REDE SOCIAL
O nascimento de uma nação
Mark Zuckerberg foi eleito o homem do ano da revista ‘Time’, o Facebook chegou aos 550 milhões de usuários e o filme ‘A Rede Social’, em cartaz no Brasil, é o favorito ao Globo de Ouro -mais do que nunca a prévia do Oscar.
Mais do que um avassalador ‘barba, cabelo e bigode’, essas conquistas se complementam para alicerçar o plano de dominação global que Zuckerberg disparou há muitas madrugadas num dos dormitórios de Harvard.
O Facebook se tornou a maior rede de relacionamentos pela reunião de ótimas sacadas para fisgar usuários. ‘A Rede Social’, apesar de traçar um retrato desprezível de Zuckerberg, detalha como elencou as ideias que construíram um endereço tão funcional, amigável e sedutor na internet (leia ao lado).
Apesar de uma ou outra declaração contra sua representação na tela, Zuckerberg deve agradecer bastante ao diretor David Fincher.
O filme mostra a genialidade do criador e a força da criatura, tão impactante na vida das pessoas que o caráter no mínimo duvidoso do personagem acaba ficando em segundo plano.
Em uma cena, ele compara sua criação à moda. ‘As roupas mudam, desaparecem, mas a moda nunca vai acabar.’ Em outro momento, Sean Parker, que destruiu a indústria do disco com o Napster, se une a Zuckerberg e dá um conselho ao sócio: nunca vender o Facebook. ‘Você não sabe que tamanho isso vai ter, como saber então o quanto pode valer?’
A ‘nação Facebook’ já é a terceira maior do mundo. Por enquanto. China e Índia dependem da disposição de seus casais para povoar territórios; o site precisa de poucos cliques no mouse para engrossar suas fileiras.
A condição de bilionário aos 26 anos de Zuckerberg perde importância. Mais do que os US$ 7 bilhões no banco, sua figura é associada à força política de uma ideia que foi comprada por meio bilhão de pessoas.
A capacidade de mobilização do Facebook ainda não foi testada. Seus usuários navegam em 75 idiomas, 24 bilhões de minutos por dia.
Difícil prever o resultado de uma convocação direta de Zuckerberg a seus seguidores espalhados pelo mundo. Isso sim é ter poder.
Ronaldo Lemos
Facebook molda o mundo à nossa própria semelhança
Em 1976 o filme ‘Rede de Intrigas’ fez o balanço da mídia mais importante daquele momento: a televisão.
Nele, um apresentador decadente anuncia que vai se suicidar e começa a falar a ‘verdade’ em seu programa ao vivo. Em vez de ser tirado do ar, torna-se um fenômeno de audiência, justamente por dizer aquilo que ninguém mais diz.
Corte para 2010. O filme ‘A Rede Social’ faz um balanço da mídia que mais cresceu na década: a internet. O Facebook, com seus 500 milhões de usuários, atinge um público jamais sonhado por qualquer rede de TV.
Mas, afinal, qual é a ‘programação’ que garante tanto sucesso?
Quem passa o dia no site acessa o conteúdo mais atraente e valioso dos tempos atuais: a si mesmo.
Ao privilegiar conexões com ‘amigos de verdade’, cria um microcosmo que nos devolve nossa própria projeção social.
Ficamos sabendo de quais notícias nossos amigos gostaram, os temas que lhes causaram indignação, lugares frequentados, vídeos e músicas acessadas.
Nada muito diferente do que nós mesmos faríamos. É como na cena do filme ‘Quero Ser John Malkovich’ (1999) em que o protagonista adentra sua própria cabeça.
O site mostra na prática como os chamados seis graus de separação são uma furada. Se eu conheço Ana, que conhece Bela, existe uma chance maior de eu me tornar amigo de Bela do que de qualquer outra pessoa.
O Facebook foi construído em torno disso: quer que você conheça os amigos dos seus amigos. Experimente adicionar um punhado de pessoas aleatoriamente. Logo ele bloqueia a prática.
DIVERSIDADE
É diferente do Orkut. Nos últimos anos, o site passou a incluir boa parte da diversidade do país, incluindo pessoas que não têm computador e acessam a internet por lan houses.
Isso logo gerou um termo pejorativo: a orkutização. Significa ter de conviver com o outro, o ‘diferente’. Muitos incomodados migraram para o Facebook.
Tem gente falando agora na orkutização do Twitter, que também estaria se tornando diverso demais.
O problema de conviver apenas com gente como a gente é que isso nos torna ainda mais iguais e mais radicais nas nossas posições. Quem gosta de indie rock vai gostar ainda mais. Quem acha Sarah Palin legal vai achar ainda mais (e prestar cada vez menos atenção em quem não acha).
Diferente do filme ‘Rede de Intrigas’, em que uma ‘verdade’ dissonante mobilizava as pessoas, o Facebook prepara o terreno para um mundo conservador, em que somos mobilizados principalmente por nós mesmos.
Márion Strecker
Geração atual vive em múltiplas tarefas com tudo ao mesmo tempo agora
Os nativos digitais não pensam em tecnologia. Para os que nasceram com o mouse na mão, tecnologia é algo normal, faz parte da vida, não é nem assunto.
Tecnicamente falando, dizem que os nativos digitais são aqueles que nasceram depois de 1992. Uma população global de mais de 1,6 bilhão de pessoas. Outro dia, quando eu estava bem longe do Brasil, mandei um e-mail ao meu marido dizendo que achava nossa filha uma típica integrante da tal Geração Z, nada com que devêssemos nos preocupar excessivamente.
Seu e-mail de resposta veio com a seguinte afirmação em forma de ‘assunto’: Márion é da Geração Z.
Ooops. O que é a Geração Z, afinal?
Tacham-nos de DDA, ou seja, portadores de um Distúrbio de Déficit de Atenção.
Também nos chamam de hiperativos, porque parecemos agitados ou ansiosos e fazemos um monte de coisas ao mesmo tempo.
Regras de etiqueta à parte, nós ficamos completamente à vontade ligados a três ou mais telas simultaneamente.
Se estou no computador trabalhando em alguma coisa específica, posso estar ao mesmo tempo com várias outras janelas do navegador abertas, pulando de uma para a outra frequentemente.
Ouço iPod e uso Outlook, um software que me pipoca um resumo de cada e-mail recebido em tempo real. Uma loucura, em termos de manter a concentração.
Minha filha, quando chego em casa, normalmente está assistindo a algum seriado de televisão, ao mesmo tempo em que troca SMSs com amigas, de computador no colo, com Skype, MSN, fazendo trabalho de escola e atualizando perfis no Orkut, Facebook ou Twitter. Ela só tem 12 anos.
CONCENTRAÇÃO
Não, não posso reclamar. Ela não ficou em recuperação em nenhuma matéria e sua menor nota foi um sete.
Será que ela tem algum déficit de atenção importante?
Não parece! Será que eu mesma tenho algum déficit de atenção? Bem, às vezes.
Concentrar-se é um processo complexo, que começa pelo interesse na atividade que estamos fazendo. Também passa pelos caminhos percorridos no cérebro, que não são fixos. Mas não sou psiquiatra e não vou me aprofundar nesse aspecto.
O que quero dizer é que a capacidade de exercer múltiplas tarefas simultaneamente ou mesmo alternadamente, só que numa sequência frenética, é uma realidade nos mais jovens e em muitos adultos também.
A vida em redes sociais estimula esse comportamento.
Em vez de estarmos numa só festa, interagindo com pessoas, estamos em várias festas simultaneamente, observando, sendo observados e interagindo com uma quantidade muito maior de gente.
Gera ansiedade? Claro! Mas são esses os tempos em que estamos vivendo.
MÁRION STRECKER , 50, é jornalista, foi crítica de arte, redatora e editora da Ilustrada nos anos 80 e é cofundadora e diretora de conteúdo do UOL desde 1996.
WIKILEAKS
Cerco a Assange deixa jornalismo vulnerável, afirma especialista
O escritor e advogado constitucionalista norte-americano Glenn Greenwald afirma que, caso os EUA consigam processar o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, jornalistas ficarão mais vulneráveis a ações judiciais.
Colunista da revista digital Salon.com, Greenwald tem sido uma das vozes de defesa do WikiLeaks na imprensa americana.
Para ele, não há base legal para processar o site porque é uma organização dissociada de qualquer Estado e só existe na internet.
Jornais norte-americanos já citaram como possíveis bases legais para um processo contra Assange a lei de espionagem, de 1917, e a lei de fraude e abuso de computadores, de 1986.
O escritor concedeu entrevista à Folha após palestra no Iesp-UERJ (Instituto de Estudos Sociais e Políticos).
Greenwald vive no Rio de Janeiro há quase seis anos. A seguir, trechos da entrevista.
Folha – O que os documentos vazados pelo WikiLeaks revelam sobre a diplomacia americana?
Glenn Greenwald – Não existe uma diplomacia americana à parte dos demais objetivos do governo. Os diplomatas são usados para espionar outros países e para levantar dados de inteligência da mesma forma que a CIA seria usada.
O papel da diplomacia é evitar guerras, mas muitos documentos mostram tudo menos isso. Há diplomatas tentando convencer outros países a deixar que os EUA participem de ações militares em seus territórios.
Na semana passada, a Força Aérea dos EUA bloqueou o acesso às páginas de veículos que publicam vazamentos. A polêmica em torno do WikiLeaks pode trazer de volta a discussão sobre censura na internet?
Isso vai justificar na cabeça de muita gente que seja criado algum tipo de repressão ou censura na internet, o que é um retrocesso. As pesquisas com o público americano mostram que a maioria acredita que o WikiLeaks causou mais danos do que benefícios e que Assange deve ser encarcerado.
Os governos sempre querem controlar a internet. A razão pela qual não podem fazer isso é a oposição pública. O compromisso do WikiLeaks com a transparência pode aumentar o apoio público ao controle da internet.
Como o sr. compara os governos de Barack Obama e George W. Bush em relação à liberdade de imprensa?
Quando Obama concorreu à Presidência, criticava Bush por sua guerra contra a transparência. A realidade é que não só ele continuou a maioria destas políticas como, em alguns casos, elas até pioraram.
O governo Bush ameaçou mover ações contra jornalistas que publicaram informações secretas e processar pessoas do governo responsáveis pelos vazamentos, mas quase nunca fez isso. O governo Obama já trouxe cinco diferentes ações contra pessoas do governo que vazaram informações.
O sr. citou um artigo do professor Jay Rosen, da New York University, que afirma que parte da repercussão do WikiLeaks é resultado da morte do jornalismo americano…
Depois do 11 de Setembro, a grande imprensa se tornou completamente identificada com o governo.
Eles cobriram a Guerra do Iraque embarcados com o Exército e começaram a ver o mundo pela perspectiva do governo.
A maior desgraça é que nosso governo levou o país a uma das mais terríveis guerras dos últimos cem anos baseado integralmente em mentiras, e a classe jornalística não se deu ao trabalho de submeter as informações a qualquer escrutínio.
Quais as consequências de um eventual processo dos EUA contra Assange?
Isso vai tornar os processos contra jornalistas muito mais prováveis. Se você criar uma teoria legal que permita um processo contra o WikiLeaks, isso dará poder ao governo de processar jornalistas por revelar seus segredos.
Revelar segredos de governo representa o corpo e também a alma do jornalismo investigativo.
Por que o sr. afirma que o WikiLeaks não está sujeito às leis americanas?
O WikiLeaks não é brasileiro ou americano. É uma organização sem Estado, não pertence a nenhum país e não existe fisicamente em lugar algum, apenas na internet. Não há mecanismo para definir qual lei se aplica a ele. Não se pode levá-lo à Justiça e obrigá-lo a revelar suas fontes. A maioria das pessoas não consegue pensar dissociada do Estado.
Parte do caráter único do WikiLeaks vem do fato de Assange ter sido criado de forma transnacional.
Ele se mudou centenas de vezes e foi criado de forma a não confiar ou seguir nenhuma autoridade.
Por que a ‘Time’ elegeu Mark Zuckerberg personalidade do ano quando os leitores escolheram Assange?
Muitas pessoas usam o Facebook e Mark Zuckerberg ganha muito dinheiro com isso, mas se ele não existisse, nada iria mudar. A ‘Time’ já elegeu Adolf Hitler e Joseph Stalin como personalidades.
Quando as pessoas perguntam zangadas: ‘Mas como vocês fizeram isso’? Eles sempre dizem que não é a opção de que gostamos, mas a que teve maior impacto.
Em 2001 a pessoa de maior impacto foi Osama bin Laden, mas eles tiveram muito medo e escolheram Rudolph Giuliani [ex-prefeito de Nova York]. Agora, é claro que Assange tem mais impacto do que Zuckerberg.
Joaquim Falcão
EUA não têm bandeira em guerra contra o WikiLeaks
Existem basicamente duas estratégias numa guerra: a ofensiva e de conquista, e a defensiva e de preservação.
Aquela se move o tempo todo e avança. Esta se imobiliza e se protege.
O que chama atenção nesta guerra cibernética é justamente a estratégia de conquista do WikiLeaks, de conquista não territorial, mas virtual, e a aparentemente imobilidade e defesa do governo americano.
Por que isto?
Como em qualquer guerra de conquista, antes de tudo é preciso ter objetivo político, uma bandeira que conduza exércitos e que comova as populações.
O WikiLeaks levantou a bandeira da liberdade de expressão, da liberdade de informação. Radicalizou o princípio democrático da transparência dos governos e dos Estados. Esta bandeira é transnacional e atemporal, comove multidões, multiplica adeptos.
WikiLeaks capturou a bandeira com a qual os EUA têm justificado a sua primazia mundial: fazer avançar os direitos humanos, a democracia e a liberdade. Bandeira que lhes serve para enfrentar a China e com ela manter amistosas e produtivas relações comerciais. Como defender a não publicação dos documentos?
Proibi-la. Impedi-la. Sob que argumento racional e apelo emocional arregimentarão exércitos virtuais, instituições políticas e a opinião pública mundial a seu favor?
Este é o grande desafio para os EUA atualmente. A defesa do Estado, o controle da internet, a segurança nacional não têm sido bandeiras suficientes para neutralizar a ofensiva do WikiLeaks de conquistar o território virtual e os corações e as mentes mundiais.
As bandeiras no campo de batalha aumentam devoção e eficiência dos exércitos. A estratégia de defesa americana tem sido de tentar atacar o líder individualmente ou estrangular a cadeia de suprimentos do WikiLeaks. Seja econômica, tecnológica, política ou juridicamente.
LIBERDADE DE IMPRENSA
O ‘New York Times’ anunciou que o WikiLeaks não é fonte, mas parceiro. A partir daí dificilmente uma ação judicial contra o WikiLeaks deixará de respingar na liberdade de imprensa.
Cada documento publicado surpreende, determina o timing e o local da batalha.
Age como um homem-bomba, obrigando os envolvidos a se explicarem mutuamente e apaziguarem a opinião pública mundial.
Mas a guerra não acabou.
E ela é feita de batalhas sucessivas. Além de cortar a cadeia de suprimentos e tentar expulsar o WikiLeaks do território virtual, falta a bandeira em nome da qual a guerra seria vencida.
É a segurança do Estado contra a liberdade de expressão? A guerra continua.
JOAQUIM FALCÃO é professor de Direito da FGV-Rio
CONCESSÃO
Governo viabiliza canal de TV a sindicato de metalúrgicos do ABC
Na reta final do governo, o Ministério das Comunicações e a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) viabilizaram o canal de TV para o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC que havia sido prometido por Lula.
O processo para concessão estava emperrado na Câmara porque o canal designado pelo presidente à Fundação Sociedade, Comunicação e Trabalho, ligada ao sindicato -o 45, de São Caetano do Sul- já era ocupado por outra fundação, dirigida pelo empresário Marcos Tolentino, de São Paulo.
O empresário conseguiu emperrar a tramitação do processo na Comissão de Ciência, Tecnologia e Comunicação da Câmara por 18 meses, até o governo lhe destinar outro canal.
A solução veio no dia 29 de novembro, com uma portaria do Ministério das Comunicações designando o canal 57, na cidade de São Paulo, à fundação de Tolentino.
No dia seguinte à publicação da portaria, a tramitação da TV dos metalúrgicos na Câmara foi reiniciada.
O ministro das Comunicações, José Artur Fillardis, disse que houve remanejamento de frequências na capital paulista, por conta da TV digital, que abriu espaço para canais. ‘Aproveitamos para reparar o empresário.’
O canal 45 retransmitia a Rede Brasil (PR) quando foi prometido ao sindicato.
Atração da Rede Brasil, o deputado federal e ex-candidato a governador de SP Celso Russomanno ficou com a relatoria do processo. Ele segurou o parecer até a criação do canal. No outro dia, mostrou relatório favorável à concessão aos metalúrgicos.
Segundo Tolentino, que trocou de retransmissora de São Caetano para a av. Paulista, esse foi o acordo costurado com as Comunicações.
PROPAGANDA
Ateu é a mãe
Morreu pagã, sem receber o batismo das ruas, a campanha publicitária contra o preconceito que a Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea) previa para este mês.
Com frases como ‘se Deus existe, tudo é permitido’; ‘a fé não dá respostas, só impede perguntas’ e ‘somos todos ateus com os deuses dos outros’, foi recusada em São Paulo, Salvador e Porto Alegre, as três cidades do país em que estava programada.
Aqui, como na Austrália, foi vetada pelas empresas de ônibus, que estampariam os outdoors ambulantes. Nenhuma quis meter a mão num vespeiro que envolve fé e religião.
Menos mal que a censura não tenha vindo do governo, como na Itália. Pena ter perdido a oportunidade de despertar a polêmica vivida na Inglaterra e Espanha. Sem entrar no mérito do conteúdo, a campanha poderia jogar os holofotes no postulado que prega a superioridade moral daqueles que creem em algum deus.
Estimados em 2% ou 3% da população, os ateus foram, ao longo dos tempos, uma minoria silenciosa e quase invisível. Invisibilidade conveniente, tendo em conta a inquisição sociorreligiosa que fez -e faz- da condição um insulto.
Mas a minoria descrente cansou de apanhar em silêncio.
Há dois meses, quando Frei Betto escreveu na Folha que os torturadores da ditadura eram ateus militantes, choveram protestos à ombudsman, no ‘Painel do Leitor’, em blogs. Curioso é que os sem deus entraram no artigo como Pilatos no Credo, uma menção lateral num texto cujo intuito era atestar a religiosidade da candidata Dilma Rousseff.
O frade dominicano tentou explicar depois, em entrevistas, seu conceito de ‘ateu militante’, mas a emenda não colou -retórica à parte, por crença ou obrigação religiosa, seu discurso só ajuda a reforçar a ladainha de que o mal é monopólio de quem não crê.
Ironicamente, é o mesmo ponto de vista do apresentador José Luís Datena, que em seu programa de TV tascou na conta do ateísmo a existência de crimes hediondos, bandidos, estupradores e assassinos. E elaborou: ‘Ateus são pessoas sem limites, por isso matam, cometem essas atrocidades. Pois elas acham que são seu próprio Deus’.
Que duas figuras tão ideologicamente distintas comunguem o mesmo preconceito simplório revela o quanto ele está arraigado. E convém ressaltar que elas são só duas vozes do coro, mas o mantra é de uso geral e consagrado.
A campanha publicitária dos ateus e agnósticos era a chance de desafinar, levando às ruas mensagens que a maioria religiosa provavelmente encararia com desconforto ou até como ofensa pessoal. Seria no mínimo divertido assistir. Com muita sorte, poderia até ser educativo.
VERA GUIMARÃES MARTINS é secretária-assistente de Redação.
TV POR ASSINATURA
Uma surra no consumidor
Está no Senado o projeto de lei nº 116, que, na Câmara, se chamava PL-29. Você já deve ter ouvido falar dele: o projeto de lei permite que as empresas de telecomunicações atuem no mercado de TV por assinatura, o que é bom. Aumentam os investimentos no setor, aumentam as ofertas, aumentam os assinantes; até aí, tudo bem.
O problema é que, desde 2007 -quando foi relatado pelo deputado Paulo Bornhausen-, sofreu modificações. A principal delas está no seu quinto capítulo, que determina cotas para a produção nacional.
A esta altura, você deve estar pensando: claro, o autor deste texto trabalha em TV por assinatura e obviamente vai defender seu negócio contra a produção nacional. Não é verdade! Quero colocar aqui claramente do que se trata, para que o leitor forme seu próprio juízo.
Os canais deverão ter 3,5 horas por semana de programação nacional independente durante o horário nobre (que ainda não está definido na lei). A consequência disso é que você vai deixar de ver algum filme ou série, que terá de ser substituído por um produto nacional.
Talvez ‘Os Simpsons’ se tornem ‘Os Silvas’, ‘Two and a Half Men’ seja ‘Apenas Dois Caras’ (a outra ‘metade’ foi cortada, porque saía muito caro). Não é isso que eu quero ver na minha TV, isso não foi combinado com o consumidor.
Os programadores não são contra a produção nacional, que fique bem claro. Já foram investidos milhões em várias produções nacionais, há muitos anos.
Podemos citar histórias de sucesso em quase todos os canais. Mas foram desenvolvidos de acordo com as necessidades de cada canal, e não impostos por cotas.
O mercado é o melhor regulador para as demandas de produção nacional: não é necessária a interferência governamental, uma vez que a produção está crescendo.
O modelo dos canais internacionais de TV paga não nasceu para contemplar produções, uma vez que tem seu custo muito baixo, se comparado com os canais de TV paga nacionais -que são muito mais caros, justamente por terem muito mais produção local. Se formos forçados a inserir esse volume de produção, também seremos forçados a aumentar nossos preços.
Os operadores, por sua vez, serão forçados a repassá-los ao consumidor, que levará a segunda pancada.
Infelizmente, não é só isso. As operadoras de TV serão obrigadas a ter um canal nacional para cada três internacionais.
Sabe aquele canal em que você gosta de assistir às corridas de carro de madrugada? O canal que tem aquele cara que viaja o mundo? O que tem aquelas receitas do chef de cozinha superengraçado? E aquele que tem o reality show da reforma das casas que nos faz chorar?
Alguns desses canais vão ser trocados por um canal qualquer. Claro, agora os produtores independentes terão a chance de colocar no ar aqueles documentários que fizeram na época da faculdade, quando foram para a Amazônia tomar um chá do Santo Daime.
Essa á a terceira pancada no consumidor -alguém perguntou se queremos isso? De novo: os programadores que perderem seu espaço nos pacotes serão forçados a reajustar preços -e os operadores, forçados a repassá-los mais uma vez. Quarta pancada. Coitado do consumidor. Vai tomar uma baita surra.
GUSTAVO LEME, 48, vice-presidente sênior e diretor-geral da Fox Latin American Channels no Brasil, é diretor da Associação Brasileira dos Programadores de TV por Assinatura.
MÚSICA
O som da rede
Os serviços de música digital no Brasil passam por uma onda de lançamentos. Os portais estão ampliando serviços numa tentativa de acelerar o crescimento de receitas e jogar uma ofensiva mais feroz contra as transações ilegais de música na rede.
A música digital no país movimentou R$ 42 milhões no ano passado. O número representa cerca de 12% do faturamento da indústria fonográfica no país.
A timidez da cifra guarda o maior potencial do negócio. Enquanto, as vendas de CDs , DVDs e Blu-Rays (R$ 316 milhões) avançaram pouco mais de 1%, o salto em arquivos digitais na internet foi de 159% na comparação com o ano anterior.
‘O potencial desse mercado é gigantesco. A gente está conseguindo pegar uma parte muito pequena do que a gente acredita ser o potencial da música na internet’, afirma o diretor da ABPD (Associação Brasileira de Produtoras de Disco), Eduardo Rajo.
As mudanças da indústria são uma tentativa de transformar potencial em receitas.
O UOL, controlado pelo Grupo Folha, apostou no streaming -que permite ouvir a música em tempo real. Lançou o serviço no início deste ano para complementar o cardápio de downloads individuais já disponíveis.
Na Rádio UOL, os usuários podem escolher as faixas e administrar listas com músicas da preferência sem pagar. A remuneração dos direitos intelectuais se dá graças aos anúncios publicados na página.
MUDANÇAS
O portal estuda mudanças para o primeiro semestre do próximo ano. A ideia é inserir os spots entre as faixas gratuitas e lançar assinaturas com download e streaming.
O Sonora, do Terra, reformulou os pacotes para incluir em suas opções o download sem restrição. O formato permite aos usuários permanecer com o arquivo da canção e usá-lo para compor um CD, por exemplo. Essa função não é possível com o dispositivo de limitação de direitos autorais, que continua sendo oferecido.
Com pacotes combinados de diferentes formatos, a meta dos executivos é ambiciosa: alcançar 1 milhão de assinantes.
O serviço tem hoje cerca de 350 mil assinantes pagos. O número, segundo eles, só foi possível de ser alcançado com o lançamento do streaming gratuito em 2009, que deu exposição aos planos.
Para desfrutar das 20 horas mensais sem custo, os usuários aceitam a publicidade entre as faixas. As inserções garantem a gratuidade do serviço e a remuneração dos direitos intelectuais.
‘Antes do lançamento do gratuito, tínhamos uma base de 120 mil pagantes. O Sonora se tornou muito mais conhecido e abrangente’, aponta o diretor-responsável do Sonora, Tiago Ramazzini.
CONCORRÊNCIA
Os dois sites ganharão um concorrente em 2011. O Escute, da Som Livre, está previsto para entrar no ar em janeiro e também vai trazer modelo de assinatura combinada. A primeira versão não inclui o streaming gratuito, mas a empresa admite que irá oferecer o serviço mais adiante.
‘Vemos com bastante otimismo a entrada de cada vez mais novos modelos de negócios, para que a gente possa fazer um mercado economicamente viável na internet’, afirma Rajo.
TELEVISÃO
Globo recruta ‘O Clone’ e encurta ‘Sete Pecados’
Novela boa, vale a pena ver de novo. Que o diga ‘Vale Tudo’, que levou o canal pago Viva ao top ten em audiência da TV por assinatura em apenas dois meses.
Agora, quando a reprise não emplaca, a audiência despenca ladeira abaixo. É fato: insistir em assistir a novela nova, mesmo que não goste dela, até vai. Agora, ver de novo um folhetim que não caiu bem? Impossível.
A Globo está com exatamente esse problema em sua reprise da vez: ‘Sete Pecados’ (2008). No ar desde setembro, a trama levou o ‘Vale a Pena Ver de Novo’ aos índices mais baixos de audiência dos últimos anos. Vem alcançando, com esforço, 12 pontos de média (cada ponto equivale a 60 mil domicílios na Grande São Paulo).
Sua antecessora na vaga, ‘Sinhá Moça’, alcançou 15,2 pontos de audiência. A reprise de ‘Alma Gêmea’, em 2009, marcou 20 pontos e a de ‘Senhora do Destino’ (2009), 21,3 pontos.
Tentando conter a queda, a Globo não só encurtou a reprise de ‘Sete Pecados’ -que ficará apenas quatro meses no ar- como correu atrás de um carro-chefe da faixa das 20 horas para tentar recuperar audiência.
Estreia no dia 10 de janeiro a reprise de ‘O Clone’, sucesso de Gloria Perez aqui e no exterior, que ganhará versão mais light -com cenas de sexo, violência e drogas editadas- para a faixa da tarde.
42 pontos
Foi o recorde de ‘Passione’
Trama obteve na última quarta-feira a mesma audiência do capítulo da morte de Saulo
16 pontos
Foi o ibope de ‘As Cariocas’
Episódio da terça obteve audiência inferior à média da atração, que é de 19 pontos
O VERDADEIRO JOGO DAS LOIRAS
A apresentadora Adriane Galisteu diz que segue negociando sua volta ao ar na Band
Ela sempre disse que queria ser a Hebe na TV. É óbvio que, com a saída da loira mor do SBT, Adriane Galisteu fosse apontada como a substituta da apresentadora, que se despediu da emissora de Silvio Santos após 25 anos por lá.
Folha – O que achou dos boatos sobre você ser a substituta da Hebe no SBT? Adriane Galisteu – Vou ser honesta, não estou sabendo de absolutamente nada. Tenho amigos no SBT, trabalhei lá. Agora trabalho na Band e minha relação é muito boa nas duas casas. Mas, de verdade, meu telefone não tocou. Ainda.
Você voltaria para o SBT?
Não posso falar nada desse assunto, sou absolutamente proibida.
Como está a negociação com a Band?
O contrato já está rolando, a renovação é automática, não tenho que assinar nada. Continuo trabalhando. Só estamos negociando o formato do programa.
Além do teatro [em janeiro Galisteu estreia na peça ‘Mulheres Alteradas’, em São Paulo], quais seus outros planos para 2011?
Televisão. Sempre. Vou estar no ar e no teatro.
Vitor Moreno
A hora de Paola Oliveira
Marina embarca do Rio rumo a Florianópolis. Ela vai para o casamento de uma amiga, mas o avião acaba sequestrado. Um dos passageiros, piloto profissional, salva o dia e, de quebra, rouba o coração da mocinha.
Ao ser apresentada ao noivo da amiga, Marina descobre que seu herói é quem vai subir ao altar.
Assim deslancha a trama rocambolesca de ‘Insensato Coração’, novela das oito que a Globo estreia no dia 17 de janeiro. A história marca a estreia de Paola Oliveira, 28, como protagonista da principal faixa de novelas.
‘Eu prefiro não pensar nisso. Se não, fico numa expectativa que me tira do foco’, conta a atriz, que define sua personagem como uma ‘mocinha real’, que ‘não fere ninguém, mas não deixa de lutar pelo que quer’.
Segundo ela, é exatamente no realismo do texto de Gilberto Braga, em parceria com Ricardo Linhares, que reside a maior dificuldade do papel. A especialidade do autor são as tramas atuais e as famílias ricas, como em ‘Vale Tudo’.
‘Quando você faz uma coisa diferente, as pessoas conseguem enxergar com mais facilidade todo o trabalho que tem por trás. Quando faz a mocinha, parece que é fácil’, reclama Paola.
A personagem foi ‘herdada’ de Ana Paula Arósio, cortada da trama por faltar às gravações, segundo a Globo (leia texto nesta página).
‘Eu não me preocupo com a forma como aconteceu’, diz. ‘Claro, foi diferente. Mas eu fiquei em êxtase.’
Sobre a saída de outro colega do elenco, o ator Fábio Assunção, ela diz que ficou triste por perder ‘um ótimo colega de trabalho’.
Segundo ela, não foi preciso regravar nenhuma cena com o ator Gabriel Braga Nunes, que entrou no lugar de Fábio. ‘Tínhamos feito poucas cenas juntos, e elas vão ser adaptadas.’
VIRADA
Alçada ao posto de estrela da Globo, Paola tem uma carreira relativamente curta.
Ficou conhecida do grande público em ‘Belíssima’, de 2005, que ela considera ‘um divisor de águas’ em sua vida.
Nascida na região da Penha (zona leste de SP), numa família de classe média, a atriz passou a fazer comerciais aos 17 anos, para pagar a faculdade de fisioterapia -que ela chegou a concluir.
‘Fiz [comercial] de carro, de comida, de absorvente… Tudo o que você pode imaginar eu vendia’, se diverte.
Como começou a se destacar no meio, resolveu fazer aulas de teatro, para entender melhor a atividade.
O primeiro emprego fixo foi em 1999, como assistente de palco do ‘Passa ou Repassa’, programa de auditório do SBT, então comandado por Gugu Liberato.
‘Tinha conta-salário, ganhava vale-refeição, cesta básica… Eu achava o máximo! Até então não sabia nem o preço das coisas’, afirma.
Antes do sucesso, Paola fez ainda uma participação na segunda fase de ‘Metamorphoses’, novela exibida pela Record, cujo final abrupto deixou a personagem dela sem final.
Ela diz que foi chamada para fazer o teste de ‘Belíssima’ quando já estava pensando em focar profissionalmente na fisioterapia.
‘Eu não podia ficar correndo atrás de uma coisa que não sabia onde ia dar’, diz.
Quando ainda estava na trama, foi chamada para protagonizar ‘O Profeta’ (2006), na faixa das seis.
No ano passado, viveu sua primeira vilã em ‘Cama de Gato’ (2009). ‘Estava apreensiva porque diziam que eu era muito doce. Quando a personagem foi tomando corpo e as pessoas começaram a ficar com ódio, eu falei: ‘ótimo’.’
Após o fim da trama, no primeiro semestre, a atriz emendou uma produção atrás da outra.
Foi chamada para o especial ‘As Cariocas’ e, 15 dias depois, para ‘Afinal, o que Querem as Mulheres?’. Quando pensava que teria férias, veio o convite para ‘Insensato Coração’. Se ela pensa em parar? ‘Quem sabe? Estou planejando férias para outubro, porque toda vez que eu planejo férias vem um personagem diferente.’
Laura Mattos
Protagonistas foram trocados às pressas
No dicionário, a palavra ‘insensato’ é definida assim: ‘aquele que não está em seu juízo, cujos atos são contrários ao bom senso’. Será que o nome da próxima novela das oito, ‘Insensato Coração’, trouxe mau agouro?
A menos de três meses da estreia, dois protagonistas tiveram de ser substituídos às pressas.
Muitas das sequências se passavam em Florianópolis (SC), para onde a equipe havia viajado, e não nos estúdios da emissora, no Rio.
Ana Paula Arósio, que seria a mocinha, foi tirada da novela em um episódio ainda não totalmente esclarecido.
O diretor, Dennis Carvalho, deu declaração cortante: ‘O caso daquela senhora que abandonou a novela, que nem sei o nome dela… A gente estava em Florianópolis, no começo da gravação. Claro que foi tumultuado, terrível, uma surpresa’, disse a ‘O Estado de S. Paulo’.
A atriz ainda não se pronunciou sobre a sua saída.
Já Fábio Assunção, que Carvalho chama de ‘irmão’, deixou a novela após gravar cenas para 60 capítulos.
Em nota, o ator, que já foi internado por dependência química, disse que a carga horária é incompatível com a sua vida atual.
Ele seria o vilão, vaga que ficou com Gabriel Braga Nunes, recém-chegado da Record. Já a mocinha de Arósio passou para Paola Oliveira.
Vanessa Barbara
O que Bo quer, Bo ganha
A JULGAR pela audiência desta casa, composta por uma parcela equivalente de humanos e quelônios, o melhor programa deste ano não foi ‘CQC’ (Band; 12 anos), ‘O Aprendiz’ (Record; livre) ou ‘Superpop’ (RedeTV!; livre).
Também não foi a nova série de Martin Scorsese (‘Boardwalk Empire – O Império do Contrabando’, HBO; 16 anos) nem a reprise de ‘A Próxima Vítima’ (Viva; classificação não informada). O melhor da TV em 2010 foi ‘Obsessão por Animais’, do Animal Planet, uma série de quatro documentários veiculada em novembro.
O primeiro episódio falou de exageros, como um sujeito que divide a casa com 70 corujas. Depois vieram os bichos exóticos: um rapaz que toma banho com seu tigre-de-bengala, uma moça que mantém uma girafa de 3,6 m de altura no jardim (e oito zebras) e um senhor que possui oito jacarés em sua residência.
‘Ele vem quando quer’, declara, apontando para o réptil de 70 kg paralisado na sala. ‘Passeiam casualmente, cuidando de suas vidas.’
No especial sobre animais obesos, a protagonista foi Bo, uma rotweiller gorda de 92 kg que parece um leão-marinho. Ela anda gingando, come 7 kg de carne fresca e dorme na hora em que lhe dá na telha.
‘Ela é obesa’, diz a veterinária.
‘Ela é linda’, responde a dona, rechaçando as insinuações de que sua cadela seria uma porca leiteira. ‘Eu não a trouxe para ser insultada’, dispara. ‘O que Bo quer, Bo ganha.’
Outras revelações foram Archie, o gato de 10 kg que precisava se exercitar, mas olhava cinicamente as bolinhas de borracha que lhe atiravam, e Max, um cão que comia linguiça e sanduíche de bacon.
Mas nada superou ‘Cirurgia Plástica Animal’. Diante das câmeras, um mastim napolitano corrigiu a flacidez das pálpebras.
Na sequência, um lagarto de 15 cm tomou anestesia geral para retirar um cisto que lhe prejudicava a carreira de modelo.
Um peixinho japonês com uma protuberância suspeita se submeteu a uma abdominoplastia cosmética, enquanto a enfermeira esguichava água em suas guelras.
Por fim, um pato que teve o bico destroçado por um guaxinim passou por um procedimento de reconstrução. Donald, o pato de três dólares, ganhou um bico horrendo, mas funcional, feito de cimento ósseo cor de laranja. ‘Nunca pensei que amaria tanto um pato’, disse a dona.
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