Wednesday, 04 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Folha de S. Paulo

PESQUISA
Folha é jornal mais lido por congressistas

A Folha é a fonte preferida de informação do novo Congresso entre os jornais impressos. Levantamento do Instituto FSB Pesquisa mostra que 72% dos parlamentares que tomarão posse apontam o jornal como um dos seus três preferidos para se informarem.

Em segundo lugar está ‘O Globo’, citado por 36% dos novos parlamentares. Depois aparece ‘O Estado de S. Paulo’, com 30%.

Realizado entre 6 e 17 de dezembro de 2010, o levantamento ouviu 340 parlamentares do novo Congresso -57% do total. Foram ouvidos 307 deputados (181 reeleitos e 126 novos) e 33 senadores (5 reeleitos, 16 novos e 12 com mandato até 2015).

A pesquisa mostra ainda o UOL, empresa do Grupo Folha, como o site mais acessado pelos novos congressistas em busca de informação.

Ele foi citado por 32% dos entrevistados como fonte preferida de informação jornalística on-line, seguido do portal G1, das Organizações Globo, com 31%.

Em terceiro aparece a Folha.com (também do Grupo Folha), citada por 22% dos parlamentares.

A pesquisa pediu aos novos deputados e senadores que listassem até três jornais e três sites de sua preferência na hora de buscar informação. A margem de erro é de 3,5 pontos percentuais.

O levantamento apontou ainda que os jornais impressos são considerados a principal fonte de informação do novo Congresso, que toma posse em 1º de fevereiro.

Dos entrevistados, 63% citaram os jornais. A internet aparece em segundo lugar, com 23%. Telejornais (9%) e rádios (3%) vêm em seguida.

Segundo Wladimir Gramacho, diretor do instituto, os jornais seguem na frente como principal fonte de informação por conta do ‘aspecto da credibilidade’.

PROJETOS

O instituto questionou ainda os parlamentares sobre os projetos que gostariam de votar no primeiro semestre de 2011. As reformas política e tributária, com 65% e 50%, respectivamente, foram os mais citados pelos deputados e senadores que tomam posse no próximo mês.

A presidente Dilma Rousseff já adiantou que não pretende enviar ao Congresso uma proposta de reforma tributária em bloco, mas fatiada em três a quatro projetos.

No Legislativo, porém, o interesse é votar uma proposta mais ampla, apesar de ela sempre esbarrar nas resistências regionais.

No caso da reforma política, Dilma pretende deixar o tema como tarefa para o novo Legislativo. Já a reforma da Previdência, que a presidente não vai enviar ao Congresso, também desperta pouco interesse nos parlamentares

Na pesquisa, apenas 4% citaram o projeto entre os que gostariam de votar no primeiro semestre de 2011.

O levantamento também mostra que o novo Congresso não está disposto a aprovar a criação da CSS (Contribuição Social para a Saúde).

A maioria dos deputados (56%) e senadores (52%) se manifestou contra. Além disso, a maioria (70% do novo Congresso) gostaria de votar projetos que reduzam a carga tributária.

 

TELEVISÃO
Keila Jimenez

Alvos na TV, jornalistas policiais rejeitam o rótulo

Eles estão entre os maiores salários da TV e, alçados à fama, tornam-se âncoras de seus próprios programas.

Os jornalistas policiais, título que rejeitam e trocam por ‘investigativo’ ou de ‘segurança pública’, são alvo de disputa entre emissoras.

Que o digam Roberto Cabrini (SBT), Marcelo Rezende (Record) e José Luiz Datena (Bandeirantes).

Além de boas audiências, às custas, muitas vezes, de sensacionalismo com poucos limites, a cobertura policial confere repercussão às TVs. E elas dão cada vez mais espaço ao assunto.

Um noticiário local na Record chega a ter 80% de reportagens ligadas à segurança. Em dias como os da invasão dos morros no Rio, 100%.

‘Não sei se esse tipo de repórter é mais valorizado, mas é mais difícil de encontrar. Poucos acabam indo por esse caminho. O glamour é zero. Tem é transpiração e correria’, diz Marcelo Rezende.

Os diretores de jornalismo negam que os repórteres policiais ganhem mais que os outros na TV, mas reconhecem a importância da área.

‘As matérias policiais acabam sendo um veículo de cobrança das autoridades’, diz José Emílio Ambrósio, diretor de Jornalismo da Band.

Luiz Gonzaga Mineiro, diretor de Jornalismo do SBT, assume as dificuldades de se fazer reportagens policiais sérias na televisão.

‘O detalhamento, como ir além dos dois lados da história, a polícia e o bandido, fica comprometido em uma cobertura ao vivo’, diz ele.

Mas todo esse barulho sai caro. A Folha apurou que Marcelo Rezende foi para Record por um salário mensal de R$ 200 mil. Cabrini fatura no SBT na faixa de R$ 250 mil. Mas o maior salário mesmo é o de Datena: R$ 500 mil.

‘Talvez eu seja valorizado porque trabalho muito’, diz o âncora do ‘Brasil Urgente’, líder de audiência na Band.

Para Mineiro, o espaço de cobertura policial está diminuindo no SBT. ‘Não podemos tirar o policial, mas a questão hoje é olhar para o nacional. Tanto é que ‘Boletim de Ocorrência’ (policialesco do canal) saiu do ar.’

‘Se não tivesse importância, não cobriríamos. O país é esse, não fui que inventei. Se tivesse sido eu, teria inventado outro país, mais simpático, mais leve’, diz Rezende.

‘Às vezes o ‘JN’ tem mais polícia do que o meu programa, é muito relativo’

DATENA

apresentador do ‘Brasil Urgente’

TUITADAS

@gio_antonelli

Gente! Pra onde a gente manda doação pra chegar na serra? Tem algum posto recolhendo na Barra?

A atriz Giovana Antonelli procurando posto de coleta em seu bairro para colaborar com os desabrigados da enchente na região serrana do Rio

@NiveaStelmann

Muito triste vendo ‘JN’. Minha família já passou por isso… Perdi um tio soterrado em Petrópolis. Tristeza sem fim…

A atriz Nívea Stelmann lembrando o drama familiar assistindo ao ‘Jornal Nacional’ (Globo)

@bgagliasso

Assistindo ‘Jornal Hoje’ assustado com o que tô vendo. Muito triste!!

O ator Bruno Gagliasso, sobre as notícias no telejornal da Globo sobre a enchente na região serrana do Rio

36 pontos

Foi o recorde de audiência de ‘TiTiTi’ (Globo) na última terça-feira, dia 11

A novela das 19h, de Maria Adelaide Amaral, seguia com média na casa dos 35 pontos

3 pontos

Foi a audiência do ‘Programa do Ratinho’ (SBT) na última quarta-feira, dia 12

A atração perdeu público por conta de ‘Passione’ (Globo),que estava na reta final

com SAMIA MAZZUCCO

 

Laura Mattos

Globo estreia novela com núcleo de personagens gays

Depois de matar em uma explosão um casal de lésbicas em ‘Torre de Babel’ (1998) e de cortar uma cena de beijo entre homens em ‘América’ (2005), a Globo terá, a partir de amanhã, uma novela com um núcleo de personagens homossexuais.

Nova trama das 21h, ‘Insensato Coração’ terá um quiosque na praia frequentado por gays. A dona (Louise Cardoso) é mãe de um garoto homossexual e se envolve com um jornalista (Cássio Gabus Mendes) homofóbico.

Segundo Gilberto Braga, autor da novela, a relação dos dois será a questão mais importante do núcleo. Começará no capítulo 100 e será uma comédia romântica.

Para ele, a criação de um núcleo gay não é uma evolução em relação a tramas anteriores, que já tiveram casais homossexuais. ‘É uma tentativa de ter alguma novidade’, afirma Braga.

O autor declarou que não haverá em ‘Insensato Coração’ o primeiro beijo gay da teledramaturgia brasileira.

Doutor em teledramaturgia, Mauro Alencar diz que ‘é preciso caminhar passo a passo, pois as diferenças do pensar e sentir no Brasil são gigantes, e a novela é um gênero que dialoga com todas as camadas sociais’.

‘Mas pressinto que a qualquer momento o tão esperado beijo gay poderá ocorrer, como já aconteceu na novela argentina ‘Botineras’, de 2009/10. Outras intimidades, como o carinho entre o casal gay de ‘Ti Ti Ti’, já estão com boa aceitação’, diz.

André Fischer, diretor do portal GLS Mix Brasil, afirma que ‘a Globo tem dado provas de que é simpatizante à causa gay, pela maneira positiva como apresenta casais gays em suas novelas’.

‘Os canais GNT e Multishow, da Globo, têm uma extensa programação gay e simpatizante onde não faltam beijos gays. Além disso, ‘Jornal Nacional’ e filmes já mostraram vários beijos gays. Ou seja, o tabu é beijo em novela’, avalia.

ESCANDALIZAR

O autor de novela Marcílio Moraes (‘Vidas Opostas’), que trabalhou na Globo nas décadas de 80 e 90 e hoje escreve para a Record, afirma achar ‘sempre importante e oportuno apresentar personagens gays nas novelas’.

‘Ainda hoje é uma questão carregada de preconceitos e restrições. Em ‘Ribeirão do Tempo’, pensei em inserir um casal masculino gay. Depois concluí que, além de não ser uma temática que eu tenha segurança de dominar, provavelmente não daria para desenvolver a trama como eu imaginei. E desisti.’

Em sua opinião, o beijo gay não é um tabu.

‘O que existe é um temor das TVs de escandalizar o público e mexer com a audiência. Isto sem falar na classificação indicativa, que sempre serve de pretexto para as empresas limitarem a liberdade dos autores em casos assim.

Se dependesse dos autores, tenho certeza de que o beijo gay já teria acontecido há muito tempo nas novelas.’

NA TV

‘Insensato Coração’

Estreia da novela das oito

QUANDO amanhã, às 21h05, na Globo

CLASSIFICAÇÃO 12 anos

 

Mauricio Stycer

Para dogma global, público vê tudo, menos beijo entre homens

Gilberto Braga e Ricardo Linhares alimentam o sonho de apresentar seis personagens gays em ‘Insensato Coração’ sem chamar a atenção. É uma ambição que expõe o próprio preconceito dos autores e revela ideias preconcebidas do que o público quer ou pode ver na TV.

Na festa de lançamento da novela, no último dia 8, no Copacabana Palace, no Rio, questionei Braga sobre o tema. ‘Seis? Não contei.’ E acrescentou: ‘Devem ter contado também uma sapata que aparece na prisão com a Glória Pires’.

Em ‘Autores – Histórias da Teledramaturgia’, um livro, já esgotado, editado pela própria Rede Globo, Alcides Nogueira, autor de ‘A Próxima Vítima’, entre outras novelas, faz uma observação sobre o casal gay de ‘Paraíso Tropical’ (2007), a última criação da dupla antes de ‘Insensato Coração’.

‘Podia ser tanto um casal de gays quanto um casal de símios, porque não era nada.

Não havia nada que mostrasse uma intimidade maior. E sei que o problema não era do Gilberto nem do Ricardo.’

Casado há 35 anos com o arquiteto e decorador Edgar Moura Brasil, Braga responde no mesmo livro: ‘Quem reclamou foi a classe, não o espectador. Imagina se o espectador ia querer ver o casal em cenas de intimidade! É um tema muito complicado de se mostrar na televisão’.

Igualmente entrevistado, Ricardo Linhares diz: ‘Nós queríamos mostrar um casal gay que não vivesse conflitos amorosos e fosse totalmente aceito no ambiente de trabalho, no círculo de amigos e vizinhos’. Linhares diz ainda: ‘O público é conservador, mas os autores não são’.

São discursos afinados, que reproduzem um misto de temor e reverência a esse dogma global segundo o qual o espectador, que as pesquisas creem conhecer, aceita ver qualquer coisa na TV, inclusive um transexual lambendo o rosto de um modelo no ‘BBB’, menos um beijo entre dois homens.

E não são apenas Braga e Linhares que difundem o dogma. No mesmo livro, Antonio Calmon, autor da Globo desde 1985 (‘Armação Ilimitada’), diz: ‘Não acho que a TV aberta seja um veículo para divulgar a luta dos gays.

Ela foi feita para a família heterossexual comum’.

Já Aguinaldo Silva, um dos fundadores do jornal gay ‘Lampião’ na década de 70, diz no livro ‘A Seguir, Cenas do Próximo Capítulo’ (Panda Books, 284 págs., R$ 45,90): ‘Há telespectador da Globo que nem sabe que homossexualismo existe’.

A afirmação se completa com o que me parece ser a melhor explicação para a estranha relação entre autores e personagens gays: ‘A Globo é muito responsável para deixar passar esse tipo de coisa. E acho que ela está certa ao agir assim. Não se trata de censura, trata-se de responsabilidade’. Nem Bozó, o célebre personagem de Chico Anysio, falaria melhor.

MAURICIO STYCER é repórter e crítico do portal UOL

 

Fernanda Ezabella

Globo de Ouro, imprevisível, tem cerimônia de entrega hoje

O filme de ação ‘O Turista’ e o musical ‘Burlesque’ passaram pelas telas de cinema dos EUA com críticas nada favoráveis. Na temporada de prêmios de Hollywood, os longas são mais cotados para o Framboesa de Ouro, dos piores do ano. Mas, no Globo de Ouro, que acontece hoje, às 23h (horário de Brasília), tudo pode acontecer. Os dois filmes disputam na categoria melhor comédia ou musical, com o astro de ‘O Turista’, Johnny Depp, ainda concorrendo como melhor ator. E é bem capaz de ganhar, já que ele foi duplamente indicado nesta categoria, graças ao papel de Chapeleiro Maluco em ‘Alice no País das Maravilhas’. É esta a graça dos prêmios entregues pelo pequeno grupo de correspondentes de Hollywood: difícil de prever e cheio de surpresas. A cerimônia é o evento de cinema mais visto na TV depois do Oscar, apesar de ser um termômetro desregulado para o principal prêmio da indústria. Enquanto o Globo de Ouro é escolhido por menos de cem jornalistas estrangeiros, o Oscar conta com 6.000 votantes de várias áreas, de maquiagem a efeitos especiais e música. ‘Somos poucos, somos todos jornalistas e viemos de 55 países diferentes. Isso já explica por que as escolhas podem ser tão idiossincráticas’, disse Ana Maria Bahiana, uma das duas únicas brasileiras da associação. Na categoria melhor filme de drama, os trabalhos indicados são praticamente os mesmos que vêm se repetindo em outras premiações: ‘A Origem’, ‘A Rede Social’, ‘Cisne Negro’, ‘O Vencedor’ e ‘O Discurso do Rei’, longa de época britânico que lidera os Globos de Ouro com sete indicações. Nas 11 categorias dedicadas à TV, os jovens cantores de ‘Glee’ foram indicados cinco vezes, após a série levar o prêmio principal em 2010. Já como melhor seriado dramático, há dois novatos bem elogiados no páreo: os mafiosos de ‘Boardwalk Empire’ e os zumbis de ‘The Walking Dead’. O comediante britânico Ricky Gervais será apresentador da festa pela segunda vez seguida.

NA TV

Globo de Ouro 2011

Cerimônia de entrega

QUANDO hoje, 22h, TNT

CLASSIFICAÇÃO não informada

 

Vanessa Barbara

Não complicarás

NOS ÚLTIMOS dez anos, o ‘Jornal Nacional’ (Globo, 20h30) perdeu 24% de sua audiência. A velha fórmula, que em 1993 chegou a render 80 pontos no Ibope (com o primeiro depoimento de PC Farias após sua fuga), parece ter se desgastado.

De todos os telejornais brasileiros, o ‘JN’ é o mais temente aos mandamentos do gênero. Para começar, a notícia é sempre curta, objetiva e simples, mas não pode ser excessivamente fria e impessoal, sob pena de distanciar o público. Ao apresentador, cabe humanizá-la com sorrisos, mudanças de tom e olhares compungidos.

Em segundo lugar, utilizam-se apenas frases curtas no tempo presente, a fim de afetar urgência.

No sábado passado, o jornal começou com o anúncio: ‘Tiros à queima-roupa’.

No mesmo tom de quem está em pleno front, o outro apresentador completou, em jogral: ‘Dezoito pessoas são baleadas por um jovem nos EUA’. Por pouco, os dois não se abaixaram para se proteger.

O texto falado deve dirigir-se a um hipotético telespectador médio -para Bonner, uma espécie de Homer Simpson que tem dificuldade em compreender notícias mais complexas. Num episódio que causou polêmica, em 2005, o editor-chefe do ‘JN’ chegou a rejeitar uma pauta dizendo: ‘Essa o Homer não vai entender’.

Outro preceito do telejornalismo padrão é personificar as notícias, remetendo-as a personagens pitorescos ou à opinião de populares.

As declarações espirituosas dos anônimos servem para dar leveza ao texto e fazer rir o singelo Homer.

Assuntos como consumo popular, curiosidades tecnológicas, futebol e o florescimento de dicotiledôneas servem para intercalar cenas de desastres ou crimes hediondos.

É inevitável: o apresentador conclui um dossiê sobre o colapso do sistema de saúde de Rondônia, como na segunda-feira passada, toma novo fôlego e diz: ‘No zoológico de Brasília, uma fêmea de lobo-guará conseguiu sobreviver a um atropelamento e voltar à natureza’.

Sorri.

Uma anedota corrente no mundo dos telejornais diz que, se o Velho Testamento fosse televisionado, a apresentadora o anunciaria desta forma: ‘Moisés acaba de receber a tábua com uma série de mandamentos’. Entra infográfico explicativo: ‘Dentre eles, podemos destacar dois…’

 

POLÍTICA
Clóvis Rossi

Os livros leem Lula

RESUMO

Lançados em profusão nos últimos meses, livros procuram fazer um balanço supostamente crítico dos dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva, mas ora pecam pelo adesismo e pelo tom laudatório, ora por um oposicionismo exacerbado, que impede uma avaliação equilibrada da sociedade brasileira durante o período.

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EM ENTREVISTA DE INTELECTUAIS do PT com a então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, o historiador Marco Aurélio Garcia fez uma pergunta precedida do seguinte preâmbulo:

‘Nós tivemos, na história da República, três grandes momentos de mudança: os anos 1930, o final dos 1950 e o começo dos 1960 e agora [o período Lula]. É interessante observar que, nas duas primeiras conjunturas, houve grandes movimentos de reflexão sobre o país. Caio Prado, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque são figuras emblemáticas daqueles anos. Grandes expressões culturais, como Villa-Lobos, e mesmo o surgimento da arquitetura brasileira marcam aquele momento’.

‘Na virada dos 50 para os 60’, prosseguiu Garcia, ‘temos o Raymundo Faoro, o Celso Furtado, o Iseb [Instituto Superior de Estudos Brasileiros], a sociologia paulista e, do ponto de vista cultural, o cinema novo, a bossa nova, a pintura e as artes visuais. No momento atual, porém, vive-se um retraimento do pensamento crítico.’

SUBINTELECTUALIDADE É claro que, para um historiador de esquerda, ainda por cima membro do governo Lula -como assessor diplomático do presidente, função que manterá no próximo governo-, Marco Aurélio culpa pelo ‘retraimento do pensamento crítico’ apenas ‘uma subintelectualidade de direita, de muito baixa qualidade’. A entrevista com Dilma faz parte de ‘Brasil, Entre o Passado e o Futuro’ [Fundação Perseu Abramo, 200 págs., R$ 35], um dos muitos livros de balanço dos anos Lula recém-editados pela Fundação Perseu Abramo, o centro de estudos do PT.

Se tivesse estendido também à parte da esquerda que se manteve fiel ao PT o seu lamento pelo ‘retraimento do pensamento crítico’, Garcia teria acertado em cheio. É quase impossível encontrar na profusão de livros sobre Luiz Inácio Lula da Silva e/ou sobre seus oito anos de governo uma narrativa que não seja nem a propaganda descarada daqueles que a direita chamaria de ‘subintelectuais de esquerda’ nem a raiva incontida dos oposicionistas ao presidente e a seu partido.

É possível que a lacuna se explique pela falta, como é óbvio, do distanciamento que só o tempo permite para que se faça um balanço mais objetivo dos anos Lula, tão objetivo quanto possível num território tão carregado de emoções como a política.

ESPÍRITO CRÍTICO Mas falta, principalmente, o espírito crítico que deveria ser a característica essencial do intelectual. Não a crítica para destruir um governo que, a todas as luzes, teve bom desempenho, a ponto de terminar com aprovação de 83% do eleitorado. Falta é a crítica que ilumine o que saiu errado, as lacunas deixadas, os desafios que foram pouco ou nada enfrentados -e assim por diante.

Talvez o exemplo mais eloquente da lacuna no espírito crítico da intelectualidade petista se dê no tratamento da queda da desigualdade, uma lenda, pura lenda.

Para entender por que é lenda, basta ler artigo de Marcio Pochmann, hoje presidente do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), escrito quando ainda era professor da Unicamp e não membro do governo. Publicado no jornal ‘Valor Econômico’, em 12 de julho de 2007, isto é, já no segundo mandato de Lula, o artigo de Pochmann fazia uma perfeita análise do fenômeno da redistribuição de renda.

Assim: a melhora na redistribuição ‘parece estar, todavia, circunscrita ao fenômeno da redistribuição fundamentalmente intersalarial’. Ou seja, reduzia-se a diferença entre os assalariados, mas não se tocava na verdadeira obscenidade que é a diferença de renda entre o capital e o trabalho.

Dizia Pochmann: ‘A parte da renda do conjunto dos verdadeiramente ricos afasta-se cada vez mais da condição do trabalho, para aliar-se a outras modalidades de renda, como aquelas provenientes da posse da propriedade (terra, ações, títulos financeiros, entre outras)’.

Continuava: ‘De fato, verifica-se que, em 2005, a participação do rendimento do trabalho na renda nacional foi de 39,1%, enquanto em 1980 era de 50%. Noutras palavras, a renda dos proprietários (juros, lucros, aluguéis de imóveis) cresceu mais rapidamente que a variação da renda nacional e, por consequência, do próprio rendimento do trabalho’.

De 2005 em diante, a situação não mudou, até porque o capital continuou sendo contemplado, do primeiro ao último ano de governo de Lula, com os mais altos juros do mundo.

LOUVAÇÃO Se a situação não mudou, Pochmann mudou ao ser alçado a um posto importante no governo. Em um dos muitos livros que a Fundação Perseu Abramo editou para comemorar os anos Lula, o economista gastou 102 páginas para exercer impiedoso espírito crítico sobre gestões anteriores e inoxidável louvação ao governo de que faz parte.

O livro chama-se ‘Desenvolvimento, Trabalho e Renda no Brasil – Avanços Recentes no Emprego e na Distribuição dos Rendimentos’ [Fundação Perseu Abramo, 102 págs., R$ 10], mas, apesar de título e subtítulo, omite escandalosamente a diferenciação que Pochmann fazia quando não era do governo. Não diz em momento algum que ‘a renda dos proprietários (juros, lucros, aluguéis de imóveis)’ continuou crescendo mais rapidamente do que o rendimento do trabalho.

Essa característica de propaganda despudorada impregna todos os oito livros editados em duas coleções da Fundação Perseu Abramo, ‘Brasil em Debate’ e ‘2003/2010 – O Brasil em Transformação’ .

Os livros de ambas as coleções seriam perfeitamente substituídos, com vantagem para o leitor, pelos calhamaços (mais de 2 mil páginas) que Lula registrou em cartório como feitos de seu governo. Pelo menos, o leitor fica avisado de antemão que é a história oficial acrítica, não uma suposta análise dos anos Lula.

Nessa historiografia oficial, corre solto o culto à personalidade, com momentos que seriam até ridículos, se houvesse senso do ridículo entre quem se dedica a esse tipo de culto.

GROTESCO O exemplo mais grotesco está numa legenda do livro ‘Lula, o Filho do Brasil’, escrito por Denise Paraná e que serviu de base para cinebiografia de mesmo nome, que, como não poderia deixar de ser na era do culto à personalidade, representará o Brasil na disputa pelo Oscar de melhor filme estrangeiro.

O livro, em si, é até útil, porque mostra a vida de Lula e família antes de se tornar personagem frequente na mídia, a partir das greves promovidas pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. É claro que, como biografia autorizada, desenha um perfil extremamente favorável, inevitável nesse tipo de livro.

Mas, na seção ‘álbum de fotos’, vem o escorregão: uma fotografia de 1974 mostra Lula oficializando em cartório seu casamento com Marisa Letícia. A legenda: ‘O sorriso feliz já indicava uma relação duradoura’.

Como se o sorriso pertencesse a um visionário, o novo Messias, capaz de divisar o futuro.

EXACERBAÇÃO No lado contrário, o do espírito crítico exacerbado demais, uma obra também é eloquente a partir da capa. O livro do colunista do jornal ‘O Globo’ Merval Pereira tampa o rosto do presidente com o carimbo do título, ‘O Lulismo no Poder’, e do nome do autor.

Merval é quase sempre impiedoso. Raramente faz concessões às qualidades do governo e de seu chefe, o que acaba sendo um contraponto aos livros da intelectualidade petista. Mas tem o mérito de relembrar assuntos que o lulo-petismo cuida de jogar para baixo do tapete, como, por exemplo, o escândalo do mensalão.

‘O Lulismo no Poder’ [Record, 784 págs., R$ 79,90] repassa todos os principais momentos do período 2003/2010, até porque é a reprodução das colunas que o jornalista escreveu para ‘O Globo’. Esse tipo de, digamos, ‘história não oficial’ tem a vantagem de apresentar os fatos na temperatura ambiente de cada época.

O problema é que a história do lulismo não é linear. Ziguezagueia da esquerda para o centro, do centro para a direita e volta ao centro-esquerda, na crise mundial de 2008/2009.

ZIGUEZAGUE Esse ziguezague, ao menos no território da economia, é mais adequadamente capturado em ‘Os Anos Lula’ [Garamond, 424 págs., R$ 35], editado pela Garamond, por iniciativa dos economistas do Rio Janeiro, reunidos no Conselho Regional de Economia, no Sindicato dos Economistas e no Centro de Estudos para o Desenvolvimento.

Este, sim, contém o espírito crítico reclamado por Marco Aurélio Garcia. Até no subtítulo, que é ‘Contribuições para um balanço crítico 2003/2010’. São 25 autores, o que tem a vantagem do pluralismo e a desvantagem de uma certa dispersão de enfoques. Na apresentação, Paulo Passarinho, ex-presidente do Conselho Regional de Economia, enfatiza com precisão e firmeza o papel que os intelectuais deveriam desempenhar:

‘Nossa pretensão foi procurar nos reportar ao que experimentamos ao longo desses quase oito anos de governo, dentro de uma visão crítica e independente e a partir de premissas políticas e proposições que sempre julgamos mais adequadas ao país, e das quais jamais abrimos mão’.

Emenda: ‘Com isso, queremos também reafirmar que não compactuamos e não concordamos com qualquer tipo de silêncio [palavra grifada no original], ou perplexidade, ante os aparentes paradoxos que o mundo da política nos reserva. […] Queremos explicitamente resistir às tentações de compatibilizar o necessário e permanente exercício da crítica às conveniências e interesses políticos de ocasião’.

É uma bela definição, que permeia os diversos textos. É uma pena que o livro fique limitado à análise da economia dos anos Lula. Os acadêmicos brasileiros ficam devendo ‘uma visão crítica e independente’ do conjunto da obra lulista.

Talvez o exemplo mais eloquente da lacuna no espírito crítico da intelectualidade petista se dê no tratamento da queda da desigualdade -uma lenda, pura lenda

 

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