice’, que os leitores puderam acompanhar à medida que os personagens iam postando, diariamente, em seus blogs -era possível até mandar e-mail para os personagens.

‘A cada autor desse projeto foi dada uma forma na qual escrever, ainda que houvesse bastante flexibilidade nisso. A minha foram os ‘lifestreams’, como os blogs, o Twitter e o Flickr’, disse Litt à Folha.

‘Quis fazer algo que, quando você entrasse, parecesse uniforme com o resto da web. Tudo aconteceu em tempo real. Queria que os leitores ficassem acordados até tarde, esperando por um post para descobrir o que estava acontecendo.’

Quem sabe faz ao vivo

A idéia de narrativa em tempo real foi levada ao extremo pelo casal Nicci Gerrard e Sean French, que escreve em dupla e assina como Nicci French: sua história, inspirada em ‘Thérèse Raquin’, de Émile Zola, foi produzida ao vivo, diariamente.

‘A experiência foi muito diferente do nosso modo normal de escrever. Não houve revisão, nada de reler e mudar algo por causa de uma nova idéia’, disse o casal por e-mail.

‘Normalmente, quando as pessoas lêem um livro nosso, já se passou um ano desde que o finalizamos. Nesse caso, houve a excitação de saber que estávamos sendo lidos enquanto digitávamos as palavras, e conseguíamos ver as reações imediatamente, na sala de bate-papo.’’

 

***

Literatura digital tem futuro, mas não substituirá o papel, afirmam autores

‘Sim, a literatura on-line tem tudo para se tornar um sucesso -ainda que, hoje, não seja possível dizer como. Certo é que, mesmo com seu desenvolvimento, ela não vai acabar com as obras em papel.

Essa é a opinião dos autores que participaram do projeto We Tell Stories, em que se valeram de ferramentas digitais para contar histórias baseadas em livros clássicos. A Folha falou com eles por e-mail.

‘Acho que há um futuro brilhante para a literatura digital, mas a idéia de que a nova mídia vai substituir tudo é um enorme engano’, disse Matt Mason.

‘Mesmo quando tivermos um laptop com a tela da densidade do papel, cujo conteúdo possa ser ‘virado’ com um toque, como páginas, e que armazene 100 mil obras, o livro de papel ainda vai ser mais fácil de levar para a praia e ainda terá uma bateria mais durável.’

A natureza tátil do livro também foi destacada. ‘A tecnologia de um livro é bastante robusta, muito mais do que a das mídias em áudio e vídeo. Por exemplo, você não pode colocar um CD na boca e imergir na música, mas você pode segurar um livro e mergulhar na história’, disse o paquistanês Mohsin Hamid, que criou uma versão de ‘As Mil e Uma Noites’ para We Tell Stories.

‘As pessoas sempre vão amar a sensação de segurar um livro, algo que tem limites, que cria vida própria e tem alma’, escreveu Charles Cumming.

‘Os autores não vão ficar desempregados, mas talvez fique cada vez mais difícil para as editoras controlar o fluxo de conteúdo para plataformas digitais e lucrar com isso.’

O casal Nicci French também fez uma defesa apaixonada. ‘O livro é uma daquelas invenções perfeitas. É barato, portátil, reutilizável. Você pode emprestá-lo, viver com ele, colocá-lo no bolso ou em uma estante. Ele preenche uma necessidade com perfeição.’’

 

JOBIM
José Geraldo Couto

Tom terá documentário biográfico e outro musical

‘Tom Jobim (1927-94) é uma figura tão grande da cultura brasileira que só um longa-metragem sobre ele seria pouco.

Nelson Pereira dos Santos, 79, resolveu então fazer logo dois documentários, um centrado na biografia de Tom e o outro em sua música. Os dois deverão ficar prontos até o final deste ano, para lançamento nos cinemas em 2009.

O ponto de partida desse grandioso díptico foi dado na semana passada na deserta praia de Moçambique, em Florianópolis, onde o cineasta filmou, com seu co-diretor Marco Altberg, um depoimento da irmã do compositor, a escritora Helena Jobim, 76.

A idéia do filme partiu de Altberg, que em 1985 dirigiu o longa ‘Fonte da Saudade’, baseado no romance ‘Trilogia do Assombro’, de Helena Jobim, com música de Tom.

O livro ‘Antonio Carlos Jobim – Um Homem Iluminado’, publicado por Helena em 1996, deu a Nelson Pereira não apenas a inspiração e o norte para seu documentário biográfico, mas também o título.

Mas por que Florianópolis, se Tom Jobim nunca morou na cidade? ‘A intenção é evocar a natureza do Rio de 70 anos atrás, onde o Tom passou a infância, nadando na lagoa [Rodrigo de Freitas], brincando na praia, se embrenhando na mata’, disse o diretor à Folha, que acompanhou, com exclusividade, o primeiro dia de filmagens.

Nado e palpites

De camisa azul, calça de moletom cinza e um chapéu que evoca imediatamente a imagem do irmão, Helena Jobim repetia com paciência e bom humor suas falas caminhando pela areia fofa da praia, sob um sol forte e o elaborado movimento da câmera sobre a grua.

‘Gostei da experiência. Cheguei apavorada, mas depois fiquei ótima. Estou até pensando em seguir carreira de atriz’, brincou a escritora ao fim das filmagens da manhã. Segundo Helena, ela e o irmão sempre foram muito próximos, nadando juntos na lagoa durante a infância e, depois, dando palpites um na obra do outro.

‘Ele tocava uma nova composição para mim e dizia: ‘Nena, o que você acha dessa musiquinha?’ Temos até uma parceria, a canção ‘Não Devo Sonhar’, letra minha e música dele, gravada pela Angela Maria.’

Na metade biográfica do duplo documentário, que ainda será filmada em outros locais de Florianópolis, no Jardim Botânico do Rio e em Petrópolis (RJ), também evocarão a vida de Tom as duas mulheres com quem ele foi casado, Thereza Hermanny e Ana Lontra Jobim.

A trilha sonora será só de músicas do compositor, com arranjo instrumental de seu filho Paulo Jobim. O piano será executado por Daniel Jobim, filho de Paulo e neto de Tom.

Material de arquivo

Já o outro filme, ‘A Música segundo Tom Jobim’, será formado basicamente por material de arquivo: apresentações e entrevistas do próprio Tom e execuções de sua obra por intérpretes do mundo todo, incluindo Frank Sinatra, Miles Davis e Sarah Vaughan.

Essa metade será dividida em três temas: o Rio, a mulher e a natureza. ‘São esses os três motivos essenciais do Tom’, resume Nelson Pereira. De acordo com ele, cada uma dessas partes terá uma introdução escrita e narrada por Chico Buarque.

Encantado com a beleza e a diversidade da natureza na ilha de Santa Catarina, o cineasta, nascido em São Paulo, lembra que, assim como Jobim, viveu sua juventude no paradisíaco Rio dos anos 50.

‘Temos outros pontos em comum: ambos casamos cedo, ambos tivemos que trabalhar duro para sobreviver, ele tocando piano em boates, eu fazendo copydesk no ‘Diário Carioca’ e no ‘Jornal do Brasil’.’

Nelson Pereira vê uma continuidade entre o novo filme e seus documentários anteriores ‘Casa Grande e Senzala’ (série para TV sobre Gilberto Freyre) e ‘Raízes do Brasil’ (díptico sobre Sérgio Buarque de Holanda). ‘Como eles, Tom também foi um pensador do Brasil, não só nas suas frases, mas principalmente na sua música.’

Evocando o humor de Jobim, o cineasta diz que o procurou no final dos anos 70 para pedir autorização para um curta sobre ele que faria para a TVE. ‘Ah, é para a TVE? Então não tem problema. A TVE não é’, afirmou o músico, querendo dizer que a emissora dava traço de audiência.’

 

1968
Laura Capriglione

68 aos quarenta

‘A nostalgia dos tabus que organizavam a vida social, as saudades da família estruturada em casamentos que obrigatoriamente duravam para sempre, o repúdio às drogas, a ojeriza à política e o ostracismo das utopias igualitárias -um sonho ‘regressista’, uma onda conservadora parece ter varrido como tsunami os rastros deixados por 1968 no Brasil.

‘Só parece. A tendência é atribuir a 1968 o papel de berço de todos os desregramentos, todas as permissividades, todos os desrespeitos à regras e hierarquias, a crise da família’, admite o jornalista Zuenir Ventura, ele mesmo um legítimo ‘meia-oito’, além de autor de alentado tratado comportamental sobre a época e suas heranças (‘1968 – O Ano Que Não Acabou’ e ‘1968 – O Que Fizemos de Nós’).

‘Mas o respeito à diferença, os direitos das minorias e das mulheres são tributários diretos dos acontecimentos de 68. Não por acaso, a Parada Gay, que em São Paulo, por exemplo, chega a mobilizar centenas de milhares de pessoas, tem tanto do espírito libertário de 1968, apesar de ser um movimento bem mais recente’, diz.

‘Falar em direitos das minorias, em crítica ao autoritarismo, em liberdade sexual e em direito ao prazer é falar de 1968. Essas são as principais heranças daquele ano fatídico.’

Para Zuenir, é claro que há também o legado maldito. ‘As drogas, por exemplo. Aquela utopia ingênua de que as drogas seriam uma forma de abertura da consciência a novas percepções, defendida por gente como o escritor Aldous Huxley [1894-1963] a partir de suas experiências com a mescalina, e pelo americano Timothy Leary [1920-96] a partir de trabalhos com o ácido lisérgico. Isso acabou. A droga provou ser um instrumento de morte desde que foi apropriada pelas multinacionais do tráfico.’

Para o jornalista, outra herança negativa foi a ‘violência edificante’. Essa idéia levou boa parte das organizações contrárias à ditadura para a luta armada, com seu farto menu de ações, como seqüestros, assaltos a bancos e atentados.

Protagonista de 1968, quando encenou a peça ‘Roda Viva’, de Chico Buarque, cuja temporada paulistana encerrou-se depois do ataque de um grupo autodenominado ‘Comando de Caça aos Comunistas’, que espancou atores e destruiu cenários, o diretor José Celso Martinez Correa, 71, do Teatro Oficina, lembra da época como ‘o momento em que as pessoas se deram conta de que estavam vivas, de que não precisavam mais se conformar com os papéis predeterminados que lhes queriam impor; foi quando as pessoas perceberam que poderiam sair desses túmulos para viver em liberdade.’

José Celso entrega a origem da idéia: a obra de Guy Debord (1931-94) ‘A Sociedade do Espetáculo’, lançada na França ‘não por acaso’ em 1967, um ano antes de tudo.

Segundo José Celso, depois da ‘revolução’ de 1968, iniciou-se um movimento furioso de restauração da ordem, representado de imediato pela tortura e por prisões patrocinadas no Brasil pelo governo militar. Depois, a classe média desenvolveu ‘uma espécie de agorafobia e se enfurnou nos condomínios fechados vigiados por câmeras, nos shoppings, nos carros blindados. Saiu da ágora, abandonou as ruas’.

Idéia enganosa

Mas, diz ele, ‘neste momento, a ‘Sociedade do Espetáculo’ está em crise. É a crise do império americano, das suas guerras, e de seu modo de vida. As pessoas querem ir de novo para as ruas’.

Um dos dirigentes da chamada ‘Passeata dos Cem Mil’, manifestação realizada no Rio de Janeiro em 26 de junho e que marcou o movimento estudantil de 1968, o então presidente da União Metropolitana de Estudantes Vladimir Palmeira, 63, diz que o principal elemento agregador de todos os ‘meia-oitos’ que fizeram os ‘cem mil’ era ‘a certeza de que se estava mudando a vida, de que se podia recusar tudo’.

Segundo Palmeira, ‘mesmo assim é enganosa a idéia de que todo mundo era de esquerda, todas as meninas eram Leila Diniz e por aí vai’. ‘O que aconteceu é que as vanguardas tornaram-se emblemas da época.’

Socialista, ex-exilado político, Palmeira hoje está preocupado com a questão da reprodução humana.

‘Cada vez o homem reproduz-se menos. Cada vez mais, a ciência aumenta a expectativa de vida. Ora, a morte permite a melhoria da espécie, renova-a com novos nascimentos; se o ritmo em que isso acontece decai, a decorrência é o aumento do conservadorismo. Tenho certeza de que chegaremos a um impasse.’

Palmeira apóia-se no texto ‘O Sexo e a Morte’ (ed. Nova Fronteira), do pesquisador francês Jacques Ruffié. Um autêntico ‘meia-oito’ diria: ‘É viagem’.

Esse tipo de assunto nunca freqüentou as rodas de conversas em 68, o próprio ex-dirigente estudantil admite. ‘Mudou tudo. A classe operária perdeu o papel de protagonista que teve na história da civilização industrial. Agora, um novo agente transformador terá de surgir, refletindo inclusive as questões da sobrevivência do homem no planeta. Pena que não vou viver para ver o fim desse filme’, diz.

Mas nem todos os ‘meia-oitos’ mudaram tanto de ponto de vista. No Primeiro de Maio, uma centena deles reuniu-se no bonito prédio que já foi do Deops (Departamento de Ordem Política e Social) para inaugurar o ‘Memorial da Resistência’, em homenagem aos que foram presos, torturados e mortos no lugar.

Encerrados os discursos, um grupo musical puxou o hino da Internacional Socialista -’de pé, ó vítimas da fome; de pé, famélicos da terra…’. Os antigos militantes cantaram juntos, alguns chorando.

Ottoni Fernandes Jr., 62, subchefe da Secretaria de Comunicação Social do governo Lula, era um dos presentes. Em 1968, ele compunha a diretoria do Centro Acadêmico da Física da USP, o Cefisma, quando aconteceram as grandes passeatas, quando se conseguiu inaugurar o primeiro bloco de apartamentos mistos no Crusp (Conjunto Residencial da USP, onde os blocos masculinos eram rigorosamente separados dos femininos) e quando foram formadas as primeiras comissões paritárias de alunos.

‘Eu sou contrário a essa tendência de folclorizar 68, reduzindo-o a um movimento de malucos, drogados e porra-loucas. Não era e não foi assim até porque havia uma ditadura que, da mesma forma como perseguia o cabeludo, perseguia a moça liberada sexualmente e o militante de esquerda. Foi ela que politizou todo o movimento e colocou todos juntos nas passeatas pela democracia. Não discutir 68 com esse pano de fundo é mistificação’, diz o jornalista Alípio Freire, 62.

‘The answer my friend, is blowin’ in the wind…’ Todo mundo sabe que o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) é fã do hit-hino da campanha pelos direitos civis nos EUA, que conheceu seu momento mais dramático no assassinato de Martin Luther King, em 4/4/68.

Ao lado do pessoal que depois de 68 foi para a luta armada, Suplicy cita Luther King para falar da não-violência e do amor ao próximo que ele insiste com o MST que é a melhor forma de luta. Bem 68.

No mesmo Primeiro de Maio, o ministro da Cultura, Gilberto Gil, também ‘meia-oito’, foi procurado pela Folha para falar do que foi feito dele e de suas convicções. Gil estava incomunicável em Rio Branco (AC), onde defendeu que o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) reconheça a ayahuasca, uma bebida alucinógena sacramental, como patrimônio imaterial da cultura. Sem o tráfico ter-se metido nessa área, a ayahuasca parece ainda gozar da aura que outras drogas já perderam. Muito 68.’

 

Peter Burke

Lembranças de maio

‘Uma das datas da qual os membros da minha geração jamais vão se esquecer é 1968, graças a dois acontecimentos, um em Praga e o outro em Paris.

O primeiro foi a chamada Primavera de Praga -em outras palavras, o ‘socialismo com face humana’ incentivado por Alexander Dubcek, que se tornou primeiro secretário do Partido Comunista da Tchecoslováquia em janeiro daquele ano.

O segundo acontecimento memorável ou, melhor dizendo, série de acontecimentos -’os acontecimentos’, como os franceses os descreveram na época- se deu em Paris, dentro e em volta de duas universidades: Sorbonne, no centro da cidade, e Nanterre, em sua periferia.

Os estudantes foram liderados por trotskistas (expulsos da União dos Estudantes Comunistas Franceses em 1965), maoístas e anarquistas (sobretudo o carismático Daniel Cohn-Bendit, que se tornaria um respeitável deputado no Parlamento Europeu).

Os estudantes se revoltaram, hastearam bandeiras vermelhas, atiraram coquetéis Molotov, lutaram contra a polícia ou fugiram dela, arrancaram paralelepípedos das ruas, ergueram barricadas (pela primeira vez desde a Segunda Guerra), atacaram os escritórios da American Express e do banco Chase Manhattan em Paris e, no dia 10 de maio de 1968, ocuparam a Sorbonne, convertendo-a numa espécie de comuna estudantil.

De Gaulle queria enviar o Exército para intervir, mas foi persuadido a não fazê-lo, já que os soldados, em sua maioria rapazes que cumpriam o serviço militar obrigatório, poderiam querer se confraternizar com os estudantes.

As principais armas empregadas contra eles foram investidas com gás lacrimogêneo e cassetetes.

Slogans e pichações

As revoltas estudantis não costumam conquistar a simpatia do público, mas esses fatos o fizeram. Mesmo as pichações nos muros foram fotografadas e reproduzidas na imprensa, sendo imitadas em outras cidades, como Oxford.

Algumas daquelas pichações são recordadas até hoje, especialmente ‘A imaginação ao poder!’. Algumas delas seguiam a tradição das revoluções: ‘Abaixo o Estado’, por exemplo, ou ‘Abolição da sociedade de classes!’.

Outras expressavam críticas à tradição revolucionária, exortando ao sexo em vez do trabalho e à espontaneidade em lugar da disciplina (‘Aqui se ‘espontaneiza’).

Outras pichações, ainda, defendiam posturas francamente hedonistas (‘Viver o presente’ ou ‘Trabalhadores do país, divirtam-se!’), expressando um pouco do espírito carnavalesco dos próprios acontecimentos.

Algumas pichações eram citações, reconhecidas ou não, de Bakunin, Nietzsche, Unamuno, Heráclito etc. Outras ofereciam epigramas originais, como ‘As paredes têm ouvidos. Seus ouvidos têm paredes’ ou ‘A barricada fecha a rua, mas abre a via’.

Vistas em conjunto, essas inscrições transmitem de maneira vívida uma crítica veemente à religião, ao Estado (especialmente a polícia), ao sistema educacional e à sociedade de consumo (‘A mercadoria é o ópio do povo’).

A inspiração de muitas dessas pichações, assim como dos acontecimentos como um todo, veio do chamado ‘situacionista’ Guy Debord, autor de ‘A Sociedade do Espetáculo’ (1967), de intelectuais de esquerda como Henri Lefebvre, Louis Althusser, Cornelius Castoriadis e Claude Lefort, de Mao Tse-tung, tão popular entre a esquerda nos anos 1960, e, voltando mais atrás, de Marx, Lênin e Trótski.

Alguma revolução

Hoje, 40 anos depois, seria interessante que alguém entrevistasse os autores das pichações -se soubéssemos quem são!- para lhes perguntar o que pensam hoje das idéias e dos sentimentos que, na época, expressaram publicamente com tanta pungência.

O que essas pichações tornam muito claro é o desejo ou a esperança de muitos de seus autores por alguma espécie de revolução política ou social, um novo 1789 ou, quem sabe, um novo 1848 ou mesmo uma revolução cultural como a que estava acontecendo na China, enquanto ocupavam a Sorbonne e eram elogiados por alguns intelectuais franceses, incluindo Jean-Luc Godard. Até que ponto essa revolução teve êxito?

A pergunta era muito difícil de responder na época, mas hoje, passados 40 anos, algumas coisas já se tornaram mais claras. Os acontecimentos ajudaram a derrubar o presidente Charles de Gaulle, que renunciou ao cargo em abril de 1969.

Por outro lado, De Gaulle foi sucedido por seu antigo primeiro-ministro, Georges Pompidou, que não era mais aberto que seu antecessor às idéias dos estudantes.

Ganhos indiretos

Os acontecimentos de 1968 instigaram o governo a empreender uma reforma das universidades, multiplicando o número de estudantes, mas não conseguindo ampliar a infra-estrutura acadêmica de modo a satisfazer as suas necessidades.

É possível que as conseqüências mais duradouras do Maio de 1968 tenham sido indiretas, de natureza cultural, mais que estrutural.

O exemplo dos estudantes parece ter encorajado o movimento feminista francês, além de aumentar a consciência política de alguns intelectuais, como foi o caso de Michel de Certeau [1925-86].

Num artigo publicado algumas semanas apenas após os acontecimentos, ele -com um entusiasmo talvez inesperado, em se tratando de um jesuíta de meia-idade- escreveu que ‘em maio de 1968, tomou-se a palavra como tomou-se a Bastilha em 1789’.

A interpretação que Certeau fez dos fatos do Maio de 1968 pode ser aplicada a ele próprio. Antes de 1968, ele era um historiador da espiritualidade que também se debruçava sobre a reforma da igreja.

Depois de escrever esse célebre artigo sobre 1968, porém, Certeau foi projetado para sua segunda carreira, a de analista da sociedade contemporânea, discutindo e criticando as idéias de Michel Foucault e Pierre Bourdieu, tendo escrito ‘A Cultura no Plural’ (1974) e ‘A Invenção do Cotidiano’ (1980), além de dar palestras nos EUA, no Brasil e em outros países.

Em suma, como é o caso de revoluções em escala maior, os acontecimentos de 1968 incentivaram algumas pessoas a alimentar pensamentos novos, dando asas a sua criatividade.

Para deixar a última palavra às pichações, ‘a revolução é uma iniciativa’. ‘Criemos comitês de sonhos.’ ‘A ação não deve ser reação, mas criação.’ ‘Criem!’

PETER BURKE , 70, é historiador inglês, autor de ‘O Que É História Cultural?’ (ed. Zahar). Escreve na seção ‘Autores’, do Mais! . Tradução de Clara Allain .’

 

Alcir Pécora

Fora de Jogo

‘A marcação temporal em ‘Maio de 68’ é enganosa. É certo que houve um mês de maio no ano de 1968, mas não é dele que se fala quando se fala dele: a dimensão simbólica da data é muito maior do que a sua dimensão histórica.

‘Maio de 68’ é uma metáfora, como ‘Paris’ é uma metáfora (dizia Cortázar) ao situar-se junto à data, que a tudo contamina de símbolo. Como se dá na Bíblia, quando os eventos históricos da vida de Cristo são também alegoria de todos os eventos da história do homem, do Gênese ao Apocalipse.

De resto, é sabido o que Maio de 68 alegoriza: juventude, liberdade, comunidade, igualdade, utopia, revolução, direitos de minorias, paz e amor livre: um continuado êxtase.

Por isso mesmo, está claro que também alegoriza, por negação, a ausência de contradição na vida real, pois, nesta, liberdade não rima com igualdade, como alertou Isaiah Berlin; revolução e utopia acabam por ser mutuamente excludentes, como demonstraram os regimes revolucionários efetivamente implantados.

Ao alegorizar o fim da existência agônica, Maio de 68 é também alegoria de um milagre. Tudo se concilia numa grande prece para que nada contradiga o desejo mais coletivo e o mais pessoal.

Como disse [o filósofo] Boris Groys: ‘É absolutamente evidente que os anos 60 foram um presente divino. O ano de 1968 foi um afluxo súbito de energia.

Por todo o mundo -em Moscou, em Praga, na América, na China, em Paris, (…) na Alemanha-, muitas pessoas começaram a reivindicar: queremos fazer qualquer coisa sem ter de fazê-lo. Queremos transformar os prazeres em trabalho e o trabalho em prazer. (…) É isso o que disseram, o que sentiram, e saíram em manifestação para exigi-lo -e, afinal, para exigi-lo de Deus, porque nenhum governo deste mundo pode dar qualquer coisa desse gênero. Era, por assim dizer, uma reivindicação dirigida ao céu’.

E então, nessa prece, que versículo toca à literatura?

Quando rezamos pelo milagre do fazer tudo sem o trabalho de fazer nada, a obra perfeita sem a mão que a efetue, a potência do pensamento que não se reduz com o ato de pensar, estamos imaginando que a vida deva ser pautada pela literatura ou, por extensão, pela arte.

Pensamos nosso corpo como escritura e nossa vida como obra de arte.

Mas, se o Maio de 68 pode ser entendido simbolicamente como submissão da vida à arte, que anula as contradições do real no gozo, a segunda coisa a dizer é que tal literatura é estranha à literatura.

Pois a questão decisiva da literatura não é liberar ou curar, mas, ao contrário, articular um nexo com o legado cultural, produzir um ato de inteligência capaz de estabelecer correspondência com o passado, em busca de alguma forma de transcendência. Nesse ato, a menos que a obra se esgote em seu consumo, o presente ocupa apenas parte dele.

Só um ofício a mais

E a ‘literatura hoje’, o que pode ser? Para que a comparação se efetue, é preciso encontrar seu núcleo simbólico igualmente. Está claro que a literatura já não pensa em pautar a vida: do milagre não resta nem sequer memória (a não ser talvez instrumental).

Ele já não tem pretensão de ser vetor da vida pessoal ou coletiva. Quer apenas pautar-se pela vida, num modesto realismo. Quer estar na vida como tudo que está nela: como um ofício a mais, como um trabalho sério e miúdo de operário, em que o melhor sonho é ser ‘autor de tal empresa’.

A multidão de blogueiros, no fundo, trocaria de bom grado sua liberdade no ciberespaço por um contrato numa editora tradicional.

Assim, a dimensão simbólica da ‘literatura hoje’ veste colarinho puído: orgulha-se de fazer bem feito o servicinho do dia-a-dia, bagrinho da estiva dos negócios. Também por isso, por ter sede na vida ordinária, ‘literatura hoje’ está fora da literatura pra valer.

Pois esta não pode estar no esforço de vestir a camisa da empresa, mas no de dialogar com a vida intelectual, cujo horizonte constitui, afinal de contas, um campo de problemas sem solução, não a oportunidade ou o êxito no mercado. Isso posto, os ‘40 anos depois’ significam basicamente que saltamos do ‘Livro de Horas’ para o Livro de Ponto, pulando a literatura.

De lá para cá, ela sempre esteve fora do jogo principal. No Maio de 68, o escritor era inútil porque todos tinham obrigação de sê-lo, uma vez que a função da vida era ser obra de arte.

Agora tampouco vale grande coisa, porque, conquanto trabalhador especializado, como todos os outros, o escritor é um caso de RH, aspirante a funcionário. No Maio de 68 partilhamos o milagre; hoje, a banalidade. A literatura passa ao largo de ambas as metáforas. Apenas cuida de ouvir as vozes literais, presença viva, dos mortos.

ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária da Universidade Estadual de Campinas (SP) e autor de ‘Máquina de Gêneros’ (Edusp).’

 

 

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