GUERRA DAS CHARGES
Riso e democracia
‘‘As pessoas têm medo do riso porque ele corta, exclui, agride. Elas precisam do riso porque ele distende, desarma, une.’
Claude Roy
A democracia fortalecida por Sólon agonizou em 322 a.C. Mas viveu 200 anos. O regime se tornou viável porque destinado a 42 mil cidadãos. Outra vantagem do modelo ateniense -paradigma do Ocidente político- reside nos seus prudentes estadistas, contra os demagogos. Os líderes ponderados praticam um imperativo categórico: ‘nada em demasia’.
Desse modo, a dosagem dos elementos constitucionais permitiu que o Estado não fosse conduzido segundo princípios vagos (alimento para os demagogos) nem retomasse a tradição inquestionada (alimento dos aristocratas).
A democracia ateniense, elaborada lentamente, experimentou modificações sucessivas. Nenhum setor social teve preponderância absoluta no jogo político nem aniquilou os demais. Cada instância de poder era corrigida por outra, de modo que todas contribuíssem para a boa ordem constitucional.
Entre os direitos garantidos na democrática Atenas, o mais elevado é o de opinião, unido à crítica e ao riso. Os inimigos daquele regime se beneficiaram da sua moderação. Apesar de algumas tragédias, como o processo de Sócrates, a tolerância imperou na cidade e, nela, foi possível criticar com máxima crueza as instituições e os seus chefes. Mesmo Sócrates, durante um terço de século, falou com toda liberdade contra a ordem democrática.
‘A comédia, a tragédia, o panfleto, os textos de propaganda hostis ao regime, às inúmeras leis e aos órgãos diretivos ou contra os seus defensores não foram perseguidos. Logo, um grande liberalismo, uma verdadeira liberdade de imprensa duplicada pela tribuna livre, onde se combatiam concepções e paixões variadas: a ‘oposição’ política intelectual não foi proibida’ (P. Cloché, ‘La Democratie Athénienne’).
‘A República’ de Platão é um requisitório violento contra a democracia em nome da justiça. As peças de Aristófanes (sobretudo ‘As Vespas’) caçoam dos sagrados valores democráticos justamente no ponto dolorido e atacado por Platão: a justiça. Aristófanes pinta os juízes democráticos como venais. O riso das platéias consagra o seu gênio, mas evidenciam seu erro político e ideológico. Sem riso, não existe democracia.
É por tal motivo que as democracias ocidentais são hoje atacadas -na guerra das sátiras caricatas- pelas massas que se curvam, sérias e silentes, sob as piores ditaduras.
Na ordem cristã, apesar dos muitos tiranos sérios, há abertura ao riso. Ainda agora pode-se ler na prestigiosa revista ‘Concilium’ artigos como o de Karl-Joseph Kuschel sobre o poder liberador da gargalhada. Nenhum católico verdadeiro ignora os conselhos de Pascal na 11ª ‘Carta a um Provincial’: ‘Há muita diferença entre rir da religião e rir de quem a profana por opiniões extravagantes (…) seria impiedade deixar de impor o desprezo pelas falsificações que o espírito do homem opõe à religião’.
O Éden prometido é um lugar onde a liberdade e o riso se realizam ao máximo: ‘Os justos rirão e tremerão ao mesmo tempo’. Pascal evidencia o castigo do pecado pelo riso divino: ‘Nas primeiras palavras ditas por Deus ao homem após a queda se encontra uma caçoada e uma ironia picante (…) pois, seguindo-se à desobediência de Adão, Deus, como castigo, tornou-o sujeito à morte e, após tê-lo reduzido à condição miserável devida ao pecado, riu dele com palavras de brincadeira. Eis que o homem se tornou um de nós. Isso é uma ironia cruel e sensível pela qual Deus o espetou vivamente’.
Quando se proíbe o direito humano ao riso, a inteligência, a fina percepção e a crítica são torturadas. Não por acaso, Kant diz que a religião, com a sua santidade, e os governos, com a sua majestade, não têm a prerrogativa de fugir à crítica. O autor dos ‘Sonhos de um Visionário’ sabia manipular a risada, algo aprendido com Voltaire, outro que ajudou a destruir o reino da pretensa santidade que mantinha fogueiras e autos da fé. Na ordem laica, a religião deve ser vista oficialmente nos limites da simples razão. Sem mais.
Os brasileiros aprenderam a valorizar o riso contra as duas ditaduras do século 20. Sem Stanislaw Ponte Preta e o ‘Febeapá’, muito sangue a mais correria no solo brasileiro. O mesmo vale para o ‘Pasquim’ e todos os nossos cartunistas, vítimas preferidas da censura.
Após tanta luta, é covardia aceitar o ultimato dos que se pretendem sérios quando se trata da sua religião ou ideologia, mas se sentem à vontade para pregar o ódio, silenciar sobre homens-bomba quando estes se proclamam fiéis a sua crença. Não é hora de fazermos mea-culpa, renegando o sangue dos nossos mártires, como Vladimir Herzog e milhares de outros. É tempo de ampla defesa da democracia. E do nosso direito sagrado de rir neste vale de lágrimas onde pontificam os que defendem o terror e a censura.
Roberto Romano, 59, filósofo, é professor titular de ética e filosofia política na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e autor de, entre outras obras, ‘Moral e Ciência – A Monstruosidade no Século XVIII’ (ed. Senac/São Paulo).’
Luciana Coelho
Sarcasmo com política árabe faz de blogueiro egípcio sucesso na rede
‘Abaixo do banner que brada ‘compre produtos dinamarqueses’, um botão pede dinheiro. Para atrair potenciais doadores para seu ‘fundo emergencial de fuga’, o autor não titubeia: ‘Ajude a conspiração neoconservadora americana cristã-sionista imperialista no Oriente Médio’. Não, o blog não é americano -nem da Dinamarca, lugar onde começou o entrevero com as charges do profeta Muhammad. É egípcio. Árabe e muçulmano.
Sandmonkey (http://egyptian sandmonkey.blogspot.com) conquistou a cibercelebridade há pouco mais de uma semana, quando um post seu denunciando a publicação das charges polêmicas por um jornal egípcio três meses antes de os protestos violentos estourarem passou a ser citado por outros blogs e a rodar caixas de e-mail pelo mundo.
Doações financeiras, até agora, ele não conseguiu. Já fãs… ‘Recebo minha quota diária de xingamentos e comentários ofensivos, mas ela é superada de longe pelos comentários positivos’, escreveu à Folha em entrevista por e-mail.
A dose de atenção voltada para seu blog é justificável. Não são muitas as chances de leitores e internautas ocidentais entrarem em contato com uma opinião crítica e acurada de alguém que tenha nascido e ainda viva no lado islâmico do mundo, sob uma ditadura. O fato de ser uma pessoa comum só torna tudo mais interessantes.
A empreitada começou no fim de 2004, por pura ‘frustração’, diz ele. ‘Havia tantas idéias sendo disseminadas sem nenhum contraponto entre meus compatriotas precisando ser debatidas, especialmente essa história da conspiração-judaica-que-vai-dominar-o-mundo que enche a cabeça da maioria dos egípcios’, conta. Diariamente, são duas ou três horas dedicadas ao site, constantemente atualizado. ‘Queria dar ao mundo uma perspectiva diferente do Egito. Sabe, nem todo mundo odeia os EUA, culpa os judeus por tudo e é contra a guerra do Iraque, como vocês são levados a crer.’
De fato, em seu site (e na entrevista à Folha) não há comiseração por líderes islâmicos, a imprensa ou qualquer governo da região. Mas tampouco há arroubos quanto ao Ocidente, embora o autor se declare, ironicamente, ‘um libertário secular pró-EUA irritante e rabugento’. O que há é isso: doses colossais de cinismo e sarcasmo, mesmo autodirigido.
Medo de aparecer
Sandmonkey -ao pé da letra, ‘macaco de areia’, alusão pejorativa aos árabes em inglês – não revela sua identidade. Com alguma insistência, contou à reportagem que vive no Cairo, tem 25 anos e trabalha no setor financeiro. No blog, diz ser muçulmano.
O desejo de anonimato é compreensível. ‘Escrever aqui do Egito me deixa aterrorizado às vezes, pois você nunca sabe o que faz os agentes do governo virem atrás de você’, afirma, citando o caso do estudante de direito Abdel-Karim Suleiman, preso em 2004 supostamente por conta de seu blog.
Com essa sensação no ar, a blogosfera egípcia acaba restrita. ‘Ela está sadia e cresce, mas ainda é meio monótona. É raro aparecer alguém com idéias diferentes’, pondera. ‘Mas os veteranos têm conseguido fazer diferença, organizando manifestações, defendendo causas e trazendo à luz problemas que de outra forma nunca seriam mencionados’, diz.
Ainda assim, o cenário é animador num país onde a imprensa teme que a pouca liberdade que tem lhe seja tirada repentinamente (‘acho que é por isso que os jornais de oposição não atacam muito o governo. E os jornais do governo são inúteis, as pessoas só compram pelo obituário’, diz).
No caso das charges dinamarquesas, Sandmonkey foi contra a maré local e defendeu veementemente a liberdade de imprensa, mesmo achando que as charges desrespeitavam sua religião.
‘Boicotem o Egito’, diz no post sobre o jornal ‘Al Fagr’, do Cairo, que publicou as charges em outubro -um mês após a publicação original, pelo dinamarquês ‘Jyllands-Posten’ e três antes da eclosão dos protestos que já deixaram mais de 20 mortos. ‘Eles fizeram para denunciar o jornal dinamarquês, mas o ponto é que o motivo dos protestos foi ter retratado Muhammad, algo proibido no islã, e não fazer graça com a religião’, escreveu, após receber 30 mil visitas e quase 400 comentários em poucas horas. ‘Por que ninguém reclamou na época, só depois?’ Para ele, os protestos foram politicamente manipulados.
Com a imprensa ocidental tampouco há leniência (‘muitas vezes acho que omitem informações intencionalmente’), nem com as políticas do governo americano na região. ‘São políticas de desespero’, diz, lembrando que os EUA apóiam ‘governos tiranos’ na região -a começar do egípcio.
Mas ele simpatiza com a bandeira do ‘espalhar a democracia a qualquer custo’ de George W. Bush. Se o blogueiro acha que os países árabes estão preparados para uma democracia à americana? ‘Seriam necessárias algumas adaptações. Antes de tudo é preciso construir a confiança no voto.’’
PROPAGANDA OFICIAL
Governo acelera gastos em publicidade institucional
‘Antes mesmo de o Orçamento de 2006 ser aprovado no Congresso, o governo federal acelerou os gastos com publicidade no último ano de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Nos primeiros 45 dias do ano, os compromissos de gastos (empenhos) alcançaram R$ 46,8 milhões. A maior parte desse dinheiro (R$ 25,8 milhões) está reservada à publicidade institucional, que cuida da imagem do governo.
Considerados o primeiro passo da despesa, os empenhos registrados até 15 de fevereiro em publicidade representam o dobro do ritmo de gastos em 2005. Até o final de fevereiro do ano passado, haviam sido empenhados R$ 23,5 milhões em publicidade institucional e de utilidade pública.
O calendário eleitoral imporá recesso à propaganda institucional a partir de 30 de junho.
Até dezembro, o governo espera gastar R$ 364,5 milhões com propaganda na administração direta. O valor foi proposto no projeto de lei orçamentária em votação no Congresso. É mais do que foi gasto nos primeiros três anos de mandato de Lula, mas menos do que foi gasto nos últimos anos da gestão FHC, segundo os dados corrigidos pelo IGP-M (Índice Geral de Preços do Mercado, da Fundação Getúlio Vargas).
Os números não incluem os gastos das estatais, responsáveis pelo maior volume da publicidade oficial e que não se submetem ao controle do Siafi (sistema de acompanhamento de gastos federais). No conjunto com as estatais, a publicidade oficial vem consumindo mais de R$ 1 bilhão por ano. A maior fatia paga a divulgação de campanhas na televisão.
Social
A prioridade da Secom (Subsecretaria de Comunicação Institucional), por ora, é a nova fase da campanha iniciada no fim de 2005 para dar visibilidade a ações do governo nos Estados e que avançará agora para o Nordeste.
O Bolsa-Família e o Prouni (Programa Universidade para Todos) terão destaque na campanha, que também apresenta obras feitas pela União nos Estados e o slogan: ‘Onde tem essa marca, tem governo federal’. Os indicadores sociais são acompanhados pela Secom e poderão ser objeto de campanhas durante o ano, adiantou Caio Barsotti, subsecretário de Publicidade da Secom.
Os R$ 25,8 milhões já comprometidos, explicou Barsotti, não se destinam a uma campanha predefinida. O dinheiro reservado foi dividido meio a meio entre a Lew, Lara e a Matisse, as duas agências responsáveis pela conta do Planalto desde que o marqueteiro Duda Mendonça foi afastado, em decorrência do envolvimento no escândalo do caixa dois do PT.
Na publicidade de utilidade pública, os ministérios da Saúde, da Educação, do Desenvolvimento Agrário e da Justiça dividem a maior parte das verbas.
Gasto antecipado
A demora na aprovação do Orçamento não freou os gastos públicos, nem mesmo os investimentos, liberados parcial e discretamente por decreto de 8 de fevereiro, com a assinatura do vice-presidente José Alencar.
No mesmo período em que R$ 46,8 milhões foram reservados para publicidade, o Ministério dos Transportes comprometeu R$ 147,3 milhões para manutenção de rodovias federais, segundo dados do Siafi disponíveis no site contasabertas.uol.com.br.
O ritmo dos gastos, no entanto, é bastante irregular. O programa Primeiro Emprego, que já foi prioridade do governo, teve empenhados até 15 de fevereiro apenas R$ 36 mil. O programa Habitação de Interesse Social e Urbanização, por exemplo, até a última quarta-feira, não havia dado nenhum passo.’
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Lula deve usar marca da Petrobras
‘Além de se utilizar eleitoralmente dos gastos em publicidade institucional do governo federal, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva também deve se beneficiar dos investimentos em propaganda das empresas estatais. A Petrobras, a maior delas, deve lançar em abril uma campanha para comemorar a auto-suficiência do país em relação ao petróleo.
A empresa vai se promover até na rede pública de ensino. Serão distribuídas a professores e estudantes de 14 a 18 anos de todo o país cartilhas -com marcado tom nacionalista- que trazem explicações sobre a importância de o Brasil produzir petróleo suficiente para abastecer o mercado interno, sem depender de exportações. Até o fim deste semestre, a estatal deve anunciar a produção de 2 milhões de barris do óleo por dia, quantidade que corresponde às necessidades do país.
A campanha comemorativa da auto-suficiência soma R$ 37 milhões, incluindo as comissões das agências publicitárias e custos de produção e veiculação. As agências que hoje atendem a Petrobras são a Duda Propaganda, a F/Nazca e a Quê, que tiveram contrato renovado por mais um ano no fim de 2005.
Duda Mendonça, que fez a campanha de Lula à Presidência em 2002, detém com as outras duas agências a conta da Petrobras desde dezembro de 2003. O publicitário é investigado pela CPI dos Correios e pela Polícia Federal por seu envolvimento com o escândalo do ‘mensalão’. Ele admitiu ter recebido R$ 10,5 milhões do caixa dois do PT em conta no exterior.
Depois da confissão, Duda não teve seu contrato com a Presidência da República renovado para a publicidade do governo. Ele trabalhava com até R$ 150 milhões por ano, junto com outras duas agências, a Matisse e a Lew, Lara.’
DANO MORAL
Editora terá de indenizar familiares de Garrincha
‘O STJ (Superior Tribunal de Justiça) reconheceu o direito de duas filhas do jogador de futebol Manoel dos Santos, o Garrincha, receberem indenização por danos morais e materiais da editora Schwarcz (Companhia das Letras) pela publicação de ‘Estrela Solitária – Um brasileiro chamado Garrincha’, de Ruy Castro, que teria maculado a imagem do pai.
A 4ª Turma do STJ julgou dois recursos das filhas de Garrincha e um da editora, negando este último. Para reparar os danos morais, cada uma receberá cem salários mínimos corrigidos com juros de 6% ao ano a partir da data de lançamento do livro, em 1999. Em valores atuais, o valor corresponderia a R$ 30 mil.
A reparação dos danos materiais foi fixada em 5% sobre o total do valor arrecadado com a venda do livro, corrigido com juros de 6% ao ano desde a citação das partes do processo.
A editora Schwarcz argumentou que o direito de imagem é ‘personalíssimo’ e que isso impediria a sua transmissão para herdeiros. O relator dos recursos, ministro Cesar Asfor Rocha, não aceitou esse argumento.
‘Não se pode subtrair dos filhos o direito de defender a imagem e a honra de seu falecido pai, pois eles, em linha de normalidade, são os que mais se desvanecem com a exaltação feita à sua memória, como são os que mais se abatem e se deprimem por qualquer agressão que lhe possa trazer mácula’, disse o ministro.
Cesar Rocha afirmou ainda que ‘a imagem da pessoa famosa projeta efeitos econômicos para além de sua morte, pelo que seus sucessores passam a ter, por direito próprio, legitimidade para postularem indenização em juízo, seja por dano moral, seja por dano material’.’
MEMÓRIA / OTTO MARIA CARPEAUX
O mapeador da cultura
‘O projeto de publicação da obra integral de Otto Maria Carpeaux, cujo primeiro volume reunira seus seis livros de crítica literária, prossegue agora com o lançamento de ‘Ensaios Reunidos – 1946-1971’, coordenado por Christine Ajuz, que traz 205 artigos dispersos em suplementos literários de jornais, como ‘A Manhã’, ‘O Jornal’ e ‘O Estado de S. Paulo’, além de três prefácios.
Co-editor das enciclopédias Barsa, Delta Larousse e Mirador; autor de obras de referência como ‘História da Literatura Ocidental’, ‘Bibliografia Crítica da Literatura Brasileira’ e ‘Uma Nova História da Música’, o vienense Carpeaux foi autor prolífico no Brasil, onde chega em 1939, e antes ainda, quando, judeu converso ao catolicismo, escreve a favor da independência da Áustria diante da Alemanha nazista. O melhor estudo de sua obra, deve-se a Mauro Ventura: ‘De Karpfen a Carpeaux – Formação Política e Interpretação Literária na Obra do Crítico Austríaco-Brasileiro’, lançado pela Topbooks em 2002, criteriosamente referido na esclarecedora introdução do poeta e amigo Ivan Junqueira.
A pergunta óbvia a fazer é: qual o interesse de ler Carpeaux hoje? Para respondê-la de maneira não-burocrática, será preciso deixar de lado o simples registro cronológico de que foi o primeiro a escrever no Brasil sobre inúmeros artistas -entre eles, Kafka e Vermeer-, para ir logo ao núcleo de articulação de suas ‘crônicas literárias’. Para ele, a literatura é um domínio coeso, no qual paisagens históricas longínquas mantêm ligação com o que há de mais novo na cultura.
Com base nessa compreensão de que o presente modifica o passado tanto quanto é movido por ele, Carpeaux supõe que o crítico deva agir como o encarregado de organizar o mapa de uma Terra em movimento contínuo, observando cuidadosamente novas possibilidades de leitura de obras antigas bem como linhas da tradição capazes de sustentar obras recentes.
Há aqui muito da noção de ‘fenômeno da cultura’, de Eliot, mas sobretudo certas concepções-chave de Croce, que Carpeaux entende ser o maior crítico do século 20. Entre elas, a de que os dados biográficos não dão conta dos sentidos da obra ou a de que os conteúdos racionais -a filosofia- não são o supremo fim da literatura, pois isso significaria o sacrifício dos elementos emocionais e imaginários, para cuja expressão a literatura é imprescindível.
Ressaltar limites
Não se trata de renunciar à análise da obra, pois os motivos irracionais presentes nela se revelam sempre na ‘forma literária’, a ser examinada de maneira ‘completa’, em termos de coerência interna e externa, e de seu poder de convicção. Assim, Carpeaux tende a ressaltar tanto os limites do ‘classicismo’, entendido como restrito às normas de ‘conveniência’ artística, quanto os da análise sociológica, que pode dar conta das condições de aparecimento da obra, mas não de sua qualidade, e, em particular, os limites da dialética materialista, cuja dificuldade para lidar com a interpretação de valores que sobrevivem depois de desaparecer as condições que os criaram é manifesta já ao próprio Marx.
Além disso, a idéia de uma obra de arte inserida num continuum de cultura, que suscita uma ‘ciência geral das expressões’, sem separação entre as artes, como queria Croce, torna Carpeaux especialmente hostil ao que chama de ‘falso heroísmo da incompetência especializada’. Especialistas em artes parecem-lhe tão falsos quanto ‘heróis profissionais da revolução’, a quem faltava a decência do diletante.
Em particular, a universidade, enquanto ‘universitas litterarum’, teria de estar acima do ‘especialismo míope’ para atingir o verdadeiro ‘espírito universitário’, que não se satisfaz com a transmissão de noções consagradas para formar especialistas, quando não publicitários -isto é, especialistas no emprego de slogans partidários.
Em favor da mesma visão de inserção e abrangência cultural, Carpeaux prefere, ao determinismo unilateral do romance naturalista, a técnica mais sutil de ‘vários planos que se iluminam reciprocamente’, a escolha da ‘nuança estilística conforme o aspecto da vida’, composta de ‘realidade e ficção’, ‘de ordem e aventura’, num ‘perspectivismo’ que admite a verdade parcial em todas as diferentes formas de vida.
Por isso, também a grande poesia é a que nunca diz tudo. Ou melhor, o que ela diz depende das franjas sentimentais de seu núcleo racional, intraduzíveis em prosa, e que, pela ‘ambigüidade’ que lhe é essencial, tem sempre a capacidade de suportar renovadas interpretações ou, como na fórmula de Eliot, ‘novas maneiras de errar’. É a ambigüidade que fornece igualmente a forma do ‘mistério’ da obra, cujo fundamento psicológico está na liberdade de decisão do autor, em luta contra todos os determinismos.
Tal movimento das coisas em arte é inimigo implacável dos modernismos, tornados rapidamente em antiqüismos; bem como, no lado oposto, do romance histórico e do romance de emigrantes, inexoravelmente falsificados pelas teorias do passado introduzidas pelos autores.
Na direção oposta, para o crítico, o fenômeno total da cultura é profundamente afim do que nomeia pela noção de ‘barroco’, que nada tem a ver com o que -eu, pelo menos- julgaria mais próprio dela, a alegoria, reduzida por Carpeaux a correspondência mecânica de invenções metafóricas a fatos ou idéias.
‘Estilo da velhice’
No ‘barroco’, Carpeaux busca o que ele supõe ser o seu núcleo ‘simbólico’, cujas imagens fantásticas não admitem correspondência imediata com a realidade, dando margem a significações mais amplas e interpretações diversas. À noção de ‘barroco’ também faz corresponder o ‘estilo da velhice’, no qual o artista se encontra só numa época que despreza, tendendo então ao hermetismo, ao descaso da técnica, ao repúdio do realismo, à eliminação das contingências e à imaterialidade.
Não repito tais categorias, aqui, porque as adote ou porque julgue boa teoria, mas, ao contrário, porque os aspectos datados desse pensamento são facilmente reconhecíveis. Ou antes: porque desse modo fica ostensivamente demonstrado que a posição teórica anacrônica não esgota o interesse de ler Carpeaux. Se estamos distantes do idealismo crociano -ou não?- e se a concepção romântico-tedesca da arte seiscentista, totalizada na noção de um ‘abscôndito’ barroco, não passa hoje de suma banalidade acadêmica e chamariz comercial, a verdade é que, surpreendentemente, isso não liqüida o interesse dos seus escritos.
Em Carpeaux, a crítica respira nas analogias de estrutura e sentido que opera entre as obras, na largueza de notícias delas, na familiaridade de freqüentação e, sobretudo, na inteligência aguda que permite fazer ‘reconsiderações’, isto é, produzir atos de descoberta de qualidades desapercebidas em contemporâneos ou de redescoberta não de exumação arqueológica ou memória historiográfica -de poetas e estilos.
Bastava nos levar por caminhos repletos de apontamentos de um saber vivamente experimentado para gostar de reler Carpeaux. Nem seria preciso que, algumas vezes, ao aplicar com mestria os recursos da disseminação e recolha, da repetição estratégica de certas metáforas, os ensaios, como o diz Ventura, parecessem ‘impregnados de atmosfera de piedade’ e ‘de meditação religiosa’. A leitura de Carpeaux nos reassegura, hoje, que, ao menos em crítica, não há nenhuma vantagem nos destinos serem decididos pelos ignorantes e incultos.
Alcir Pécora é professor de teoria literária da Universidade Estadual de Campinas e autor de ‘Máquina de Gêneros’ (Edusp).
Ensaios Reunidos – 1946-1971 942 págs., R$ 93,90 de Otto Maria Carpeaux. Ed. Topbooks (r. Visconde de Inhaúma, 58, sala 203, CEP 20091-000, RJ, tel. 0/xx/21/ 2233-8718).’
TV DIGITAL
TV digital deve ser adiada, diz Staub
‘Apesar de as discussões para a escolha do padrão de transmissão da TV digital no Brasil já estarem mais do que maduras, o país ainda não está pronto para a decisão. O governo deveria adiar a definição para até junho, no mínimo.
A opinião é do empresário Eugênio Staub, dono da Gradiente, a maior empresa brasileira do setor eletroeletrônico. Na semana passada, ele fez uma apresentação sobre TV digital durante reunião do CNDI (Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial), com a presença dos ministros Dilma Rousseff, Antonio Palocci e Luiz Fernando Furlan.
A apresentação de Staub ocorreu a pedido de Furlan, para que ele expusesse aos ministros presentes a posição da indústria em relação àquele tema. O ministro Hélio Costa (Comunicações) não participou da reunião, até porque ele não faz parte do CNDI. São três as tecnologias em exame pelo governo: a japonesa, a americana e a européia.
Costa defende abertamente o padrão japonês e quer que o governo tome a decisão rapidamente, ao passo que Furlan é mais simpático ao modelo americano ou europeu.
Nos bastidores, existe uma ‘guerra’ travada entre as emissoras de televisão (exceto a Bandeirantes), que defendem o padrão japonês, e as empresas de telefonia, que preferem as duas outras tecnologias.
Staub afirma que a Gradiente não é alinhada com nenhum padrão específico, mas diz que há muitos aspectos, tanto políticos como econômicos e sociais, além do tecnológico, a serem examinados e negociados na decisão a ser tomada pelo governo. ‘Essa é a decisão mais importante da radiodifusão dos últimos 60 anos’, diz o empresário. ‘A escolha do padrão Pal-M é brincadeira.’
Apesar dos lobbies envolvidos na discussão e nas divergências entre os ministros, Staub afirma que o processo está sendo levado de forma muito profissional dentro do governo. Ele acha que Hélio Costa teve o mérito de pôr na pauta um assunto que já se arrasta há dez anos.
Staub também admite que, tecnicamente, o melhor padrão é mesmo o japonês, mas os três atendem às necessidades do país. ‘Até dois meses atrás, o assunto não estava sendo discutido com a profundidade que se exigia’, diz Staub. ‘Agora sim.’’
MÍDIA & TECNOLOGIA
Feira expõe incertezas com novas tecnologias
‘Nada mais incongruente com a utopia da convergência que o mundo da telefonia celular. É o que se revelou no gigantesco 3GSM World Congress, realizado na semana passada em Barcelona.
Há mais dúvidas que certezas em todas as questões relevantes: como cobrar pelos serviços, que tipo de conteúdo oferecer, em quais tipos de telefones investir, o que fazer para enfiar mais memória nos aparelhinhos ou como desenhar serviços e fazer as alianças estratégicas certas.
Os números do evento foram de tirar o fôlego: mais de 50 mil visitantes, 40% a mais que na edição do ano passado (em Cannes), 1.900 correspondentes de todos os tipos de meios de comunicação e 962 empresas. Um resultado paradoxal de tanta audiência foi o congestionamento da rede sem fio que havia sido instalada para esse evento. Casa de ferreiro, espeto de pau.
O site da wikipedia, espécie de enciclopédia interativo-virtual em que os internautas podem fazer adendos às informações contidas e manter o conteúdo atualizado (www.wikipedia.org), informa: GSM (Global System for Mobile Communications, ou Sistema Global para Comunicações Móveis) é o padrão mais popular para celulares do mundo.
Os telefones GSM, usados em mais de 200 países, adotam um padrão tecnológico aberto que chegou à terceira geração (também conhecido como ‘3G’), combinando acesso móvel de alta velocidade com serviços baseados no protocolo internet. Há consórcios para apoiar a evolução desse padrão tecnológico, como o que é desenvolvido desde 1998 pelo ‘3rd Generation Partnership Project’, reunião de cinco empresas da Europa, do Japão, da China, dos EUA e da Coréia do Sul.
Na União Européia foram vendidas caríssimas licenças para operar nesse mercado (ao contrário do modelo japonês). Os investimentos já realizados no setor superam os US$ 120 bilhões. Até hoje não se sabe como esse investimento será recuperado.
O Japão foi o primeiro país a introduzir o 3G em larga escala, chegando a 2005 com 40% de participação no mercado de aparelhos usando essa tecnologia. Mas a principal aplicação no mercado japonês não é a videotelefonia, que perde para a distribuição de música. Na realidade, o cenário da convergência entre radiodifusão e telefonia ainda é incerto (estima-se que apenas 50 milhões de usuários, entre mais de 1 bilhão, já acessam vídeo móvel pelo celular). A aplicação predominante ainda é o envio de textos curtos ou ‘instant messaging’.
Vedete
No mercado atual a grande vedete é a China, onde se esperam vendas de US$ 12 bilhões em equipamentos até 2008, quando o país sediará a Olimpíada.
A Copa do Mundo é outra oportunidade aguardada com ansiedade por operadoras e produtores de conteúdo. Segundo a Juniper Research, o mercado para apostas pelo celular passará dos atuais 4,6 milhões de usuários para 100 milhões até 2009 (essa aplicação ainda é proibida na China e nos Estados Unidos). A estimativa de receita combinando cassinos, loterias e apostas móveis para o mesmo período é de US$ 19,3 bilhões.
Apesar das dúvidas sobre o futuro da convergência móvel, ninguém se arrisca a ficar de fora, do Google à Microsoft, passando por Vodafone e Endemol. O congresso anunciou também premiações de produtos, serviços e tecnologias que servem ao menos como indícios do que vem por aí. O prêmio de inovação foi dado ao serviço ‘SpinVox’, que consegue transformar o ‘voicemail’ em mensagens de texto.
No entretenimento, foram premiados produtos e serviços para games, música, vídeo e esportes. Jorma Ollila, presidente da Nokia, foi o executivo homenageado.
Não é consolo, mas se já é complicado comparar padrões em TV digital, a sopa de letras e os modelos de negócios na telefonia são ainda mais divergentes. As culturas de uso do celular são radicalmente diferenciadas entre europeus, asiáticos e norte-americanos. Nada parece mais global e na prática é tão local quanto o uso do telefone celular.
Gilson Schwartz é diretor da Cidade do Conhecimento (www.cidade.usp.br), projeto do Departamento de Cinema, Rádio e TV da Escola de Comunicações e Artes da USP.’
TELEVISÃO
TV quer fazer novela brasileira sem Brasil
‘O crescente sucesso das novelas pelas TVs do mundo todo e a expansão vertiginosa do mercado hispânico nos Estados Unidos estão gerando um boom no setor. Grandes redes de mídia da Europa e dos Estados Unidos agora querem produzir seus próprios dramalhões.
E, se depender de Ricardo Scalamandré, 54, os americanos vão acompanhar as novelas brasileiras sem dublagem a partir de 2008. O diretor da Globo Internacional, responsável pelo canal a cabo e pelas vendas de produtos da emissora no exterior, tem falado com produtores americanos interessados em produções locais de telenovelas, com atores e locações americanas.
As grandes redes norte-americanas ABC e CBS não escondem seu interesse por telenovelas em inglês, resultado do sucesso do gênero latino-americano que já está sendo produzido localmente na Europa.
No Leste Europeu, de acordo com um recente artigo na revista ‘Foreign Policy’ sobre a globalização das novelas, a novela latino-americana teve boa penetração assim que os meios de comunicações puderam exibir algo além do discurso oficial comunista: elas eram baratas e falavam de temas caros ao público dos países da região, como a crise econômica e a instabilidade social.
Só que o sucesso tem sempre seu preço, e logo russos e croatas estavam produzindo seus próprios folhetins. Agora a novela dá um novo passo em direção à globalização da produção, com realizações locais gerenciadas por grandes produtoras internacionais a partir de roteiros de sucesso latino-americanos.
Os alemães estão vidrados em ‘Betty, la Fea’, novela colombiana de sucesso no mundo todo que passa entre nós na RedeTV! e conta a história de uma economista feia em busca de sucesso profissional. E de um grande amor.
Mas o público germânico torce é por Lisa Plenske, que tem aparelho nos dentes como Betty, mas cabelos claros e óculos de armação rosinha. Na Alemanha, a novela se chama ‘Vertlieb in Berlin’ (‘Apaixonada em Berlim’), e Lisa também não é bonita nem é uma ‘Powerfrau’ nos negócios.
A novela está fazendo tanto sucesso que uma versão holandesa já está sendo feita pela produtora européia Fremantle Media.
Entrada da Globo
A Globo quer entrar nesse filão de novelas locais, pois parece que novela dublada e horário nobre não combinam muito.
Ela já produziu ‘Vale Todo’ em 2002 com a Telemundo, emissora voltada ao público hispano-americano de propriedade da rede americana NBC.
O texto de Gilberto Braga consagrou as vilãs Odete Roitman e Maria de Fátima entre os brasileiros -a pergunta ‘quem matou Odete Roitman?’ parou o país-, mas com atores latino-americanos e filmada no Rio de Janeiro ele não encantou o público hispano-americano.
Agora a emissora brasileira busca um modelo novo de co-produção. Quer acompanhar a produção da novela de perto, garantindo o padrão que lhe traz sucesso no mercado doméstico e se diferenciando da Fremantle e da Sony, que apenas pinçam roteiros de sucesso e os produzem localmente nos países de quem recebem a ‘encomenda’.
As locações serão feitas nos países de exibição, e o resto será discutido em negociações que a Globo diz estar travando com inúmeros parceiros.
Preço da novela
Mas qual o preço pago por uma novela nos EUA? O analista Phillip Remek, 38, do Banco de Investimentos Guzman & Company, diz que o preço é de 30% a 40% da receita líquida de anúncios, mas esse é um valor aproximado, pois o preço é definido antes que se conheça a receita.
Hoje uma inserção publicitária de 30 segundos custa mais de US$ 2.000 para a novela ‘Celebridad’ no mercado norte-americano, o que significa que ela deve arrecadar aproximadamente US$ 80 mil a cada dia para a Telemundo. A Univision, com maior audiência, consegue impor preços nacionais por inserção de até US$ 75 mil no horário nobre. Ela tem um belo lucro com as novelas, pois paga à Televisa, que as produz, apenas de 12% a 15% da receita líquida, de acordo com Remek, por questões contratuais.
Já uma inserção no horário nobre das grandes redes americanas pode custar US$ 500 mil. Não é à toa que a Globo está de olho nesse mercado mais amplo.
Além da concorrência com os competidores latino-americanos e com as grandes produtoras internacionais como a Fremantle e a Sony, a Globo ainda enfrenta o desafio de fazer novela brasileira sem Brasil.
Os estrangeiros que vêem novela brasileira se deliciam com nossas paisagens e com o caos dos relacionamentos humanos apresentados na tela pequena. Eles consomem Brasil nas novelas tanto quanto nós consumimos Nova York nos filmes e seriados norte-americanos.
Será que a Globo vai conseguir manter o que é bom na novela brasileira e lhe dar roupagem local? As novelas co-produzidas vão inspirar no exterior editoriais em jornal e manifestações da sociedade civil como aqui? Esse é o gancho da história.’
Mercado hispânico
Enquanto as novelas brasileiras não se globalizam, as atenções voltam-se para o potencial de crescimento do mercado hispano-americano. Quase 15% dos americanos têm origem hispânica, com renda familiar anual média superior a US$ 60 mil.
De acordo com a Global Insight, escritório de pesquisa americano sediado em Boston, os hispânicos vão gastar US$ 3 trilhões em 2025, aí embutida a inflação do período.
Mary Beth McCabe, 48, da Sun Marketing, empresa especializada na colocação de mídia para o mercado hispânico, diz que uma inserção numa TV em espanhol nos EUA pode ter custo maior que em canais em inglês, dependendo do mercado. É um público que lê menos jornal, acessa menos a internet e cuja audiência se concentra em poucos canais. ‘Se o político quer atingir o público hispânico, ele não tem outras alternativas’, diz ela. Nos EUA, a propaganda política não é gratuita.
Como dois em cada três hispano-americanos são de origem mexicana, é natural que a Univision, ligada à mexicana Televisa e à venezuelana Venevision, abocanhe boa parte da audiência hispânica. Mas lutam por esse filão a Telemundo, de propriedade da americana NBC desde 2001, e a TV Azteca, além de canais a cabo em inglês voltados ao público hispânico, como Mund2, e SíTV.
Recentemente, a Nielsen, empresa que mede audiências nos EUA, anunciou que vai incluir a Telemundo e a Univision na medição da audiência nacional, e não apenas no índice hispânico.
As duas emissoras dividem receita publicitária de US$ 1,5 bilhão anuais, segundo Phillip Remek, do Guzman & Company.
Aproveitando o mercado aquecido, a Univision anunciou a intenção de se colocar à venda, e as boas perspectivas do mercado hispânico podem elevar em até 40% o preço da empresa, de acordo com o ‘New York Times’.
‘El Clon’
Algumas novelas dubladas da Globo fizeram enorme sucesso com o público hispânico nos EUA, como ‘El Clon’, de Glória Perez, exibido pela Telemundo em 2001/02 no horário nobre.
Ouvia-se nas ruas de Nova York as pessoas comentando a novela. Hoje a Telemundo, que detém quase 20% da audiência hispânica, exibe a novela ‘Celebridad’, de Gilberto Braga. Logo pela manhã os hispano-americanos podem ver Laura (Cláudia Abreu) dando os primeiros passos em sua vingança contra Maria Clara Diniz (Malu Mader).
Para o professor Federico Subervi, 57, da Escola de Jornalismo da Universidade Estadual do Texas, os hispânicos de segunda ou terceira geração nos EUA já conhecem as novelas latino-americanas, mas têm sede de ver na tela seu dia-a-dia, repleto de conflitos entre culturas e gerações. Aí estaria um nicho para as novelas brasileiras, mais contemporâneas.
Os EUA são apenas um dos 130 países onde a Globo já exibiu novelas dubladas. A emissora se orgulha dos números: em 2005, sua programação apareceu em 50 países, com um total de 90 horas diárias em todo o planeta, de segunda a sexta-feira.
Para Sérgio Marques, que escreve ‘Belíssima’, o autor pensa no público internacional ao escrever, mas seguindo a máxima de Tolstói: fale da sua aldeia e seja universal. Ele se surpreende quando vê uma novela sua no exterior, mas reconhece que aquele élan de ter seu texto discutido por milhões em seu país não se repete quando as novelas são exportadas.’
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‘Queremos produzir em todas as línguas’, diz diretor
‘Ricardo Scalamandré é diretor da Globo Internacional, área responsável pelo canal a cabo Globo Internacional e pela venda de programas ao exterior, incluindo novelas. A área, que gera aproximadamente 5% dos resultados da Rede Globo, quer surfar na onda das produções locais de telenovela, como já têm feito a Sony e a européia Fremantle, grandes conglomerados de mídia. O fracasso de ‘Vale Todo’, feita em co-produção com a rede americana Telemundo em 2002, não desanima o executivo. Para Scalamandré, o formato seriado com ganchos passou a ser valorizado pelos grandes executivos da mídia internacional depois do êxito dos reality shows, e a experiência da Globo em produção de novelas a coloca em posição de competir de igual no mercado global.
A Globo não fala em números, mas aposta firme na co-produção de ficção seriada com cor local e know-how global.
Folha – Como a Globo vê o potencial do mercado hispano-americano para as novelas brasileiras?
Ricardo Scalamandré – O mercado hispano está virando a menina-dos-olhos de todo mundo. Eles têm 6% ou 7% do poder de compra americano, mas até pouco tempo apenas 1% do investimento publicitário destinava-se a essa população. Hoje são US$ 2 bilhões em investimento publicitário para o público hispânico de televisão, mas o potencial de crescimento é muito alto. E, quanto maior o investimento publicitário, mais investimento pode ser feito em programação.
Folha – Como a Globo entra nesse mercado?
Scalamandré – A Telemundo coloca nossas novelas dubladas no ar. Chegamos a ter duas novelas no ar no ‘prime time’, e vendemos várias. Mas ela começou a produzir também, e agora estamos fora do ‘prime time’. A gente já sabia que deveria começar a produzir, e hoje a tendência mundial é de produção local. Por isso a Globo está se estruturando para produzir novelas no mundo inteiro, em tudo quanto é língua: russo, alemão, espanhol, português de Portugal etc. Esse vai ser o nosso grande passo daqui para a frente. É um jeito de manter o mercado com participação na produção de novela, que é o que a gente sabe fazer, em língua estrangeira.
Folha – Mas o diferencial da Globo não são exatamente produções com mais recursos que a concorrência? Vocês vão ter recursos para fazer isso em escala global?
Scalamandré – Vamos. Com o aumento do volume de investimento publicitário no mercado hispânico, o custo por hora de produção pode aumentar. Nos últimos três anos, ele dobrou. Vamos escolher novelas com menos capítulos, menor elenco, mas com a mesma qualidade. O mercado mundial está nos procurando como parceiros de produção internacional porque, modéstia completamente à parte, nós somos os melhores produtores de teledramaturgia do mundo. Todo mundo está querendo conversar com a gente sobre parcerias.
Folha – Então além do mercado hispano-americano vocês têm interesse no mercado americano geral?
Scalamandré – Não só temos interesse como estamos conversando com produtoras americanas. Para o mercado americano e para o mercado europeu, a lógica é inversa àquela que eu apresentei. No caso deles, o gênero novela acaba sendo barato pois o custo de implantação é distribuído em 60 capítulos, em vez de em 20 e poucos capítulos, como em ‘Lost’ ou ‘24 Horas’. Baseado no modelo europeu, serão novelas de 60 a 80 capítulos, mais curtas que as nossas, mas também diferentes das ‘soap operas’, que nunca terminam. Aí que a TV Globo vai ter uma grande virada. A tendência é a produção local, e a gente quer entrar nesse filão.
Folha – Como vocês vêem a competição com as grandes corporações Sony e a Fremantle Media? E com a brasileira Record?
Scalamandré – A Alemanha, que antes comprava novelas para o horário diurno, agora está produzindo, e a Rússia está produzindo com a Sony, mas também exibe nossas novelas. Hoje há mais mercado para as novelas, e por isso Sony, Fremantle Media e Endemol estão entrando no mercado. A Record ainda está engatinhando e não tem volume nem estrutura. Nossos concorrentes são todos os produtores de novela da América Latina. Veja como o mercado ficou mais difícil: há cinco anos, a Telemundo comprava novelas. Agora produzem e depois lançam no mercado, competindo com as nossas. Por causa da produção local, todo esse produto está sendo colocado no mercado.
Folha – Como são as negociações nesse mercado?
Scalamandré – Cada mercado tem um peso. Quanto maior o investimento publicitário, maior o valor do produto. Os preços dependem de cada emissora, cada horário e cada época do ano. E variam de US$ 500 a US$ 70 mil o capítulo. O ‘Globo Repórter’ que foi vendido à LatinoAmerica, o novo canal a cabo voltado para o público hispano-americano, não deve chegar a US$ 1.000 o capítulo, mas ‘Os Maias’ ou ‘Esperança’, que teve uma participação da Itália, podem chegar a US$ 60 mil o capítulo. O preço de uma novela padrão exibida nos EUA varia de US$ 500 a US$ 35 mil o capítulo.
Folha – Por que o sucesso agora?
Scalamandré – Na minha opinião, os reality shows que mostraram o sucesso de programas onde você acompanha o que vai acontecer depois: quem vai sair, quem vai sobreviver, quem será demitido. O ‘Big Brother’ nada mais é que uma novela: tem gancho, é diária e cria hábito. O público tem hábitos distintos em cada lugar.
Folha – Qual a importância da Globo Internacional com relação à TV Globo no Brasil?
Scalamandré – A novela depois de ir para o ar no Brasil já está paga. Depois nós temos que ‘marquetear’ a novela, dublar, editar de modo a deixá-la internacionalmente aceita quanto ao número e à duração de capítulos. Nossa margem é então muito maior. Apesar de participarmos com menos de 5% do total do faturamento da Rede Globo, isso chega a 10% a 15% do resultado, dependendo do ano e do dólar.’
Daniel Castro
‘Grande Família’, 6 anos, ganha casa nova
‘Constantemente o segundo programa mais visto da TV (só perde para a novela das oito), a série ‘A Grande Família’ volta ao ar em abril, em sua sexta temporada, com novidades cenográficas.
A casa da protagonista família Silva, por exemplo, foi totalmente reformada. ‘Os espaços ficaram mais reduzidos e a casa, mais compartimentada’, diz Maurício Farias, diretor do programa. A casa ganhou até telhado novo, e a família, um televisor de 29 polegadas (antes, tinha uma TV antiga).
Na cidade cenográfica, as residências foram verticalizadas. Marilda (Andréa Beltrão) passará a morar numa casa que fica em cima de seu salão de beleza. A pastelaria de Beiçola (Marcos Oliveira) ficou parecida com armazém.
Farias explica que as mudanças visam tornar o subúrbio de ‘A Grande Família’, que era ‘demasiadamente romântico, idealizado’, ‘mais próximo do real’. ‘A gente achava que a casa da família Silva parecia um loft, era grande demais. Tornamos o nosso mundinho mais crível’, diz.
As mudanças ocorreram porque o seriado vai virar filme, a ser rodado em maio, com lançamento em janeiro de 2007. Contará a história de amor de Lineu (Marco Nanini) e Nenê (Marieta Severo).
No seriado, em 2006, Agostinho (Pedro Cardoso) e Bebel (Guta Stresser) vão reatar o casamento. Estão previstas participações especiais de Lilia Cabral, Ângelo Antônio e Evandro Mesquita.
OUTRO CANAL
Estratégia Apesar de não ter conseguido Caco Barcellos, César Tralli e Carlos Dorneles, a Record ainda não desistiu de tirar um repórter especial da Globo. Avalia que precisa de ‘nomes de peso’ para as primeiras reportagens do ‘Jornal da Record’. Assim, reduziria a debandada de telespectadores no início do telejornal. Pulga O assédio da Record a técnicos da Globo no Rio está preocupando a rede da família Marinho. Nos últimos meses, a Record tirou do Projac 14 operadores de câmera de estúdio. O problema é que são profissionais que levam tempo para serem formados. E a Record paga o triplo da Globo.
Intimidade 1 Executivos da Band ainda não digeriram o ‘fora’ que levaram de Carlos Nascimento, que, enquanto negociava a renovação de seu contrato com a emissora, fechava um novo com o SBT. E a multa que o jornalista terá de pagar à Band não é nada astronômica: pouco mais de R$ 1 milhão.
Intimidade 2 Na Band, virou motivo de piada uma das razões que Carlos Nascimento apresentou para mudar de emissora. O jornalista teria dito que se convenceu de que tinha que assinar com o SBT quando Silvio Santos o chamou apenas de Carlos. Somente uma outra pessoa de TV teria lhe dado esse tratamento informal: José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, na Globo.’
Laura Mattos
Câmera oculta ‘bomba’ no telejornalismo
‘Vamos dar aquela espiadinha? Esse é o bordão do Pedro Bial, no ‘Big Brother Brasil’, mas bem que poderia ser do William Bonner, no ‘Jornal Nacional’.
A câmera escondida tem sido uma das ‘estrelas’ do telejornalismo nos últimos dias. Em clima de James Bond, repórteres saem às ruas com lentes camufladas em botões de camisa, maços de cigarros e celulares, entre outros métodos (ver quadro acima), em busca de um flagrante. São, normalmente, jornalistas de bastidores, e não os famosos do vídeo, para não chamar a atenção do ‘alvo’.
O investimento na produção de reportagens policiais e investigativas foi intensificado desde que a novela ‘Prova de Amor’, da Record, empatou por cinco minutos com o ‘Jornal Nacional’ no Ibope e o ‘Jornal da Record’ foi transformado em ‘clone’ do ‘JN’ a fim de ‘roubar’ o seu público.
O ‘Jornal da Record’ estreou ‘repaginado’ em 30 de janeiro, uma segunda-feira, e dobrou a audiência da emissora no horário.
A partir daí, o ‘JN’ deu espaço privilegiado a matérias com câmera escondida ou transcrição de grampos telefônicos da polícia.
Logo no dia seguinte à reestréia do ‘Jornal da Record’, o ‘JN’ iniciou com uma reportagem de cinco minutos e meio (duração bem acima da média) com imagens de vereadores que, sem saber que estavam sendo filmados, admitiam fazer turismo com verba pública.
Para obter o material, o repórter se passou por um político e utilizou uma microcâmera. Com imagem e som de má qualidade, as cenas foram exibidas com legendas que reproduziam os diálogos.
O recurso é eficiente para atrair a atenção da audiência, na opinião de Arlindo Machado, especialista em comunicação e semiótica e autor de ‘A Televisão Levada a Sério’. ‘O ‘Jornal Nacional’ sempre trabalha com alta tecnologia, e o telespectador imagina que, se decidiu exibir uma imagem ruim, é porque ela deve ser muito importante. Causa impacto’, diz.
Além disso, o material adquire automaticamente uma certa ‘autenticidade’, já que ‘a baixa qualidade da imagem pressupõe a dificuldade de acesso a ela’.
As seqüência dos vereadores foram repetidas na edição de quarta-feira, que mostrou ainda a ação de traficantes de drogas registrada na surdina. Outra câmera escondida filmou a venda ilegal de remédios em Belém. Na sexta-feira, dia 3, o ‘JN’ voltou com mais um flagrante de comércio irregular de medicamentos, desta vez, num trem. As ‘lentes indiscretas’ do ‘Jornal Nacional’ também denunciaram fraude com carteiras de habilitação no Pará. E um motorista da Globo virou falso paciente para, com uma câmera escondida, gravar o atendimento de um falso médico em São Paulo.
A Folha assistiu a seis edições anteriores a 18 de janeiro, quando ‘Prova de Amor’ empatou com o telejornal da Globo. Por coincidência ou não, nenhuma trouxe câmera escondida. Foi o caso também de quatro edições de novembro (26, 28, 29 e 30) e duas de dezembro (1 e 3) de 2005, escolhidas aleatoriamente pela Folha.
A Central Globo de Comunicação afirmou que a emissora não iria comentar o assunto.
O ‘Jornal da Record’, ‘clone’ que é, também aposta nesse tipo de arma para a guerra por audiência. Tanto é que tirou da Globo o produtor Luiz Malavolta, 48. ‘Global’ por dez anos, ele vinha trabalhando com câmera escondida. Na Record, chefia um núcleo de matérias investigativas.
Foram exibidas três reportagens com câmera oculta, segundo ele, desde a reestréia do ‘JR’.
Isso sem contar a repetição do flagrante de Suzane von Richthofen feito pelo ‘Domingo Espetacular’, o ‘Fantástico’ da Record. As cenas da estudante na praia foram registradas por uma lente escondida num isopor de cerveja. Malavolta diz que a ferramenta ‘não deve ser banalizada’ e só utilizada ‘como o último recurso’.’
Bia Abramo
Carnaval, TV e o treinamento da alegria
‘Um leitor advertiu: o Carnaval na TV ‘é um suplício’. Continuando, pondera que até gosta da festa e dos sambas-enredo, ‘mas ver atores globais com pouca roupa e querer que isto se torne referência do Carnaval do país, é exagerado e de mau gosto. Somos bombardeados pelas imagens’.
Apesar da rabugice com a pouca roupa -é de se perguntar que diferença faz ver mais ou menos centímetros de pele nesse caso- , o leitor indignado provavelmente fala por muitas e muitas pessoas.
O Carnaval, festa exuberante e ruidosa, impõe uma alegria extática que pode ser incômoda.
Quando se junta isso à insistência típica da televisão, isso pode se tornar insuportável.
É incrível como, nesse período, parece inescapável estar ansiando pelas promessas de alegria, de sensualidade e de desregramento geral dos sentidos sugeridas pelas imagens relativas ao Carnaval que passam a dominar a TV.
Os programas de auditório recebem quaisquer personagens minimamente ligados ao reino de Momo, shows dos cantores com os autores dos hits de axé que vão bombar em Salvador aparecem aqui e ali, até o noticiário volta sua atenção aos preparativos da festa…
Mais do que tudo isso, há as vinhetas da Globo. Elas são curtas, breves, se insinuam antes dos programas, entre os comerciais, no momento em que você está distraído, mas (ou talvez por isso mesmo) são tremendamente eficientes: a cada momento, elas te assaltam com a certeza de que é Carnaval, você deve se animar e ficar esperando pela ‘explosão de alegria’.
O curioso é que as vinhetas têm uma dupla função. De um lado, elas têm o aspecto de -e pretendem funcionar como- nota ‘informativa’, em que se mostra ao público o samba-enredo (as vinhetas têm legendas com as letras das músicas) e uma pequena amostra do que será o visual da escola de samba em questão. Assim, o público vai prevendo o imprevisível, ou seja, quem é a escola que, como dizem os comentaristas, ‘vai empolgar’.
De outro, elas funcionam como o treinamento dessa mesma alegria que, ao que parece, é essencial para que o espetáculo seja mesmo espetacular.
Diz-se, há muito tempo, que o Carnaval, sobretudo o do Rio, é calculado para fazer bonito na TV; é verdade, mas só metade dela. Aquilo que ‘fica bem transmitido pelas câmeras’ precisa de gente, se não feliz exatamente, pelo menos exprimindo uma alegria incontrolável. Com imagens manipuladas, estetizadoras, vai se instilando, em doses sabiamente calculadas, a emoção adequada.
Quanto às celebridades, peladas ou vestidas, elas são o de menos. Fazem, com mais ou menos propriedades, o que se lhes pede, que é se exibir.’
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