‘DEMOCRATIZAÇÃO’
Senado debate lei que tutela reportagem
‘A Comissão de Educação do Senado está discutindo um projeto de lei, em tramitação na Casa, que altera a Lei de Imprensa para coibir a divulgação, pelos meios de comunicação, de informações ‘potencialmente’ ofensivas à honra.
A ABI (Associação Brasileira de Imprensa), a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), a ANJ (Associação Nacional dos Jornais) e senadores afirmaram que a proposta fere a liberdade de informação.
O projeto determina que, sempre que os meios de comunicação veicularem notícias que consistam na imputação de um crime, ilícito administrativo ou civil, ou que tenham repercussão negativa sobre a honra, a imagem ou a reputação de alguém, deverão fazer previamente investigação ‘criteriosa’ de sua veracidade e da autenticidade dos documentos que lhes servem de base.
Os meios de comunicação também devem, de acordo com o projeto, ouvir previamente as pessoas citadas nas reportagens com denúncias e dar-lhes oportunidade de manifestação, salvo impossibilidade previamente comprovada.
Se esses procedimentos não forem seguidos e comprovados em processo, as penas para os eventuais crimes de calúnia (máximo de dois anos de detenção e multa) e difamação (máximo de um ano de prisão e multa) ficam aumentadas em um terço.
O projeto é de autoria do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), para quem a liberdade de expressão não pode atentar contra o direito à preservação da dignidade.
‘Muitos meios de comunicação têm confundido a ampla liberdade de informação com uma verdadeira permissividade’, afirmou Crivella na justificativa anexa ao documento.
A proposta, que recebeu parecer favorável da senadora Fátima Cleide (PT-RO), seria votada na comissão na última terça-feira. Como o líder do PSB, senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), apresentou um relatório alternativo para derrubar a matéria, o projeto foi retirado temporariamente da pauta para ser debatido.
A Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV) também encaminhou um requerimento para a realização de audiências públicas para discutir o assunto.
‘Atuação leviana’
Em seu parecer, Fátima Cleide afirmou que o objetivo é ‘coibir a atuação leviana dos meios de comunicação que divulgam denúncias sem ao menos verificar a solidez e a autenticidade dos elementos que lhes servem de base’.
Valadares afirmou que a Constituição já garante a reparação dos danos materiais e morais decorrentes da violação da honra e da imagem das pessoas, mediante a determinação de pagamento de indenização por eventuais abusos.
‘Se a publicação de informações falsas é condenável, não se pode, por outro lado, exigir que os órgãos de imprensa assumam as funções investigativas próprias das autoridades competentes, estas sim incumbidas de descobrir a verdade a respeito de denúncias e acusações que venham a motivar notícias e reportagens’, afirmou Valadares em seu relatório.
Críticas
A proposta foi criticada pelo presidente da ABI, Maurício Azêdo. ‘Esse projeto é inconstitucional porque estabelece limitações à atividade da imprensa e não encontra abrigo no artigo 220 da Constituição. Do ponto de vista técnico, porque pretende dar lições da técnica de jornalismo aos profissionais especializados na matéria’, disse ele.
O artigo 220 da Constituição, citado por Azêdo, diz que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição.
A ANJ também é contrária à proposta. ‘O projeto do jeito que está fere a liberdade de imprensa na medida em que obriga os jornais a produzirem provas, quando não são órgãos de investigação. Isso fere o direito ao sigilo da fonte’, disse Paulo Tonet Camargo, diretor do comitê de relações governamentais da associação.
O presidente da Fenaj, Sérgio Murilo, disse que o projeto é ‘inoportuno’. ‘É uma lógica burocrática capaz de inviabilizar uma investigação. Baseado em informações reais, a prova, em último caso, é tarefa da Justiça e não do jornalista’, afirmou Murilo.’
Carlos Heitor Cony
Ministério de coisa nenhuma
‘RIO DE JANEIRO – Nada assanha mais a mídia especializada do que uma reforma ministerial. É natural que fique assanhadíssima quando se forma um novo ministério a cada governo, ministério que, depois de formado, é sucessivamente reformado ao sabor das contingências e das exigências de cada situação.
Aqui do meu canto fico pasmo com os nomes que são lembrados, insinuados ou rotulados como indispensáveis à salvação da pátria.
E o pasmo é maior quando fico sabendo que determinado técnico ou político está cotado para dirigir as finanças, as obras públicas, as endemias rurais, a reforma agrária, a segurança pública e a Previdência Social. Deve tratar-se de um monstro capaz de administrar qualquer coisa, desde que seja ministro por conta da cota destinada a determinado partido que ajudou alguém a eleger-se.
Compreendo que o presidente, para cumprir os compromissos assumidos durante a campanha, aceite nomear um cidadão que nada tem a ver com a pasta. O que não compreendo é que o sujeito, muitas vezes um advogado de peso, um industrial bem-sucedido, um técnico de seguros, tope um ministério que vai cuidar da transposição do rio São Francisco ou sanear a dívida do INSS.
Felizmente, não pertencendo a nenhum partido, a nenhuma corrente de opinião a não ser a minha, não fui até agora lembrado para nenhum ministério, autarquia ou estatal. É um fato auspicioso para mim e para a nação.
Há tempos, num dos governos militares, um médico sanitarista chegou a ser cotado para o Ministério da Viação e Obras Públicas. E um engenheiro foi parar no Ministério da Educação.
Agora, num delírio pessoal de cronista sem assunto, se criarem um Ministério de Coisa Nenhuma, podem lembrar do meu nome.’
QUEBRA DE SIGILO
Fora da linha
‘A DEFESA explicativa que a Polícia Federal apresenta, para a quebra do sigilo de um telefone usado pela Folha na Câmara e do celular de uma repórter do jornal, transformou o que poderia ser um equívoco, ou ato de mera incompetência, em iniciativa suspeita da PF de Mato Grosso. Por coincidência ou não, essa regional da PF já foi objeto de críticas e noticiário, sobre procedimentos seus no caso sanguessugas, que a teriam desagradado além do habitual.
A inclusão dos dois telefones na lista de quebras pedidas, e autorizadas pela 2ª Vara Federal em Mato Grosso, diz a explicação da PF, ‘é exclusivamente fruto da impossibilidade de verificar previamennte a propriedade dos terminais telefônicos’. Argumento amparado na alegação de falta, na PF, de ‘meios de identificar previamente a titularidade dos telefones’.
Podemos dispensar a possibilidade de consulta da PF às empresas telefônicas, sobre titularidade e local da linha em questão. Seria suficiente a simples providência de ligar para os números de interesse da investigação, e, com toda probabilidade, já na primeira resposta ter um esclarecimento ou um modo de obtê-lo com presteza. Folha/ Câmara/ Imprensa/ Deixe o seu recado -os dois telefones tinham o que informar ao serem atendidos ou encaminhar a futura informação.
O argumento da PF desaba ainda diante de usos da própria PF. Com freqüência noticia-se que a PF ‘encontrou ligações de fulano para beltrano e vai pedir a quebra também do seu sigilo telefônico’. Logo, a PF chegou a um nome de usuário de linha ao encontrar apenas um número de telefone. Tem, portanto, ‘meios de identificar a titularidade dos telefones’ a partir do seu número, e o faz seguidamente.
Não foi por ‘impossibilidade de verificar’ a identidade dos usuários dos dois telefones que a PF de Mato Grosso requereu a quebra de sigilo da Folha e da repórter. Seus delegados e inspetores fazem todos os dias identificações dessas. Talvez seja o caso de juizes e advogados discutirem a exigência, nos pedidos policiais para quebra de sigilo telefônico, da identificação dos titulares. Sem isso, os juizes ficam expostos a comprometer-se, sem o saber, com erros e arbitrariedades.
Não deixa de ser interessante, para encerrar, que a PF de Mato Grosso não pedisse a quebra de telefones de outros dois grandes jornais, cujos números compartilharam o mesmo documento com os da Folha. Cada vez parece mais conveniente um inquérito sobre o inquérito dos sanguessugas.
A volta?
Sumido, em destino ignorado, há três anos, dez meses e meio -desde janeiro de 2003-, Aloizio Mercadante reapareceu. Foi visto e ouvido anteontem, à maneira em que se fez conhecido antes do repentino desaparecimento, na tribuna do Senado onde um sósia físico, mas não ético nem intelectual, em vão tentou disfarçar o sumiço. Recomenda-se aguardar um pouco para saudar o retorno do parlamentar petista, o que talvez dependa do sósia do velho Lula.’
HIGH SCHOOL MUSICAL
Filme da Disney para televisão vira febre pré-adolescente
‘A mais recente febre entre os pré-adolescentes no país obrigou a Walt Disney a se mexer para não perder o filão comercial. Trata-se do filme para TV ‘High School Musical’, que estreou no canal fechado da rede no país em 31 de julho, quando foi líder de audiência da TV por assinatura brasileira. Desde então, já teve 12 reprises.
Nos EUA, ‘High School’ já perdeu, em setembro, o posto de telefilme com maior audiência da história da rede para o ‘Cheetah Girls 2’ -nova tacada da Disney no mundo, mas ainda sem data para estrear no Brasil. Enquanto ‘Cheetah’ não chega ao país, a Disney vai esticando o tempo de vida de ‘High School’.
Telefilme com 98 minutos, ambientado em uma escola tipicamente americana, o programa é recheado de estereótipos -mas que sempre funcionam: a garota bonita, popular e malvada versus a turma de bonzinhos e estudiosos.
Criado para os novos consumidores de 4 a 11 anos, o telefilme da Disney gira basicamente entre quatro protagonistas: Troy Bolton (Zac Efron) e Gabriella Montez (Vanessa Anne Hudgens), que formam o casal do ‘bem’ na trama, e Sharpay (Ashley Tisdale) e Ryan Evans (Lucas Gabreel), os irmãos endinheirados.
As duas duplas se envolvem num concurso musical na escola em San José, na Califórnia. Os irmãos querem ficar com o primeiro lugar, enquanto o casal romântico da trama (Troy e Gabriella) busca o mesmo.
A Disney estima que, em três meses, 100 mil CDs com músicas do filme tenham sido vendidos no Brasil. Isso dá ao programa o disco de platina. O volume é o mesmo do CD ‘Carioca’, de Chico Buarque, e ganha de internacionais como o último da Madonna (‘I’m Going to Tell You a Secret’). Em livrarias, como Saraiva e Fnac, está entre os cinco CDs internacionais mais procurados atualmente.
Num filme como esse, há terreno fértil para uma sucessão de produtos surgirem no rastro da nova moda. Depois do CD, a empresa está se preparando para o lançamento da linha de roupas em 2006 e de bonecos dos personagens da trama no próximo ano -além da possibilidade de produzir uma versão local de ‘High School’.
O DVD chega às lojas em 6 de dezembro. Mais: está sendo negociada com uma TV aberta no país a veiculação do filme. E ‘High School Musical 2’ deve ser lançado nos Estados Unidos no ano que vem.
‘Blockbuster’
Com a boa aceitação lá fora -nos EUA, a estréia teve 7 milhões de telespectadores e 10 milhões nas reprises-, era esperado um resultado positivo na América Latina, segundo a Disney. Mas não nesse nível.
‘Quando vimos o primeiro resultado de Ibope [audiência], batendo em quatro pontos, achamos que havia algum erro. Isso é mais que TV aberta’, diz Hebert Greco, diretor de marketing dos canais Disney Channel e Jetix no país.
‘É uma corrida contra o tempo, temos de colocar tudo na rua rápido. O licenciamento já está avançado. Ainda teremos produtos para papelaria e jogos para PlayStation e Nintendo’, afirma Greco.
Cada ponto do Ibope equivale a 54 mil domicílios na Grande São Paulo. Os quatro pontos de ‘High School’ correspondem à audiência registrada na estréia, em outubro, de ‘Bailando Por Um Sonho’, programa de Silvio Santos, no SBT.
As razões para o sucesso têm relação direta com o ‘trator’ Disney, com propaganda maciça na TV fechada e ampla rede de distribuição de produtos da marca no varejo.
Aí, pode-se incluir também a capacidade comercial da empresa de criar diferentes versões para o mesmo produto.
‘High School’ tem uma versão dublada, uma legendada, outra em que os personagens ensinam a coreografia das danças e ainda uma que funciona como uma espécie de karaokê.’
GLOBO ECOLOGIA
Estrelas da Globo querem salvar floresta amazônica
‘As gravações da minissérie ‘Amazônia – De Galvez a Chico Mendes’ na floresta amazônica, durante dois meses, mexeram com a cabeça de atores da Globo. Estrelas como Christiane Torloni e Juca de Oliveira retornaram da região ‘transformados’, após vivenciarem a destruição ambiental.
Para Christiane, a experiência de gravar na Amazônia foi ‘dilacerante’ e ‘perturbadora’. ‘Um elenco inteiro se abismou com aquilo’, conta a atriz, que será a espanhola Maria Alonso, uma das protagonistas da minissérie, que contará a ‘história de um povo que lutou para ser brasileiro’, a do Acre.
Christiane, Juca de Oliveira, José Wilker, Eduardo Galvão e Victor Fasano, entre outros artistas, ficaram tão sensibilizados com a devastação que decidiram fazer alguma coisa. Oliveira ficou encarregado de escrever um texto em defesa da floresta, que será transformado em uma carta acompanhada de um grande abaixo-assinado. Os atores pretendem entregar o manifesto pessoalmente ao presidente Lula.
Christiane conta que sobrevoou a Amazônia há 22 anos. ‘Na época das Diretas Já, havia uma floresta. Do avião, você só enxergava o verde. Hoje, parece que você está chegando ao Rio Grande do Sul. Áreas extensas viraram pampa. É assustador. A fumaça das queimadas chega a doer. Estão queimando a gente também’, relata a atriz.
Christiane, que se apaixonou por um filhote de jaguatirica com o qual contracenou em uma seqüência, ficou impressionada logo ao chegar em Manaus, antes de se embrenhar na selva. ‘É impressionante como a cidade mudou em apenas dois anos’, diz. Ela afirma que resolveu se engajar na causa ecológica porque não acredita ‘em reclamação, mas em ação’. ‘Não é possível que Chico Mendes e [a missionária] Dorothy Stang tenham morrido em vão’, discursa a atriz.
Além de se preocupar com o futuro do planeta, Christiane tem se dedicado a aprender danças espanholas porque sua personagem é a prima-dona de uma zarzuela (companhia de ópera espanhola). ‘Nunca havia dançado flamenco’, diz.
NAMORO NA TV A Record não conseguiu contratar Daniella Cicarelli, mas nem por isso desistiu de ter um programa de namoros. Comprou da Sony o formato de ‘Dating Game’, um jogo de namoro no escuro. A atração estréia em janeiro, como quadro final do ‘Tudo a Ver’ vespertino.
CANTORIA NA TV O ‘Domingão do Faustão’ fará em fevereiro concurso para escolher a nova vocalista de sua banda. A atual, Ester Campos, vai virar cantora solo.
DICA CULTURAL O Telecine Cult, que anda exibindo documentários musicais, apresenta dia 3 de dezembro o filme ‘Sympathy for the Devil’, de Jean-Luc Godard, que registra a gravação da música homônima pelos Rolling Stones, em 1968.’
TV
‘Antônia’ leva periferia de SP à TV
‘‘O melhor dessa história é poder falar da periferia na TV.’ Fernando Meirelles, o cineasta que levou o Brasil a receber quatro indicações ao Oscar, refere-se a ‘Antônia’, série de sua produtora, a O2 Filmes, que a Globo exibe semanalmente a partir da próxima sexta-feira.
O seriado narra a trajetória de quatro mulheres da Vila Brasilândia, periferia da zona norte de São Paulo, que formam o grupo de rap Antônia em busca de sucesso e, principalmente, sustento. As protagonistas são cantoras que, na vida real, atingiram esses objetivos: Negra Li, Leilah Moreno, Cindy Mendes e Quelynah.
Além de colocar a periferia no centro da história, ‘Antônia’ subverte a tradição da teledramaturgia da Globo ao apresentar heroínas negras, pobres, rappers e paulistanas. ‘É muito bom falar da periferia dessa forma iluminada e positiva, com quatro mulheres negras no elenco’, afirma Tata Amaral, idealizadora do projeto.
Além disso, trata-se de mais uma produção independente para a qual a Globo, após muita resistência, começa a se abrir. Fernando Meirelles, presente no lançamento da série em São Paulo, na última quarta-feira, tem mesmo que comemorar.
Essa Globo da periferia começou em 2000 com ‘Palace 2’, especial dirigido e produzido por Meirelles para integrar a série ‘Brava Gente Brasileira’, de Guel Arraes. Foi então que a TV brasileira mostrou a favela carioca, seus ‘vilões e heróis’, com um realismo inédito.
O programa preparou o diretor para seu grande projeto, o longa-metragem ‘Cidade de Deus’ (2002), com o qual conquistou Hollywood e o mundo.
Depois do filme, veio a série ‘Cidade dos Homens’, que terminou no ano passado após quatro temporadas na Globo e será transformada em um longa-metragem em 2007.
‘Antônia’ também é fruto desse ‘casamento’ cinema/TV. Tudo começou quando a diretora Tata Amaral apresentou seu longa homônimo à produtora de Meirelles. ‘Quando vimos, pensamos: ‘Isso dá uma série de TV’, conta o cineasta.
A Globo aprovou. Os cinco episódios, filmados posteriormente, são a continuação do que se passa no longa-metragem, que, no entanto, estréia apenas em fevereiro, após a veiculação do seriado. Ou seja, o filme, premiado na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, pode ser considerado o primeiro capítulo da série.
‘E espero que os telespectadores sejam convertidos em espectadores do longa-metragem’, torce Tata Amaral.
TV + cinema
‘Há muito tempo pensávamos que daria certo traçar esse caminho TV/cinema/TV/cinema’, afirma Meirelles.
Para o cineasta, esse casamento, resultado da abertura da televisão às produções independentes, seria viável em outras emissoras, além da Globo. ‘Na verdade, ‘Antônia’ nem é um produto caro’, diz.
Quanto custou? ‘Ah, a Globo, por contrato, não deixa a gente divulgar os valores’, explica.
A parceria entre a produtora de Meirelles e a emissora, válida por cinco anos, vencerá em 2007, mas deverá ser renovada, especialmente se ‘Antônia’ atingir a meta de audiência e, conseqüentemente, ganhar uma segunda temporada.
‘Cidade dos Homens’ girava em torno dos 28 pontos no Ibope, o que supera a média desse horário da sexta à noite, pós-’Globo Repórter’. Se ‘Antônia’ ultrapassar os 20 (1,1 milhão de domicílios na Grande SP), já será um produto bem-sucedido.
As quatro protagonistas, inexperientes na dramaturgia, dão conta do recado, principalmente quando o papo é entre elas, cheio de gírias, solto do roteiro. A melhor é Leilah Moreno (Barbarah), apesar de Negra Li (Preta) ser a narradora.
Outro destaque é o rapper Thaíde, no papel do cômico Diamante, empresário do grupo. Os episódios -todos filmados em película, como no cinema- têm ainda participação de Thobias da Vai Vai e Sandra de Sá, como os pais de Preta.’
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Folha de S. Paulo
Sábado, 11 de novembro de 2006
REDUÇÃO DA DESIGUALDADE
Boa notícia. Mas falsa
‘SÃO PAULO – Uma das únicas boas notícias sobre o Brasil contida no relatório sobre desenvolvimento humano divulgado pelas Nações Unidas é a redução da desigualdade. Pena que seja falsa.
Já tratei desse tema, mas a repetição da falsidade exige voltar ao teorema que explica a falsidade.
1 – O único estudo que mostra a queda da desigualdade (a partir de 1995, portanto no governo Fernando Henrique Cardoso) é a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios), do IBGE. Os pesquisadores perguntam a renda da família. Quem vive só de trabalho ou de outro rendimento fixo diz o que ganha. Quem, além do salário ou de rendimento fixo, recebe também os proventos advindos de aplicações financeiras, omite essa parte da renda. Ou por mero esquecimento, portanto de boa-fé, ou por medo (do fisco, de seqüestro, do que seja).
2 – Como aumentou a renda dos mais pobres, a partir dos diferentes tipos de bolsas, a pesquisa registra diminuição da desigualdade, por falsa declaração.
3 – Testemunho de pesquisadores do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas: ‘A pesquisa do IBGE só capta 10% dos rendimentos das famílias com juros’, afirma Marcelo Medeiros. Completa Sergei Soares: ‘Esses rendimentos são muito mal medidos pela Pnad’.
4 – Os 10% mais ricos do país e que têm dinheiro aplicado a juros obtiveram um rendimento médio financeiro real (acima da inflação) de 65,8% entre 2001 e 2004 (os dados da ONU referem-se justamente a 2004). Já os 20% mais pobres que vivem da renda do trabalho tiveram um aumento nos ganhos de 19,2% no mesmo período.
Tudo somado, tem-se que é simplesmente impossível que a desigualdade tenha caído. E, mesmo computando uma queda que não houve, a ONU põe o Brasil em um patético 69º lugar no ranking do desenvolvimento humano.’
CONTROLE DA INTERNET
E as garantias constitucionais?
‘MUITAS CRÍTICAS vêm sendo apresentadas ao projeto de criação de novos tipos penais relacionados à prática de crimes de informática, sobretudo com a utilização da rede mundial de computadores, tendo por justificativa primordial a necessidade de efetivo combate e repressão a essas práticas delituosas, bem como a obrigatoriedade da identificação do usuário de internet.
Todavia, o que se percebe é que o texto do projeto apresenta defeitos de ordem de técnica legislativa e de harmonização com a legislação existente, inclusive com a própria Constituição Federal de 1988, notadamente a dosimetria utilizada para a fixação das penas previstas para os novos tipos penais, e também demonstra uma preocupação de proteção e resguardo de ordem eminentemente patrimonial.
A ausência de técnica legislativa adequada na redação do projeto de lei -em discussão, atualmente, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado- é verificada pela inadequação e desnecessidade de criação de determinados tipos penais já previstos no Código Penal vigente. Por exemplo, a conduta sugerida no artigo 163-A, que é a de ‘criar, inserir ou difundir vírus em dispositivo de comunicação (…) com a finalidade de destruí-lo, inutilizá-lo ou deteriorá-lo’, é equiparável ao já existente crime de dano. Outro exemplo é a conduta do artigo 154-B -que diz respeito à obtenção de dado ou informação sem a devida autorização de seu titular em rede de computadores ou internet-, que é equiparável ao crime previsto no atual artigo 151 do Código Penal (violação de correspondência) e ao conhecido estelionato (art. 171).
Neste ponto, deve-se enfatizar que a criação de novos tipos penais específicos não é sinônimo de maior eficiência ou efetividade na prevenção e repressão dos crimes de informática, seja em razão da existência de dispositivos que já sustentam a punibilidade dos crimes praticados por meio da internet -o uso da rede mundial de computadores como meio seria o único diferencial-, seja pela impossibilidade de caracterização das condutas previstas no projeto, como, por exemplo, o ‘transporte’ de informações obtidas sem autorização do titular.
O cunho de proteção e preservação patrimonial do projeto pode ser caracterizado não pelo que nele se apresenta, mas por aquilo que não se prevê. É o caso da tipificação de crimes relacionados à violação de direitos e garantias constitucionais, como o direito à honra, à intimidade, à vida privada e à dignidade da pessoa humana, direitos esses que representam a grande parcela das violações ocorridas na internet.
Em se tratando de garantias constitucionais, o que se nota é que o projeto tenta flexibilizar as garantias constitucionais do direito à intimidade e à privacidade, ao estabelecer, em seu artigo 22, incisos II e III, a obrigatoriedade do fornecimento de informações, a pedido de autoridade competente, sobre os dados de conexão e os dados de identificação do usuário, independentemente da necessária e competente ordem judicial.
Não se pretende, como dizem os defensores do projeto, estimular o anonimato na internet, mas, isto sim, preservar as garantias constitucionais existentes e não onerar determinados atores do processo de disponibilização de serviços na rede mundial de computadores.
Isso desestimularia o seu crescimento e inviabilizaria a inclusão digital, tendo em vista as severas obrigações que se pretendem impor aos fornecedores de serviços da internet, como a obrigação de identificação, especialmente pela utilização de certificação digital, de todo e qualquer usuário que trafegue na rede.
A modernização da legislação pode e deve ser buscada, mas de forma que as garantias constitucionais sejam preservadas, os deveres e obrigações sejam igualitariamente compartilhados entre todos os partícipes do processo digital, aí incluindo o próprio Governo federal, tendo como horizonte o estabelecimento de dispositivos legais harmônicos, sólidos e eficazes, capazes de dar efetividade ao desenvolvimento das atividades relacionadas à internet.
RAPHAEL DE CUNTO, 43, advogado, é presidente da ABDI (Associação Brasileira de Direito de Informática e Telecomunicações) e sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados.’
Eduardo Azeredo
Ataque aos crimes cibernéticos
‘DIFUSÃO DE vírus, falsificação de cartões de crédito, clonagem de celulares, ‘phishing’, furto, pedofilia, calúnia, injúria, violação de contas bancárias. A lista dos crimes que podem ser cometidos com o uso da informática é enorme. São delitos relativamente novos, cuja incidência aumenta à medida que vão sendo criadas e difundidas novas tecnologias de informação. E isso ocorre com rapidez surpreendente e conseqüências preocupantes. Para ter uma idéia, o Brasil já é vice-líder no roubo de dados bancários (os chamados cavalos-de-tróia), ostentando tristes 18,3% dos ataques que acontecem em todo o mundo e ficando atrás só dos EUA, com 26,9% dos ataques. De acordo com o Cert.Br (Centro de Estudos, Resposta e Tratamento de Incidentes de Segurança no Brasil), 77.933 incidentes com segurança foram relatados até junho deste ano. Em 2000, foram 5.997.
Esses e outros dados não deixam dúvidas de que é preciso uma atitude urgente no sentido de combater e punir quem usa a tecnologia para praticar delitos. O uso responsável da internet e o combate ao cibercrime são os objetivos da proposta que relato no Senado Federal. A matéria é ampla, complexa e, reconheço, polêmica.
Talvez por isso esteja sendo discutida no Congresso há quase uma década. O substitutivo que apresentei aglutina três projetos de lei: o nº 76/2000, do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), o nº 137/2000, do senador Leomar Quintanilha (PC do B-TO), e o nº 89/2003, do deputado federal Luiz Piauhylino (PDT-PE). Ali estão artigos que modificam o Código Penal, o Código de Processo Penal, o Código Penal Militar, o Código de Defesa do Consumidor e a Lei da Repressão Uniforme a Crimes Interestaduais e Internacionais, além da Lei de Interceptações Telefônicas.
A fusão dessas propostas não é aleatória ou leviana. Tampouco obedeceu a critérios de censura ou foi influenciada por algum lobby, como se disse.
O texto é fruto de audiência pública e debates realizados na Comissão de Educação, onde já foi aprovado, e em palestras e seminários. Houve também participação do Executivo, por meio do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.
O conteúdo do projeto segue definições estabelecidas internacionalmente pela Convenção de Budapeste, ratificada por 43 países da Comunidade Européia e, a partir de janeiro de 2007, também pelos Estados Unidos.
O propósito é atualizar a legislação brasileira para que possa abranger esses novos delitos cibernéticos. No entanto, o substitutivo foi alvo de grande desinformação, boatos e interpretações equivocadas. A proposta não tem princípios que cerceiam a liberdade de expressão, violam correspondências ou rastreiam internautas.
Não acarreta aumento de burocracia e gastos extras para os usuários. Não afeta a ‘navegação segura’ ou cria empecilhos à inclusão digital. E, ressalto, não é uma proposta acabada. Diante da polêmica criada em torno da identificação de usuários, os senadores decidiram debater mais o substitutivo. Justo. Mas, para que não fique limitado à suspeita de ‘fim da privacidade’, motivada pelo desconhecimento, o debate deve esclarecer, antes de tudo, o que de verdadeiro existe sobre isso no texto.
O cadastramento seria feito por meio do próprio computador, uma única vez, quando o cidadão contratasse provedor de acesso à internet -proposta que apenas legaliza o que hoje é praxe. A identificação seria feita só no momento da conexão, e não a cada passo, e da melhor forma que o provedor julgasse -senhas, por exemplo, como já ocorre. A partir daí, o usuário continuaria livre para navegar pelos sites de sua preferência, sem nenhum rastreamento ou vigilância.
Em casos de suspeita de crimes e desde que autorizado pela Justiça, o provedor deveria informar os registros da conexão (início e fim). Para isso, seria necessário que eles fossem guardados por pelo menos três anos.
Repito, não é uma proposta acabada. A retirada do cadastramento significaria perda de acuidade em eventuais processos investigatórios. Mas caberá à sociedade, por meio de seus representantes, escolher o grau de alcance desse projeto. O que não pode acontecer é a desinformação, que muito tumultua e pouco esclarece.
EDUARDO AZEREDO, 58, engenheiro mecânico, é senador da República pelo PSDB-MG. Foi governador do Estado de Minas Gerais de 1995 a 1998.’
LULA E A MÍDIA
Governo Lula tem ‘o maior respeito’ pela imprensa, diz Bastos
‘O ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça) atribuiu a uma ‘ressaca pós-eleitoral’ o acirramento de relações entre governo e imprensa nas duas últimas semanas, resultante de questionamentos levantados sobre a atuação da Polícia Federal em episódios que envolveram a revista ‘Veja’ e a Folha.
‘É uma ressaca pós-eleitoral. Temos pela imprensa o maior respeito, e queremos mantê-lo no nível mais alto possível. A liberdade de imprensa é um valor fundamental. Se alguma tensão houve, não se deveu ao governo, na minha opinião, e estamos fazendo todos os esforços para dissipá-la’, afirmou Bastos, após participar de reunião entre ministros da Justiça e do Interior dos países do Mercosul.
Nesta semana, a Folha tornou público o fato de que um número de telefone fixo utilizado por profissionais do jornal no comitê de imprensa da Câmara dos Deputados teve seu sigilo quebrado por ordem judicial, a pedido da PF, como parte da investigação sobre o dossiê contra políticos tucanos que emissários petistas pretendiam comprar.
Há duas semanas, repórteres de ‘Veja’ afirmaram ter sofrido constrangimentos ao depor para o delegado Moysés Ferreira. Os repórteres foram interrogados sobre sua atuação em uma reportagem na qual a revista afirma que petistas investigados fizeram uma reunião secreta na sede da PF, em São Paulo. Na ocasião, teriam arquitetado uma versão para colocar um ponto final no caso do dossiê.
Bastos disse que telefonou para o diretor de Redação da Folha, Otavio Frias Filho, ‘em nome do governo, para explicar a ele exatamente o que aconteceu: trata-se de uma investigação em curso, feita sob grande pressão da sociedade -inclusive da imprensa-, que cobrava celeridade da PF, e o que aconteceu é que vários telefones foram investigados, mas, tão logo a PF descobriu que não era um telefone que tivesse interesse para a investigação, descartou [os dados relativos à quebra de sigilo do número utilizado pela Folha]’.
O ministro disse que, se o Congresso o questionar, ele apresentará explicações aos parlamentares sobre a quebra do sigilo telefônico da Folha.
‘Tenho o maior respeito pelo Congresso Nacional. Qualquer questionamento que chegue, vou pedir à PF que explique. Mas as explicações já dadas são tão simples e verdadeiras que absolutamente me convenceram de que não houve nenhuma cogitação, quanto mais uma tentativa, de atentar contra a liberdade de imprensa ou contra o sigilo da fonte’, afirmou Bastos, que também reafirmou sua confiança no sucesso do trabalho da CPI dos Sanguessugas.’
QUEBRA DE SIGILO
Delegado diz que ‘não há necessidade’ de retirar dados da Folha de inquérito
‘O delegado da Polícia Federal de Cuiabá (MT) Diógenes Curado, responsável pelas investigações sobre o dossiê contra políticos tucanos, disse ontem que não protocolou na Justiça Federal pedido para retirar dados da Folha do inquérito porque as informações não serão usadas na investigação.
‘Não há necessidade de protocolar o pedido de retirada das quebras de sigilo [da Folha]. Descartamos qualquer tipo de investigação com relação ao jornal’, disse.
A decisão do delegado vai contra o entendimento interno da PF de que a decisão mais acertada seria pedir formalmente que qualquer referência à Folha fosse retirada do processo. Segundo a Folha apurou, trata-se de uma atitude unilateral do delegado.
A PF havia informado anteontem que iria pedir -sem dizer quando- que fossem retiradas do inquérito sobre o dossiê todas as informações relativas à quebra de sigilo de um número de telefone utilizado pela Folha no comitê de imprensa da Câmara dos Deputados e de um celular utilizado por uma repórter do jornal.
A Justiça Federal de Mato Grosso confirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não havia sido protocolado até as 20h de ontem nenhum pedido da Polícia Federal para retirada das informações.
Os dois números tiveram o sigilo quebrado em meio a outros 166 telefones. O pedido das quebras foi feito pela PF, no dia 24 de setembro, à 2ª Vara Federal de Mato Grosso.’
Pefelista pede providências contra delegado e juiz por quebra de sigilo
‘O líder da oposição na Câmara, deputado federal José Carlos Aleluia (PFL-BA), ingressou ontem com uma reclamação disciplinar contra o juiz federal Marcos Alves Tavares, de Cuiabá (MT), e uma representação contra o delegado da Polícia Federal Diógenes Curado.
A reclamação disciplinar contra Tavares foi encaminhada ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Juiz substituto da 3ª Vara Federal da Seção Judiciária de Cuiabá (MT), ele autorizou a quebra do sigilo de dois telefones da Folha ao atender à solicitação de Curado, que sofreu representação de Aleluia na Corregedoria da PF.
Nas duas ações, o líder da oposição argumentou que o delegado da PF e o juiz cometeram ‘violação da garantia constitucional do sigilo da fonte’. ‘Um direito amparado pela Constituição Federal (artigo 5º, inciso 14)’, registram os textos da representação e da reclamação.
Aleluia cita também o artigo 7º da Lei de Imprensa. ‘Será, no entanto, assegurado e respeitado o sigilo quanto às fontes ou origem de informações recebidas ou recolhidas por jornalistas, rádio-repórteres ou comentaristas.’
Erro
Inicialmente, o desejo de José Carlos Aleluia era ingressar com representações no Ministério Público, como havia anunciado anteontem. Porém, a assessoria jurídica do gabinete da liderança da oposição esbarrou na impossibilidade de classificar como crime a ação de Curado e Tavares.
‘Na minha opinião, o grande erro foi do juiz. Ele vai ter de se explicar diante do Conselho Nacional de Justiça e, na minha opinião, tem de ser punido’, disse o deputado.
Aleluia defendeu ainda que a PF mude seus procedimentos. ‘O delegado disse que foi um procedimento padrão, mas, na verdade, tratou-se de uma prática condenável. Não podemos mais admitir que a PF quebre o sigilo de pessoas sem saber quem elas são’, disse.
O líder da oposição contou que solicitou um estudo à assessoria técnica dele sobre um projeto de lei para restringir as quebras de sigilo. ‘É preciso encontrar uma fórmula para criminalizar condutas abusivas como a que foi empregada pela PF no caso da Folha’, disse.’
ONG Repórteres Sem Fronteira critica decisão
‘A ONG Repórteres Sem Fronteira, que defende a liberdade de imprensa em todo o mundo e tem sede em Paris, condenou ontem a quebra do sigilo telefônico da Folha a pedido da Polícia Federal.
‘Repórteres Sem Fronteira condena a escuta telefônica de linhas [na verdade, não houve escuta, mas quebra do sigilo telefônico] utilizadas por jornalistas do diário Folha de S.Paulo, realizada pela Polícia Federal e revelada no dia 8 de novembro. A organização avalia que o direito constitucional garantido aos jornalistas de protegerem suas fontes foi usurpado’, diz o texto.
‘Constata ainda que, pela segunda vez no período de dez dias, o ‘escândalo do dossiê’, que atingiu a campanha pela reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, resulta em novos abusos contra a liberdade de imprensa’, afirma a declaração.’
AS PEQUENAS MEMÓRIAS
Autor dá voz ao ‘Saramago menino’
‘Cansado de ter de explicar-se, em adulto, por seu esquerdismo passadista, José Saramago, 83, agora volta-se a seus dias de menino. ‘As Pequenas Memórias’, que o escritor português acaba de lançar por aqui, parecem ser uma tentativa de explicar como uma infância doce, ainda que gris, o teria levado, já maduro, a defender um humanismo controverso, capaz de apoiar, por exemplo, um regime que persegue dissidentes políticos.
Com esse pequeno ensaio autobiográfico, Saramago, enfim, dá um tempo de suas declarações idealistas sobre como acredita num tal ‘outro mundo possível’. Afinal, de uns tempos para cá, o português tem freqüentado o noticiário com um monte de clichês sobre vários assuntos internacionais, incluindo aqueles que conhece pouco, como o conflito no Oriente Médio ou os caminhos trilhados pela esquerda latino-americana.
Mas vamos ao livro, que é o que traz Saramago de volta à pauta do dia. Nele, o Nobel de Literatura de 1998 reconstrói o ambiente familiar modesto em que cresceu, na Portugal dos anos 20 e 30 -primeiro na aldeia de Azinhaga, depois em Lisboa. Em entrevista à Folha, por e-mail, ele contou que não precisou buscar muito pelos detalhes em sua memória. ‘Ela ofereceu-mos sem esforço, pois sempre lá tinham estado.’
Acompanhamos um garoto interiorano, de calções e meias pretas subidas até o joelho, apegado aos avós analfabetos e a um ambiente quase bíblico, dedicado, entre outras coisas, a cuidar de animais de criação, a alimentar-se frugalmente -arrependendo-se de pecaminosos arroubos de gula- e a respeitar a hierarquia do sangue.
Saramago sugere uma analogia entre a simplicidade desse longínquo aprendizado com sua obra posterior. Também indica paisagens e personagens daquela época que se revelariam depois em seus romances.
É o caso de Júlio, um parente de um de seus vizinhos, que vivia num asilo de cegos e que, quando vinha visitar a família, vestido com um uniforme cinzento, trazia ‘um odor a ranço, a comida fria e triste, a roupa mal lavada’; sensações que Saramago reproduziria depois em ‘Ensaio Sobre a Cegueira’.
Os momentos mais tocantes são aqueles em que comenta a trágica morte do seu irmão mais velho, Francisco (Saramago tinha só dois anos, e o irmão, quatro). ‘Eu era muito novo. Acontecimento trágico foi-o para os meus pais, não para mim, que não tive consciência dele. Mas é certo que ter de escrever sobre o Francisco me deu a sensação de estar a trazê-lo outra vez à vida. De alguma forma, recuperei o irmão que tinha perdido’, diz.
Política
O interesse pela política pouco se delineia em ‘As Pequenas Memórias’. Saramago conta que, aos 14 anos, conseguiu escapar de usar o fardamento da Mocidade Portuguesa -que apoiava o ditador Salazar (1889-1970)- por se deixar ficar no fim da fila de distribuição dos uniformes. Infelizmente, o autor não explica direito por que, mesmo assim, seguiu integrando o grupo.
Comunista de velha data, o autor fez críticas à imprensa e à democracia ocidental. ‘Estamos cercados de mentiras e de meias verdades, e exige-se que sejamos cidadãos responsáveis. Mas como, se não podemos fazer mais que, de quatro em quatro anos, meter um papel numa urna? No dia, se alguma vez chegar, em que a democracia seja democracia autêntica, perceber-se-á a diferença.’ O que seria essa tal ‘autenticidade’ democrática, porém, o português não explica direito.
Polêmicas
Desde 2003, quando revoltou-se com a execução de três dissidentes políticos em Cuba com a controversa frase ‘Até aqui cheguei’ -e assim compactuando com a repressão que a antecedera-, Saramago tem uma opinião ambígua sobre o futuro da ilha pós-Fidel Castro.
‘Não se pense que a Revolução Cubana pode ser apagada de um traço. Oxalá que os EUA tenham a ‘amabilidade’ de deixar aos cubanos, quer de dentro, quer de fora, a responsabilidade de resolver os problemas dos cubanos’, disse.
Outra declaração controversa do autor que ainda reverbera é a comparação que fez entre a maneira como os israelenses tratam a questão palestina com o massacre promovido pelos nazistas contra os judeus, em Auschwitz, na Segunda Guerra.
Apesar da repercussão negativa, ele lamenta que a mesma não tenha tomado outro sentido. ‘Melhor seria que essa repercussão tivesse servido para enfrentar a grave situação do Médio Oriente, onde o povo palestino está submetido a uma das mais vergonhosas agressões da história perante a indiferença da chamada comunidade internacional.’
Saramago tem acompanhado a situação política na América Latina e acredita que o continente pode oferecer alternativas aos Estados Unidos, ‘desde que continue a ‘guinar à esquerda’. O autor português também disse que gostou da reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas ‘acharei melhor se ele vier a lembrar-se de que um dia prometeu ao povo brasileiro algo que não cumpriu. Isto é, ‘guinar à esquerda’. Se conseguir lembrar-se, espero que persevere nesse caminho.’
AS PEQUENAS MEMÓRIAS
Autor: José Saramago
Lançamento: Companhia das Letras
Quanto: R$ 31 (144 págs.)’
João Pereira Coutinho
Um dia alguém relembrará as grandes memórias do pequeno Saramago
‘Orhan Pamuk venceu o Nobel da Literatura no mês passado. Mérito artístico? Não duvido. Mas também não duvido que Pamuk venceu por motivos políticos: ao questionar publicamente um velho tabu nacional (o massacre de armênios e curdos às mãos de Istambul), Pamuk pisou o risco, ganhou o Jackpot.
Espantados? Não estejam. Basta consultar a lista dos Nobel nos últimos dez ou 20 anos para ficarem assombrados com a mediania dos escritores. Toni Morrison? Nadine Gordimer? José Saramago? Sim, os livros não convencem. Mas, em todos os casos, existe uma ‘política’ que convence, e cada nome serve para Estocolmo preencher a cota respectiva.
Nadine Gordimer é mulher (e anti-apartheid). Morrison também (e negra). E, sobre Saramago, a história é conhecida: em 1992, um membro do governo português decidiu censurar Saramago, impedindo o livro do homem de concorrer a um prêmio europeu qualquer. O romance chamava-se ‘O Evangelho Segundo Jesus Cristo’ (penoso), e o governo entendia que a obra representava uma ‘blasfêmia’ para um país majoritariamente católico.
A estupidez sempre foi um bálsamo para cabeças despertas, e Saramago, honra lhe seja feita, sempre foi uma. Em gesto magnânimo, o nosso José afirmou publicamente que não estava mais disposto a viver na sua pátria amada. Melhor o exílio no país ao lado, onde não era perseguido ou silenciado pelas autoridades oficiais. Não riam. A Academia Sueca gostou do número, e o Prêmio Nobel chegou logo a seguir.
O caso é interessante por dois motivos. Primeiro, porque se a idéia era ‘silenciar’ Saramago, ele nunca mais parou de falar, dentro e fora de Portugal. E, depois, porque o episódio, obviamente indefensável, transporta um cheiro de ironia: censurar Saramago é como estripar Jack, o Estripador. Uma redundância.
Foi 1975. Portugal passara por uma revolução tranqüila a 25 de abril de 1974, mas rapidamente descera à loucura revolucionária das esquerdas, com prisões arbitrárias, ocupação de terras e uma ‘reforma agrária’ que acabaria por liqüidar economicamente o país durante longos e bons anos.
Saramago era diretor-adjunto do ‘Diário de Notícias’ e, nos meses quentes e em editoriais históricos (mas obviamente não publicados, e não publicáveis, nas ‘Obras Completas’ do Nobel), o futuro ‘humanista’ destilava crueldade e ódio contra os ‘reacionários’ que se opunham à loucura reinante e não desejavam que Portugal seguisse o modelo soviético, ou cubano. Aliás, o ‘humanista’ Saramago não apenas denunciava os traidores externos como não hesitava em sanear os internos, despedindo os ‘contra-revolucionários’ do jornal que não aderiam à causa. Liberdade? Sem dúvida. Mas a liberdade tem uma cor e um partido.
E o partido é o Partido Comunista Português, uma relíquia stalinista, ainda viva (ou semiviva) no Parlamento lusitano, capaz de defender a ‘democracia’ da Coréia do Norte e receber Fidel Castro com honras de estadista. Saramago é militante, ocasionalmente candidato (nas eleições européias, em lugar cuidadosamente não-elegível) e, como qualquer crente da seita, um amigo das últimas tiranias que ainda prendem ou fuzilam opositores. Desconheço opinião sobre a Coréia. Mas conheço a opinião sobre Cuba. É demasiado obscena para merecer uma linha de respeito.
Kafka e Borges
Nada disto invalida a arte de Saramago? Fato. Descontando a natureza convencional da narrativa; a evidente influência temática de Kafka e Borges; e a inspiração explícita dos pregadores portugueses na construção do tom estilístico e moral (não apenas António Vieira, mas os medievais, como Álvaro Pais e António de Lisboa), Saramago é um escritor interessante, oscilando entre livros notáveis (‘O Ano da Morte de Ricardo Reis’) e medíocres (sobretudo no pós-Nobel, ‘A Caverna’ ou ‘Ensaio sobre a Lucidez’).
Mas Saramago perde no resto. Primeiro, em termos literários, perde por comparação com os seus contemporâneos, como José Cardoso Pires ou Agustina Bessa-Luís. O primeiro acabaria por falecer em 1998, mal lido e pouco amado. A segunda, viva e ativa, é provavelmente a mais brilhante escritora portuguesa do século 20.
E, para acabar, Saramago perde na história política do nosso tempo. Não será caso único: Céline ou Sartre são provas biográficas de que o talento estético pode conviver com a aberração ética. Com ideologias inumanas que, no ‘grande altar das abstrações’, exigiram dos seres humanos o sacrifício das próprias vidas.
Um dia alguém irá relembrar essa história e o papel do Nobel nela. Serão as grandes memórias de um pequeno Saramago.’
TV
Ana Paula Padrão tem futuro incerto no SBT
‘Contratada há um ano e meio para apresentar um telejornal que tinha pretensões de ser o ‘Jornal Nacional’ do SBT, a jornalista Ana Paula Padrão vai deixar a bancada do ‘SBT Brasil’, que nos últimos dias não passou dos quatro pontos no Ibope (ou quase 10% da audiência do ‘JN’ e menos da metade do que a Record dá no horário).
Ana Paula, um dos maiores salários do telejornalismo brasileiro, convocou sua equipe, anteontem à tarde, e confirmou os rumores de que está deixando o telejornal para se dedicar a um programa de reportagens feitas no exterior.
Mas esse novo jornalístico ainda está sendo negociado, portanto é incerto. Silvio Santos só deve decidir no próximo dia 20 qual será o futuro da jornalista. Ana Paula poderá fazer reportagens especiais, mas sem ter um programa. Há até a hipótese de ela continuar como apresentadora do ‘SBT Brasil’.
Essa possibilidade é remota. Há meses executivos do SBT vêm defendendo Carlos Nascimento à frente do ‘SBT Brasil’. Na rede, há a percepção de que Nascimento tem melhor aceitação pelo telespectador e pelo mercado publicitário. O próprio Silvio Santos admite que ele está sendo mal aproveitado.
A notícia da saída de Ana Paula levou apreensão à equipe do ‘SBT Brasil’. Muitos profissionais foram levados ao SBT por Ana Paula e deixaram a Globo de forma não amistosa. Eles temem ficar sem emprego.
MUNDO DE SONHO São quase nulas as chances de a Record tirar o Campeonato Paulista de 2007 da Globo, mesmo tendo oferecido à Federação Paulista de Futebol o dobro do que a rival paga. A Globo tem contrato para exibir o Paulista de 2007 e já adiantou parte do dinheiro para os clubes.
VERÃO CARIOCA A Record vai levar o ‘Hoje em Dia’, de Ana Hickmann, para o Rio. O programa será apresentado de meados de janeiro até o Carnaval, ao vivo, diretamente de uma casa no Joá. Depois do Carnaval, a atração volta para SP, com novo cenário.
DESESPERO A Rede TV! ainda não desistiu de fazer uma versão brasileira da série ‘Desperate Housewives’. Mas adiou o projeto para o final de 2007.
DIVA DA TV 1 A autora Glória Perez participou ontem de um seminário na Faap (Fundação Armando Álvares Penteado), em São Paulo, sobre a criação de ‘Amazônia -De Galvez a Chico Mendes’, próxima minissérie da Globo.
DIVA DA TV 2 O seminário, que teve também a participação do diretor-geral e da figurinista, do cenógrafo e da diretora de arte da minissérie, foi um sucesso. Mas Glória Perez roubou a cena. Até recebeu elogios apaixonados de um professor da universidade, que a chamou de ‘sedutora’.
SÓ NAQUILO A Sky+DirecTV lança nos próximos dias um novo canal para o público adulto. Será o Digital Playground, conhecido por programar filmes de sexo explícito com algum roteiro.’
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