CENSURA NO MS
Justiça proíbe notícias sobre filho de governador do MS
‘O presidente substituto do TRE de Mato Grosso do Sul, Oswaldo Rodrigues de Melo, proibiu, sob pena de multa de R$ 50 mil, o jornal ‘Correio do Estado’ de publicar o nome e fotos de André Puccinelli Jr., filho do governador André Puccinelli (PMDB). Anteontem, o jornal descumpriu a decisão, apesar da ameaça de multa. A proibição, criticada pela ANJ (Associação Nacional de Jornais), se refere a uma investigação da PF que envolve o nome de Puccinelli Júnior.
Ele foi indiciado pela PF sob acusação de ‘denunciação caluniosa’, por suposto envolvimento numa acusação de crime eleitoral -considerada falsa pela PF- contra um deputado estadual petista. Na ‘armação’ contra o deputado Semy Ferraz (PT), em 29 de setembro, a PF encontrou no carro de um funcionário de Ferraz 27 notas de R$ 20 grampeadas a santinhos do deputado, não-reeleito. O funcionário depôs e foi liberado, pois a PF concluiu que a cena foi ‘forjada’.
O caso corre sob segredo de Justiça e a PF não informou de que forma Puccinelli Júnior teria participado.
‘A posição da ANJ é de considerar que a decisão do juiz é contra a liberdade de imprensa’, disse, via assessoria, o vice-presidente da ANJ, Júlio César Mesquita.
Procurado pela Folha, Puccinelli Jr. não respondeu. Via assessoria, disse que não comentará o caso. O presidente substituto do TRE disse, via assessoria, que não comentaria a crítica da ANJ.’
INGLATERRA
Na ficção, Blair é julgado por invadir Iraque
‘Faltando alguns meses para que deixe o cargo de primeiro-ministro britânico, ainda é incerta a imagem de Tony Blair que passará para a história. Já na dramaturgia, ela começa a se definir como a de um criminoso internacional, devido à invasão do Iraque.
É essa a acusação que pesa sobre Blair em um filme recém-exibido na TV britânica e numa peça em produção em Londres.
‘The Trial of Tony Blair’ (o julgamento de Tony Blair) é o filme, uma comédia exibida na semana passada pelo Channel 4. Ela se passa em 2010, quando o premiê se vê enviado ao Tribunal Penal Internacional, em Haia (Holanda), como réu.
A peça, com estréia marcada para 19 de abril, é ‘Called to Account’ (chamado à responsabilidade), e seu subtítulo esclarece o tema: ‘O Indiciamento de Anthony Charles Lynton Blair pelo Crime de Agressão Contra o Iraque – Uma Audiência’.
Para criar a obra, o Tricycle Theatre convocou dois advogados reais para entrevistar uma série de testemunhas, como políticos e juristas, sobre as implicações legais da decisão do governo britânico de usar força militar contra o regime de Saddam Hussein (1979-2003).
Os depoimentos e argumentos foram transformados na peça, que emula uma audiência onde os espectadores formam o júri e decidem se há evidências suficientes para indiciar Blair.
‘Não partimos do princípio que o premiê é culpado, mas de que o caso precisa ser analisado’, disse Nicolas Kent, diretor artístico do Tricycle, para o ‘The New York Times’.
‘Já que o Iraque não foi discutido no Parlamento, por que não no teatro?’
Acusado
Em termos de processo jurídico, ‘The Trial of Tony Blair’ já está um passo adiante: nele, o premiê é preso e levado a julgamento em Haia pela agressão a uma nação soberana, o Iraque.
‘Aparentemente, Blair está muito preocupado com seu lugar na história. O filme é minha idéia de onde seria esse lugar’, afirma Alistair Beaton, o autor.
No filme, o premiê britânico, interpretado por Robert Lindsay, é o típico ex-governante que perde toda sua influência quando sai do poder.
Desprestigiado tanto por seu sucessor, Gordon Brown (atual ministro das Finanças), quanto pela presidente dos EUA, Hillary Clinton, Blair não consegue evitar seu julgamento em Haia pela invasão do Iraque.
Seu parceiro na empreitada, o presidente norte-americano George W. Bush, não tem o mesmo destino porque os EUA não reconhecem a autoridade do tribunal internacional.
‘Acho essa guerra ilegal, por isso aceitei fazer o filme’, afirmou Lindsay em entrevista ao ‘Independent’.
Na vida real, mesmo que o Iraque se sobreponha aos sucessos de sua administração -pelos quais se tornou o primeiro premiê trabalhista a ser reeleito duas vezes seguidas- é improvável que Blair seja levado a julgamento internacional.
Além do governo britânico poder vetar tal manobra, o crime de agressão, apesar de formalmente definido pela ONU, ainda não tem força de lei.’
MEMÓRIA / BENTO PRADO JR.
Às voltas com Bento Prado Jr.
‘Nos anos 60 e 70, a resistência à ditadura deu projeção extra-universitária a alguns professores de esquerda, permitindo que, mais adiante, na hora da abertura política, eles se candidatassem a cargos eletivos. O exemplo inicial em São Paulo foi Fernando Henrique Cardoso, que se elegeu suplente de senador. O salto da faculdade de filosofia ao Parlamento, sem a passagem prévia pelo liquidificador da política profissional, criava expectativas altas e agitava os espíritos. O hábito dos estudos e da discussão, a intimidade com as ciências sociais e com o marxismo fariam diferença no governo? Bento Prado na ocasião inventou um slogan para divertir os amigos: ‘Quem sabe escrever, sabe governar; Bento Prado para senador’. A alegria foi geral na faculdade. A fórmula peremptória fazia rir por muitos lados. Sua inverdade clamorosa era uma piada, na verdade uma aula pela via paródica, oswaldiana ou brechtiana, sobre as presunções da oligarquia num país de alfabetização precária. Havia também o tempero biográfico. A inteligência incomum de Bento era uma unanimidade, assim como a sua inapetência para lidar com as complicações da vida prática. Além disso, ele era o descendente filósofo de uma família de fazendeiros quebrados pela Crise de 29, aos quais o tom autoritário -tão bem imitado- pareceria natural. Enfim, se havia alguém que não aspirava ao mando nem queria ser mandado era ele. A malícia das malícias, entretanto, não estava aí. Se o slogan fazia troça com as pretensões políticas das classes que redigem bem, ele não obstante afirmava que dentre os muitos candidatos quem sabia escrever deveras era Bento Prado ele mesmo. Sob a autopropaganda humorística havia a estocada nos colegas menos sonhadores e estetas, ou mais afeitos à política real. Atrás de tudo, a equiparação cômico-polêmica entre as letras e a política: se as primeiras não levam ao Senado, não cedem à segunda em valor, nem se deixam abafar. Um duelo nas nuvens, mas carregado de convicção. O fato é que Bento escrevia admiravelmente e que a sua prosa se impunha -e se impõe- à primeira vista, por razões que aliás não são fáceis de explicar. A sua frase, de caimento sempre perfeito, é ampla, muito organizada e clara, ligeiramente retórica e fora de moda, com miolo filosófico moderno. O modelo com certeza é o Drummond do período classicizante, agilizado talvez pela multiplicação malabarística de aspectos, a la Sartre e Merleau-Ponty, além de acompanhado pelo culto parnasiano da visibilidade completa, que não deixa nada na sombra. O amor da clareza -uma forma de decoro, mas sobretudo de racionalidade e universalismo- era a feição dominante da elegância buscada por Bento. Aparecia igualmente na sua maneira muito correta e atenciosa de conversar, na pronúncia de professor que não engolia sílabas nem cedia a modismos e regionalismos, e também na bela caligrafia e nos envelopes bem sobrescritados. Do ponto de vista literário, remava na contracorrente do modernismo, que pesquisava as irregularidades brasileiras, a gramática popular, a informalidade, a forma elíptica e fragmentária, o sujeito socialmente e nacionalmente marcado. Entretanto, o universalismo de Bento não deixava de ter sua fisionomia social. O refinamento sintático, a visão abrangente e concatenada, o vocabulário justo, a pitada de eloqüência etc. tinham a nota senhorial -é claro que modificada pelo naufrágio histórico do senhor enquanto classe, e por um ajuste de contas filosófico com a sua figura. A seu tempo, a prosa escoimada de brasileirismos, segura da gramática portuguesa e do latim, terá sido um padrão de autoridade, e não só um esforço cultural. A prosa de Bento lhe conservou o arcabouço, com suas possibilidades formais e sua altura, mas obedecendo a outro sujeito.
Jogo limpo
Entre os belos traços de Bento estavam o igualitarismo radical e a ira juvenil contra o privilégio, que faziam dele um homem indiscutivelmente de esquerda. Suponho que o objeto inicial de sua revolta tenha sido a prerrogativa oligárquica, à qual o secundarista convertido ao comunismo opunha a igualdade e a justiça. Contudo, como ele logo notou, o autoritarismo e o conchavo que o indignavam na oligarquia eram a norma também no Partido Comunista, o que o colocou para sempre à margem da política prática. A conversação com Bento era algo especial. Ele era brincalhão e farsante, mas sobretudo sério. Na discussão gostava de um pouco de esgrima, mas não se tratava de jogo apenas. Havia o desejo real de esclarecer as questões, e não lhe ocorria levar a melhor de qualquer jeito. A lealdade e o ‘fair play’ eram parte absoluta do processo, que ultrapassava a dimensão pessoal e, meio metaforicamente, representava o interesse coletivo. O espírito democrático, que na política tinha pouca chance, aqui dava fruto e criava padrão. Assim, na segunda edição de seus ensaios, ele publicou como posfácio uma discussão muito crítica -embora notavelmente compreensiva- de Paulo Arantes a respeito. Na mesma linha, quando saiu o meu primeiro livro, Bento publicou um excelente artigo que o questionava no essencial. São procedimentos que vale a pena mencionar por não serem habituais em nosso meio. Quando tínhamos 20 anos, Bento me fez a comunicação formal de sua repulsa pelo anti-semitismo. Era parte da consolidação de nossa amizade, e uma afirmação de suas convicções universalistas, para as quais o preconceito contra os judeus era o arquétipo de todos os preconceitos. Como eu não corria o risco de ser anti-semita, mas nem por isso tinha grande opinião de meus patrícios, a conversa tomou rumo engraçado, com o gói advogando a causa do opositor. Outra vertente de seu universalismo era o absoluto respeito pela desgraça. Tendo bastante de príncipe, ele não se sentia melhor do que ninguém. Num fim de noite, quando os bares decentes já haviam fechado, ele me arrastou para um boteco atrás da praça da República, onde a sua atenção se fixou na munheca fechada e nas unhas sujas de um pobre homem adormecido, que por um bom momento resumiram para ele a angústia da existência.
Notívago atormentado
Como combinar o cultor da clareza superlativa, o farsante e o notívago atormentado, que preferia que a noite não terminasse e que temia a luz do dia seguinte? Lutavam, um derrubando o outro, mas não se misturavam, e naturalmente compunham um enigma para os amigos e para ele mesmo. A poesia de Bento, que não está reunida, dá testemunho do impasse reinante no seu Laboratório de Metafísica Geral -expressão dele. Ele gostava de recitar o ‘Relógio do Rosário’ de Drummond, especialmente os versos seguintes: ‘(…) E nada basta, / nada é de natureza assim tão casta // que não macule ou perca sua essência / ao contato furioso da existência. // Nem existir é mais que um exercício / de pesquisar de vida um vago indício, // a provar a nós mesmos que, vivendo, / estamos para doer, estamos doendo’. Que falta o Bento faz!
ROBERTO SCHWARZ é crítico literário, autor, entre outros, de ‘Um Mestre na Periferia do Capitalismo’ (ed. 34).’
ECOS DA DITADURA
Estados Unidos monitoravam guerrilha do Araguaia e PCB
‘Três documentos liberados pelos EUA mostram que a CIA, o serviço secreto norte-americano, monitorou a guerrilha do Araguaia e militantes do PCB (Partido Comunista Brasileiro) na Universidade Federal do Ceará no início dos anos 70.
Os documentos são os primeiros a virem a público tendo como palavras-chave, nos arquivos da CIA, a expressão ‘Araguaian Guerrillas’ (ou ‘Guerrilhas Araguaianas’).
Com trechos ainda cobertos por tarjas de sigilo, os relatórios não desvendam um dos mais duradouros segredos da ditadura, o destino dos corpos dos militantes mortos no conflito. Mas a simples existência de registros americanos sobre o Araguaia dá novo alento às famílias de mortos e desaparecidos quanto à possibilidade de surgir alguma pista definitiva.
A guerrilha do Araguaia foi uma ação armada lançada pelo PC do B (Partido Comunista do Brasil) em 1966 numa área localizada entre Pará, Maranhão e Goiás, com foco revolucionário comunista no estilo maoísta, e destruída pelo Exército no início de 1974, com cerca de 59 militantes, 16 soldados e dez moradores da região mortos.
Um relatório liberado em agosto de 2004 e que está atualmente disponível na internet (www.foia.cia.gov), após três décadas de sigilo, mostra que a CIA tinha a informação sobre a guerrilha antes de ela se tornar pública, o que levanta a hipótese de uma troca de informações com o Exército brasileiro.
O ‘relatório de informação de inteligência’, de cinco páginas, é datado de 7 setembro de 1972. A primeira reportagem sobre a guerrilha, divulgada por ‘O Estado de S. Paulo’, é de 24 de setembro daquele ano.
Para o jornalista Eumano Silva, autor, com Taís Morais, de ‘Operação Araguaia’, livro-reportagem vencedor do prêmio Jabuti de 2006, os documentos da CIA têm imprecisões e erros factuais, mas ‘de um modo geral demonstram que os americanos sabiam o que estava acontecendo’. Os relatórios, segundo Silva, que os leu a pedido da Folha, são a primeira prova documental de que a CIA acompanhava a guerrilha.
Em seus relatórios, a CIA chama o conflito de ‘ofensiva militar brasileira’. Descreve as atividades dos guerrilheiros, ‘em três grupos separados com aproximadamente 17 homens cada um’, constituídos, em sua maioria, ‘por jovens, recém-formados em universidades, e vindos do Sul, principalmente de São Paulo’.
Os americanos chamam os estudantes de ‘cobaias’ usadas para um ‘balão de ensaio’ da guerra de guerrilha. Uma fonte da CIA considerou-os ‘altamente idealistas’.
O documento aponta a suposta participação de religiosos. ‘A ala radical da igreja católica no Norte e Nordeste do Brasil não aparenta estar comprometida com as atividades subversivas na região de Marabá. O bispo de Marabá [PA], entretanto, é sem dúvida visto como um membro da igreja que colabora com os subversivos. Uns poucos padres e freiras também estão envolvidos, mas aparentemente numa base individual’, diz o texto, que pode ter sido escrito no consulado geral dos EUA no Recife (PE).
Segundo o relatório, o então presidente da República, general Emílio Médici, acompanhava de perto as operações para combater a guerrilha, pois teria ficado ‘enfurecido’ com a falta de avanços do Exército e seus ‘esforços desproporcionais e com excessos de zelo’.
A CIA informa que o ‘exército continua a desenvolver uma operação de procura, localização e destruição’. Desde março de 1972, segundo o relatório, ‘seis do grupo [de guerrilheiros] foram capturados e quatro foram mortos.
O maior erro do relatório foi confundir o PC do B, responsável pela guerrilha, com o PCB. Aparentemente, a CIA seguiu essa pista e começou a levantar nomes de militantes do PCB no Nordeste. Não fica claro para onde são enviadas e os objetivos das listas.
Em documento de fevereiro de 1973, contém os nomes de 12 estudantes da universidade do Ceará que seriam militantes do PCB. Os americanos possivelmente achavam que parte dos guerrilheiros do Araguaia tinha vindo do Ceará -esse relatório também é arquivado como ‘araguaian guerrillas’.
Segundo os registros das famílias de mortos e desaparecidos, dois ex-estudantes da Universidade Federal do Ceará foram mortos no conflito, mas não são citados no relatório.’
INTERNET
Na era YouTube, candidatos se aliam a blogueiros e internet vira palco maior
‘Ao soltar a frase -já incorporada ao léxico político local- ‘I’m in!’ (estou dentro), sábado retrasado, Hillary Clinton não convocou uma entrevista coletiva. Postou um vídeo no site de sua campanha, dando início à primeira eleição presidencial americana da era YouTube.
Desde então, em vez dos tradicionais encontros com a militância pelo país, marcou uma série de videoconferências sobre os temas que lhe são mais caros: saúde pública universal e educação infantil, entre outros. Nelas, o público participa como numa sala de bate-papo virtual.
Como Hillary, mas antes, também Barack Obama, o governador do Novo México, Bill Richardson, e o ex-candidato à vice-presidência John Edwards anunciaram suas intenções primeiro pela rede.
É um mundo novo, pelo menos para a tradicional política dos EUA. Quando Hillary revelou quem estaria em sua equipe de campanha, um nome chamou a atenção: Peter Daou. Velho conhecido da blogosfera, ele será ‘conselheiro para assuntos de blog’. Já Arianna Huffington, criadora de um dos mais importantes blogs liberais, o ‘Huffington Post’, anuncia o primeiro debate virtual.
Tal preocupação com o efeito da campanha no meio e a opinião dos eleitores-internautas levou o ‘Wall Street Journal’ a batizar o fenômeno de ‘netroots primaries’, que pode ser traduzido como ‘primárias da internet’. Diferentemente das oficiais, que começam em janeiro de 2008, essas já estão no ar e em plena atividade.
Mas a rapidez do meio requer prática e habilidade, o que nem todos têm. Por orientação de seus conselheiros, o escritório da democrata comprou anúncios em blogs conservadores, uma das principais fontes de críticas a Hillary. A iniciativa saiu pela culatra: tão logo seus pares descobriram, passaram a denunciar os blogueiros ‘vendidos’; esses tiveram de devolver o dinheiro dos anúncios para manter a ‘credibilidade’.
O outro problema é a facilidade com que vazam vídeos e entrevistas. Nesta semana, caiu na rede um vídeo de um debate do ex-governador de Massachusetts e atual presidenciável republicano Mitt Romney com o senador democrata Ted Kennedy. Nele, Romney defende o direito ao aborto e o dos gays.
Tão logo souberam do ‘ataque’, os assessores de comunicação do candidato fizeram um contra-ataque viral: soltaram um vídeo atual de Romney dizendo que, passados 13 anos, sua opinião mudou. A iniciativa satisfez os blogueiros. Por enquanto’
Renato Essenfelder
Internet multiplica filmes feitos por fãs
‘Batman anda ocupado. E não é para menos. Nos últimos tempos, lutou contra Coringa, Predador, Alien (!) e Super-Homem; morreu, renasceu.
Luke Skywalker (‘Guerra nas Estrelas’), capitão Kirk (‘Jornada nas Estrelas’), Indiana Jones, Wolverine (‘X-Men’) e centenas de outros personagens famosos dos quadrinhos, do cinema e da TV também têm suado em milhares de aparições em filmes de enredo quase sempre insólito. Lançados diariamente. Por iniciativa de seus fãs.
À margem das superproduções hollywoodianas, franquias de peso têm ganhado frenética vitalidade na internet. Com divulgação facilitada, aficcionados de todo o mundo embarcam na onda dos fã-filmes, produções caseiras, de baixíssimo orçamento, que trazem personagens conhecidos encarnados por atores anônimos.
‘Fazemos pela paixão, para fazer parte da saga. Se fosse para entrar para a área, não faria um fã-filme. O retorno tem de ser de coração ou financeiro. No nosso caso, é emocional’, conta o analista de sistemas e fã-diretor Milton Soares Júnior, 40. Ele idealizou ‘Shadows of the Empire’, um fã-filme de ‘Guerra nas Estrelas’ baseado na novela homônima do americano Steve Perry.
O mais incrível, contudo, não é o fato de os fã-filmes progredirem geometricamente em sites como o YouTube, que exibe mais de 8.000 vídeos do gênero, alguns na casa do meio milhão de acessos. Notável mesmo é o fato de várias dessas obras atingirem um nível de sofisticação superior ao de produções comerciais (veja quadro).
Criando um clima
Para filmar o príncipe Xizor, uma espécie de vilão concorrente de Darth Vader, num flerte com a princesa Léia, Milton Jr. e sua equipe quase arrancaram os cabelos. O longa foi rodado em ‘stop motion’, técnica em que bonecos são filmados quadro a quadro (como fotos).
‘Era preciso criar um clima de sedução. Pensamos em girar manualmente o cenário, mas os bonecos caíam a toda hora. Resolvemos girar a câmera. Subi numa escada, me contorcendo. Quase caí várias vezes, segurando nossa única câmera.’ Inúmeras tomadas e duas horas depois, sucesso. Os dez segundos em que Xizor tenta seduzir Léia estavam garantidos.
Essa medida de tempo dá idéia do trabalho exigido numa produção como essa, em ‘stop motion’. Considerando o fato de ‘Shadows…’ ser um dos fã-filmes mais longos do mundo, com uma hora e meia de duração, é compreensível o fato de ter levado seis anos, do roteiro à edição, para ficar pronto.
Com mais de 400 MB, o filme já foi baixado 5.000 vezes do site oficial (www.shadowsfan film.com.br) e apreciado pelo próprio Perry, criador da saga original. Registre-se que um download como esse pode demorar mais de uma semana numa conexão discada.
Em seu auge, a produção envolveu cerca de 40 voluntários. Parte do grupo segue hoje na produção de um segundo filme, que mistura bonecos e atores.
Longa duração
A maioria dos fã-filmes na rede não tem mais de cinco minutos. Mas os brasileiros insistem em ser exceção. ‘Batman – O Retorno de Bane’, do presidente do fã-clube Batbase, Renato Araújo, 34, está previsto para ter ‘de 20 a 30 minutos’.
A produção deve acabar em março. O trailer já está disponível em www.batbase.com.br.
As gravações, iniciadas há seis meses, renderam até um filhote: a paródia ‘A Queda do Morcego’. ‘No começo das gravações, o Batman [André Troesch] estava sobre um pilar e ia dar um salto. Caiu de bunda no chão, e sem querer soltei a piada’, diverte-se Renato. O registro também está no site.
O ‘casting’ de um fã-filme é, aliás, algo peculiar. Parentes e amigos são requisitados, e, no caso de ‘Bane…’, o candidato a protagonista ganhou pontos graças à qualidade da fantasia de Batman que fizera para uma festa. E sobrou até para o filho de Araújo, Renato Araujo Júnior, 11, que interpreta o Robin.
O catarinense Felipe Barwinski Pereira, 17, está em seu primeiro fã-filme e também é ambicioso. ‘Devo terminar em março, com uns 45 minutos.’ Segundo ele, trata-se de uma ‘história dark’ com o Batman.
Mais de 20 adolescentes, de 15 anos, em média, fazem parte do projeto. ‘Pretendo mostrar que a gente tem capacidade de fazer qualquer coisa.’
Profissionalização
Renato e Milton têm em comum Marcos Perrin, 39. Dono de uma pequena produtora, a Nirrep, Perrin se encarregou dos efeitos especiais de ‘Shadows of the Empire’ e de ‘O Retorno de Bane’. Entre outras coisas, faz cenários 3D, efeitos de raios laser, explosões. É um dos poucos envolvidos nessas produções que têm os dois olhos voltados ao mercado.
‘Dizem que é perda de tempo, mas isso me ajuda em produções comerciais. Tento desenvolver técnicas, aprimorar. É um desafio gostoso trabalhar com personagens que marcaram a minha infância.’
Profissionais da área dizem que vale o investimento. ‘É um grande desenvolvimento, com impacto na criação de conteúdos audiovisuais e, também, em marketing e promoção. Está revelando criadores talentosos e, além disso, dando visibilidade aos curtas’, analisa Leonardo Monteiro de Barros, sócio da Conspiração Filmes, uma das maiores produtoras independentes do país.
‘Acompanho com interesse. Sou até fã dos episódios da web-série ‘Chad Vader’, completa. A série [veja quadro] narra o cotidiano do irmão mais novo e menos célebre de Darth, empregado de um mercadinho.
Menosprezado, mas com planos de dominar o mundo.’
***
Autor assina contrato com George Lucas
‘Os fãs não são todos iguais. Os brasileiros envolvidos na produção dos fã-filmes são quase sempre movidos pela paixão. Os fãs americanos têm, simultaneamente, motivos pragmáticos: entrar para a indústria do cinema.
Ryan Wieber agora sabe que não se trata de utopia. Ele é co-autor do fã-filme-fenônemo ‘Ryan vs. Dorkman’, visualizado mais de um milhão de vezes internet afora desde 2003.
O curta mostra um duelo de sabres de luz entre dois jovens. Trivial, mas com efeitos especiais caprichados que o distinguiram em um oceano de produções similares.
Ele conta o resultado: ‘Em julho de 2003 recebi um e-mail do chefe da área de efeitos especiais da LucasArts [divisão de games do megaconglomerado capitaneado por George Lucas]. Ele disse que havia trombado com ‘Ryan vs. Dorkman’ na rede e queria que eu soubesse que gostou. Fui chamado para conversar. Acabei contratado meses depois’.
Realizou o sonho de dez entre dez entusiastas de ‘Guerra nas Estrelas’: trabalhar pertinho do criador (quase divino, para os fãs) da saga dos Jedi.
Desconfiança
A empresa de George Lucas é exceção entre os grandes estúdios e a única a apoiar filmes amadores sem fins lucrativos. Outras não vêem fã-filmes com bons olhos. Dada a dificuldade de monitorar a pulverizada rede de amadores, contudo, Hollywood faz vista grossa para a exploração caseira de personagens licenciados.
Mas os fã-filmes não estão fadados a rodar apenas na internet. Encontros de fãs, principalmente nos EUA, exibem e premiam os melhores curtas. (RE)
Sites com fã-filmes e informações sobre premiações: youtube.com; theforce.net; atomfilms.com; ifilm.com; comic-con.org; fanfilms.net’
TELEVISÃO
Betty, a Feia, embarca no ‘sonho americano’
‘Esqueça as morenas calipígias de sotaque carregado que, estrelas em seus países de origem, aportavam em Hollywood fadadas a colecionar papéis secundários e erguer o estandarte da ‘diversidade étnica’ da qual a indústria do entretenimento norte-americana se ufana. O novo símbolo da latinidade é uma jovem desprovida de maiores atributos físicos, com o sorriso delineado por um aparelho fixo, o olhar escondido atrás de óculos fundo de garrafa e um guarda-roupa, digamos, infeliz. Ok, deixemos de lado os eufemismos: ela é Betty, a Feia.
Adaptação da novela colombiana ‘Yo Soy Betty, la Fea’ (exibida no Brasil pela Rede TV!), ‘Ugly Betty’, a série cômica estrelada pela personagem nos EUA, é vista semanalmente por cerca de 13 milhões de pessoas desde setembro de 2006. Produzido pela atriz mexicana Salma Hayek, o programa recebeu, há duas semanas, dois Globos de Ouro: melhor seriado cômico ou musical e melhor atriz, dado à filha de hondurenhos nascida na Califórnia America Ferrera, 22.
Em outubro passado, em uma rodada de entrevistas da qual a Folha participou, em Los Angeles, Ferrera limitou-se a reproduzir o blablablá dos estúdios ao ser indagada sobre um possível novo arquétipo latino em Hollywood -menos histriônico e caricatural. ‘Os latinos se infiltraram no ‘mainstream’ e isso é bom para a diversidade étnica.’
Mais realista foi a fala do criador e produtor-executivo da versão ianque, o filho de cubanos criado na Flórida Silvio Horta. ‘Sempre vivi na fronteira da latinidade. A primeira missão do programa é entreter, mas há, sim, o objetivo de capturar a essência do que é ser a primeira geração de latinos nascidos nos EUA.’
Uma turma que fala inglês sem sotaque, busca vagas no setor formal do mercado de trabalho e se sente tão americana quanto qualquer caubói texano, sem, para isso, renegar a ascendência. ‘Há [na série] detalhes que remetem ao mundo latino, como a participação da [estrela das novelas hispânicas] Lupita Ferrer no programa a que a família de Betty assiste no primeiro episódio’, contou Hayek, que disse ter levado sete anos para emplacar uma atração latina na TV norte-americana.
Aura kitsch
Na história, o humor surge dos perrengues que Betty enfrenta no dia-a-dia como assistente do editor de uma revista de moda nova-iorquina e da aura kitsch de sua casa. É nesse núcleo doméstico que está também a porção ‘séria’ da trama: o patriarca Ignacio (Tony Plana) é um imigrante ilegal que, a certa altura, tem que levantar US$ 20 mil para evitar a deportação.
O ator cubano celebra a chance de abordar o tema, mas diz que ainda há um longo caminho a percorrer. ‘Somos 30% da população [dos EUA], mas só estamos representados em 3% ou 4% dos personagens televisivos. Betty é uma garota morena em um ‘mundo branco’. Se pudermos, será ótimo mostrar sua ascensão na estrutura corporativa, de assistente a chefe.’
Ainda não há previsão de exibição da série no Brasil.
O repórter LUCAS NEVES viajou a convite da Sony Pictures Television International’
Bia Abramo
‘Vidas Opostas’ encara a besta nos olhos
‘A VIOLÊNCIA costuma aparecer nas novelas de braço dado com a hipocrisia: seja porque se tornou commodity fácil para atrair audiência, seja porque é quase sempre atribuída a um ‘outro’ sem nome.
No primeiro caso, tenta-se um realismo de conveniência, travestindo de ‘flagrante’ da vida social o que tem simplesmente a intenção de provocar o gozo do espectador. No segundo, as mazelas sociais entram como elementos perturbadores do sacrossanto bem-estar dos ricos e remediados da ficção.
Disfarçada, distanciada, é rara a obra de ficção de TV que tente olhar mais diretamente para a besta. ‘Vidas Opostas’, a novela das 21h30 da Record, tem se constituído como exceção.
A narrativa se funda diretamente nas relações violentas entre bandidos e polícia, entre ricos e pobres, entre homens e mulheres.
Ainda que a convenção melodramática se imponha na história de amor central -há uma mocinha pobre e batalhadora que se apaixona pelo mocinho rico e generoso, paixão perturbada pelos tropeços de origem da mocinha-, o cunho mais contemporâneo, menos enfeitado, acaba por se impor.
‘Polícia e bandido são farinha do mesmo saco’, diz a mãe de Joana, a heroína assediada pelo ex-namorado traficante. O mote é simples, mas o roteiro consegue desdobrá-lo com inventividade e (alguns) diálogos surpreendentemente bem-feitos.
‘Vidas Opostas’ deu um passo de ousadia necessário. Faltam muitos outros -mais apuro na produção, menos clichês de direção, elenco mais homogêneo-, mas já é mais do que a concorrência tem tentado.
É curioso, muito curioso, o funcionamento do ‘demi-monde’ das celebridades. Em entrevista exibida na última quarta-feira, Luciana Gimenez e Ronaldo Esper falaram com muito desprezo sobre a ‘imprensa’, acusando jornais e sites noticiosos de ‘inverdades’ sobre o caso da prisão do estilista.
Diante das supostas ‘inverdades’, tudo o que a dupla produziu foi uma série de declarações, seja pelo empenho de Esper em fazer crer uma versão, digamos, pessoal do episódio, seja pela pouca disposição jornalística do programa de Gimenez (alguém lá ouviu falar em ouvir o ‘outro lado’?) em cruzar informações. Claro, isso já seria fazer jornalismo, o que realmente não interessa ao mundo do entretenimento. Afinal, procurar a verdade factual colocaria o espetáculo em risco. E esse pecado o ‘demi-monde’ não comete.’
Silvana Arantes
‘A Grande Família’ avista o seu fim
‘A versão cinematográfica do seriado ‘A Grande Família’ -que estreou nesta semana com robustas 260 cópias, expressão da expectativa de que repetirá no cinema o sucesso televisivo- acende a pergunta: a chegada à telona prepara o caminho de despedida da TV?
Diretor (Maurício Farias), roteirista (Cláudio Paiva) e elenco (Marco Nanini, Marieta Severo) do clã dizem que não. Ou melhor, talvez…
‘Ainda não me cansei de fazer Lineu [o pai da família], e esse filme veio dar uma chacoalhada, porque há [novos] caminhos [abertos para os personagens]’, afirma Marco Nanini. O ator acha que o filme ajudou a demonstrar que os personagens ‘têm ainda muito espaço para caminhar’, quando apresentou, por exemplo, ‘um Lineu mais emotivo, que mostra mais sua sensibilidade’.
Mas é também Nanini quem pondera: ‘Agora, a rotina é uma bruxa má e cruel que está rondando. Você precisa estar sempre atento para ela não tomar conta, porque senão fica tudo chatíssimo, tudo cinza. Se isso acontecer, é um sinal escancarado de que vai perder o brilho, o frescor, a verdade’.
Nesses seis anos em que o programa está no ar, ainda não aconteceu, segundo Nanini. Mas Pedro Cardoso, o intérprete de Agostinho, o genro eternamente encostado na vida mansa, propôs à ‘parentela’ que todos pensem logo num final para ‘A Grande Família’.
Nanini comprou a idéia. ‘Acho maravilhosa. Vou batalhar para que a gente faça isso. Mesmo que ele não seja feito agora, imaginando o fim da grande família, saberíamos onde termina a saga’, diz.
Para o ator, saber por antecipação o desfecho -que pode ser a morte de Lineu, hipótese que move a trama do filme- ajudaria a ‘dar força para quando esse momento chegar’.
Marieta Severo, a Nenê, diz que ‘não gostaria de começar um novo ano pensando em despedida’. Por duas razões. A primeira é que ‘pensar a longo prazo’ não é do seu estilo.
A segunda: ‘Acho que você começa a se relacionar com o trabalho e o personagem de uma maneira estranha, esquisita [considerando o fim]. Parece-me que você começa a apostar menos no que está fazendo e, subjetivamente, começa a tirar o seu time de campo’.
A disposição de Marieta é outra: ‘Quero estar com meu time todo em campo, jogando com todas as armas, como fiz até agora. Vou fazer a Nenê neste ano com todo o gás, toda a vontade e todo o prazer com que fiz até agora. No final do ano, vamos ver o que acontece’.
Farias diz que ‘o filme vai ficar na história da ‘Grande Família’ como um episódio muito especial’. O diretor avalia que a experiência do longa-metragem acrescentou aspectos positivos à série e vice-versa.
É também a opinião de Guel Arraes, diretor do núcleo da Globo que produz o seriado e roteirista do longa: ‘[O filme] Deu uma novidade. Como são atores estupendos, as interpretações ainda se aprofundaram e isso volta para o programa’.’
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