CHICO BUARQUE FALA
Plínio Fraga
Aos 62, Chico Buarque diz que debate sobre esquerda é conversa boba e de direita
‘Despojado com camiseta branca e calça jeans, Chico Buarque, 62, pediu ontem respeito aos seus cabelos brancos, respeito ao seu direito de pedestre e respeito a poder discordar ‘quase sempre’ de Caetano Veloso.
No ensaio do show ‘Carioca’, que estréia no dia 4 no Canecão, em Botafogo, zona sul do Rio, questionado pela Folha, Chico comentou a frase do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: ‘Se você conhecer uma pessoa muito idosa esquerdista, é porque ela tem problemas; se você conhecer uma pessoa muito nova de direita, é porque também tem problemas’.
‘Isso é uma bobagem. Como bobagem não precisa ser levada tão a sério. Esse assunto não rende mais não. Essa conversa é muito antiga de incendiário e bombeiro. Essa é uma conversa de direita sem dúvida. Eu não mudei porque tenho cabelos brancos. Não sei se botox é de direita ou de esquerda’, disse o cantor e compositor.
Ainda se acha de esquerda, Chico? ‘Acho que sim’, respondeu seco.
No dia seguinte ao ataque de traficantes que causou 18 mortes, deixou 23 feridos e provocou a destruição de dezenas de ônibus, carros e prédios públicos, Chico se mostrou tranqüilo. ‘Pessoalmente não me sinto mais inseguro, porque na verdade era de se esperar. Quando aconteceu em São Paulo, as pessoas mais atentas perguntavam quando aconteceria no Rio. Não é nenhuma surpresa para mim.’
Disse que não é alarmista nem estava disposto a viver a ‘paranóia’ da insegurança. ‘Todas as grandes cidades pioraram. Não sou saudosista. Não tenho saudades do Rio. Tenho boas lembranças. Não tenho saudades de mim. Tenho boas lembranças. Hoje é uma cidade mais violenta, mais deteriorada.’
O compositor criticou também a violência de classe média. ‘O sujeito aqui corre risco de ser atropelado mesmo na faixa da segurança. Ficam falando em violência e violência, mas é violência também quem dirige um carro e avança o sinal. Outro dia estava lá andando, atravessando na faixa, o sinal aberto para mim, o cara quase me atropela. Podia ter quebrado a perna ou ter morrido. E o cara tinha um adesivo: ‘Basta!’ Basta de violência. Violência também é isso’, disse em referência à campanha de organização não-governamental liderada por grupos de classe média que pede mais segurança.
Chico elogiou o novo disco de Caetano Veloso, mas disse discordar dele ‘quase sempre’. ‘Eu adoro o disco do Caetano. É interessante isso. Ele é o contrário do meu. A gente convive há 40 anos, às vezes por caminhos paralelos, às vezes por caminhos diferentes, mas é bom que seja assim. É bom que seja assim para todo mundo: para mim, para ele, para a música. Durante estes 40 anos já tentaram criar algum tipo de conflito entre nós. E não dá certo porque a gente se gosta, sou amigo dele, sou admirador dele. ‘Também discorda na política, Chico?’ ‘Também. Não preciso concordar em tudo com o Caetano. Aliás, discordo quase sempre. Isso é bom. A gente discorda amigavelmente. Acho o disco muito forte, muito bom. Está procurando uma coisa que não é o que eu estou fazendo. Ele foi por um caminho, eu fui por outro. Pode ser que daqui a alguns anos eu me interesse também por outra coisa e ele… Na raiz está tudo lá. Meu disco sem dúvida é mais rebuscado harmonicamente. Foi uma preocupação que eu tive. São caminhos que o Caetano pode trilhar. Eu posso querer fazer um disco mais cru. O rock não é a minha linguagem . É muito mais dele do que minha.’’
REPÓRTER DO SÉCULO
Reportagens premiadas de José Hamilton Ribeiro são reeditadas
‘José Hamilton Ribeiro é, certamente, um dos principais repórteres que atuaram no Brasil no século 20. Mas o título da antologia de seus sete textos contemplados com o Prêmio Esso -mais o famoso relato de sua aventura no Vietnã, que não foi premiado- , ‘O Repórter do Século’, sugere um cabotinismo que não é próprio dele nem lhe faz justiça.
Ele não é disso, como comprova o reconhecimento honesto no capítulo final (intitulado ‘As Dez Perguntas que Mais me Fazem’), ao responder à questão ‘o que leva um jornalista a correr o risco de cobrir uma guerra?’. Se fosse cabotino, ficaria apenas na segunda parte de sua resposta (‘esse compromisso entre romântico e missionário que todo jornalista leva consigo de estar onde a notícia estiver, para denunciar a injustiça, a iniqüidade, o preconceito’).
Como José Hamilton não é cabotino, sua resposta começa com a admissão de que outros motivos para correr esse risco são: ‘um pouco, vaidade, um pouco, espírito de aventura, um pouco, ambição profissional’. Melhor assim.
Safra de edições
Apesar do desconforto inicial que o título infeliz possa provocar, este é mais um volume importante na bem-vinda safra de edições de textos importantes na história do jornalismo brasileiro e mundial que têm aparecido no mercado nos últimos seis anos.
A edição é bem cuidada. Cada reportagem é precedida de duas páginas que oferecem o contexto da época em que ela foi originalmente publicada e desdobramentos do tema nos anos seguintes; fotos dos personagens da matéria são reproduzidas bem como das capas dos veículos em que saíram pela primeira vez.
Das oito reportagens reproduzidas no livro, cinco foram da revista ‘Realidade’. Quem nasceu depois dos anos 1960 não teve a chance de conviver com aquele veículo, que foi, como diz José Hamilton Ribeiro em sua nota introdutória, ‘um avanço no jornalismo deste país, principalmente no jornalismo de ‘longo-curso’, de profundidade, o jornalismo de texto e de autor’.
Jornalismo de hoje
O autor pergunta se ‘Realidade’ e seus textos ‘gordos’ ainda caberiam no jornalismo de hoje. A pergunta já embute a resposta de que, na opinião dele, não. É discutível.
Se é verdade que não parece haver atualmente grande quantidade de consumidores dispostos a pagar por uma revista ou jornal do tipo ‘Realidade’, o simples fato de tantos livros com reproduções de matérias desse tipo estarem sendo publicados parece ser uma indicação de que algum público para elas deve existir.
Talvez o problema esteja no grau de expectativa de popularidade que os apreciadores dessa espécie de jornalismo têm.
Assim como o rádio, após a disseminação da TV, deixou de ser o veículo das multidões, mas nem por isso desapareceu ou deixou de produzir programas de bom nível, pode ser que as chamadas ‘grandes reportagens’ possam sobreviver em publicações com pequena tiragem, dirigidas para um nicho de leitores sofisticados e de alto poder aquisitivo. É possível se satisfazer com isso?
De qualquer modo, ainda que José Hamilton esteja certo e não haja mais lugar para periódicos como ‘Realidade’, vale a pena ler ou reler os textos que ele produziu. Eles mostram como um jornalista pode ser preciso, correto, atrativo, inteligente e compreensível ao tratar de temas científicos de alta complexidade -como um transplante de rim- ou de grande interesse humano, como os combates no Vietnã.
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA é diretor de relações institucionais da Patri Relações Governamentais & Políticas Públicas. É membro do Grupo de Análise de Conjuntura Internacional da USP, do Centro Brasileiro de Relações Internacionais e do conselho editorial da ‘Revista de Política Externa’
O REPÓRTER DO SÉCULO
Autor: José Hamilton Ribeiro
Editora: Geração Editorial
Quanto: R$ 34,90 (238 págs.)’
TELEVISÃO
Avanço da Record e cobertura ‘over’ da Copa marcam 2006
‘O ano de 2006 mal começava, e a Globo tomava um susto. Uma novela da Record, ‘Prova de Amor’, quase deixou o ‘Jornal Nacional’ para trás no Ibope.
Escrita por Tiago Santiago, que passara 15 anos na Globo sem ser promovido ao primeiro escalão de novelistas, ‘Prova de Amor’ emplacou justamente por ‘clonar’ os principais clichês da dramaturgia global.
A Globo ia mal com a confusa novela das sete ‘Bang Bang’, um projeto pretensioso de velho oeste que naufragou no Ibope. Diante da ameaça no Ibope, o ‘JN’ investiu em violência e câmera escondida.
Na Record, com o fim de ‘Prova de Amor’, a audiência caiu, mas as outras novelas, frutos do alto investimento da emissora em dramaturgia, obtiveram resultados bons o suficiente para tirar do SBT a vice-liderança no horário nobre.
A rede de Silvio Santos, por sua vez, colaborou para o avanço da Record. Com mudanças bruscas na programação e falta de um projeto mais definido, o canal, se não reagir, poderá em 2007 cair de vez para o terceiro lugar do Ibope, atrás da Record.
Já a Globo, passado o ‘trauma’ do início do ano, voltou à normalidade. ‘Cobras & Lagartos’, de João Emanoel Carneiro, levantou a audiência com sua trama criativa e ótimas performances de Lázaro Ramos, Taís Araújo, Carolina Dieckman, Marília Pêra e outros. O autor foi acusado de plágio pelo cineasta Walter Salles (‘Central do Brasil’), mas o sucesso falou mais alto e o colocou entre os ‘queridinhos’ da Globo.
No horário das oito, ‘Belíssima’ também teve boas cenas. Silvio de Abreu investiu em mistério e fez bem em dar um final feliz à vilã Bia Falcão. O público e Fernanda Montenegro mereceram o desfecho: um beijo ‘caliente’ entre a maldosa senhora e o jovem michê sarado (Cauã Reymond). Também foi bacana a seqüência pastelão de Cláudia Raia (Safira) e Reynaldo Giannechini (Pascoal), que derrubaram a oficina ao rolarem na cama.
Este foi ainda o ano da Copa do Mundo dos micos. O ‘Jornal Nacional’, que vergonha, pediu desculpas a Parreira no ar em razão de o ‘Fantástico’ ter feito leitura labial de suas ordens à equipe. Tudo para não perder o privilégio das entrevistas exclusivas. A cobertura excessiva, sobretudo na televisão fechada, incluiu transmissão de jogadores fazendo polichinelo e jornalista entrevistando jornalista.
2006 foi ainda o ano em que Justus ouviu de um aprendiz ‘você está demitido da minha vida’, do depoimento sobre masturbação em ‘Páginas da Vida’, do You Tube, de Santoro em ‘Lost’, de Alckmin ‘pitbull’ no debate da Band e do fenômeno trash mexicano RBD.’
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