REFORMA
Espelho do mundo
‘Num ambiente em mudança, jornal se renova para garantir maior espaço de debate público e estimular cidadania
Dedicados a acompanhar o dia a dia de um mundo em contínua e rápida evolução, é natural que os jornais também mudem. Isso é ainda mais verdadeiro quando se trata de um jornal como este, que procura cultivar a autorrenovação periódica como postulado.
Em meio às mudanças, é oportuno ressaltar o que permanece. Antes de tudo, uma preocupação sistemática de servir ao leitor e ao interesse público.
Octavio Frias de Oliveira, que liderou o crescimento da Folha durante mais de quatro décadas, foi dos primeiros a entender a autonomia editorial de um periódico como decorrência da autonomia econômica da empresa que o produz. Bom jornalismo é bom para os negócios e útil para o país.
Com o tempo, consolidou-se aqui a prática de um jornalismo crítico, voltado a problematizar, questionar e fiscalizar num diapasão apartidário, ou seja, desengajado em relação ao governo de turno e às facções que disputam o poder político, econômico, cultural.
Ao mesmo tempo, firmou-se um padrão inédito de pluralidade de visões, expresso num elenco extenso e variado de colunistas, mas presente, também, no noticiário, onde o empenho de publicar todas as versões sobre um mesmo fato se tornou regra, nem sempre seguida a contento.
A fim de compensar os riscos, em que todo jornalismo incorre, de cometer injustiças, criaram-se mecanismos de autocontrole bem antes que esse debate viesse a ser travado no Brasil.
Um manual de redação dado a público, a fim de permitir ao leitor e aos personagens do noticiário cobrar compromissos assumidos. Um profissional de alto nível -o ombudsman- remunerado exclusivamente para submeter a própria Folha à crítica sistemática e pública. Uma sessão diária de retificações. O compromisso de publicar as contestações recebidas.
Até agora, o leitor e o anunciante -os dois pilares da livre circulação de informações e ideias- têm recompensado os esforços.
A expansão dos meios digitais atinge diretamente as comunicações e afeta o jornalismo. Como toda revolução tecnológica, a digital acena com riscos e oportunidades, vantagens e perdas. A disseminação das informações e do livre acesso a elas só pode ser saudada, não apenas como avanço democrático, mas como conquista cultural da humanidade.
Por outro lado, configura-se uma sociedade cada vez mais atomizada, dispersa por uma infinidade de interesses particulares que se reúnem, de forma passageira, nas unanimidades fugazes geradas pela própria mídia. Como previu Alexis de Tocqueville, o espaço público, a arena de debate dos interesses comuns, pode ser tanto vítima quanto beneficiária da democratização conforme esta se aprofunda.
Quando se fala sobre a função do jornal no futuro, não se pode omitir sua natural aptidão para estimular e garantir um mínimo de espaço público assim definido. Uma alavanca para o exercício mais completo da cidadania política e econômica. Um local de debate das soluções para os problemas coletivos. Um espelho do mundo que permita às pessoas vislumbrar o que têm em comum.’
Clóvis Rossi
O quebra-cabeças
‘Desobedeço pelo segundo dia consecutivo as ordens médicas de repousar, mas, desta vez, é por um motivo nobre. ‘Novidadeiro’ como todo repórter deve ser, não poderia ficar de fora da novidade que é o lançamento do novo projeto desta Folha.
Participo da festa com todo o entusiasmo. O novo projeto é exatamente o que acho que o jornalismo impresso deve seguir. Defendo, aliás, esse modelo há uns 20 anos. Mais precisamente, desde que a Rede Globo de Televisão, que é o principal veículo de informação para a maioria dos brasileiros, passou a fazer jornalismo, após o fim do comunismo, no mundo, e a queda de Fernando Collor, no Brasil.
Até então, a Globo dedicava-se a combater o supostamente onipresente comunismo internacional e seus braços brasileiros e a defender a civilização dita ocidental e cristã, que tinha pouco de civilização e quase nada de cristianismo.
Sobrava, pois, espaço para que os demais fizéssemos jornalismo, espaço que esta Folha aproveitou melhor que ninguém.
O jornalismo de tempos não tão remotos era a tarefa de recolher as peças de um quebra-cabeças e entregá-las ao leitor para montar. Jornalismo impresso, quero dizer, o único que atrevo a praticar. Depois, veio a fase de recolher as peças e também montar o quebra-cabeças.
Agora, a nova exigência é recolher as peças, montar o quebra-cabeças e, ainda por cima, explicar os antecedentes do desenho formado e suas consequências para o mundo, o país, a cidade e/ou o leitor.
Tudo no espaço de umas 10 ou 12 horas, que é o tempo que transcorre entre o momento em que o mundo abre as cortinas e o momento em que se fecha a edição.
É uma tortura diária, é um massacre físico e mental, mas é também a mais fascinante maneira de ganhar a vida honestamente. O resultado, você julga a partir de hoje.’
Sérgio Dávila
Informação exclusiva de cara nova
‘A Folha mudou. O jornal que você tem em mãos hoje traz as letras cerca de 12% maiores, em um formato e com uma diagramação que deixam a leitura mais fácil. Os títulos são mais fortes, a hierarquização das reportagens é mais clara, a identidade entre os cadernos, mais evidente. As fotos ficaram maiores e os quadros informativos, mais limpos e didáticos.
As mudanças também são editoriais. O noticiário político passa a ser agrupado sob o título de Poder, o caderno de economia é rebatizado como Mercado, Esporte ganha formato tabloide, menor e mais ágil, Tec reunirá às quartas-feiras tendências do mundo digital e o jornal estreiaumnovo suplemento, a Ilustríssima, que trará aos domingos o melhor em cultura, ensaios e reportagens de mais fôlego.
Além disso, 29 novos colunistas passam a escrever no jornal. São nomes como o de Fabio Barbosa, presidente da Febraban (Federação Brasileira de Bancos) e do Banco Santander no Brasil, a atriz Fernanda Torres, que comentará as eleições presidenciais, a jovem escritora Vanessa Barbara, que resenhará programas de TV, e o cadeirante Jairo Marques, um sucesso do meio on-line.
O caçulinha João Montanaro, de 14 anos, levará o traço precoce de seu cartum à nobre página 2 do jornal, onde ocupará um espaço que já foi de Glauco (1957-2010), será vizinho de feras como Angeli e integrará um time de ilustradores que conta com Laerte, Adão Iturrusgarai e Caco Galhardo.
Eles vêm se juntar ao maior e mais eclético grupo de colunistas da imprensa brasileira, nomes conhecidos do leitor, gente como José Simão, Clóvis Rossi, Carlos Heitor Cony, Eliane Cantanhêde, Gilberto Dimenstein, Janio de Freitas, Danuza Leão, Mônica Bergamo, Barbara Gancia e Tostão.
A nova forma e o conteúdo renovado são resultado do esforço de centenas de profissionais, que trabalharam por milhares de horas durante os últimos 12 meses, sob orientação de Otavio Frias Filho, diretor de Redação, seguindo o projeto visual da designer gráfica Eliane Stephan, coma coordenação de Fabio Marra, editor de Arte do jornal, e do jornalista Naief Haddad.
A mudança acontece num momento em que a Folha promove a fusão orgânica entre suas equipes de jornalistas do meio on-line e do impresso, o primeiro grande jornal brasileiro a fazer isso de fato.
A ideia é transformar a Redação num centro captador de notícias que funcione 24 horas por dia e produza informação de qualidade para qualquer plataforma, seja ela o papel, que é e continuará a ser a vitrine principal da marca Folha, o on-line, agora rebatizado de Folha.com, ou em smartphones e tablets, por torpedos e e-mails e o que mais for inventado.
Parte dos textos está mais enxuta, maneira de resumir os acontecimentos da véspera sem fazer o leitor perder tempo e paciência. Parte está mais analítica, um dos pilares do projeto novo, que priorizará a contextualização e a interpretação do fato conhecido.
O leitor escolherá seu caminho, o mais rápido, mas de qualidade, ou o mais profundo, mas compreensível; ambos serão contemplados pelo jornal. Uma coisa, porém, não muda: o compromisso diário da Folha de buscar a informação exclusiva, o furo de reportagem, o enfoque único, o olhar diferenciado.
A matéria-prima do jornalismo de qualidade é a informação única. Que você passa a receber de cara nova. Novíssima!’
Naief Haddad
Renovação gráfica
‘A Folha lança hoje uma ampla reforma gráfica, que renova todos os cadernos e suplementos. Não são apenas reformulações de ordem estética. Essa série de alterações visuais é fundamental para amparar as mudanças editoriais da Folha, que preveem um jornal mais sintético na sua forma e mais analítico e interpretativo no conteúdo.
Desde os anos 80, a Folha mantém um papel de vanguarda nas inovações visuais da imprensa brasileira. A reforma visa, de forma mais radical: 1) aumentar a legibilidade de textos e de infografias; 2) aperfeiçoar a organização dos elementos que integram uma página, hierarquizando melhor o noticiário; 3) reforçar a unidade entre cadernos e páginas de modo que a identidade do jornal prevaleça.
‘Começo sempre a trabalhar coma tipografia, que é o principal elemento de identidade do jornal’, diz Eliane Stephan, designer responsável pela criação do projeto. ‘A partir das fontes escolhidas, associadas a elementos como grade, cor e hierarquia, todo o resto se constrói e surge a ‘cara’ do jornal.’
LETRAS MAIORES
A Folha adota novos tipos de letra, mais fortes e contemporâneos. Além disso, há um aumento do corpo das fontes de cerca de 10%. ‘Agora sim dá para ler o jornal’, disse um leitor em pesquisa realizada pelo Datafolha para avaliar este projeto gráfico. Por meio de um novo padrão de títulos, um número restrito de cores e uma série de sinais gráficos, a Folha também fortalece a unidade entre cadernos e seções.
Por exemplo, a cor laranja do logotipo de Esporte, aparecerá na chamada de capa de notícias do caderno. Os textos de análise terão vinheta vermelha, em vez de azul, como forma de destacar uma das prioridades do novo projeto.
Não há, porém, legibilidade e identidade que resistam a uma página confusa.
Se a oferta caótica de informações dos meios eletrônicos é uma marca da vida contemporânea, cumpre ao jornal selecionar as informações com cada vez mais rigor e clareza e levar ao leitor o que é realmente importante e útil.’
Credibilidade em tempo real
‘Primeiro jornal em tempo real em língua portuguesa, a Folha está desde ontem mais noticiosa e multimídia na internet. Rebatizado de Folha.com, o site ganhou cerca de 30% de área editorial e dobrou o espaço para vídeos, fotos e áudios. O novo desenho e as novas seções foram concebidos para facilitar a navegação. Um quadro, por exemplo, avisa o internauta das notícias mais recentes que ele ainda não leu.
Na página de entrada (www.folha.com.br), as manchetes agora se alternam durante uma visita. Outras novidades que otimizam o tempo de consulta são os quadros ‘Pelo Brasil’ e ‘Pelo Mundo’, que reúnem aquilo que de mais relevante aconteceu.
Em média, o número de notícias da homepage duplicou, de 200 para 400 links, que são atualizados 24 horas por dia. O site reforçou a sua equipe de blogueiros (Barbara Gancia e Luciana Saddi, por exemplo) e de serviços (grade das emissoras de televisão, resumo de novelas, meteorologia etc.).
O LEITOR PARTICIPA
A Folha.com também tornou mais fácil a participação do leitor. Foi modernizado o sistema de comentários -novas ferramentas de moderação permitem a imediata publicação das observações de usuários cadastrados. Os internautas ganham uma seção fixa para encaminhar suas sugestões -o ‘Opine Aqui’.
Eventualmente as opiniões serão destacadas na página principal do site. Também para ajudar o leitor, as opções de busca/pesquisa estão concentradas no mesmo local, na página de entrada. Mais duas novidades: agora é possível optar pelo tamanho da letra dos textos e navegar pelo site no iPad, o tablet da Apple.
Uma das prioridades da Folha.com serão as redes sociais. Um editor, o jornalista Marcos Strecker, cuidará de ampliar a presença do site do jornal no Twitter (no perfil @folhaonline e nos 18 canais das editorias), no Facebook (www.facebook.com/folhadesp) e em outras redes – que atualmente atraem quase 90% dos internautas ativos do Brasil.
Segundo o editor-executivo Sérgio Dávila, ‘a nova fase da ex-Folha Online, agora Folha.com, reflete a fusão orgânica das duas Redações por que acaba de passar o jornal’.
As mudanças reforçam a identidade entre as duas plataformas da Folha – não importa se no papel ou on-line, as reportagens têm os princípios editoriais que deram à Folha a dianteira de circulação entre os diários de prestígio do país. Na internet, a Folha também é líder nacional, com 230 milhões de pageviews por mês.’
IRÃ
Repressão cala oposicionistas em Teerã
‘O verde sumiu das ruas de Teerã.
Sim, a capital iraniana continua arborizada, e os parques ainda servem de refúgio a casais que buscam um namoro discreto em meio à repressão religiosa -ou simplesmente aos que querem ares menos poluídos do que no resto da megalópole de 14 milhões de pessoas.
Mas o verde das bandeiras e faixas de protesto, que simboliza o movimento de oposição ao governo e inundou a capital em 2009, este está ausente das ruas e avenidas.
Sob repressão e vigilância constantes e sem uma liderança autenticamente popular, a oposição perdeu a voz.
Mas, mesmo recolhido aos apartamentos da classe média, às salas de aula das universidades e à internet, o movimento verde mantém-se vivo na semiclandestinidade e agora trama em voz baixa o seu próximo passo.
A menos de um mês de completar-se um ano da reeleição do presidente conservador Mahmoud Ahmadinejad, marcada por suspeitas de fraude e violência, paira uma tensa expectativa sobre o que virá no aniversário.
A maioria aposta que o medo prevalecerá, mantendo o ‘movimento verde’ confinado entre quatro paredes.
Alguns torcem para que se repita a explosão popular detonada em junho de 2009.
Na semana passada, ao longo da visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Teerã, a Folha percebeu entre ativistas, intelectuais e cidadãos comuns o temor de que uma onda de repressão com o objetivo de impedir protestos pelo aniversário das eleições esteja prestes a ganhar intensidade.
A execução por enforcamento de cinco dissidentes curdos e a condenação à revelia de um jornalista iraniano-canadense a 74 chibatadas e 13 anos de prisão reforçou o receio.
Um líder estudantil que já foi preso duas vezes contou à Folha que desde a execução de sua mãe não consegue dormir, com medo de que o mesmo aconteça com ele.
Por medo de retaliações, ele prefere que sua identidade seja mantida em sigilo -o mesmo pedido foi feito por todos os entrevistados ouvidos pela reportagem.
CENSURA
Após a eleição de 2009, o regime iraniano apertou o cerco aos dissidentes, controlando conversas e mensagens telefônicas e e-mails.
Ferramentas de comunicação usadas intensamente pela oposição na época dos protestos, como Facebook e Skype, estão bloqueadas.
O mesmo ocorre com muitos sites de notícias ocidentais, como BBC e CNN.
A censura, contudo, é driblada sem grandes problemas, por programas que podem ser baixados facilmente.
‘Sabemos o que acontece no mundo graças ao serviço em farsi da BBC’, diz outro estudante, que também já foi interrogado pela polícia.
Quem chega a Teerã esperando barricadas de oposicionistas diante de tropas de choque da polícia se surpreende com a aparente normalidade.
No bazar, multidões entopem as vielas estreitas em busca de suprimentos, na véspera do feriado que marca a morte de Fátima, filha do profeta Maomé.
Na rua Valiasr, principal artéria da cidade e que no ano passado foi cenário de gigantescos protestos contidos com munição de verdade, a turbulência agora se restringe ao trânsito caótico.
Nos quase 20 km da rua que corta Teerã, do empobrecido sul ao burguês norte, há dezenas de painéis com imagens dos aiatolás Ruhollah Khomeini, líder da Revolução Islâmica, e Ali Khamenei, atual líder supremo.
Mas nem um único vestígio da contrarrevolução verde surgida no ano passado.
Entretanto, não é preciso muito esforço para captar os sinais de insatisfação. Num restaurante na parte rica da cidade, a reportagem da Folha foi abordada por dois homens de meia-idade, que em poucos minutos estavam criticando Ahmadinejad.
Apesar do medo, a necessidade de expressão é evidente. ‘Vivemos tempos obscuros’, diz um deles, treinador de luta greco-romana.
‘A religião é só um pretexto para tirar as liberdades políticas’, acrescenta.
O ex-premiê Mir Hossein Mousavi, apontado por seus partidários como verdadeiro vencedor da eleição de 2009, usa a internet para convocar uma demonstração pacífica para o dia 12 de junho, primeiro aniversário do pleito.
Se será atendido ou não, permanece uma grande interrogação.’
REVISÃO
Maiúsculas e minúsculas
‘Nos anos 70, um jornal carioca contratou sofisticada equipe de revisores para dar correção, transparência e uniformidade aos textos de seus redatores, repórteres e colunistas. Entre as regras trazidas pela equipe, figurava a cristalina evidência de que o alfabeto então em vigor havia cassado o ‘y’, o ‘k’ e o ‘w’.
Cassar, por sinal, era mania da época. Nas poucas vezes em que era citado, meu nome passou a ser Coni. Quando saiu um dos volumes das memórias de JK, o nome do ex-presidente passou a ser JC -sigla que habitualmente indica Jesus Cristo.
Kubitschek era pouco citado, por motivos políticos, mas quando o era, transformou-se em Cubitscheque. A regra da revisão era: ‘Qualquer um escreve o próprio nome como quiser. Mas a redação só tem compromisso com as regras oficiais da ortografia’. Ok. Quer dizer: óquei.
Escrevi uma crônica em que falava na ‘Soberana Graça do Santo Sepulcro’, título de ridícula ordem nobiliárquica que não sei se ainda existe. As maiúsculas foram para a cucuia, incluindo as do Santo Sepulcro, que até os judeus, que estão em outra, chamam de Santo Sepulcro, com maiúsculas. Mais ou menos como Pão de Açúcar, que em inglês é Sugar Loaf, sempre com maiúsculas.
A correção de textos devia ter sido estendida à reprodução de quadros. Com um computador de última geração, pode-se corrigir aquele caos de ‘Guernica’, com cavalo e mulher aos pedaços, bem como toda a obra de Brake, Picasso e Dali.
Virtualmente -e virtuosamente-, poder-se-ia corrigir imagens e fotos para maior unidade, transparência e compreensão por parte dos leitores. Chegaram a ameaçar as maiúsculas do Pão de Açúcar. Ficaríamos reduzidos ao pão de açúcar, que, como todos sabem, é um pão feito com açúcar muito apreciado no Rio de Janeiro.’
TELEVISÃO
Lost e o fim da TV
‘O que vai ao ar nesta noite na TV dos EUA não é só o último episódio de uma das séries mais caras e de maior audiência de todos os tempos. O fim de ‘Lost’ é o marco da transição entre a televisão do passado e a do futuro. Os distribuidores da série armaram uma estratégia inédita para tentar reduzir o acesso pirata ao desfecho – que, assim como qualquer episódio de séries de sucesso, vai ao ar ao vivo na internet e em poucas horas surge legendado em várias línguas.
A Disney fez acordo com TVs da Europa, de Israel e do Canadá para veicular o final simultaneamente aos EUA. Outros 59 países, Brasil inclusive, assistirão no máximo 48 horas depois, um recorde – a espera antes era entre seis meses e um ano. Empresas de TV atiram para todos os lados tentando manter o seu poder diante do crescimento da internet e do surgimento de novas mídias.
No Brasil não é diferente. Hoje, enquanto o segredo de ‘Lost’ é revelado, os dotes artísticos da ex-BBB Sabrina Sato serão vistos em 3D pelos primeiros compradores de TVs com essa tecnologia.
A Rede TV! se anuncia como a primeira TV aberta do mundo a transmitir ao vivo em 3D. Será no ‘Pânico’, a partir das 21h. A operação segue com o ‘Superpop’ e sábado tem futebol, que deve ser o maior filão da TV em 3D.
‘Não dá para ignorar o crescimento da internet e achar que não ofenderá nosso mercado. Daqui a pouco a maior TV do Brasil vai faturar menos do que o maior portal de internet do país’, aposta Kalled Adib, superintendente de operações da RedeTV!. Na Inglaterra, a publicidade na internet superou a da TV em 2008. No Brasil, a TV aberta ainda concentra mais de 60% do mercado (contra menos de 5% da internet). Nossa TV convencional, como na maior parte do mundo, segue em situação confortável.
Segundo o Ibope, o brasileiro via 4 horas e 37 minutos de TV por dia em 2001 e passou a 5 horas e 18 minutos em 2009. E, por enquanto, é o seu conteúdo que mobiliza o público, no velho televisor ou outras mídias.
A QUALQUER HORA
Mas outros dados impressionam. O número de pessoas ligadas em DVD e videogame em 2009 superou a audiência da Band e RedeTV!. O mercado também já considera urgente o lançamento de uma medição de audiência de programas vistos em outras mídias, como celular, miniTV, iPod e internet ou gravados pelo telespectador. O horário nobre dos EUA vive fenômeno curioso. Com a alta concorrência das 21h, o espectador vê um programa no momento em que é transmitido e grava outro para assistir na sequência. Com isso, a programação das 22h passou a disputar com a das 21h.
A Folha apurou que o Ibope tem cem aparelhos (chamados DIB6) que serão instalados em televisores até o fim do ano para medir a audiência de programas gravados. O instituto fornecerá, além da audiência em tempo real, a ‘over night’, no dia seguinte, e a acumulada por uma semana ou mais. Em uma segunda fase, o DIB6 será instalado em computadores para medir o acesso de programas em portais.
O Ibope negocia com TVs e o mercado publicitário se a audiência dos programas somará TVs e computadores ou se os resultados serão divulgados separadamente. A grande equação é saber o quanto continuar investindo no modelo convencional, ainda responsável pelo sustento da indústria, e quanto focar em novos negócios.
Na MTV brasileira, todos os programas são pensados para o televisor e outras mídias. Alguns trazem na tela da TV comentários feitos pelo público na internet. Um novo portal será lançado com vídeos já exibidos na TV. Na estreia da novela ‘Passione’, na segunda, uma personagem surgiu vendo um evento esportivo pelo iPhone. A cena é simbólica do quanto mesmo a Globo, apesar de líder, sabe que não pode navegar contra a corrente.’
Gustavo Villas Boas
Episódio final na TV não encerra ‘Lost’
‘Chegou ao fim. Pelo menos na TV. Com ‘The End’, episódio que vai ao ar hoje à noite nos EUA, termina a saga dos passageiros do voo 815 da Oceanic que caiu em uma ilha em 22 de setembro de 2004, também a data de estreia da série. Foram 114 capítulos, ou 121 horas, seis temporadas, mais de uma centena de personagens (um cachorro) e alguma confusão.
Os ‘losties’ encontraram pessoas estranhas na ilha (Os Outros), descobriram uma organização secreta (a Iniciativa Dharma), saíram, voltaram, viajaram no tempo. Descobriram que fazem parte de uma briga ancestral entre irmãos: Jacob e o homem de preto, antes conhecido como monstro de fumaça.
Essa disputa moveu o último ano, que teve uma realidade paralela, em que os ‘losties’ não caíram na ilha, e deve coroar o médico Jack (Matthew Fox) como principal personagem. Tudo isso vai virar um box com a série completa e explicações extras, além de uma enciclopédia já em pré-venda na Amazon. Ambos devem sair em agosto.
PÚBLICO E REPERCUSSÃO
O público diminuiu na TV dos EUA. A audiência média, em 2004, foi de 15,7 milhões, ante 11 milhões em 2009 – a atual temporada vai melhor. Mas a repercussão sempre aumentou: ganhou um Emmy e um Globo de Ouro de melhor drama, virou revista, quadrinhos,videogame. Isso tudo coma benção de ABC e Disney.
Sem esse apoio, a série manteve-se entre as mais pirateadas, ganhou sites de fãs e uma enciclopédia na rede, não oficial, que contempla 17 idiomas.’
Blogueiros que falam sobre o programa sugerem atrações
‘LostBrasil, o site, foi ao ar uma semana antes de a série estrear nos Estados Unidos. E agora, como fim da saga que o originou, o que vai acontecer como site, que tem 190 mil cadastrados? ‘Vai continuar’, diz o editor de vídeos Daniel Melo, criador do fórum. ‘Acho que ‘Lost’ ainda vai gerar discussão. E a parte do site sobre outros assuntos e séries é movimentada.’ Ele, que diz assistir a mais de 50 séries, não tem ‘Lost’ no topo da preferência. E, sem pensar muito, indica outras ficções para os órfãos.
‘The Big Bang Theory’ é uma excelente comédia. ‘Spartacus’, é interessante, uma mistura de ‘Calígula’, ‘300’ e ‘Gladiador’,diz. ‘E tem ‘House’: seis temporadas, a sétima garantida, um ótimo personagem e raramente tem episódio ruim.’ O analista de finanças Davi Garcia, um dos membros do Dude, We are Lost, blog que já teve mais de 9 milhões de acessos e deu origem ao DudeNews, mais abrangente, também tem dicas. ‘Sempre me perguntam isso.
E eu recomendo ‘Fringe’, do J.J. Abrams [criador de ‘Lost’], que teve uma primeira temporada irregular, mas agora está boa na segunda’, diz Garcia. ‘Também gosto de ‘True Blood’, uma série de vampiros diferente, eles saem do armário, lidam com preconceitos’, sugere. ‘E’Dexter’, em que a gente acaba torcendo pelo assassino, é diferente.’ ‘Fringe’ também é a sugestão do professor de educação física e personal trainer Leandro Leite, o Leco, do Teorias Lost, que recebe em média 12 mil visitas por dia.
‘É parte ficção científica, mas também estão trabalhando bem com os personagens’, diz ele. ‘Estou pensando em fazer um blog sobre a série.’’
Thales de Menezes
Mais do que uma série, ‘Lost’ virou um jogo, quase devoção
‘Quando uma série de TV ultrapassa dois ou três anos no ar, os fãs trocam comentários do tipo ‘Esta temporada está fraca’, ‘Está na hora de acabar’ ou ‘Agora voltou a ficar legal’. É, por exemplo,o atual momento de ‘House’. Com ‘Lost’, isso mudou. O que se falou depois de cada episódio, durante seis anos, foi basicamente a mesma coisa: ‘E agora, como fica?’. Na série mais lúdica da história, cada pergunta cedeu lugar a mais duas. Enquanto uma ou outra pequena explicação se encaixava aqui ou ali, mais mistérios surgiam.
Essa calculada ausência de limites narrativos afastou fãs impacientes com as pontas desamarradas, mas uma legião de seguidores entrou no clima de vale-tudo.
Ainda na primeira temporada, os enigmas de ‘Lost’ já alimentavam teorias, algumas que soam estapafúrdias hoje, no ponto final da história: todos foram abduzidos ou estariam mortos, no purgatório, ou então Jack estaria em coma e tudo se passando apenas em sua mente… E a lista nunca parou de crescer. O número de personagens aumentou a cada temporada. Alguns para ficar até o fim, como o carismático Desmond.
Outros, apenas para passar um tempo e satisfazer públicos ‘regionais’, como o latino Rodrigo Santoro. Tudo parte do plano de dominação mundial do criador J.J. Abrams. ‘Lost’ nunca foi para ‘assistir’, é para ‘jogar’. Os roteiristas brincaram descaradamente com o público, contando histórias paralelas que às vezes deixaram fãs sem notícias de Jack e Sawyer por 15 longos dias. Os loucos por ‘Lost’ não reclamaram dessas pegadinhas. Vão reclamar amanhã, gostando ou não do desfecho. Acabar bem ou mal não importa. O chato mesmo é a brincadeira terminar.’
Clarice Cardoso
Séries americanas reciclam anos 1990
‘A exibição do último capítulo de ‘Lost’ na noite de hoje, nos EUA, traz às emissoras americanas um desafio. É chegada a hora de encontrar, e logo, uma fórmula que funcione por tanto tempo e dê lucros tão altos como a da série que se despede. As esperanças de que isso ocorra num futuro próximo minguaram com a notícia de que ‘FlashFoward’, uma das últimas iniciativas nesse sentido, foi cancelada. Nesse cenário, ABC, CBS, NBC, CW e Fox anunciaram ao menos 35 novos programas para a próxima temporada.
Comparado ao ritmo de lançamentos da TV brasileira, o número pode impressionar. Mas boa parte desses títulos está fadada a se extinguir antes mesmo de ‘Passione’ – a nova novela das oito da Globo – chegar à metade. Se servem de referência o que se viu nos trailers divulgados pelos canais na última semana, originalidade não parece ser uma preocupação. Médicos, advogados, policiais, solteirões e amigos estranhos são figurinhas que continuam se repetindo a cada piloto.
PERDIDOS NA SELVA
Uma série que claramente bebeu da fonte de ‘Lost’ é ‘The Event’. Até a sinopse oficial confunde. O presidente dos EUA sofre um atentado. Uma garota some misteriosamente. O namorado dela descobre segredos do governo. Nada disso, no entanto, é o tal ‘evento’. Mas tudo se liga. ‘No Ordinary Family’ é outra que tenta ocupar o espaço que fica vago hoje. Nela, a família Powell vai passar férias na Amazônia, mas, depois de um acidente de avião, ganha superpoderes e vira praticamente ‘Os Incríveis’.
A mesma floresta é cenário da nova aposta de Shonda Rhimes, a criadora de ‘Grey’s Anatomy’. Os médicos também são os protagonistas de ‘Off the Map’. Mas, em vez de sacar os bisturis em salas de operação, atuam no meio do mato mesmo. Já a série ‘Terra Nova’, produzida por Steven Spielberg, é uma salada entre os filmes ‘Parque dos Dinossauros’, dirigido por ele, e ‘Avatar’, de James Cameron. No futuro, quando o planeta está praticamente sem recursos, cientistas acham um jeito de viajar no tempo para sobreviver. E vão parar na Pré-História.
AMIGOS PARA SEMPRE
Mesmo programas que já acabaram há alguns anos seguem como forte influência para roteiristas. É o caso das bem-sucedidas ‘Friends’ e ‘Sex and the City’. Versões mais apimentadas da primeira surgem em ao menos quatro lançamentos: ‘Happy Endings’, ‘Perfect Couples’, ‘Better Together’ e ‘Friends with Benefits’. Já a segunda serve de referência para ‘Love Bites’.
A protagonista, vivida por Becki Newton, de ‘Ugly Betty’, bem que gostaria de levar a vida glamourosa de Carrie. Mas ainda precisa perder a virgindade. Chegar ao fim de uma temporada será uma tarefa hercúlea para todos esses pilotos. Mas nenhum deles sofrerá a mesma pressão que ‘Undercovers’, de J.J. Abrams, o mesmo criador de ‘Lost’.
Depois do sucesso da empreitada anterior e do papel que ela terá na história da TV, fica difícil de acreditar que ele vá conseguir resultado parecido com a historinha de amor e ação de um casal de agentes secretos.’
Andréa Michael
Bete, Olavo e Clô viverão triângulo em ‘Passione’
‘Fórmula antiga e usada em pelo menos 12 novelas nas três últimas décadas, o triângulo amoroso voltará em ‘Passione’, que estreou na Globo na última segunda, com Fernanda Montenegro (Bete), Francisco Cuoco (Olavo) e Irene Ravache (Clô). Olavo será o pai de Totó, personagem de Tony Ramos, o filho perdido de Bete na trama.
Viúva, ela reviverá o amor do passado, na história de Silvio de Abreu. Mas não só na dele. Em ‘Ribeirão do Tempo’ (Record), de Marcílio Moraes, que começou na terça, o pivô do triângulo é Tito (Ângelo Paes Leme), um instrutor de esportes radicais.
Para Mauro Alencar, doutor em teledramaturgia brasileira e latino-americana pela USP, a repetição da temática ocorre porque o telespectador não busca novidades. Ele quer assistir à própria vida recontada em ficção. ‘Como Sherazade nas ‘Mil e Uma Noites’, não se trata de repetir velhas fórmulas, mas contar sempre ‘a velha nova história’, com inserções de modernidade’, diz Alencar.
DOR TAMBÉM É HUMOR
Com o lema ‘a dor passa, mas os vídeos são eternos’, o grupo La Fênix diz que faz humor. Seu vídeo campeão de acessos na internet (mais de 150 mil visitas) foi repetido ao vivo no ‘Programa do Gugu’ (Record) de domingo passado: depilação de couro cabeludo com cera, a frio. E gostam disso? ‘Sim. Mal ou bem, as pessoas gostam de ver os outros se ferrando. Isso é humor’, diz Gonçalves.
DE VOLTA À TV ‘BÊBADA’
Depois de quatro anos longe da TV, Luiza Mariani estreou em maio como apresentadora do ‘Estilo Brasil’, exibido pelo canal Fashion TV, ao lado de Marcelo D2. Foram três meses de gravações na fase de produção, tempo em que ela entrevistou 50 pessoas. Em agosto, será a bêbada Lucinha na série global ‘A Cura’. Ao falar demais, vai contar o que não deveria e comprometer a vida dos personagens. ‘TV é dificílimo, tudo é muito rápido. Temos que aprender fazendo. No teatro que realizava, havia tempo de viver Uma crise, maturar.’
Toureiro
No remake de ‘Ti-ti-ti’ (Globo), o estilista Victor Valentim (Murilo Benício) também lançará um batom como sua arma secreta para beijar as mulheres. Mas não vai se chamar Boka Loka, como na obra original, de 1985. Na nova versão, de Maria Adelaide Amaral, o cosmético terá o nome da própria novela.
Estrada
O ‘Busão do Brasil’, reality da Band, fechou sua primeira semana de inscrições com 6.979 candidatos ao prêmio de R$ 1 milhão. Leva a bolada aquele que, entre 12 participantes, resistir a três meses dentro de um ônibus. Além das câmeras, haverá quartos, banheiros e cozinha.’
Vanessa Barbara
Estatísticas finais de ‘24 Horas’
‘FORAM OITO temporadas de ameaças terroristas à supremacia ianque. Quase 200 horas – em tempo real – de derramamento de sangue, abuso de autoridade e falta de respeito ao patrimônio público. Chega ao fim, amanhã, nos Estados Unidos, a série ‘24 Horas’ e, com ela, a saga patriótica do agente Jack Bauer, uma espécie de MacGyver moderno que, para defender a nação, realizou proezas como sequestrar o presidente norte-americano e abrir a jugular de um desafeto com os dentes.
Às fãs que, a essa altura, ainda cobiçam fervorosamente o protagonista e dariam tudo para participar de um jantar à luz de velas com o moço, saibam que é uma péssima ideia. Segundo nossas estatísticas, são 50% as chances de se ter uma morte trágica; 25% de ser torturada pela máfia chinesa ou assassinos árabes; 37,5% de descobrir que alguém de sua família é terrorista; 12,5% de ser usada como isca; 37,5% de ter seu filho sequestrado e 62,5% de ver um ente querido ser torturado por sua cara-metade.
Seu pai também pode sofrer sérias ameaças (duas em cada oito vezes) e seu ex-marido, pior ainda (três fatalidades em oito). A conta fecha em mais de 100% porque tragédias simultâneas podem ocorrer com as mesmas mulheres – a média de desgraças é de 2,87 por pretendente. Há também duas chances em oito de que você enlouquecerá ou ficará catatônica.
Tampouco compensa ser presidente dos EUA: há uma probabilidade de 44,4% de ser morto ou ficar em coma devido a uma ação terrorista; 22,2% de ter o próprio filho assassinado; 11% de ser apunhalado pela mulher; 22,2% de sofrer uma ação bilionária de divórcio e só duas chances em nove de deixar o cargo sem nenhum escândalo envolvendo parentes, tráfico de material atômico ou conspiração governamental.
Isso quando não se é, por si mesmo, um traidor da nação (dois em nove presidentes demonstraram pendor para a atividade). Até agora, faltando um episódio para terminar a série, que ao todo possui mais de uma semana corrida de duração, Jack matou 261 pobres diabos, numa média de 32,6 por dia e 1,72 por hora. Salvou o mundo.
Invadiu consulados, cometeu contravenções federais, torturou à larga, estripou um homicida e sacrificou inocentes em nome da pátria. Impossível calcular quantas ONGs em defesa dos direitos humanos foram criadas por conta da série. Por diferentes motivos, a maioria fatais, ao menos 15 pessoas próximas a Jack Bauer se arrependeram de tê-lo como amigo.
Destes, quatro sofreram ação direta do agente (três tiros e um decepamento). Os inimigos não se saíram melhor, já que a taxa é de quase 100% em vilões mortos pelas mãos do justiceiro. Ou seja: não é uma boa ideia ser colega, namorada e nem parente de Jack Bauer (dos familiares, metade bateram as botas), mas também não compensa virar inimigo. Na dúvida, ao avistá-lo chegando com as compras, mude de calçada.’
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