BUARQUE vs. VELOSO
Plínio Fraga
Frescobol com Chico e Caetano
‘Já houve quem propusesse a CPI da máfia do dendê, que apuraria a malversação caetânica da imprensa brasileira. Uma revista de grande circulação, neste ano, num daqueles arroubos de arrogância que lhe fazem típica, denunciou como outro mal constante da mídia o buarquismo.
Ninguém nunca tinha levantado a lebre de jornalista levando propina de bicheiro, mas volta e meia alguém aparece para acusar que o jornalismo brasileiro é condescendente com Chico Buarque e Caetano Veloso.
Talvez seja, mas, se eles os males do país são, estará entendida a longevidade das saúvas que o Brasil deveria matar. O buarquismo e o caetanismo são messianismos cancerígenos das idéias culturais? Bobagem, meus filhos, bobagem…
Chico e Caetano são hoje o Fla-Flu das rodinhas de amenidades culturais. De que lado você está?
Chico Buarque elogiou o novo disco de Caetano Veloso e disse discordar dele ‘quase sempre’.
‘Eu adoro o disco do Caetano. É o contrário do meu. Não preciso concordar em tudo com o Caetano. Aliás, discordo quase sempre. Acho o disco muito forte, muito bom. Meu disco sem dúvida é mais rebuscado harmonicamente’, resumiu preciso.
Num Fla-Flu, a companhia mais chata é a do idiota da objetividade, aquele que se preocupa com o placar e não tem o refinamento para apreciar o passe de trivela. Os discos de Caetano e Chico são maravilhosamente diferentes.
As visões de Brasil de Caetano e de Chico são por vezes conflitantes. Mas a disputa entre Caetano e Chico é o Fla-Flu do frescobol -aquele esporte praiano no qual não há placar e, quanto melhor joga o adversário, melhor é o desempenho do outro.’
‘VOCABULÁRIO ANUAL’
Falou, 2006!
‘‘Nunca antes neste país’ se ouviu falar tanto em ‘desligar o transponder’ e ‘destravar o Brasil’. O ano termina recheado de expressões e palavras criadas, reveladas ou recicladas no calor dos acontecimentos, mas que, em muitos casos, parecem ter vindo para ficar.
É o caso -quase imbatível- de ‘elite branca’, achado do governador Cláudio Lembo (PFL-SP). A expressão, que sintetiza um aspecto do conflito social no Brasil, surpreendeu por partir de um pefelista do qual se imaginava uma versão light do Picolé de Chuchu.
Algo, afinal, tinha que crescer -ainda que fosse o léxico-, em um ano de novas perdas para a classe média (veja verbete ‘Isso não te pertence mais’) e de crescimento medíocre do PIB (veja ‘destravar o Brasil’).
Outras expressões resumem momentos importantes do ano, mesmo aqueles que seriam melhor esquecer. Encaixam-se aí o ‘quadrado mágico’, da seleção, e ‘desligar o transponder’, que na sua acepção estrita contribuiu para o pior desastre aéreo da história do país.
Essa última é forte candidata a ressurgir no Carnaval de 2007, como sinônimo de ‘grande lambança’ ou ‘enfiar o pé na jaca’. Bebeu todas, saiu destrambelhado atrás do primeiro bloco e cortou as comunicações pelo celular com a patroa? ‘Desligou o transponder.’
Foi pego em flagrante delito contra as sensibilidades mais puritanas em seguida? Dependendo do cenário, podem acusá-lo de ‘fazer a Cicarelli’.
Seja como for, em 2007, ‘destrave’ e dê um ‘choque de gestão’ em sua vida -já que na economia e na política é difícil esperar que essas expressões venham a se tornar realidade.
Expressões e palavras que entraram no vocabulário do brasileiro em 2006
Aloprado – Todo e qualquer petista que impede a vitória de Lula já no primeiro turno. Se não traz prejuízo eleitoral, passa a ser chamado apenas de ‘companheiro’.
Eu não sabia – Expressão que deve ser usada para tentar convencer a opinião pública de que você não tem nenhum controle sobre o que fazem as pessoas que trabalham para você. Afinal, como é possível saber o que se passa na cabeça de um aloprado
Sanguessugas – Não se refere a atacantes gordos e fora de forma, mas a uma das máfias montadas para roubar dinheiro da Saúde. Análoga à máfia dos Vampiros ou à dos anões do Orçamento, empreendimentos suprapartidários que fazem da política brasileira um péssimo filme de terror.
Elite branca – Num país em que o líder do principal partido de esquerda diz que a ‘espécie humana caminha para o centro’, não deveria causar espanto o fato de ter vindo de um governador do PFL, Cláudio Lembo (SP), a expressão que sintetizou e tornou consciente o aumento do conflito social e étnico na sociedade.
Destravar o Brasil – Depois de mais um ano em que a economia do país se comportou como a seleção de Carlos Alberto Parreira na Copa de 2006, este é o novo nome da fórmula mágica para o crescimento. Até agora, a comissão técnica de Lula não conseguiu chegar a uma conclusão sobre que esquema adotar. Alguns esperam que Delfim Neto surja como um Dunga da área e ‘tonifique’ o PIB.
Nunca antes neste país – Nunca antes neste país um presidente usou tantas vezes a expressão ‘nunca antes neste país’. É o modo petista de dizer que fez um choque de gestão à frente da Presidência.
Apagão aéreo – Expressão guarda-chuva, abriga as até pouco tempo também pouco conhecidas ‘transponder’, ‘ponto cego’, ‘controlador de vôo’ e ‘plano de vôo’. Provoca saudade do tempo em que ‘não decolar’ era apenas uma metáfora para descrever o país.
Desligar o transponder – Gíria nova para enfiar o pé na jaca.
RDD e RBD – Não confundir ‘Regime Disciplinar Diferenciado’, rígido sistema penitenciário que causa tanto pânico ao PCC quanto a organização criminosa provocou em São Paulo neste ano, com o grupo ‘teen’ mexicano Rebeldes -embora alguns críticos desejassem aplicar o primeiro ao segundo.
Emo – Novo estilo de música e de comportamento entre os jovens. A atitude é próxima à do presidente Lula nas cerimônias de diplomação para a Presidência da República.
Deixa o homem trabalhar – Parece um lema pós-feminista, mas, como se sabe, é a fórmula que enaltecia o trabalhador Lula na campanha presidencial. Ajudou a destravar a votação.
Você foi mó rata comigo – Aos 64, Caetano Veloso, inmspirado em seu filho, continua liderando o movimento de emancipação masculina no país.
Eu sou o presidente da minha vida – Exemplo de atitude auto-ajuda do ano, o concorrente do programa ‘Aprendiz’ encarou corajosamente o topete de Roberto Justus e ‘demitiu’ o chefe. A idéia pode ter servido de inspiração para os controladores de vôo -e, segundo petistas, para os ‘aloprados’.
Quadrado mágico – Nunca antes neste país jogadores de futebol se pareceram tanto com deputados federais. Muita atenção às próprias finanças, e pouca ao trabalho que era deles esperado.
Se ela dança, eu danço – Expressão ‘motivacional’ do ano. Roberto Carlos (o cantor) gostou da idéia. Já Roberto Carlos (o lateral) ficou ajeitando o meião.
De onde veio o dinheiro? – Síntese da metafísica eleitoral tucana formulada pelo filósofo Picolé de Xuxu. Entrou para o rol das perguntas sem resposta, como ‘de onde viemos’, ‘para onde vamos’ e ‘que diabos estamos fazendo aqui’.
Isso não te pertence mais – Bordão de ‘Zorra Total’ e das perdas da classe média no governo Lula.
Fazer a Cicarelli – expulsar alguém de festa ou fazer sexo na praia. Fonte de problemas, nos dois casos. A moça devia deixar o pessoal se divertir mais, e vice-versa.’
TELEVISÃO
Alguns votos para 2007
‘Um pouco de ousadia para começar a balançar algumas convenções seria muito bem-vinda
E SE… Ano que vem, o Congresso tomar coragem e aprovar a lei que proíbe propaganda dirigida a crianças? Em 2007, as emissoras se lembrarem de que são concessões públicas e começarem a pelo menos tentar eliminar de sua programação o lixo absoluto? Nos próximos 12 meses, produtores de ficção, de jornalismo, de entretenimento deixarem de apostar no pior?
No último dia do ano, a gente pode se permitir um tantinho de ‘wishful thinking’ -pensamento desejante, numa tradução bem livre-, e nomear em voz alta aquelas vontades tolas, que sabemos ser de realização quase impossível. Ainda mais em se tratando de televisão, máquina operada por doidos para fazer perfeitos idiotas (ou vice-versa, tanto faz), a probabilidade de que um Ano Novo traga novidades é quase nula. Quem ainda está com a TV ligada nestes dias já está acabrunhado com a perspectiva de iniciar o ano com mais um ‘Big Brother’ e uma minissérie de autoria de Glória Perez… Portanto, à formulação de alguns poucos -mas substantivos- desejos.
Os programas para crianças poderiam ser mais divertidos. Educativos ou não, tanto faz: educação é um estado quase que natural de uma relação saudável de adultos com crianças, portanto, qualquer coisa que seja honesta com as crianças será educativa em alguma medida.
Mas é preciso, antes de tudo, ter imaginação, humor e uma pitada de subversão. Isso mesmo, alguma subversão é essencial para fazer algo realmente divertido para crianças -todos os grandes autores infantis de ficção, de Monteiro Lobato a Dr. Seuss, de Lewis Carroll a Roald Dahl, sabiam disso.
A ficção para adultos -em forma de novelas, minisséries, sitcoms etc.- poderia ficar mais atenta aos ensinamentos das séries americanas. Não se trata de emular as histórias, mas de entender os procedimentos.
Mais agilidade, mais verossimilhança, mais imaginação e mais, de novo, subversão -um pouco de ousadia para pelo menos começar a balançar algumas convenções seria muito bem-vindo. Um bom começo talvez fosse botar para trabalhar uma turma de diretores e roteiristas que gostasse (de verdade) de ver aquilo que produz -em vez de pensar num espectador sempre mais precário, de gosto ‘inferior’, que aparentemente se contenta com o mínimo. E, de resto, um pouquinho de sobriedade e contenção no jornalismo esportivo -senão, a exibição dos Jogos Panamericanos com sede no Rio vai virar um circo de palhaçadas ufanistas para feitos atléticos que podem revelar-se mais magros do que a encomenda.’
Adriana Ferreira Silva
Casé desbrava a cultura da periferia
‘A periferia é o novo ‘hype’ da televisão. A moda pegou com a ‘Turma do Gueto’, na Record, e chegou à maior rede de TV do país, a Globo, em produções impecáveis, como ‘Palace 2’, ‘Cidade dos Homens’, ‘Central da Periferia’ e, mais recentemente, na série ‘Antônia’.
Mas, apesar de serem inspiradas nos subúrbios -algumas com personagens protagonizados por atores que vivem ou viviam em regiões periféricas-, todas são ficcionais. A exceção é o ‘Central da Periferia’, cujos primeiros quatro ‘capítulos’ acabam de ser reunidos em um DVD.
Parceria entre a atriz-apresentadora Regina Casé, o diretor Guel Arraes e o antropólogo Hermano Vianna, ‘Central da Periferia’ estreou em abril deste ano, com um show no Morro da Conceição, em Recife, e seguiu para outras três capitais: São Paulo, Salvador e Belém.
Todos com o mesmo formato, o de um programa de auditório, ao vivo, com performances de estrelas das periferias locais, entremeado por cenas e histórias de bastidores.
São exatamente essas as imagens que fazem de ‘Central da Periferia’ um dos melhores investimentos da TV neste ano, e, talvez, um dos mais belos trabalhos sobre a cultura suburbana na televisão. Com um conhecimento profundo sobre os temas que aborda, Casé realiza ótimas entrevistas apresentando os protagonistas das periferias locais e traça um paralelo entre as modas atuais e as antigas tradições da região e também de outros Estados.
Parte disso certamente se deve ao trabalho de pesquisa de Hermano Vianna, conhecido entusiasta de culturas como a das aparelhagens, de Belém. O episódio que ocorre na capital paraense é um dos melhores.
Começando pelo brega da banda Calypso, Regina Casé reconstrói o rico cenário musical do Pará, recordando ritmos como o carimbó e a guitarrada, e introduzindo as modernas aparelhagens, equipes de som que realizam gigantescos bailes, com equipamentos de som e luz moderníssimos.
Assim como nos bailes de funk carioca, no Rio de Janeiro, e as radiolas, em São Luís, no Maranhão, as aparelhagens reúnem milhares de pessoas das periferias de Belém para curtir o tecnobrega e o ciber-tecnobrega, invenções locais.
Os subúrbios de Recife rendem o segundo melhor episódio. Mais conhecida no Sudeste do que em Belém, graças, principalmente, às bandas do movimento mangue beat, a capital pernambucana mostra que sua cultura musical é muito mais fértil do que se imagina. Destacam-se as participações de astros do brega, como o grupo Vício Louco, autor da canção ‘Pica-Pau’, hit no último verão de Pernambuco, o rap do Faces do Subúrbio e a moderna eletrônica do DJ Dolores.
Os programas dedicados a São Paulo e Salvador também têm lá sua graça, mas ficam meio apagados frente à concorrência. Vale fazer torcida para que ‘Central’ desbrave ainda muitas periferias -a temporada do ano que vem ainda não está confirmada.
CENTRAL DA PERIFERIA
Lançamento: Som Livre
Quanto: R$ 39, em média’
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