ACORDO ORTOGRÁFICO
Eu coo, eu moo
‘RIO DE JANEIRO – Não olhe agora, mas tenho a impressão de que a reforma ortográfica, que está queimando as pestanas dos que vivem da língua portuguesa -professores, jornalistas, escritores, editores de livros, locutores de TV e rádio, publicitários-, foi feita só para suprimir o trema. É o único ponto sobre o qual ninguém parece discordar.
O atroz dilema do hífen -co-habitar ou coabitar?-, o degredo do acento agudo de palavras como jibóia e averigúe e a horrível morte de certos circunflexos estão levando gramáticos às fuças. Sem o chapeuzinho, por exemplo, como conjugar verbos como coar e moer? Eu coo, eu moo? Muitos se rebelam contra tais alterações e ameaçam ir às últimas para não ter de escrever antissegregacionismo, bensucedido ou ad-renalina.
Enquanto isso, os dois inocentes pontinhos sobre lingüiça, qüinqüênio, pingüim etc. foram varridos pelos lingüistas sem a menor contemplação, como se contaminassem a escrita com sarna ou beribéri. Na verdade, para muitas pessoas, o trema já vai tarde, porque elas nunca o usaram, com ou sem reforma. Pois, a partir de agora, quero ver alguém se sair bem numa argüição, a começar pela pronúncia desta palavra sem o trema.
Um dos argumentos para a reforma é a de que a dupla ortografia impedia a difusão da língua portuguesa no exterior. Temo que, com o acordo, a língua continue secreta fora dos países lusófonos, mas, pelo menos, estará unificada.
Unificada? Para meu orgulho, já tive alguns livros traduzidos para inglês, japonês, alemão, espanhol, italiano, russo e polonês. É natural -como poderiam ser lidos naqueles países se não fosse assim? Mas nunca entendi por que um deles, ‘Carmen – Uma biografia’, ao ser lançado em Portugal, teve de ser radicalmente traduzido do português para o… português.’
GAZA
Israel x palestinos
‘‘Seguindo o pensamento da frase escrita no alto da coluna de Gustavo Ioschpe no site da revista ‘Veja’ (‘de omnibus dubitandum est’; duvide de tudo), coloco-o em prática quanto à sua imparcialidade em relação ao assunto abordado em seu artigo ‘Gaza: hora de golpear o terrorismo’, ‘Tendências/Debates’, ontem).
Reduzir o Hamas a um grupo terrorista é assumir que Israel e os EUA também o são.
Pior, esses matam em nome do Estado, como antigamente nas Cruzadas, quando os cristãos matavam e pilhavam em nome de Deus. É uma pena que uma pessoa com o grau de esclarecimento do articulista continue a justificar tanta violência. Talvez seja por isso que o mundo ainda continue tolerando o horror.’
PAULO ROBERTO FIER, estudante de filosofia (Curitiba, PR)
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‘Estou ainda tentando entender como uma pessoa com o poder de acesso aos meios de comunicação e círculos de formadores de opinião como o senhor Gustavo Ioschpe pode escrever um artigo justificando a invasão e o ataque de um território por meio de um evento improvável futuro.
Se o que o senhor Ioschpe defende em seu artigo ganhar validade, qualquer país poderá invadir ou atacar outros a qualquer momento, bastando levantar o medo de um novo 11 de Setembro como justificativa.’
RUBENS CUNHA MARCATO (Campinas, SP)
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‘Agradeço a Gustavo Ioschpe por tirar o véu da ignorância de nossos olhos, falando com clareza sobre a verdade dessa guerra entre Israel e o Hamas.
Suas palavras vão doer muito em quem afirma o contrário, mas sabemos que aquilo que dói nos ignorantes e mentirosos é a verdade, não a mentira.’
LEONARDO POTOLSKI (São Paulo, SP)
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‘Quem não tem ideias ataca pessoas. Carlos Brickmann (‘O assessor que sabia javanês’, ‘Tendências/Debates’, 8/1) atribui a mim (e critica) posições que são da política externa brasileira, competentemente conduzida pelo Itamaraty.
Repete mentiras e insultos na vã esperança de, ao atingir-me, distrair a atenção dos leitores sobre a tragédia em curso na Palestina.
Não reconheço autoridade intelectual, política e moral no doutor Goebbels do malufismo para julgar-me.’
MARCO AURÉLIO GARCIA, assessor especial de política externa do presidente da República (Brasília, DF)’
TELES
Por R$ 5,3 bi, Oi conclui a compra da Brasil Telecom
‘Depois de quase um ano e meio de negociações, a Oi assumiu ontem as operações da Brasil Telecom. A compra do controle da empresa foi concluída na noite de quinta-feira, por R$ 5,3 bilhões. A Oi passa a ter 53 milhões de clientes, receita de R$ 40 bilhões, 54% do mercado de telefonia fixa e 19% da telefonia móvel.
O presidente da Oi, Luiz Eduardo Falco, calcula que o processo de integração das empresas deverá levar 18 meses e resultará em redução de custos da ordem de R$ 1 bilhão. ‘Esse ganho será repassado ao consumidor nos reajuste tarifários a partir deste ano’, afirma.
‘A redução de custos chegará a 4% em 2012’, calcula a analista de telecomunicações Beatriz Batelli, da Brascan Corretora. A Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) determinou que a empresa não faça demissões até abril de 2010. A Oi passa a ter 66 mil funcionários.
Nos próximos 30 dias, a empresa apresentará à CVM (Comissão de Valores Mobiliários) a proposta para a compra das ações da Brasil Telecom nas mãos dos minoritários. O preço mínimo será de 80% do valor pago aos antigos controladores (R$ 77,04).
Em seguida, a Oi reorganizará sua estrutura de ações. Hoje são negociadas seis ações diferentes da operadora e de sua controladora, a Oi Participações. O objetivo é reduzir a dois tipos. Ao fim do processo, o valor total da operação chegará a R$ 12 bilhões.
A Oi pretende disputar mercados no exterior. ‘Começaremos a expansão pelos vizinhos e nos países africanos que falam a língua portuguesa’, diz Falco. ‘Mas, neste momento, teremos que nos concentrar no pagamento deste negócio’.
A nova empresa planeja chegar a 110 milhões de clientes, dos quais 30 milhões no exterior, até 2014. São previstos investimentos de R$ 30 bilhões no período.
A compra da Brasil Telecom pela Oi teve, desde o início, o apoio do governo, que defendia a criação de um grupo nacional forte no setor. Mas a negociação inicial entre os sócios das empresas levou mais de seis meses até a conclusão, em abril. A empresa tinha uma intrincada estrutura societária, criada após a aquisição da Tele Centro Oeste no leilão de privatização das telecomunicações, em 98.
A estrutura, criada pelo acionista da Brasil Telecom Daniel Dantas, lhe assegurava o controle da companhia mesmo tendo menos ações do que Citigroup e fundos de pensão liderados pela Previ. Os acionistas iniciaram, então, a maior disputa societária do país. Em 2005, Dantas foi removido do controle da BrT. Em abril, para permitir o avanço da venda, os sócios suspenderam as ações judiciais que impetraram entre si. Na época, a Oi também sofreu reestruturação para saída da GP Investimentos, dos fundos de pensão e, novamente, de Dantas. A operação custou cerca de R$ 2,5 bilhões, com recursos do BNDES. A aquisição da Brasil Telecom pela Oi foi, então, anunciada.
Foi necessário, porém, esperar a mudança na legislação para concluir o negócio. Em novembro, o governo alterou o Plano Geral de Outorgas, criado em 1988, para permitir que um mesmo grupo pudesse operar em duas áreas distintas. Em dezembro, a Anatel autorizou o negócio, mas impôs à Oi 26 obrigações em expansão de serviços e investimentos.
O negócio ainda será avaliado no Cade (Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência). ‘Não deverá haver restrição porque as empresas praticamente não concorriam’, afirma Batelli.
Os recursos da aquisição concluída anteontem saíram do caixa da empresa, segundo Falco. Permanecem como sócios os grupos Andrade Gutierrez e La Fonte, além do BNDES e do fundo de pensão dos trabalhadores da Oi.’
TELEVISÃO
Espiadinha
‘Terá um quê de reality show a minissérie ‘O Amor Segundo B. Schiamberg’, dirigida pelo cineasta Beto Brant, que a TV Cultura pretende exibir neste ano. O protagonista, um psicanalista, estuda o comportamento amoroso por meio de ‘observações reais’ de dois personagens, um ator e uma artista plástica, que serão filmados enquanto convivem em um apartamento.
MISSÃO
A equipe de Brant e a TV Cultura sustentam que o programa não terá semelhanças com o ‘Big Brother’. ‘Mas não temos problema com o formato de reality show. Nós nos apropriamos dele para fazer produtos de acordo com a nossa missão’, diz Gabriel Priolli, coordenador de conteúdo e qualidade da emissora.
MAS JÁ?
O ‘Big Brother Brasil 9’, da TV Globo, nem começou e já tem participante querendo otimizar seus 15 minutos de fama. A assessoria de imprensa de uma empresa que oferece crédito para cirurgias plásticas dispara e-mails avisando que Emanuel Tiago Milchevski, 24, um dos selecionados, tem uma franquia da marca.’
Folha de S. Paulo
Levantamento mostra que jovem vê menos TV
‘Uma pesquisa recém-divulgada nos Estados Unidos mostra que, quanto mais jovem o telespectador, menos tempo ele passa em frente à TV.
Segundo o levantamento ‘O Estado da Democracia Midiática’, conduzido pela empresa de consultoria Deloitte, a audiência que tem entre 14 e 25 anos assiste à televisão 10,5 horas por semana, em média.
Já a fatia de público que vai dos 26 aos 42 anos costuma dedicar 15,1 horas semanais à telinha. O número sobe para 19,2 horas/semana na faixa de 43 a 61 anos e chega a 21,5 horas/semana entre os de 62 a 75 anos).
A sondagem sugere que, mesmo quando se trata de assistir a séries televisivas ou filmes, os jovens de 14 a 25 anos dão preferência à tela do computador. Eles são o grupo etário que mais tempo passa vendo DVDs no computador -1,9 hora semanal, em média. Na TV, para efeito de comparação, os jovens veem menos DVDs do que os de 26 a 42 anos.
O estrato jovem também é o campeão em tempo de interação com mídias. Isso porque, de acordo com a pesquisa, as horas que o adolescente norte-americano médio costumava ‘gastar’ com televisão estão agora sendo dedicadas a vídeo-games, música e internet.
Cinema
Apesar de preterida pela audiência mais jovem, a televisão ainda se mantém no topo da relação de mídias publicitárias mais influentes.
Segundo o estudo, a TV é sucedida por revistas, internet, jornais impressos, rádio e outdoors. Em sétimo lugar, aparecem os sites de relacionamento (tais quais Orkut e Facebook), separados da internet para efeito de pesquisa.
A Deloitte também aferiu a assiduidade com que o norte-americano vai ao cinema. O resultado aqui é inverso ao do braço da pesquisa que identificou os hábitos televisivos. Ou seja: quanto mais avançada a idade, menos idas à sala escura.
O grupo de 14 a 25 anos passa 1,8 hora por semana no cinema, bem mais do que a 0,9 hora semanal verificada entre os de 43 a 61 anos ou a 0,7 hora notada entre os de 62 a 75 anos.
Com agências internacionais’
Fernanda Ezabella
MTV entrevista diretor Michel Gondry
‘O ‘milagre’ da multiplicação que o diretor francês Michel Gondry opera em seus videoclipes, como fazer surgir milhares de baterias em ‘The Hardest Button to Button’, do White Stripes, é um dos temas do bate-papo com a VJ Marina Person, em programa que a MTV exibe hoje, às 22h30. Haverá reprise amanhã, às 17h30.
O diretor também fala de como foi fazer o clipe ‘Come Into My World’, no qual meia dúzia de Kylies Minogues passeia na rua cantando. Ou ‘Let Forever Be’, do Chemical Brothers, sobre uma profusão de mulheres parecidas vivendo num mundo paralelo de sonhos. Gondry, diretor do longa ‘Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças’, esteve recentemente no país para divulgar seu novo filme, ‘Rebobine, por Favor’. O trabalho rendeu uma mostra no MIS-SP, que termina amanhã.
No programa de 30 minutos, com trechos de videoclipes, Gondry comenta sua relação com Björk e outros artistas.
‘Acho que não seria possível [fazer meu tipo de trabalho] com alguém como Madonna, por exemplo, que é tão controladora de sua imagem’, diz o diretor. ‘As pessoas que estão comigo precisam deixar um pouco de lado esse autocontrole.’
VIDEOGRAFIA MICHEL GONDRY
Quando: hoje, às 22h30
Onde: na MTV
Classificação: livre’
LITERATURA
A roupa nova do Conde
‘Dois lançamentos recentes permitem uma nova apreciação da obra do escritor francês Alexandre Dumas (1802-1870), autor do clássico ‘Os Três Mosqueteiros’. Um deles é outro de seus clássicos, ‘O Conde de Monte Cristo’, romance histórico que já ganhou várias adaptações para o cinema e volta em nova tradução na íntegra. O outro, a última grande obra de Dumas, ‘O Cavaleiro de Sainte-Hermine’, romance inacabado, descoberto no fim dos anos 80 pelo pesquisador Claude Schopp, que concluiu a trama.
A nova edição de ‘O Conde de Monte Cristo’ espelha, de certo modo, o espírito de trabalho colaborativo que caracterizou a produção de Dumas. Para erguer uma obra com mais de 600 títulos (identificados pelo biógrafo Daniel Zimmermann), o escritor contava com uma equipe de assistentes. Esta nova tradução na íntegra -a anterior é assinada por Nélia Silka, para a editora Juruá, de Curitiba- foi feita a quatro mãos por Rodrigo Lacerda e André Telles, fãs de longa data de Dumas, que tiveram a iniciativa acolhida pela Jorge Zahar. ‘Se tivéssemos dividido o material para a tradução, a chance de não ter um resultado homogêneo seria muito maior.
Então, o André Telles ‘tirou do chão’, literalmente, a partir da edição em seis volumes da Calmann-Lévy. E eu ia fazendo um cotejo com outras edições francesas [Pléiade, Folio e Bouquins], com total liberdade’, afirma Lacerda.
Notas e pesquisa histórica
Telles ressalta que ‘O Conde de Monte Cristo’ tem muitos diálogos, o que impõe ao trabalho da tradução uma atenção redobrada para que as falas não soem falsas ou datadas. Por conta disso, os tradutores suprimiram soluções de tradução obsoletas, de edições anteriores, a exemplo de interjeições como ‘cáspite’ e ‘homessa’.
Outro importante trabalho da nova edição fica por conta das notas, 90% das quais Telles reputa a Lacerda. A filosofia geral, diz Lacerda, era ter rodapés somente quando essencialmente necessários à compreensão da obra, e ‘não meramente para enriquecer a cultura geral do leitor’. Ele cita o exemplo das ‘savatas’, chinelos usados na Turquia, com que prisioneiros ameaçam dar uma surra em um dos personagens. Dentro desta filosofia geral, as notas também tiveram de refletir a pesquisa histórica dos tradutores. Segundo Lacerda, as edições francesas partem do princípio de que alguns episódios da história do país são conhecidos da maioria dos leitores. Caso das chamadas Guerras Carlistas, que aconteceram na Espanha no século 19, e que são mencionadas na obra.
‘As edições francesas tinham notas com referências lacunares. Davam de barato que o leitor entenderia, então precisamos acrescentar informações para não deixar o leitor brasileiro boiando’, afirma Lacerda. Telles conta ainda que lançou mão da voz do próprio Dumas para dar ‘tempero’ à tradução. Por exemplo: na passagem em que o escritor francês cita um molho denominado ‘Robert’, ele usou um verbete de ‘Grande Dicionário de Culinária’, ‘para não ficar maçante’. Lacerda e Telles agora pensam em fazer uma nova tradução de ‘Os Três Mosqueteiros’.
Dumas ‘vintage’
A outra novidade fica por conta de ‘O Cavaleiro de Sainte-Hermine’, romance que Dumas escreveu entre 1869 e 1870, ano da sua morte, e que tem as batalhas de Napoleão no pano de fundo. Publicado originalmente em série num jornal, como ‘O Conde de Monte Cristo’, o livro era dado como perdido, até ser encontrado no fim da década de 80, na Biblioteca Nacional da França, por Claude Schopp, pesquisador da vida e obra de Dumas. Schopp manteve a descoberta em segredo até 2005, quando o livro foi lançado na França, com um longo prefácio, notas e um desfecho assinados por ele. Sobre o romance, Schopp disse: ‘É um Dumas ‘vintage’, do mesmo veio do herói vingativo de ‘O Conde de Monte Cristo’.
O CONDE DE MONTE CRISTO
Autor: Alexandre Dumas
Tradução: André Telles e Rodrigo Lacerda
Editora: Jorge Zahar
Quanto: R$ 129 (caixa com 2 volumes, 1.376 págs.)
O CAVALEIRO DE SAINTE- HERMINE
Autor: Alexandre Dumas
Prefácio e notas: Claude Schopp
Tradução: Dorothée de Bruchard
Editora: Martins
Quanto: R$ 98 (1.048 págs.)’
Nelson de Oliveira
Vingança de Dantès pertence à esfera do mito
‘Inveja, traição, fuga de uma prisão de segurança máxima, um tesouro secreto, um plano de vingança e vários assassinatos. Não. Esses não são os elementos da nova novela das oito. Eles pertencem à trama de um dos folhetins de maior sucesso no século 19, ‘O Conde de Monte Cristo’, de Alexandre Dumas (1802 -1870).
Dumas dizia que seu maior objetivo ao escrever era ‘entreter e magnetizar os leitores’. Esse talento para encantar o grande público pode ser conferido agora na nova edição do romance em português. Depois das muitas versões resumidas para a TV, o cinema e os quadrinhos, e das inúmeras adaptações para o público infanto-juvenil, o texto original está de volta, traduzido na íntegra. Na época em que o folhetim foi escrito, não havia televisão nem cinema, mas havia a primitiva necessidade humana de narrativas intensas, capazes de promover a catarse coletiva. Isso fez com que os leitores esperassem ansiosos, de agosto de 1844 a janeiro de 1846, pelos capítulos dominicais do romance.
Desde então, nunca mais saíram do imaginário ocidental a queda e a ascensão de Edmond Dantès, que, motivado pelo desejo de vingança, enriquece, torna-se conde e, fazendo justiça com as próprias mãos, triunfa sobre seus inimigos. Vingança é a palavra que melhor define o best-seller que Dumas escreveu após publicar sua obra mais célebre, ‘Os Três Mosqueteiros’ (1844). Diferentes dos primeiros leitores, hoje todos sabem que, onde a justiça falhou, a vingança vencerá. O prazer está em acompanhar o andamento do jogo, sem pressa, apreciando cada detalhe. Dantès é o jovem leal e íntegro, prestes a ser promovido e a se casar, o que desperta a inveja do amigo Danglars. Este, com a ajuda de comparsas, o envolve numa intriga política. Dantès é condenado e segue para a pior prisão do Estado, o castelo de If. Os anos passam, e Dantès perde a esperança de que a justiça seja feita. Até conhecer outro prisioneiro, o abade Faria.
A partir daí a ação se precipita: Dantès escapa da prisão, alia-se a piratas, toma posse do tesouro escondido na ilha de Monte Cristo e volta a Paris, disfarçado, para se vingar. As idas e vindas da trama, as peripécias mais surpreendentes e os pormenores dessa vingança -igual a ela, só a de Hamlet- ocupam mais de mil páginas. Mas são os pormenores que fazem o romance original vencer até mesmo a adaptação de Kevin Reynolds para o cinema, ágil, mas simplificada demais.
Assistentes
Diante de tanta exuberância, há quem pergunte por que Dumas não é tão respeitado pela crítica especializada quanto Stendhal, Balzac e Flaubert. Talvez pelo fato de no seu trabalhado haver a mão de vários assistentes? Pode ser. Mas a principal razão foi o longo namoro do escritor com o sucesso comercial. Segundo os especialistas, Dumas cometeu o pior pecado: com suas aventuras, procurou acima de tudo entreter e magnetizar os leitores. Mesmo que para isso tivesse de esbanjar nos efeitos especiais.
Obra-prima reconhecida ou não, o fato é que a vingança de Dantès pertence à esfera do mito, como a loucura de Dom Quixote e o ciúme de Bentinho. Por isso costuma cativar leitores fiéis já na adolescência. Certamente a nova edição brasileira vai expandir a legião de fãs.
NELSON DE OLIVEIRA é escritor e doutor em letras pela USP. É autor de ‘Ódio Sustenido’ (Língua Geral) e ‘A Oficina do Escritor’ (Ateliê Editorial), entre outros.
Avaliação: ótimo’
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