Tuesday, 24 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Folha tem sigilo de telefone quebrado


Leia abaixo os textos desta quinta-feira selecionados para a seção Entre Aspas.


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Folha de S. Paulo


Quinta-feira, 9 de novembro de 2006


INVESTIGAÇÃO
Folha de S. Paulo


Telefone da Folha tem sigilo quebrado


‘Um dos telefones da Sucursal de Brasília da Folha, instalado no comitê de imprensa da Câmara dos Deputados, teve o seu sigilo quebrado em meio às investigações sobre a frustrada tentativa de venda do dossiê contra tucanos a petistas.


O pedido de quebra feito pela Polícia Federal à Justiça, no dia 24 de setembro, incluiu ainda outros 168 números telefônicos, entre eles o do aparelho celular profissional utilizado por uma repórter da Folha.


Os números investigados estavam registrados no celular de Gedimar Passos, um dos detidos pela PF em 15 de setembro por negociar o dossiê.


‘A quebra do sigilo de telefone utilizado por profissionais da imprensa importa em monitoramento abusivo da atividade jornalística, o que sem dúvida configura violação do sigilo da fonte, previsto na Constituição e na Lei de Imprensa’, disse o diretor jurídico da Folha, Orlando Molina.


A PF alega que não sabia que os telefones eram do jornal, e que não buscou investigar procedimentos da Folha. ‘Vimos que todas as ligações feitas pela Folha foram posteriores a essa data [da prisão], que os jornalistas estavam apenas tentando obter mais informações sobre o caso. Logo descartamos qualquer investigação sobre a Folha’, disse o delegado titular do caso, Diógenes Curado.


Os dados das ligações do aparelho telefônico da Folha foram usados posteriormente pelo setor de inteligência da PF num organograma que reúne, de forma resumida, os dados colhidos com a quebra de sigilo de mais de uma centena de supostos envolvidos no episódio.


Os sigilos quebrados estão em posse da PF, que repassou cópia à CPI dos Sanguessugas. Não é possível saber se a PF já obteve a quebra também do telefone celular da repórter. Ainda de acordo com esses dados, que podem estar incompletos, a Folha é o único órgão de imprensa que teve o sigilo quebrado durante a investigação.


A planilha enviada à PF pela empresa de telefonia Brasil Telecom lista 1.218 ligações feitas e recebidas pelo aparelho da Folha entre 1º de agosto e 29 de setembro deste ano. Além dos números que ligaram ou receberam chamadas, a PF recebeu os registros da data, hora e duração das ligações.


Os dados constam do inquérito aberto pela PF em 18 de setembro para apurar as circunstâncias da tentativa de compra por petistas, ao custo de R$ 1,7 milhão, de material contra políticos do PSDB, especialmente contra o hoje governador eleito de São Paulo, José Serra.


A Folha é o único órgão de imprensa citado no relatório, por oito vezes, como tendo feito ligações para envolvidos na trama. As ligações ocorreram após a prisão de Gedimar Passos e Valdebran Padilha, em 15 de setembro, com o R$ 1,7 milhão. O objetivo da reportagem era ouvir a versão dos acusados sobre a trama do dossiegate.


Há registro nesse relatório, sem identificação, do telefone celular de um repórter do jornal ‘O Globo’ e de um telefone do jornal ‘O Estado de S. Paulo’, mas os dois, além de não terem sido identificados, não tiveram o pedido de quebra do sigilo feito pela PF.


O ofício que solicita à Justiça Federal do Mato Grosso a quebra do sigilo foi assinado pelo delegado Diógenes Curado. O pedido da quebra dos sigilos foi feito ao juiz Marcos Alves Tavares, da 3ª Vara Federal de Cuiabá (MT), que informou que não se manifestaria.


Nele, o argumento é de que ‘é imperiosa (…) a adoção de medidas que permitam a quebra do sigilo telefônico de todos os terminais suspeitos e a identificação dos que mantiveram contatos com estes’. O pedido diz que a relação dos números tem como base perícia técnica feita na memória dos celulares apreendidos com Gedimar e Valdebran, no dia 15.


Questionado sobre o episódio, Diógenes Curado afirmou que não sabia que o telefone pertencia ao jornal. Ele disse que pediu a quebra de todos os números que ligaram para o telefone celular de Gedimar, inclusive após a sua prisão, já que a PF o teria mantido ligado com esse objetivo. Segundo Curado afirmou durante a tarde de ontem, a quebra do sigilo do telefone do jornal ocorreu porque a Folha teria sido o único meio de comunicação a ligar para Gedimar.


A quebra do sigilo telefônico de Gedimar mostra, entretanto, que o aparelho recebeu duas ligações nos dias 18 e 19 do telefone do escritório brasiliense da Editora Abril, que edita a revista ‘Veja’. O número da editora não teve o seu pedido de quebra de sigilo feito.


A Folha ligou para o telefone celular de Gedimar somente a partir do dia 21, ou seja, dois dias depois da última ligação da Editora Abril. Dois dias antes, no dia 23, a Folha também ligou para o telefone de Gedimar por meio de dois outros números do jornal, mas esses não tiveram o pedido de quebra feito.


Informado novamente sobre as ligações da Editora Abril, Diógenes Curado disse que responderia apenas hoje, mas afirmou que isso pode ter ocorrido porque o registro das ligações da Abril podem ter sido apagados da memória do aparelho por outras ligações quando o telefone foi periciado. Efetivamente, a perícia feita pelo Instituto Nacional de Criminalística não aponta o número.’



Jornal não é alvo de investigação, afirma delegado


‘O delegado da Polícia Federal encarregado do inquérito sobre o dossiê contra tucanos, Diógenes Curado, afirmou que a Folha não é nem nunca foi alvo de investigações da polícia.


O ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça) disse ontem que não tinha conhecimento suficiente da investigação para se pronunciar a respeito. ‘O que imagino, é que se trate de medida de caráter geral, visando a chegar à origem do dinheiro. A liberdade de imprensa é um valor inalienável da mais alta nobreza constitucional.’


Curado, que assina todos os pedidos de quebra de sigilo telefônico relacionados à investigação, afirmou que cumpriu um procedimento padrão nesse tipo de trabalho ao requisitar, à Justiça, os dados cadastrais e os extratos telefônicos de todos os números que ligam ou que recebem chamadas das pessoas investigadas no caso.


Segundo ele, os números da Folha apareceram na memória do celular apreendido com Gedimar Passos. Disse que, ao ver que as ligações foram feitas posteriormente à prisão de Gedimar e outros dois envolvidos no caso, descartou analisar a relação da Folha por concluir que se tratava de uma apuração jornalística normal.


Ele explicou que as primeiras quebras foram feitas a partir de perícia feita no celular de Gedimar. Os técnicos levantaram as últimas chamadas feitas e recebidas que estavam registradas na memória do aparelho. Como a memória tem um número limite de ligações registradas, à medida que são feitas e recebidas novas ligações, as mais antigas são apagadas.


Segundo Curado, a Folha foi o único veículo de comunicação a ter uma ligação ainda registrada na memória do celular de Gedimar. Isso explicaria, segundo ele, porque outros órgãos, mesmo tendo ligado para o celular de Gedimar antes da Folha, não tiveram seu número entre as quebras de sigilo.


‘Quando pedimos os dados cadastrais e os extratos das ligações, não sabíamos que havia um número da Folha. Como queríamos dar velocidade às investigações, solicitamos os dados de todos os números nessa situação’, disse ele, em relação às chamadas registradas na memória do celular de Gedimar.


‘Isso é uma coisa normal dentro de uma investigação como essa. Pedimos os dados e depois vamos descartando aqueles que não nos interessam. Por isso o inquérito corre em segredo de Justiça, para que as pessoas que não têm nada a ver com o caso sejam preservadas’, disse.


O delegado ontem estava em Campo Grande e se comprometeu a verificar, quando chegasse hoje a Cuiabá, os motivos de outros telefones não terem tido o pedido de quebra de sigilo. A assessoria de imprensa da Polícia Federal, em Brasília, informou que coube ao delegado que preside a investigação se pronunciar sobre o ocorrido.


O juiz Marcos Alves Tavares, da 3ª Vara Federal de Cuiabá (MT), a quem foi feito o pedido da quebra dos sigilos, informou ontem por meio da diretoria da Justiça Federal de Mato Grosso que não se manifestaria sobre o caso. A Justiça Federal informou ainda, por meio de sua assessoria, desconhecer a informação de que tenha ocorrido quebras de sigilo de telefones da Folha.’



Frederico Vasconcelos e Leandro Beguoci


Ex-ministros contestam a polícia e a Justiça


‘Três ex-ministros da Justiça condenaram a autorização judicial para a quebra do sigilo de telefone da Folha, feita a pedido da Polícia Federal.


Paulo Brossard, advogado, ex-ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) e ministro da Justiça de José Sarney, diz que ‘a Polícia Federal não poderia ter pedido a quebra sem saber de quem estava pedindo e o juiz não poderia deferir sem saber o que estava fazendo. Não basta que peçam a quebra do sigilo. Tem que dar um mínimo de elementos para que o juiz possa concordar com a quebra. É uma devassa’.


‘O juiz nem nenhuma autoridade pública nem ninguém têm o direito de desvendar qual a fonte de que se valeu o veículo ou o jornalista para obter informação. Essa proteção é absoluta’, afirma Célio Borja, ministro da Justiça de Fernando Collor de Mello e ex-ministro do STF.


‘Acho estranho que eles [PF e juiz] não tenham sabido que o telefone era do jornal’, afirma o advogado Fábio Konder Comparato, presidente da Comissão de Defesa da República e da Democracia do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).


‘Ou a companhia telefônica cometeu uma irregularidade administrativa grave, não identificando os telefones, ou então a PF de fato sabia e não informou ao juiz que aquele telefone era de jornal ou, então, informou e o juiz mandou quebrar. Se chegou a esse último ponto, o juiz também pode ter cometido um crime’, conclui.


O advogado José Paulo Cavalcanti Filho, ministro (interino) da Justiça de Sarney, diz que houve ‘uma violência contra a liberdade de imprensa’. Segundo ele, ‘o juiz nunca poderia ter dado a autorização’.


Ex-presidente do Conselho de Comunicação Social e estudioso da legislação sobre a imprensa, Cavalcanti diz que ‘nesses casos, os erros não acontecem nunca com uma culpa só. De um lado, ocorrem em função da atitude imperial da Polícia Federal: em vez de, antes, verificar de quem são os números, requer [a quebra do sigilo] de todos os números. O segundo erro é do juiz, que jamais podia dar [a autorização] sem se informar. Evidentemente, o jornal não participou do esquema sanguessuga’.


Para Cavalcanti Filho, ‘isso acontece porque nós temos a pior Lei de Imprensa do mundo. Num país civilizado, nenhum delegado faria isso, porque as conseqüências econômicas, as indenizações seriam tão severas que ele seria obrigado a pensar três vezes antes de requerer’, diz.’


 


ABI e OAB criticam pedido da PF e reprovam quebra de sigilo


‘O presidente da ABI (Associação Brasileira de Imprensa), jornalista Maurício Azêdo, entende que a quebra de sigilo do telefone da Folha ‘é um fato singular e preocupante, porque coloca os contatos que o jornal fez de forma lícita sob o risco de utilização indevida até mesmo por órgãos policiais cuja isenção e cuja lisura estão sob suspeição desde o episódio do delegado que deu aquelas fotografias [do dinheiro usado para a compra do dossiê contra tucanos] para a imprensa’.


O presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Roberto Busato, diz que ‘a quebra de sigilo fere o direito do jornal ao sigilo da fonte’. Sob a hipótese de desconhecimento de que o telefone pertencia ao jornal, Busato diz que ‘a ignorância não é escusa’.


‘Você não deixa de cometer um crime por desconhecimento’, diz Busato. ‘Evidentemente houve um crime e os dados obtidos da quebra não podem ser usados de forma alguma nas investigações’, conclui.


O presidente da ABI diz ainda que ‘é algo inusitado, pois dificilmente há casos em que os telefonemas dados e recebidos por um jornal são objeto de fornecimento a um órgão investigador de caráter policial ou parlamentar’.


‘A ABI espera que as autoridades da PF e o Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, ofereçam à Folha e à comunidade jornalística a garantia de que essas informações não sejam usadas de forma que prejudiquem os interesses empresariais e jornalísticos da Empresa Folha da Manhã’, diz.


A ANJ (Associação Nacional de Jornais) não se manifestou, esperando obter mais informações sobre o caso.’



PRISÃO
Francisco Figueiredo e José Eduardo Rondon


ANJ condena sentença de detenção contra jornalista


‘A ANJ (Associação Nacional de Jornais) divulgou nota ontem em que critica a condenação do jornalista Fausto Brites, 48, um dos editores do jornal ‘Correio do Estado’, pela Justiça de Mato Grosso do Sul, a pena privativa de liberdade.


Sob acusação de difamação ao governador eleito do Estado, André Puccinelli (PMDB), Brites foi condenado a multa e a dez meses de detenção -e não a dez anos, como informou erroneamente ontem a Folha. A pena foi substituída por outra, de prestação de serviços à comunidade. Cabe recurso.


Segundo o diretor-executivo da ANJ, Fernando Martins, o problema não é a duração da pena, mas seu tipo: ‘A ANJ respeita as decisões judiciais tomadas dentro da legislação vigente, mas não pode deixar de condenar com toda a veemência que opiniões ou informações veiculadas pelos meios de comunicação resultem em sentença privativa da liberdade de quem quer que seja. Por isso, ao mesmo tempo em que reafirma seu compromisso com o jornalismo responsável, a ANJ defende revisão da atual legislação que permite decisões judiciais como essa em questão’. Segundo Martins, a decisão inicial da entidade de não se pronunciar foi reavaliada ontem.


A reportagem que motivou a condenação de Brites foi publicada em março de 2005. O texto afirma que há ‘coincidências’ entre uma investigação da Polícia Federal então em andamento e um escândalo de 1999, época em que Puccinelli era prefeito de Campo Grande. Na decisão, a juíza Cíntia Letteriello afirma que a reportagem deixa clara ‘a vontade do redator de macular a reputação do querelante [Puccinelli], ao correlacionar a data de um escândalo político com a época em que este era prefeito’.


O jornalista classificou a determinação judicial de intimidatória. André Puccinelli Júnior, advogado do governador eleito, disse que houve ‘apenas a reação normal de quem teve a honra ofendida’.’



TODA MÍDIA
Nelson de Sá


Nancy e a guerra


‘Na madrugada de apuração nos canais de notícias, antes de qualquer sinal da vitória dos democratas, a CNN ouviu Howard Dean, o presidente da legenda, que elogiou Nancy Pelosi sem parar. E o marqueteiro democrata James Carville avisou ao republicano com quem debatia que o foco do eleitor era o Iraque. No velho mote dele, adaptado aqui, ‘é a guerra, estúpido’.


Vieram os resultados e, na manchete e nas fotos dos jornais, lá estava ela, a liberal Nancy Pelosi, de San Francisco, ‘a primeira mulher presidente da câmara’, na expressão da CNN à Fox News. Não demorou e ela tomou a cena. Em coletiva ao vivo, cobrou ‘um sinal de mudança de direção da parte do presidente’, no Iraque. Para ser exata, ‘o melhor lugar onde ele pode começar é trocando a liderança civil no Pentágono’.


Uma hora depois e os mesmos canais anunciavam a queda de Donald Rumsfeld. Em coletiva, George W. Bush ironizou que, no seu ‘primeiro ato bipartidário’ de aproximação com Nancy Pelosi, ele ofereceu a ela ‘os nomes de decoradores de interiores republicanos que podem ajudá-la a escolher as novas cortinas de seu escritório’. Minutos depois, porém, confirmou a saída do secretário da Defesa. E Pelosi, nos mesmos canais, descreveu a decisão como ‘bem-vinda’ e um primeiro passo para ‘achar a solução para o Iraque’.


NANCY 1


No ‘WP’, ‘Democratas tomam a câmara’ e foto de Nancy Pelosi em festa. Na análise, ‘Um castigo dos eleitores para Bush, a guerra e a direita’


NANCY 2


No ‘NYT’, as mesmas manchete e festa. Na análise, ‘Mensagem sonora para Bush’, por ‘mudança, sobretudo no Iraque’.


NA TELEVISÃO, CAUTELA


Pelos relatos, CNN e NBC comandaram a cobertura pós-eleição. A segunda arriscou antes das demais a vitória democrata. Mas todas as emissoras, até com linguagem mais cautelosa, fugiram do fiasco das últimas eleições, quando pesquisas e projeções davam a vitória democrata -e Bush venceu. Com isso, no que foi possível seguir, o ‘WP’ deu antes da TV, on-line, o resultado na câmara.


MÁ NOTÍCIA PARA O BRASIL


Se a eleição traz boas notícias para a paz no mundo etc., também leva o discurso ‘populista’ na economia, como destacou desde logo a CNN, de volta ao Congresso.


‘Pode ser uma má notícia para o Brasil’, como noticiou o site do ‘Wall Street Journal’. A tese é que os mercados financeiros daqui já não aceitaram bem o resultado, pois ‘um Congresso democrata é visto como potencialmente mais protecionista em política comercial e externa’, o que afetaria ‘economias emergentes como a do Brasil’.


DUAS ESQUERDAS


Em outras partes, análises da eleição de Daniel Ortega na Nicarágua. Para o ‘Christian Science Monitor’, a dúvida é se ‘seguirá o modelo Chávez, erodindo a democracia’, ou ‘líderes de esquerda como o do Brasil’. Sugere o segundo grupo, menos antiamericano.


‘O NOVO LULA’


O ‘El País’ também volta ao tema, com artigo que elogia como ‘o estilo de Lula marcou distância notória em relação’ a Chávez. Saúda como ele vem discursando por ‘unidade e reconciliação nacional’ -e só celebrou a vitória depois do ‘telefonema do adversário’.’



MEDIDA POLÊMICA
Gilmar Penteado e Regiane Soares


OAB divulga na internet lista de inimigos


‘A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo decidiu divulgar em seu site uma lista com os nomes de 173 pessoas consideradas inimigas da categoria, como juízes, policiais, promotores e jornalistas. A divulgação provocou protestos de entidades de classe e de pessoas citadas, que consideram a medida abusiva.


A lista inclui nomes de profissionais que, segundo deliberação interna de comissão da OAB-SP, violaram as prerrogativas dos advogados. Essas pessoas teriam impedido o trabalho ou ofendido advogados durante o exercício da profissão. O caso foi revelado pelo site ‘Consultor Jurídico’.


As moções de repúdio foram concedidas desde 2002. Além da exposição, ter o nome na lista pode gerar represália: a OAB pode negar a carteira da entidade para aquele profissional que queira atuar como advogado.


Mário de Oliveira Filho, presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB-SP, afirma que a medida é baseada em lei federal de 1994. Segundo essa lei, seccionais da OAB podem abrir procedimentos contra profissionais que prejudicam as funções do advogado.


Ele disse que isso sempre foi feito, mas a divulgação era mais restrita. Primeiro a Comissão de Direitos e Prerrogativas, após pedir uma defesa escrita por parte do denunciado, votava a moção de repúdio ou desagravo. Esse ato era lido em uma sessão da comissão e depois publicado no ‘Diário Oficial’.


A novidade é que esse cadastro está mais acessível. Pode ser consultado, desde o mês passado, pelo site da OAB/SP. ‘Por que as pessoas estão pulando como se estivessem descalças em chapa quente?’, questionou Oliveira Filho.


Por enquanto, a divulgação da lista pela internet é um ato isolado da OAB/SP. A assessoria da seccional do Rio confirmou que está elaborando seu cadastro, mas não há previsão de divulgação pelo seu site. O presidente da OAB nacional, Roberto Busato, afirmou que a divulgação pela OAB/SP não foi comunicada ao Conselho Federal da entidade.


Nomes


Da lista de inimigos, há 53 juízes, 30 policiais civis, 23 vereadores, 17 promotores, três procuradores da República e dois jornalistas, um deles Elio Gaspari, colunista da Folha.


Segundo representantes de juízes, promotores e procuradores, a medida é abusiva. O presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), Walter Nunes Júnior, afirma que a OAB não poderia criar um foro para julgar outro profissional por ser uma entidade de classe. ‘É uma ingerência julgar todo e qualquer profissional sob o argumento de que estaria usurpando a prerrogativa da advocacia.’


Em nota, o procurador-geral de Justiça, Rodrigo Pinho, disse que a medida ‘destoa dos mais elementares princípios legais e constitucionais’, pois a OAB não tem poder para julgar outro profissional. O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Nicolao Dino de Castro, disse, em nota, que isso implica ‘indevido cerceio a uma atividade profissional’.


Para o colunista Elio Gaspari, a publicação o fez perder ‘o respeito pela OAB’. ‘Tem um grupo de pessoas que acha que você fez uma coisa errada, eles se reúnem e te condenam.’


Gaspari disse que, no processo interno da OAB, não teve o direito de se defender pessoalmente. Ele foi incluído na lista por conta de processo movido por uma procuradora contra ele e a Folha após publicação de texto em que contestava parecer em que ela apontava a necessidade de uma vítima de tortura provar que foi mantida em cativeiro. Ela teve decisão favorável em primeira instância. Gaspari recorreu. O caso tramita no Tribunal de Justiça.


O jornalista e advogado Ricardo Piccolomini de Azevedo, diretor do jornal ‘A Comarca’ de Mogi Mirim, classificou a lista com seu nome como uma ‘atitude corporativista’. Ele publicou reportagens que questionavam os honorários que os advogados da Prefeitura de Mogi Mirim recebiam quando defendiam o município.


Para o procurador da República Sérgio Suiama, seu nome foi incluído por ter chamado advogados da Igreja Universal de ‘representantes do ódio e da intolerância racial’. Ele havia acatado representação de entidades afro-brasileiras que se sentiram ofendidas com declarações de pastores da igreja contra praticantes de religiões como o candomblé. ‘Eu disse e repito, pois aqueles advogados estavam defendendo esse tipo de postura [preconceituosa].’


O vereador Gilberto Barreto (PSDB) disse que teve seu nome incluído na lista quando tentou impedir que um advogado interferisse nas declarações de uma testemunha em depoimento à CPI que apurou supostas irregularidades no Tribunal de Contas do Município, em 2003. ‘Sou advogado, inscrito na OAB/SP há quase 30 anos, e nunca fui comunicado dessa decisão. A OAB não pode tomar uma decisão com base em um entendimento que é só da entidade’, disse Barreto, presidente da CPI na época.’



SOLANGE
Carlos Heitor Cony


Opinião da vaca sobre a vida


‘RIO DE JANEIRO – Era uma vez uma vaca. Como todas as vacas, parecia exatamente uma vaca: tinha rabo, úbere, patas, cheiro, design convencional e tudo o que normalmente se entende por uma vaca. Acontece que, ao contrário das vacas e de certos homens, essa tinha opiniões. Eis a questão: uma vaca com opinião podia ter razão, mas não inspirava confiança. Era um perigo e, certamente, uma ameaça.


Deu-se que, depois de certo tempo e de certas opiniões, as autoridades acharam que ela exagerava. De início, as opiniões da vaca foram consumidas como fato mais ou menos extraordinário.


Ela deu entrevistas à televisão, apareceu no ‘Fantástico’, respondeu à enquete das páginas amarelas, foi capa de revista e chegou a ser indicada para musa do verão em Ipanema. Perdeu para uma modelo que ia se casar com um segurança.


Depois de badalarem a vaca, ela foi ficando um pouco esquecida, embora tenha sido convidada para dar um curso sobre fenomenologia na USP. Ia gravar um disco com o Chico Buarque, mas os marqueteiros acharam melhor que ela descolasse outro parceiro -e foi assim que a vaca cantou emboladas caipiras com o Zeca Pagodinho. O disco foi editado por uma multinacional e vendeu horrores.


Mas -contestava a vaca, amarga e cética- ninguém tomava providências. Em vão ela dera importantes dicas para o bem dos povos, para a paz do mundo e do homem.


Em vão alertara a humanidade para o suicídio armamentista, para a poluição dos rios e mares, para a péssima qualidade de vida, enfim, ela falava exatamente o que todos falavam, mas tinha, a seu favor, a vantagem de ser uma vaca e, com isso, esperava obter melhores resultados do que os cientistas sociais e os cronistas da mídia impressa, falada e televisada.


Chamava-se Solange.’



LULA vs MÍDIA
Maria Sylvia Carvalho Franco


Auto-reflexão e autocrítica


‘MARCO AURÉLIO Garcia prescreveu ‘auto-reflexão’ para a imprensa, vezo subscrito por algumas redações. Argüir toda a mídia de inventar a mácula petista é uma contradição em termos. Marco Aurélio converte fatos em quimeras (nunca houve mensalão), mas os ‘erros’ dos camaradas o desdizem. É preciso reavivar esses desvios para que o ‘agitprop’ não logre desvanecê-los. Não há como eludir o caudaloso valerioduto, o contrato milionário assinado por dirigente distraído, o jipe recebido em troca de favores. Dinheiros fluem de fontes obscuras (como o dos aloprados) para fins escusos (como as contas paradisíacas de D. Mendonça) e surgem em cofres recônditos (peças íntimas).


Assessores palacianos evoluem nessa ilícita ciranda. E Visanet, sanguessugas, bingos, Correios, cartões institucionais?


O BNDES financia regiamente a Telemar, que, por sua vez, ajuda o filho do mais alto magistrado no país a passar de tostões a milhões. Ao se expor esse ganho, não se invadiu o círculo familiar do presidente; o fato originário foi que o seu círculo privado invadiu o público. Invencionice? Intimidados pela polícia não foram os autores desses atos, mas aqueles que os deram a conhecer.


O presidente do PT, ao censurar a imprensa, fugiu à lógica. ‘Auto-reflexão’ é uma cômica tautologia comparável à do candidato-presidente, que, anunciando benefícios, prometeu ‘universalidade geral’ à educação, saúde etc. Como erro de apedeuta, admite-se tal vício lógico, mas não como lapso de um professor. A ‘reflexão’, metáfora do pensamento que examina a si mesmo, só pode ser ‘auto’. Aquela gafe trai um ato falho que denuncia arcanos da esquerda ortodoxa, a ‘autocrítica’.


Partidos autoritários, ágeis no domínio das consciências, adestram os filiados a ajustar suas mentes ao mandamento da burocracia partidária, fonte de certezas que vão da moral à ciência (o caso Lyssenko é exemplar). O militante interioriza doutrinas e ordens da direção e, nessas balizas, afere atos e conteúdos de seu espírito: faltando identidade entre convicções próprias e verdades partidárias, ele abjura o pensamento e cola-se à ideologia, por mais que ela contrarie as evidências. O auto-respeito sucumbe ao dogma.


Garcia confunde tarefeiro partidário e imprensa ao exigir, desta, o sacrifício do intelecto. Que ele imponha silêncio obsequioso a jornalistas alinhados ao PT (há muitos), vá lá. Mas estendê-lo à toda a imprensa e, com ela, à opinião pública (que merece informação e juízos independentes) vaticina dias funestos. O prosélito, aliado a velhos gestores da ditadura, não só cala a si próprio mas, por toda parte, usa carga pesada para fechar espaços e silenciar vozes autônomas.’




PUBLICIDADE EM SP
Francesc Petit


Viva a poluição visual


‘O modo como a Prefeitura de São Paulo quer combater a poluição visual na cidade é uma atrocidade com toda uma classe de publicitários


A MANEIRA como a Prefeitura de São Paulo pretende combater a poluição visual na cidade, banindo toda propaganda externa -outdoors, cartazes, backlights, banners, painéis etc.-, representa uma atrocidade a toda uma classe de publicitários, em especial aqueles conhecidos no meio como diretores de arte, artistas que se dedicam à publicidade e que têm nos cartazes de rua sua mais antiga e tradicional ferramenta de trabalho. E também a mais instigante de todas.


Pois é nesse veículo de comunicação, o cartaz de rua, que se pode mostrar todo o talento e a criatividade de um publicitário. Isso porque um bom cartaz deve ser a síntese absoluta de uma idéia publicitária, em que só cabem uma imagem e, no máximo, cinco palavras que definam o propósito da peça publicitária. Deve ser explicativo no tempo máximo de três segundos para vender a idéia e ser lembrado por um longo tempo. Essa é uma tarefa difícil, quase impossível, mas que muitos diretores de arte sabem fazer com maestria.


Será que, quando a prefeitura decidiu proibir os cartazes de rua, não lembrou, nem por um instante, o quanto são importantes na vida comercial e cultural os ‘cartazistas’, herdeiros de uma arte que vem do século 19, quando, graças ao surgimento da litografia, se passou a imprimir cartazes coloridos com uma reprodução de altíssima qualidade? Peças que hoje enchem museus em todo o mundo e coleções particulares de grande valor. Reproduções dessas obras de arte são vendidas nas melhores livrarias, por seu valor estético e cultural.


Só para lembrar aos senhores encarregados da proibição da propaganda externa, aí vão alguns nomes de pessoas que se dedicaram a essa modalidade de ‘poluição visual’: Toulouse-Lautrec, Pablo Picasso, Joan Miró, Pierre Bonnard, Saul Bass, Paul Rand, Shigeo Fukuda, Ikko Tanaka, Bruno Munari, Pierre Fix-Masseau, Walter Gropius, Lucian Bernhard, Max Bill, Beggarstaff, Alphonse Mucha, Raymond Savignac, Steinberg, Ramon Casas, Paul Colin, Peter Max, Hans Rudi Erdt, Piatti, Franco Grignani, Henry van de Velde, René Gruau, Herbert Matter, Milton Glaser, Cassandre e muitos outros que, como nós, adoramos fazer belos cartazes para a beleza da cidade e alegria do povo. Ao contrário de São Paulo, Paris tem orgulho de seus cartazes.


Não posso imaginar que tipo de pesquisa ou análise foi feita sobre a poluição de São Paulo, quem fez esse levantamento, como se chegou à conclusão de que os publicitários são os culpados. Talvez seja porque, hoje em dia, somos culpados de tudo: acidentes de trânsito, obesidade, anorexia, sexo e violência. Até na política viramos inimigos da sociedade.


De uma coisa estou absolutamente certo: não são os cartazes de propaganda que estão poluindo São Paulo. O drama do caos visual de São Paulo está em outro lugar, em muitos outros lugares que não se podem mostrar. Não é politicamente correto apontar a causa porque é tão gigante o pepino que não vale a pena discutir. É mais fácil apontar Ferraris e Mercedes como responsáveis pelo excesso de veículos circulando pela cidade.


Fico muito orgulhoso de poluir a cidade de São Paulo com meus cartazes e outdoors para meus clientes, poluição que chega ao absurdo de ser premiada aqui e no exterior e exibida na mais importante exposição feita em Paris, no Gran Palais, entre os cem melhores cartazes do século 20.


Pura poluição. Viva ela.


FRANCESC PETIT, 72, publicitário e artista plástico, é sócio-proprietário da agência DPZ.’



TV
Daniel Castro


Autor desfalca time de novelistas da Globo


‘Um ano e meio após sua última obra, ‘Senhora do Destino’, Aguinaldo Silva foi convocado nesta semana pela Globo para escrever a novela das oito que entrará no ar em outubro de 2007, substituindo ‘Paraíso Tropical’, de Gilberto Braga.


Ao contrário do que pode parecer, um ano é muito pouco tempo para começar uma novela praticamente do zero. Pela escala da Globo, Braga daria lugar a Benedito Rui Barbosa. Só depois viria Aguinaldo Silva.


Barbosa, no entanto, sofreu no final de setembro uma cirurgia no cérebro, para drenagem de um hematoma, e deverá ficar no mínimo mais seis meses em recuperação. Sem contar Manoel Carlos (que diz que ‘Páginas da Vida’ será sua última novela), o primeiro time de novelistas da Globo hoje está restrito a Aguinaldo Silva, Gilberto Braga, Glória Perez e Silvio de Abreu. É pouco.


A novela de Silva terá a educação como tema e será centrada em um personagem masculino. Ele pensa em ambientar sua história em Niterói, para mostrar ‘uma outra visão do Rio’. No elenco estarão Eduardo Moscovis, Suzana Vieira, José Wilker, Renata Sorrah, Milla Christie, Marjorie Estiano, Lázaro Ramos e Taís Araújo.


‘Quero trabalhar numa trama sobre descendentes de quilombolas que reivindicam terras onde houve quilombos. Um grupo de negros reclamando a posse do Leblon daria uma história fantástica’, adianta.


PROBLEMA EXTRA No ar com ‘Páginas da Vida’, Manoel Carlos está passando por uma crise de hérnia de disco, o que tem atrasado a entrega de textos da novela. O autor tem de parar de escrever de hora em hora para fazer alongamento e relaxamento.


PROFISSÃO EM ALTA O SBT está montando um núcleo de autores. Já contratou três e quer mais. Recentemente, Silvio Santos sondou Maria Adelaide Amaral, da Globo.


BOLA DIVIDIDA Executivos da Globo estranharam a decisão da Record de contestar o calendário do Pan, que prevê jogos do Brasil às 16h e 22h _como quer a Globo. Dizem que a Record inicialmente delegou à Globo a prerrogativa de negociar os horários do Pan, até porque copiava sua grade.


FALTOU DINHEIRO A Band desistiu de produzir uma nova novela infanto-juvenil, na linha de ‘Floribella’. Depois de fazer estudos orçamentários, decidiu se concentrar em apenas uma faixa, a das 22h. Na próxima terça, estréia a picante ‘Paixões Proibidas’.


CALENDÁRIO A Globo já definiu sua grade de fim de ano. O tradicional especial de Roberto Carlos irá ao ar em 16 de dezembro. Entre os projetos que serão testados, ‘Dom’ entrará no dia 21 e ‘Lu’ (de Luana Piovani), no dia 26.


DEBUTANTE O canal SporTV estréia neste sábado, em comemoração a seus 15 anos, o programa ‘SporTV Repórter’, que será mensal e promete fazer reportagens investigativas sobre o mundo dos esportes.’



O FORMADOR
Rafael Cariello


Antonio Candido , que influenciou gerações de críticos, relança seu clássico ‘Formação da Literatura Brasileira’ e defende o rigor e a clareza do pensamento


‘O filósofo Paulo Arantes e o crítico Roberto Schwarz estão entre os que chegam a comparar sua importância na crítica literária e no pensamento social brasileiro à de Machado de Assis na literatura. Walnice Nogueira Galvão, professora titular de literatura na USP, considera que o paralelo ainda não expressa a estatura de Antonio Candido, 88.


Professor de gerações dos mais importantes críticos literários e culturais do país, Candido acompanha há dois anos a reedição de seus livros pela editora Ouro Sobre Azul, projeto coordenado por sua filha Ana Luisa Escorel.


No final deste mês, chega às livrarias do país a principal obra de Candido, ‘Formação da Literatura Brasileira’. Editado pela primeira vez em 1959, o livro procura dar conta da formação de um ‘sistema literário’ no país, nos séculos 18 e 19, a partir da assimilação de influências estrangeiras, cada vez mais filtradas pela constituição de um conjunto mais denso de obras, de autores e de um público leitor no Brasil.


Já ali aparecia a articulação sofisticada entre sociedade e literatura, marca do crítico. Por conta desta capacidade de análise, os escritos de Candido também deram contribuições decisivas à compreensão da sociedade brasileira.


Na entrevista a seguir, Candido fala de alguns aspectos de seu trabalho, como a forma da relação entre condições sociais e obras literárias, e a simplicidade e clareza de sua escrita.


O professor aposentado da USP respondeu às questões em oito páginas datilografadas. Ele diz que prefere não usar vocabulário técnico ou conceitos sociológicos por, ‘no fundo’, não gostar ‘de termos difíceis, como os que predominaram no tempo da moda estruturalista’.


‘Freqüentemente eles são um jeito de dar aparência profunda a coisas simples’, declara.


Ele afirma privilegiar a ‘organização interna’ dos textos, e diz que o estudo da relação entre a obra e o meio social deve ser feito apenas quando ‘o texto assim exige’.


FOLHA – O sr. usa como epígrafe de seu livro ‘O Discurso e a Cidade’ uma frase de Calvino, em que o escritor italiano diz que não se deve confundir a cidade com o discurso que a descreve, embora haja sempre uma relação entre ambos. É possível dizer que essa relação (e as formas dessa relação) entre sociedade e literatura está no centro da sua obra e é o que a move?


ANTONIO CANDIDO – De uma parte do que escrevi, sim. Esta frase serve de epígrafe à primeira parte do meu livro, que trata de romances vinculados à realidade social. Ela precisa ser completada pela da segunda parte, que analisa textos marcados pela fantasia, de um ângulo não-realista, e é uma frase de Verdi: ‘Copiar a realidade pode ser uma boa coisa; mas inventar a realidade é melhor, é muito melhor’. Um conceito completa o outro, ambos registrando os pólos da criação literária e, portanto, do trabalho analítico, o que me levou a optar pelo que denomino ‘crítica de vertentes’, ou seja, ajustada à natureza do texto e privilegiando a sua organização interna, não os vínculos externos. Não se trata, portanto, de impor nem rejeitar em princípio o estudo da relação entre a obra e o meio social, mas de praticá-lo quando o texto assim exige. Em geral tenho sido caracterizado com base na posição que assumi no começo da minha atividade, quando era crítico deste jornal e escrevia artigos não só privilegiando a dimensão social, mas, sobretudo, muito politizados. Com o tempo acho que equilibrei melhor os meus pontos de vista, mas conservei o interesse pelos nexos sociais da literatura. Quando se trata destes, procuro não fazer análises paralelas, isto é, descrever as condições sociais e depois registrar a sua ocorrência no texto, o que pode levar, por exemplo, a encarar a criação ficcional como um tipo de documento. Isto pode ser legítimo para o sociólogo ou o historiador, não para o crítico. O que procuro é, quando for o caso, compreender como o dado social se transforma em estrutura literária.


FOLHA – O modo de abordar essa relação já estava plenamente desenvolvido pelo sr. quando escreveu ‘Formação da Literatura Brasileira’ ou há diferenças e desenvolvimentos entre esse livro e os ensaios que escreveu nos anos 60 e 70, como aqueles sobre ‘O Cortiço’ e ‘Memórias de um Sargento de Milícia’?


CANDIDO – O preparo de ‘Formação’, publicado em 1959, durou 12 anos, entre outros trabalhos. Um dos meus pressupostos era que a literatura é sobretudo um conjunto de obras, mais do que de autores ou fatores. No caso brasileiro, me pareceu que a análise das obras em perspectiva histórica deveria atender tanto à singularidade estética de cada uma quanto ao seu papel na formação da literatura como instituição regular da sociedade. Tratava-se, portanto, de averiguar quando a conhecida trinca interativa ‘autor-obra-público’ se definiu e se prolongou no tempo pela ‘tradição’, constituindo um ‘sistema’, em contraste com as ‘manifestações literárias’ precedentes. Isso me parece ter ocorrido mais ou menos entre 1750 e 1880, entre as Academias de meio-século e Machado de Assis. Por isso delimitei como campo de estudo a Arcádia e o Romantismo.


Eu já tinha publicado ensaios sobre o romance como expressão de classe e do momento, mas esses ensaios não focalizavam a estrutura, como os que menciona. De fato, eu não tinha ainda percebido com clareza que o essencial no tocante às relações da ficção com a sociedade era demonstrar (não indicar apenas) de que maneira as condições sociais são interiorizadas e se transformam em estrutura literária, que pode ser analisada em si mesma. É o processo que denominei ‘redução estrutural’. Por outro lado, ainda não tinha refinado a análise de textos poéticos.


Creio que o longo trabalho de preparo da ‘Formação’ me amadureceu em ambos os sentidos, podendo-se tomar como eixo os anos de 1959 e 1960. Foi a partir de então que preparei muitas análises de poemas para os meus cursos, algumas das quais estão em ‘Na Sala de Aula’ e em outros livros. Foi também naquela altura que publiquei o primeiro ensaio do tipo a que se refere, sobre estrutura literária e função histórica, analisando o ‘Caramuru’, de Santa Rita Durão.


FOLHA – Há uma característica interessante em sua obra que é a de não fazer uso direto e transplantado de conceitos sociológicos, de teoria literária ou de filosofia na análise das obras. O raciocínio é exposto com clareza e sem uso de recursos ‘esotéricos’ ou ‘técnicos’. Isso foi uma decisão consciente desde o início do seu trabalho? O que o levou a fazer essa escolha?


CANDIDO – Não há razão para evitar os termos técnicos quando são necessários, mas sempre que possível prefiro usar a linguagem corrente. Digamos que é mais um modo de ser do que uma decisão. Quando era moço li um livro do antropólogo inglês Evans-Pritchard que me confirmou nesta tendência. Ele dizia que a antropologia não é ciência, mas disciplina humanística, de modo que deve usar a linguagem comum. Foi o que procurei fazer quando era assistente de sociologia, à qual estendi o conceito, e foi o que sempre fiz nos estudos literários. Além disso, tenho o hábito didático de ser o mais claro possível, reconhecendo que isto pode ser fator de deficiência, pelo risco de simplificação indevida.’



TELECOMUNICAÇÕES
Mônica Bergamo


Anatel em chamas


‘Pega fogo a indicação do advogado Alexandre Jobim, filho de Nelson Jobim, para o conselho da Anatel, a agência que fiscaliza o setor de telecomunicações. Alexandre foi consultor da Abert, a associação de rádios e televisões que tem como principal associada a TV Globo.


‘Apesar de gostar muito do Alexandre Jobim e até respeitá-lo profissionalmente, devo dizer que a Band não concorda, de nenhuma forma, que a Anatel tenha um conselheiro caracterizadamente ligado aos interesses da TV Globo. Aliás, em nenhum outro órgão regulador do governo. É bom lembrar que a Abert é uma associação de classe de um único sócio: a TV Globo’, diz Johnny Saad, presidente do Grupo Bandeirantes.


GLOBO NÃO COMENTA


Jobim foi convidado para a Anatel pelo ministro Hélio Costa, das Comunicações. A emissora ‘não comenta nomeações’, segundo Luiz Erlanger, da Central Globo de Comunicação. Daniel Slaviero, presidente da Abert, diz que as afirmações de Johnny são ‘incorretas, inverídicas e injustas’ pois Jobim é um ‘profissional isento e maduro’ e ‘não é ligado à Globo. Ele prestou consultoria à Abert, que representa a radiodifusão inteira’. Band, Record, SBT e Rede TV! não fazem parte da Abert.


BONS OLHOS


Slaviero diz que a possível nomeação de Jobim para a Anatel ‘é uma nomeação política que não depende da Abert’, mas que a associação ‘enxerga com muitos bons olhos [a escolha de Jobim], por sua competência e representatividade’. A indicação de Jobim tem o apoio da cúpula do PMDB, como Renan Calheiros e José Sarney.’



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O Estado de S. Paulo


Quinta-feira, 9 de novembro de 2006


 


AUDIÊNCIA OU CONTROLE?
Dora Kramer


Hora do Brasil


‘O senador Almeida Lima anunciou ontem na tribuna que há um estudo no Senado sobre a extinção das transmissões ao vivo das sessões, tanto de plenário quanto de comissões, sob o argumento de que, sendo extensas e por vezes maçantes, levam a TV Senado a perdas constantes de audiência.


Pela proposta, todo o material produzido ao longo do dia iria ao ar mediante edição prévia.


Considerando que audiência não é o foco da TV Senado, uma emissora institucional, a única razão plausível é o desejo da direção do Senado de controlar o que vai ou não ao ar de acordo com a orientação partidária do comandante da ocasião.’


CULTURA
Leonencio Nossa


Gil chora ao dizer que se dedicou ao ministério


‘Numa cerimônia pública em que chegou a chorar, o ministro da Cultura, Gilberto Gil, disse ontem que a música não terá peso na decisão dele de aceitar ou recusar eventual convite do presidente Lula da Silva para que permaneça no Ministério da Cultura.


‘Não tenho necessidade nenhuma de compor mais’, ressaltou. ‘Se eu vier a deixar o ministério é muito mais para ficar em casa, com meu silêncio.’ As declarações de Gilberto Gil foram dadas após a solenidade de entrega do Mérito Cultural, no Palácio do Planalto.


Pouco antes, o ministro chorou ao discursar. ‘Emprestei um pouco da minha voz, meu corpo, um pouco da minha vida’, disse, referindo-se ao período em que está no governo. A platéia de artistas e produtores culturais aplaudiu e começou a gritar: ‘Fica, fica’.


Depois, diante da insistência de repórteres se aceitaria ou não um convite para ficar, Gil disse que precisa avaliar questões pessoais. ‘Há apelos dentro de mim mesmo’, salientou. ‘Poderei aceitar, poderei não ficar. Não especulem, esperem’, acrescentou. ‘Sejam generosos com o tempo, a história e a vida. Esperem que as coisas se decidam’, pediu Gil.’




INVESTIGAÇÃO
O Estado de S. Paulo


‘Folha’ pede revogação de quebra de sigilo


‘O delegado da Polícia Federal Diógenes Curado Filho pediu a quebra do sigilo dos extratos telefônicos da Folha de S. Paulo dos meses de agosto e setembro. Um dos números de telefone do jornal – um ramal instalado num comitê de imprensa do Congresso, em Brasília – constava da memória de um dos celulares de Gedimar Passos.


Os extratos telefônicos trazem a lista dos números que se comunicaram com determinado telefone, mas não revelam o nome dos interlocutores.


O delegado disse ontem que o pedido de quebra do sigilo dos extratos não foi intencional. Para agilizar os trabalhos, ele requereu à Justiça Federal de Mato Grosso a quebra dos sigilos telefônicos de Gedimar e dos extratos e cadastros dos telefones que trocaram chamadas com os aparelhos em poder dele.


Os números constavam de um laudo feito pelo Instituto Nacional de Criminalística. ‘Quando fiz o pedido, não sabia de quem eram os telefones apontados no laudo. Quando os extratos e os cadastros chegaram, verifiquei que os telefonemas da Folha da Manhã (grupo que edita o jornal) eram posteriores ao fato’, afirmou, referindo-se ao dia 15 de setembro, quando Gedimar foi preso. ‘Foram descartados por não serem objeto da investigação.’


Curado disse que não pediu os dados dos telefones que constavam dos extratos da Folha. ‘Imagino que eles (repórteres) tentaram falar com Gedimar, mas os aparelhos já estavam apreendidos.’ Segundo a PF, até o fim da apuração os extratos serão devolvidos ao juiz.


O diretor jurídico da Folha, Orlando Molina, disse que pedirá à Justiça que revogue a autorização de quebra de sigilo, alegando ‘monitoramento abusivo das atividades jornalísticas’. ‘A quebra configura violação do sigilo de fonte garantido pela Constituição’, argumentou.’




POLÍTICA ONLINE
O Estado de S. Paulo


Após Maia, Benedita também lança blog


‘De olho na eleição para a Prefeitura do Rio, em 2008, a principal articuladora do governo Lula no Estado, a ex-governadora Benedita da Silva (PT), entrará para o mundo dos blogs. Ela vai escrever sobre os bastidores de Brasília e apontar problemas e soluções para o Rio – falando para aliados, como o governador Sérgio Cabral Filho (PMDB), e para o seu desafeto, o prefeito Cesar Maia (PFL). O blog, que entra no ar neste mês e terá versão em inglês, é um contraponto às investidas de Maia, que já teve blog e agora divulga uma newsletter.’




MÍDIA
O Estado de S. Paulo


News Corp. lucra US$ 843 milhões


‘A News Corp., um dos maiores grupos de mídia do mundo, fechou seu primeiro trimestre fiscal, terminado em setembro, com lucro de US$ 843 milhões, ante um prejuízo de US$ 433 milhões no mesmo período do ano anterior. A receita do grupo no trimestre foi de US$ 5,9 bilhões, uma alta de 4%. A empresa justificou o crescimento no lucro pelo aumento da publicidade em suas redes de TV nos EUA e pela venda de alguns ativos.’




SOFTWARE
O Estado de S. Paulo


Windows Vista está pronto, diz Microsoft


‘A Microsoft anunciou ontem que seu novo sistema operacional Windows Vista está pronto e chega ao mercado, para pessoas físicas, em 30 de janeiro. As empresas, porém, poderão utilizá-lo a partir de 30 de novembro. A empresa, líder mundial em software, indicou em seu site que finalizou os trabalhos no programa, o que significa que quase todos os bugs (defeitos) identificados foram corrigidos e que esta será a versão enviada aos fabricantes de computadores e varejistas.’




TV
O Estado de S. Paulo


Globo faz as contas – Orçamento para 2007 emperra futebol


‘A semana que passou foi de fechamento de orçamentos para 2007 na Globo. Cada departamento teve de fazer as contas para o ano que vem, processo que, no caso do pessoal de esportes, provocou algum congelamento nas negociações da casa com os interessados em ocupar a vaga da Record na parceria do futebol.


Embora Bandeirantes e Sport Promotion tenham manifestado interesse no futebol da Globo, as conversas só agora começam a avançar para a precisão de cifras. Antes de saber quanto cada uma teria a oferecer, a Globo deve ter a exata noção do mínimo que poderá aceitar para contar com uma nova parceira em campo.


O preço já tinha sido baixado na última rodada de conversas com a Record, que bancava, até este ano, 20% dos custos arcados pela Globo junto ao Clube dos 13 para a compra dos campeonatos Brasileiro, Sul-Americano e Copa do Brasil. A Globo, diante das queixas da Record, baixou para 15% a fatia que caberia à outra, mas não houve acordo.


No SBT, outra emissora supostamente interessada na bola, aposta-se que o negócio só vingaria se Silvio Santos quisesse fazer birra à Record. Efetivamente, o patrão não tem interesse na bola.’




LULA E SADER
Verissimo


Tolerância zero


‘Teve um juiz que deu um pênalti no primeiro minuto de uma decisão de Copa do Mundo. Acho que foi em 74. O juiz virou uma legenda. Parece que foi embalsamado em vida e está até hoje em exposição na sede da Fifa, como exemplo de coragem e autoconfiança para os outros. Mas nenhum outro juiz, que eu saiba, seguiu seu exemplo. Ninguém dá pênalti ou expulsa jogador em começo de partida. Existe um período tácito de tolerância no qual os zagueiros aproveitam para impor sua autoridade na grande área, sem risco. Uma licença, por assim dizer, para matar, ou pelo menos para intimidar, com prazo marcado.


Os novos governos costumam merecer um privilégio parecido. Têm um período, que se convencionou ser de cem dias, para fazerem o que quiserem antes que comecem os protestos, as críticas da oposição – enfim, a vida normal. Nos seus cem dias de franquia o novo governo pode propor medidas impopulares e lançar projetos polêmicos sem temer a reação do Congresso ou do público. Ou seja, entrar como um Tonhão no calcanhar do centroavante sem medo do apito do juiz.


Por muitos anos ainda se especulará sobre como Lula poderia ter aproveitado a dimensão da sua primeira eleição, e o período de tolerância implícita que se seguiu, para fazer um governo mais audaz ou inovador. Não quis, ou não pôde, e não fez. As alianças com PTBs e etc. eram mesmo necessárias ou o PT poderia ter se arranjado sozinho, baseado na legitimidade conquistada nas urnas e no entusiasmo inicial do seu eleitorado? Nunca saberemos. Agora houve outra vitória do mesmo tamanho do Lula mas a situação é diferente. A oposição não lhe dará dois minutos de tolerância. Ficaram muitos ressentimentos e muitas coisas inexplicadas pendentes no ar, agora as alianças heterodoxas são condições para a sobrevivência – inclusive nos primeiros cem dias. O único proveito que Lula tem deste período de boa vontade, mesmo limitada, pós-eleição é o de poder sinalizar que Delfim Netto talvez faça parte do seu governo sem que ninguém se engasgue muito ruidosamente.


É inacreditável a sentença que pode significar a perda do seu posto na Universidade do Emir Sader, como punição pela sua opinião sobre o Bornhausen. O manifesto que assinei em favor do Sader poderia ser assinado por qualquer brasileiro, de qualquer posição política, pois é antes de mais nada contra um julgamento absurdo, e uma justiça absurda ameaça todo o mundo.’