SEGUNDO MANDATO
Vinicius Torres Freire
Anos breves, idéias curtas
‘O PRESIDENTE está com pressa. ‘Quando a gente passa dos 60, você não sabe como o ano fica curto’, disse Lula a jornalistas. Tratava da quizumba nos aeroportos, mas traía mais uma vez sua recente queda pela filosofia do ser, do tempo e da evolução.
Outro dia mesmo Lula não pontificara sobre o aspecto político da filogênese e da ontogênese? A espécie humana evolui para o centro político, assim como os indivíduos, dizia Lula. Isto é, o desenvolvimento de cada ser (ontogenia) tende a repetir a evolução humana (filogenia): Lula, um Piaget redivivo na psicologia política. Por falar em filosofia, Lula está à beira da idade em que Cícero escreveu seu diálogo sobre como envelhecer bem, no qual sublinha como é irrecuperável o tempo perdido.
Talvez ciente da lição, Lula quer adiantar o futuro e comprimi-lo em quatro anos. O passado é embalado sob a forma de filosofemas do almanaque capivarol do conservadorismo.
O que o presidente entende por futuro? Aliás, o que Lula entende por presente? O que se percebe com freqüência cada vez maior é a ansiedade atônita de Lula, expressa nas tiradas em que renega aparências e promessas de seu passado esquerdóide e em que recusa o presente, de economia morosa e confraria corrupta. O presidente angustia-se de fato que não apareça o anjo do crescimento espetacular, como outrora um assessor deve ter lhe prometido, com o objetivo evidente de passar-lhe a perna e convencê-lo a aceitar medidas dolorosas.
No entanto, apesar da perplexidade infantil diante do insucesso de seus desejos, o presidente ainda espera ansioso pelo espetáculo do PIB, que lhe permitiria partir para o abraço da galera, o que evidentemente o deixa feliz. Lula tem a psicologia de um menino periférico em um programa de auditório.
Sua psicologia rudimentar também é a daquelas pessoas incapazes de introspecção e autocrítica. Sua ansiedade atônita por não receber o presente miraculoso do PIB é acompanhada da obliteração irada da realidade desagradável. ‘Não quero mais saber de números, de projeções’, diz Lula, se confrontado com os fatos medíocres da economia.
Seu desapreço por leitura e reflexão, sua mentalidade de ‘chefe’, seu gosto por camarilhas companheiras e sua canonização em vida no altar do caudilhismo esquerdóide embaraçam a perspectiva de que o presidente possa abraçar um projeto articulado de governo. Lula parece cada vez mais autocentrado. Não parece haver grupo organizado a orientar o pensamento do governo, nem Lula adota um plano de fora.
Intuitivo, Lula recolhe sugestões fragmentadas nos salões e nos lobbies que passou a freqüentar, ainda mais agora, que desconfia das promessas de seus economistas. Como uma dona-de-casa prima-dona, mas ignorante das coisas da cozinha, pede jantares nababescos a seus cozinheiros-ministros, os quais, atônitos também, tentam elaborar ingloriamente o voluntarismo do chefe.
O futuro, para Lula, é uma fantasia infantil de popularidade. O presente desagradável e a impotência presidencial crescente são elaborados com filosofemas de primitivismo conservador.
Mas agora importa mais pensar: qual conjuntura política e social permitiu vicejar esse presidente ‘chefe’ tão imune às razões que não sejam as do sucesso de auditório?’
MERCADO EDITORIAL
Eduardo Simões
Editora propõe ‘livro-DVD’
‘Você curte a trama, descobre mais sobre a história vendo os ‘extras’ e bisbilhota os bastidores da produção num ‘making of’. Não, não estamos falando de um produto audiovisual. E sim de um romance, concebido, desde os originais, para ser tão divertido tanto quanto uma edição especial, em DVD, de um filme ou show. Esta é a proposta de ‘Projeto AIC – Metamorfose’, que uma pequena editora, a Arquétipos Tríade Editorial, de Santa Maria, no interior do Rio Grande do Sul, está colocando nas livrarias.
Escrito por um psiquiatra gaúcho de 32 anos, que debuta como autor assinando com o pseudônimo de Lion Goya, o livro passou por um processo editorial inusitado para se tornar, segundo o editor João Francisco Pollo Gaspary, sócio da mulher Adriana, um produto com forte apelo comercial. Um título voltado para ‘pessoas que gostam de literatura de entretenimento, mas com nível cultural privilegiado’. De acordo com a editora, o projeto custou R$ 100 mil, e a tiragem inicial é de 2.600 cópias.
‘Ficamos seduzidos. Não queríamos parar de ler. Mas as informações técnicas usadas para fundamentar a história esfriavam a trama. A idéia foi otimizar a narrativa, preservando as informações da pesquisa na forma de extras’, diz Gaspary.
Em linhas gerais, ‘Projeto AIC’ gira em torno da ‘manipulação do inconsciente coletivo’, e tem, no centro da trama policialesca, um psiquiatra especialista em psicopatologia de assassinos em série e uma teoria conspiratória segundo a qual a indústria farmacêutica não permite o avanço nas pesquisas para achar a cura da Aids, a fim de manter os lucros com o mercado.
Os extras incluem uma lista dos tópicos principais, um calendário com datas e lugares dos acontecimentos, um glossário, curiosidades e um epílogo que conta como foi o processo de produção do livro. Há também uma seção com o ‘projeto psicodinâmico’ do livro, um equivalente, no audiovisual, do ‘storyboard’. ‘Esse projeto me serviu de base durante toda a trama. Ele tinha a intenção de manter os personagens centrais da trama dentro de um fluxo organizado de reações emocionais’, explica o autor à Folha, por e-mail. ‘Isso me ajudaria a explicar, para um grande número de pessoas, como complexos psicodinâmicos, como o de Édipo, aparecem na vida adulta.’
‘Cabine’
A produção de ‘Projeto AIC’ aconteceu entre fevereiro, quando os editores receberam 50% dos originais do autor, um amigo, e outubro deste ano. O escritor por trás do nome Lion Goya teria aceitado as condições da casa: além de separar parte do material em ‘extras’, o livro seria submetido a testes, semelhantes às ‘cabines’, projeções de filmes feitas para distribuidores e jornalistas. O texto era devolvido com as avaliações ao autor, que fazia ajustes.
‘No processo de produção do livro aprovei duas coisas: primeiro, a agilidade que deu à minha trama e, segundo, um espaço mais próximo ainda para me relacionar com o leitor. Muitos acreditam que foi um espaço da editora para conversar com novos possíveis escritores. Eu já vejo diferente, como sendo uma oportunidade para me aproximar ainda mais dos meus leitores. Claro que deu muito trabalho, mas valeu.’
Em outubro de 2007, a editora lançará ‘Projeto AIC – Holocausto’, continuação do primeiro volume. No fim do livro de ‘estréia’, os editores fazem um convite a novos autores nacionais que aceitem participar do projeto de livro-DVD, que, segundo eles, tem tudo para competir com best-sellers internacionais. ‘Quem sabe a gente não surpreende com outros nomes surgindo antes de outubro’, diz Gaspary.
PROJETO AIC – METAMORFOSE
Autor: Lion Goya
Editora: Arquétipos Tríade Editorial
Quanto: R$ 44,90 (464 págs.)’
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Críticos questionam a validade do novo formato
‘Intervenções de um editor sobre o processo de criação de um livro, sobretudo nos moldes de ‘Projeto AIC – Metamorfose’, são bastante raras, afirma o crítico e colunista da Folha Manuel Costa Pinto.
‘Em geral, os livros dos autores consagrados são publicados sem grandes alterações. Ao passo que autores novos publicam por pequenas editoras em que não há estrutura para realizar esse trabalho de leitura. Não faz parte da tradição editorial brasileira esse tipo de copydesk; é bem mais comum, por exemplo, nos EUA, onde o mercado opera em escala industrial’, diz o crítico, para quem a idéia é ‘bizarra’ e soa como ‘lance publicitário’.
Marcelo Pen, também crítico da Folha, não vê ‘muito sentido’ na proposta editorial: ‘Se fosse o caso de um procedimento artístico, como o que fez o Julio Cortázar, em ‘Jogo da Amarelinha’, que requeria a participação do leitor na montagem da trama, ou uma edição crítica, em que várias versões de um livro, já assentado na tradição, fossem confrontadas, aí sim. Quem se interessaria por esses palimpsestos estranhos, se não fosse assim?’.
Marketing
Eliana Sá, da Sá Editora, e professora da Universidade do Livro, curso ligado à Fundação Editora da Universidade Estadual Paulista (Unesp), desconhece iniciativa igual à da Arquétipos Tríade. E também acredita que ‘o formato de DVD’ é ‘truque de marketing’.
‘Imagino que talvez ficasse interessante se fosse a complementação de um livro de um grande autor, ou algo como ‘o processo editorial de Harry Potter’, diz a editora, que questiona se interessa ao leitor o material deixado de lado, as ‘mudanças forçadas’ de ‘Projeto AIC’. ‘Uma vez, o Mario Prata propôs editar comigo, pela Globo, uma coletânea de todos os textos dele rejeitados. Rejeitei também a idéia. Acho que não cabe em literatura, em que o produto final é resultado do trabalho conjunto de autor e editor. E esse resultado, que é apresentado ao leitor, depende de escolhas, de critérios.’’
TELEVISÃO
Bia Abramo
Um tapa na televisão
‘A MELHOR coisa que aconteceu à TV neste ano que se acaba em mais uma semana esteve fora das garras da TV. Antecipou finais de temporada, libertou os clipes da programação, revelou gafes de gente famosa e já produziu pelo menos um clássico -o YouTube é a TV sem grade de programação, sem anúncio (ou só de anúncio, se for esse o seu caso) e só na medida da sua vontade imediata.
‘Tapa na Pantera’ é só um filmete de humor com a grande Maria Alice Vergueiro e com um enorme poder subversivo -no conteúdo, claro, mas sobretudo na maneira de veiculação -, a ponto de transformá-lo na sensação do ano.
Outro destaque positivo foi a aparição, ainda meio esporádica e localizada, de rostos, cores e vozes da periferia fora do noticiário da violência e dos programas de polícia sensacionalistas. Em ‘Central da Periferia’ e na minissérie ‘Antônia’ (parou por quê? Por que parou?), a periferia é protagonista de outras histórias. E, como a questão social no Brasil não é desvinculada da questão racial, uma menção honrosa deve ser feita a Lázaro Ramos e Thaís Araújo pela ótima atuação em ‘Cobras e Lagartos’ -é raro ter.
Menção deve ser feita também à consolidação da Record como concorrente principal à dramaturgia da Globo. As novelas da emissora paulistana vêm ameaçando a audiência e copiando o formato com eficiência crescente -claro, ainda há escorregões lá e cá, como a inacreditável ‘Bicho do Mato’, e falta fôlego (de produção, direção e elenco) para uma empreitada como a de ‘Cidadão Brasileiro’, mas é evidente que eles estão aprendendo cada vez mais rápido.
De resto, mais do mesmo -novelas ruins e/ou arrastadas, ‘talk shows’ autocomplacentes, um deserto-, e muito do pior- competições de dança com celebridades, ‘reality shows’ (e mais ‘reality shows’) etc. E as celebridades? Ah, essas se esforçaram -e muito-, para fazer a máquina desse mundinho besta girar.
O sistema das celebridades não parou um só segundo. Tivemos que conviver diuturnamente com os dramas e alegrias de gente que não conhecemos e que não devia nos importar a mínima.
A cereja desse bolo é frase lapidar de Deborah Secco (‘Se eu não fosse atriz, seria esquizofrênica’, revelada aqui na Ilustrada semana passada pela Mônica Bergamo) que fez muita gente suspirar pela segunda alternativa: pelo menos, para esquizofrenia existem alguns remédios que seguram a onda.’
Folha de S. Paulo
Cultura estréia programa sobre música
‘A TV Cultura estréia hoje, às 20h30, a série ‘Sinfonia Fina’, que traça um paralelo entre a música popular e a erudita. Com apresentação de Anelis Assumpção, filha do cantor Itamar Assumpção (1949-2003), a atração possui 13 episódios que irão ao ar semanalmente. O objetivo, segundo o canal, é abrir espaço para o universo da música, estimular novos talentos e ampliar a cultura musical, sobretudo a dos jovens.’
Bruno Segadilha
TV paga faz teste de novos programas
‘Enquanto alguns especiais de fim de ano da Globo alimentam a esperança de ganhar uma vaga fixa na programação da emissora em 2007, canais pagos já fizeram um ‘provão’ para escolher novos programas.
O processo de seleção é chamado ‘pitching’, método que inclui uma peneira dos inscritos e uma banca que examina a defesa oral dos responsáveis pelos projetos finalistas.
No ano que vem, GNT, Futura e Canal Brasil colocam no ar projetos de produtoras independentes que conseguiram chamar a atenção de executivos por meio desses concursos.
Futura
‘Recebemos cerca de 70 projetos neste ano, todos bastante organizados e dentro da nossa proposta. Acho que os ‘pitchings’ são uma forma de oxigenar idéias, organizar o mercado de produtoras, que estão ficando mais focadas’, afirma Lúcia Araújo, gerente-geral do Futura, que no ano que vem exibe ‘Passando a Limpo’, título provisório do projeto vencedor da seleção deste ano.
A série -elaborada pela Bossa Nova Films, produtora de São Paulo- tem estréia prevista para o primeiro semestre de 2007 e vai abordar a imigração.
A idéia é mostrar famosos e anônimos de diferentes nacionalidades, e explorar imagens do acervo pessoal das famílias entrevistadas. Cada episódio terá um custo de até R$ 35 mil -desembolsados pelo Futura- , atendendo a uma das regras fixadas pelo canal antes da apresentação dos projetos.
Outra atração a ganhar espaço é ‘De Cabo a Rabo’, que, com cerca de cinco minutos de duração, contará a origem e as diversas versões que os mitos brasileiros ganham no país.
O projeto -que ficou com o segundo lugar no ‘pitching’ do Futura- impressionou a tal ponto um dos componentes da banca, o diretor do Canal Brasil, Paulo Mendonça, que ele resolveu propor uma parceria com o Futura para produzi-lo. Será veiculado nos dois canais.
GNT
O GNT também utiliza o ‘pitching’ para escolher alguns de seus programas. No ano que vem, devem ser exibidos os três finalistas da seleção deste ano: ‘Novas Famílias’, sobre grupos familiares que fogem do modelo tradicional; ‘De Perto Ninguém É Normal’, série protagonizada pela atriz Maria Clara Gueiros (‘Zorra Total’); e ‘Karaokê’, que mostra apaixonados pela cantoria nos bares.
Os projetos já foram aprovados pelo canal e não concorrem mais entre si: as produtoras deverão produzir pilotos (programas de teste) em parceria com o GNT para posterior avaliação. Aprovados, os programas entram na grade de 2007.
‘Nosso critério de escolha leva em consideração vários fatores, que vão desde uma avaliação de custos até saber se ele tem fôlego para vários episódios. Chega muita coisa diferente por aqui, mas acho que o legal é justamente essa diversidade’, acredita Jorge Espírito Santo, gerente artístico e de conteúdo do GNT.’
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