COTAS EM DEBATE
Martin Luther não é um Burger King
‘MÁ A IDÉIA a dos redatores do manifesto contra os projetos de Lei das Cotas e do Estatuto da Igualdade Racial de temperá-lo com palavras de Martin Luther King como se elas fossem ketchup e mostarda do Burger King.
Escreveram o seguinte:
‘Nosso sonho é o de Martin Luther King, que lutou para viver numa nação onde as pessoas não seriam avaliadas pela cor de sua pele, mas pela força de seu caráter’.
King disse quase isso:
‘Eu tenho um sonho, no qual minhas quatro pequenas crianças viverão num país onde não serão julgadas pela cor de sua pele, mas pelo seu caráter’.
O discurso do sonho de King foi pronunciado em 1963, em Washington, aos pés da estátua de Lincoln, diante de 200 mil pessoas. Suas crianças eram negras. Em alguns Estados americanos ‘pessoas de cor’ não eram servidas em lanchonetes de brancos. Não conseguiam votar. Quando conseguiam, não achavam candidatos. Uma família negra tinha renda equivalente a pouco mais que a metade de uma família branca, como no Brasil de hoje.
Semanas antes, o presidente John Kennedy tentara dissuadir a liderança negra de convocar a manifestação, pois ela podia levar a ‘uma atmosfera de intimidação’. King respondeu-lhe que jamais organizara uma coisa que não fosse chamada de inoportuna.
A etiqueta dos manifestos e das referências recomenda que não se amarrotem frases ou conceitos de um cidadão dentro de um contexto estranho ao seu pensamento. É possível que King tivesse curiosidade em conhecer as idéias do comissário Tarso Genro e do professor Peter Fry, sobre ‘cotas sociais’. Mesmo assim, exageraram ao colocá-lo num discurso onde se diz que ‘políticas dirigidas a grupos ‘raciais’ estanques em nome da justiça social não eliminam o racismo e podem até mesmo produzir o efeito contrário, dando respaldo legal ao conceito de raça, e possibilitando o acirramento do conflito e da intolerância’.
King estava noutra. Defendia a criação de programas sociais destinados a indenizar os negros pelos séculos de escravidão. Ele disse o seguinte:
‘Sempre que esse assunto aparece, alguns dos nossos amigos ficam horrorizados. O negro deve ser tratado como um igual, mas não tem que pedir mais nada. Isso parece razoável, mas não é realista. É óbvio que, se um homem chega com 300 anos de atraso ao ponto de largada de uma corrida, terá que fazer um tremendo esforço para alcançar o outro corredor. De qualquer maneira, não pretendo que um programa de ajuda econômica beneficie só os negros. Ele deve beneficiar os excluídos de todas as raças’.
O manifesto contra a Lei das Cotas diz: ‘O argumento é conhecido: temos um passado de escravidão que levou a população de origem africana a níveis de renda e condições de vida precárias. Em decorrência disso, haveria a necessidade de políticas sociais que compensassem os que foram prejudicados no passado, ou que herdaram situações desvantajosas. Essas políticas se justificariam porque viriam a corrigir um mal maior. Esta análise não é realista nem sustentável e tememos as possíveis conseqüências das cotas raciais.’
Muito diferente do que dizia King:
‘Uma sociedade que fez coisas especiais contra o negro durante centenas de anos agora precisa fazer alguma coisa especial por ele, equipando-o para competir numa base justa e igual’.
A ligeireza que plantou um caco de Martin Luther King no texto do manifesto poderia permitir a sua substituição (de forma desonesta) por outra citação, parecida com a argumentação do manifesto. Por exemplo:
‘Sem respeito pelo consentimento dos cidadãos, mediadores intrometidos ameaçam provocar mudanças imediatas e revolucionárias no nosso sistema escolar. Se isso acontecer, será a destruição do sistema público de educação em alguns Estados’.
Trata-se de um trecho da proclamação de 19 senadores do Sul dos Estados Unidos contra a decisão unânime da Suprema Corte que detonou a segregação racial nas escolas americanas. O sonho dos redatores do manifesto, seja qual for, não é o mesmo de King.’
ENTREVISTA / UMBERTO ECO
Um sonho de 15 milhões de cópias
‘Há 25 anos, mal se podia imaginar que um romance tão cheio de ironia e de teorias, surpreendente pela extensão e pela erudição, a meio caminho entre o teológico e o policial, se transformaria naquilo que todo escritor deseja, ainda que não o confesse nem mesmo à própria mãe: ou seja, num sonho de 15 milhões de cópias. ‘O Nome da Rosa’ foi isso.
Foi isso e também muitas outras coisas. Tentem imaginar o autor. Um senhor de 50 anos de idade que, num belo dia, decide se aventurar pelo romance, e no mais arriscado dos modos.
Que leitor se lançaria à vontade penitente de ler uma crônica medieval romanceada, repleta de crimes e intrigas, é verdade, mas também apinhada de difíceis citações em latim e controvérsias teológicas? Esse semiólogo de certa fama internacional deve ser meio louco para ambientar sua história na primeira metade do século 14 e escolher como local da ação uma abadia isolada, cravada nos contrafortes de uma montanha da Itália setentrional.
Quando não está ensinando na universidade, tocando flauta doce ou inventando divertidos jogos de palavra, ele se fecha numa austera biblioteca, onde consulta tratados medievais, crônicas de hereges, livros sobre casos menores e desconhecidos. De repente, percebe que o episódio ao qual quer dar um corpo e uma alma é mais complexo do que imaginara. E pensar que tudo tinha começado como uma brincadeira, um desafio, passatempo, paródia.
Agora se dá conta de que a fantasia não é suficiente para contar uma história, de que sua bela tese sobre Tomás de Aquino não basta para tanto. Há que ter paciência, escrúpulo, preparo. Sente-se como um atleta que está mudando de especialidade. O empreendimento tem êxito. Oito meses após o lançamento do livro, em 9/7/1981, ‘O Nome da Rosa’ vence o Prêmio Strega [principal prêmio para obras de ficção escritas por autor italiano].
Um reconhecimento consagrador do livro que já vendera 300 mil cópias e que estava prestes a se tornar um fenômeno midiático de proporções monstruosas. Depois disso, aprendemos a apreciar o talento narrativo do professor, sua rara capacidade de harmonizar o estudioso com o romancista. No entanto, passados 25 anos, permanece o mistério do homem que soube dar à rosa o nome certo. Por isso vou ao encontro de Umberto Eco em sua casa, em Milão, tentando compreender a parte menos visível do sucesso, o trabalho que lhe custou, as marcas que ficaram.
De um lugar estreito, do alto da imensa biblioteca, ele retira uma pasta em que guarda os desenhos originais do romance. E diz: ‘Imagine que uma biblioteca norte-americana quis comprá-los. Mas resisti’.
Eco desce da escada, deixa a pasta e se dirige para outro canto da biblioteca. A mão segura com firmeza um tomo do ‘Traité des Poisons’ [Tratado dos Venenos]. O livro tem quase dois séculos, edição Crochard, 1815. ‘Comprei-o por poucos francos de um alfarrabista do [rio] Sena, em Paris; pensei que nele eu poderia encontrar uma idéia para o enredo de assassinatos que ocorrem na abadia.’ Sem dizer nada, abre uma porta que estava trancada.
‘Aqui estão os livros que consultei para os romances seguintes.’ O lugar parece um gabinete secreto, pouco iluminado, sugestivo. Sobre a mesa, um suporte com as pranchas originais de uma história em quadrinhos. Nas paredes, textos raros: pesquisas sobre os rosa-cruzes, primeiras edições de Ulisse Aldrovandi (1522-1605). Na prateleira de uma das estantes, dentro de um recipiente cilíndrico de vidro, flutuam, irreconhecíveis, os testículos de um cão. Eco sorri: ‘Refiro-me a eles em meu último romance’. Mas já é hora de voltarmos ao primeiro.
PERGUNTA – O que ainda não se sabe sobre ‘O Nome da Rosa’?
UMBERTO ECO – Um sonho de 15 milhões de cópias Todos pensam que o romance foi redigido no computador ou na máquina de escrever, mas, na realidade, a primeira versão foi feita a caneta. Lembro-me, porém, de ter passado um ano inteiro sem escrever uma linha. Lia, fazia desenhos, diagramas, em suma, inventava um mundo. Desenhei centenas de labirintos e de plantas de abadias, sempre me baseando em outros desenhos e em lugares que visitei.
PERGUNTA – De onde vinha essa exigência visual?
ECO – Um sonho de 15 milhões de cópias Era um modo de ganhar intimidade com o ambiente que eu estava imaginando. Por exemplo, eu precisava saber em quanto tempo duas personagens fariam um determinado trajeto. E isso também definia a duração dos diálogos -diálogos que eu ainda nem sabia como fazer.
PERGUNTA – Entendo a necessidade de esboçar os locais. Mas por que desenhar até os monges da abadia?
ECO – Um sonho de 15 milhões de cópias Eu precisava reconhecer minhas personagens enquanto falavam e agiam; caso contrário, não saberia o que elas teriam de dizer.
PERGUNTA – Dois anos após a publicação do romance, o sr. acrescentou um posfácio com as anotações sobre ‘O Nome da Rosa’, contrariando a sua tese de que um romance caminha por conta própria e de que o autor deve desinteressar-se dele.
ECO – Um sonho de 15 milhões de cópias Poderia responder dizendo que, naquele momento, eu tinha em mente as explicações que Thomas Mann tentara dar em seguida à publicação de ‘Doutor Fausto’. Mas a verdade é que o romance tinha suscitado numerosos debates. E, se o posfácio for lido com atenção, será possível notar que as minhas considerações são externas ao livro.
PERGUNTA – Às vezes o sr. dá a impressão de não agüentar mais o clamor despertado pelo romance. Sente-se assediado?
ECO – Um sonho de 15 milhões de cópias É inevitável que a gente se sinta sob cerco. Por outro lado, constatar que em torno de ‘O Nome da Rosa’ nasceram milhares de páginas de crítica, centenas de ensaios, de livros e teses acadêmicas -a última me chegou na semana passada- me incita enormemente a discorrer sobre algumas questões de poética. É legítimo que um autor declare como trabalha. Ao passo que a crítica intervém sobre o modo como um livro é lido.
PERGUNTA – Então, o fato de ‘O Nome da Rosa’ ser uma ‘obra aberta’ depende mais dos outros do que do senhor?
ECO – Um sonho de 15 milhões de cópias Depende do romance, e não do que eu digo em seguida. Se aludo, como fiz no posfácio, ao pós-moderno, não há nada que obrigue alguém a ler o livro de um determinado modo.
PERGUNTA – Naqueles comentários, causava surpresa o uso reducionista que o sr. fazia do termo ‘pós-moderno’.
ECO – Um sonho de 15 milhões de cópias O fato é que ‘pós-moderno’ é uma espécie de guarda-chuva que termina cobrindo tudo. Foi inventado no campo da arquitetura e depois usado na literatura. Nos EUA, o termo tinha um significado diferente daquele que verificamos na França, nos livros de Lyotard [1924-98]. Como se vê, é uma grande confusão. Se quisermos restringir-lhe o significado -e eu citava John Barth (1930)-, é preciso ir à ‘Segunda Consideração Intempestiva – Da Utilidade e Desvantagem da História para a Vida’ [ed. Relume-Dumará], na qual Nietzsche argumenta que estamos tão sobrecarregados de história que até poderíamos morrer sob seu peso, a menos que a relêssemos ironicamente.
PERGUNTA – Pode-se dizer que, em ‘O Nome da Rosa’, o sr. realizou uma operação moderna e irônica sobre um grande afresco medieval?
ECO – Um sonho de 15 milhões de cópias Digamos que meu romance, assim como outras obras, admite dois níveis de leitura ou mais. Se eu começo dizendo: ‘Era uma noite escura e tempestuosa’, o leitor ‘ingênuo’, que não percebe a referência a Snoopy, usufruirá o texto num nível elementar, mas tudo bem. Depois há o leitor de segundo nível, que percebe a referência, a citação, o jogo, e, portanto, sabe que ali há sobretudo uma ironia. Nesse ponto, eu poderia acrescentar um terceiro nível, já que, no mês passado, descobri que a frase é o incipit de um romance de Bulwer-Lytton [1803-73], autor de ‘Os Últimos Dias de Pompéia’. E é óbvio que Snoopy também o estava citando.
PERGUNTA – A ironia literária sutil, feita de citações, referências, alusões, é certamente uma homenagem à pura inteligência. Mas não há o risco de que a elaboração da página resulte em pouca narração e muita cabeça?
ECO – Isso não é problema meu. Eu posso legitimamente me ocupar de posfácios, desta nossa conversa ou do fato de que o romance foi escrito num período em que se falava muito de dialogismo intertextual e de Bakhtin [1895-1975]. Se depois o sr. observa que, fazendo assim, poucos serão os que o lerão, eu lhe respondo: isso diz respeito aos leitores, não a mim.
PERGUNTA – Essa é uma afirmação muito peremptória.
ECO – A verdade é que, desde que ‘O Nome da Rosa’ saiu, tenho sido submetido a uma autêntica ducha escocesa. Por que o sr. fez um livro difícil, que ninguém entende? E eu respondo como o guerreiro dancali do quadrinista Hugo Pratt [1927-1995]: porque isso me dá prazer. Ou então: por que o sr. fez um livro popular, que todos querem ler? Vamos chegar a um acordo: o livro é difícil ou popular?
PERGUNTA – Paradoxalmente, é ambas as coisas.
ECO – A essa altura, eu proporia uma questão interessante: hoje um livro difícil se torna popular porque está nascendo uma geração de leitores que quer ser desafiada.
PERGUNTA – Uma explicação sociológica.
ECO – Concordo, porém ela é melhor do que brincar com a idéia contraditória do livro difícil, mas popular.
PERGUNTA – Em minha opinião, é um romance que gratifica as pessoas. Faz com que elas se sintam mais cultas do que realmente são.
ECO – Não estou tão certo disso. O leitor ingênuo, que confessa a tremenda frustração de não ter entendido as citações em latim, não se sente nada gratificado. Ou então deveríamos concluir que há um tipo de leitor que se deleita com a própria estupidez.
PERGUNTA – Digamos que ele percebe um problema e o enfrenta.
ECO – Mas essa é uma maneira diferente de reformular a minha hipótese, ou seja, que há uma categoria de leitores que deseja uma aventura literária mais comprometida. Do contrário, como sobreviveriam tantos escritores contemporâneos?
PERGUNTA – Eu tenho a impressão de que o sr. está buscando uma resposta a uma questão insondável. O que decreta o sucesso de um livro como ‘O Nome da Rosa’? O sr. deve admitir que algo fica envolto em mistério.
ECO – É verdade, estou buscando explicações. Mas só porque o sr. as solicita. Se dependesse de mim, eu as dispensaria de bom grado. O que sei e percebo é que, se ‘O Nome da Rosa’ tivesse saído dez anos antes, talvez ninguém se interessasse por ele; e, se saísse dez anos depois, talvez fosse igualmente ignorado.
PERGUNTA – Há hoje um exemplo concreto: ‘O Código Da Vinci’, de Dan Brown. O sr. acha que, se tivesse sido lançado em outro momento, não teria tido o mesmo sucesso?
ECO – Duvido que ‘O Código Da Vinci’ fosse capaz de atrair tanta gente, se tivesse saído sob o pontificado do papa Paulo 6º. A explicação do fenômeno desse romance policial, que no fim das contas é um livro modesto, deve ser buscada provavelmente na teatralização dos fatos religiosos ocorrida durante o papado de João Paulo 2º. Houve um investimento teológico por parte das pessoas no romance de Dan Brown. Digamos que ele escreveu um livro surgido no momento certo.
PERGUNTA – Mas é justamente a idéia do ‘momento certo’ que tem algo de insondável.
ECO – Acredito no ‘Zeitgeist’, nesse espírito do tempo que nos faz farejar as coisas, graças ao qual recebemos estímulos, que se traduzem em algo acabado e definido. Não fosse assim, eu não seria capaz de explicar a mim mesmo por que precisamente em 1978, e não antes, ocorreu-me a idéia de fazer ‘O Nome da Rosa’. Embora deva admitir que desde os tempos do Grupo 63 [movimento de neovanguarda que surgiu na Itália no ano de 1963, do qual Eco fazia parte] eu pensava em escrever um romance.
PERGUNTA – Que forma pretendia dar a ele?
ECO – Imaginava uma colagem de trechos salgarianos [Emilio Salgari, 1862-1911]: a tempestade sobre Mompracen, um diamante do tamanho de uma noz, as pistolas com a coronha finamente arabescada. Resumindo: uma operação irônica sobre a literatura.
PERGUNTA – Por que o sr. abandonou a idéia?
ECO – Sentia que não era o momento certo, que devia deixar a idéia descansar.
PERGUNTA – No fundo o sr. fez uma operação análoga, alguns anos mais tarde, com ‘O Nome da Rosa’. Por que escolheu esse título?
ECO – Era o último de uma lista que incluía, entre outros, ‘A Abadia do Crime’, ‘Adso de Melk’ etc. Todos os que liam a lista diziam que ‘O Nome da Rosa’ era o mais bonito.
PERGUNTA – É também o fecho do romance, a citação latina.
ECO – Que inseri para despistar o leitor. Enquanto isso, o leitor seguia todos os valores simbólicos da rosa, que são muitos.
PERGUNTA – O excesso de interpretações o incomoda?
ECO – Não. Creio que muitas vezes o livro é mais inteligente que o seu autor. O leitor pode encontrar referências que nem tinham passado pela cabeça do autor. Não acredito que eu tenha o direito de impedir certas conclusões. Mas tenho o direito de barrar que outras sejam inferidas.
PERGUNTA – Explique-se melhor.
ECO – Aqueles que, por exemplo, viram na ‘rosa’ uma referência ao shakespeariano ‘a rose by any other name’ [uma rosa de qualquer outro nome] estão equivocados. Minha citação significa que as coisas não existem mais e que só restam as palavras. Shakespeare diz exatamente o oposto: as palavras não valem nada, a rosa seria uma rosa qualquer que fosse seu nome.
PERGUNTA – A imagem da rosa encerra o romance. Mas o grande problema para o escritor, sobretudo se iniciante, é como iniciá-lo. Com que disposição mental o sr. se pôs diante da primeira página?
ECO – No início, a idéia era escrever uma espécie de romance policial. Mais tarde, me dei conta de que meus romances nunca partiram de um projeto, mas de uma imagem. E a imagem que me aparecia era a lembrança de mim mesmo na abadia de santa Escolástica, diante de uma estante enorme, lendo os ‘Acta Sanctorum’ [o texto enciclopédico ‘atos dos santos’] e me divertindo feito um louco. Daí a idéia de imaginar um beneditino que, ao ler a coleção encadernada do manuscrito num mosteiro, morre fulminado.
PERGUNTA – Uma homenagem irônica à atualidade.
ECO – Muito atual. Por isso eu me perguntei se não seria melhor recuar tudo para a Idade Média. A idéia de que um monge morresse ao folhear um livro envenenado me parecia eficaz.
PERGUNTA – Como ela lhe ocorreu?
ECO – Eu achava que fosse um fruto da minha fantasia. Depois descobri que já está nas ‘Mil e Uma Noites’ e que Alexandre Dumas copiara a idéia no ciclo dos Valois. Portanto, é um velho ‘topos’ literário. Sendo um narrador ‘citacionista’, diverti-me bastante.
PERGUNTA – O sr. mencionou pouco antes o ‘Tratado dos Venenos’, do catalão Mateu Orfela. Acreditava realmente que encontraria nesse livro uma resposta para os seus dilemas toxicológicos?
ECO – Foi uma tentativa, mas o tratado se mostrou imprestável. Naquela altura, pedi ajuda a um amigo químico. Enviei-lhe uma carta muito detalhada. Mas me arrependi e o obriguei a jogá-la fora: vai que algum dia um conhecido meu morra do mesmo jeito, envenenado acidentalmente, e encontrem a carta e me condenem a 30 anos de cadeia…
PERGUNTA – Na França, o romance saiu pela Grasset, depois que a Seuil o recusou. O que motivou a recusa?
ECO – A Seuil tinha publicado ‘Obra Aberta’. François Wahl, que era o diretor editorial, me pediu o manuscrito. É preciso ter em mente que, na época, eu já não era propriamente um desconhecido. O fato é que ele me escreveu uma carta em que dizia: ‘Caro Umberto, o romance é interessante, mas a baleia é muito pesada para ir em frente’. O livro ficou com Grasset, e eu continuei amigo de Wahl.
PERGUNTA – Por ser um romance de mistério interessante, ‘O Nome da Rosa’ foi publicado em 35 países. Qual a sensação de se sentir internacionalmente consagrado?
ECO – Mais que a fama, que aliás não faz mal, o que mais me gratifica são as cartas dos leitores. E, desse ponto de vista, os EUA foram uma verdadeira surpresa. Escreviam-me não só de San Francisco ou de Nova York mas também do Meio-Oeste. Um deles escreveu dizendo que o simples fato de eu ter mencionado Eckart, o grande místico, o fez lembrar-se de um antepassado europeu de mesmo nome. Para muitos deles, o livro era um modo de conhecer as próprias raízes.
PERGUNTA – Engraçado. O sr. começou com a idéia de fazer um romance de mil exemplares e terminou vendendo milhões. No entanto o sucesso lhe rendeu ataques da crítica.
ECO – Chegou-se à cômica situação de um crítico rejeitá-lo depois de ter escrito, no calor da hora, uma resenha favorável ao romance.
PERGUNTA – O sr. vinha da experiência do Grupo 63. Não me parece que seus integrantes tenham acolhido o romance com entusiasmo. Edoardo Sanguineti disse que o seu riso franciscano o fez lembrar o da ação católica.
ECO – Quanto a isso, Giorgio Manganelli também manifestou várias reservas ao livro. A propósito do riso, recordo que naquela época eu dizia que, antes de morrer, gostaria de escrever um livro fundamental de estética do riso; e que faria de tudo para não o publicar. De modo que, depois de minha morte, muitas teses seriam feitas sobre esse livro fantasma.
PERGUNTA – A idéia do capítulo perdido da ‘Poética’ de Aristóteles que encontramos no romance?
ECO – Em certa medida, sim.
PERGUNTA – Voltemos à crítica. Não o vejo incomodado com o distanciamento do Grupo 63.
ECO – Acho que, se o Grupo 63 não tivesse existido, eu nunca teria escrito ‘O Nome da Rosa’. E, caso eu tivesse feito um romance, provavelmente o teria escrito como Carlo Cassola. Ou, se conseguisse, como o primeiro Calvino. Devo ao Grupo 63 a propensão à aventura ‘outra’, o gosto da citação e da ‘collage’.
Com uma diferença: eles eram minimalistas, ao passo que busquei empurrar a literatura para uma direção maximalista. Porém éramos unidos pelo mesmo gosto.
PERGUNTA – Quando o sr. diz ‘maximalismo’, quer se referir à sua propensão ao gosto da deformação paródica?
ECO – O que é, por exemplo, o ‘Diário Mínimo’ senão um jogo literário de pastiches e deformações? Faz parte da minha chave; eu não saberia fazer outras coisas. Nunca poderia escrever ‘O Moinho do Pó’. Sempre fui um escritor paródico.
PERGUNTA – Talvez por isso a crítica nunca tenha morrido de amores pelo sr. Qual a confiabilidade de um crítico? Pergunto isso porque, no fundo, o sr. também faz parte do time. ECO – Não sou crítico. Analiso livros para pôr à prova teorias literárias, e não para dizer se são bons ou ruins. Não que a crítica nunca tenha gostado do que faço; há resenhas e ensaios que me deram um imenso prazer. Mas o fato é que já ouvi tudo sobre mim. E veja que sou suficientemente equilibrado para rechaçar uma crítica que seja positiva por razões equivocadas.
PERGUNTA – Como o sr. reage a uma crítica negativa?
ECO – Não faço tragédias. Quando se percebe que ela pode dizer tudo e o contrário de tudo, então concluo que a crítica é uma mera reação de gosto.
PERGUNTA – Sendo um intelectual que ama as regras e a clareza, de onde vem sua grande curiosidade pelo disforme, o monstruoso, o irracional?
ECO – Agora me ocorreu uma comédia de Govi, ‘Giros de Timão’. Quando fazemos o timão girar, bordejamos. Bordejar é navegar contra o vento: vai-se um pouco por aqui, um pouco por ali. Creio que a poética do bordejo faça parte de minha atividade intelectual. Posso escrever um ensaio sobre Tomás de Aquino e, logo em seguida, uma paródia dele. Dito isso, o sr. faria uma pergunta desse tipo a Rabelais? Perguntaria a ele: ‘Por que o sr. ama o disforme?’. Ele responderia: ‘Porque sou Rabelais’. Mas ao coitado do Tasso ninguém faria uma pergunta dessas.
PERGUNTA – O escritor nasce trazendo dentro de si uma idéia de mundo. O sr. escreveu cinco romances. Na Itália, ‘O Nome da Rosa’ vendeu 5 milhões de cópias; ‘O Pêndulo de Foucault’, 2 milhões; os dois seguintes, 1,5 milhão; e ‘A Misteriosa Chama da Rainha Loana’, 500 mil. A idéia de que o seu maior sucesso tenha sido o romance de estréia o inquieta?
ECO – Há autores de sorte que atingem o pico de vendas no final da vida; há também os desgraçados que o alcançam no início. Quando se vende muito logo na estréia, você pode até escrever ‘A Divina Comédia’ mais tarde, mas nunca mais chegará àquelas cifras.
PERGUNTA – Considera uma espécie de condenação o fato de que, não importa o que o sr. faça, sempre se voltará a ‘O Nome da Rosa’?
ECO – Sem dúvida. Mas é também uma lei da sociologia do gosto, ou melhor, da sociologia da fama. Se alguém se torna famoso por ter matado Billy the Kid, qualquer coisa que venha a fazer mais tarde -como tornar-se presidente dos EUA ou descobrir a penicilina-, aos olhos das pessoas ele será sempre ‘aquele que matou Billy the Kid’.
Este texto saiu no ‘La Repubblica’.
Tradução de Maurício Santana Dias.’
Adriano Schwartz
Ligação com Jorge Luis Borges é ao mesmo tempo sutil e explícita
‘Jorge Luis Borges e James Joyce são as principais referências literárias de Umberto Eco, mas é o escritor argentino que aparece de modo mais constante na obra teórica e ficcional do italiano. Os textos deste, em muitos sentidos, parecem tentar preencher espaços, prosseguir trilhas ou ampliar experiências do autor de ‘O Aleph’ e ‘História Universal da Infâmia’: na discussão permanente do papel do leitor e da leitura, no questionamento e redefinição de cânones e gêneros, no fascínio pelos duplos, pelo jogo e pelo transbordamento do mundo ficcional na ‘realidade’.
Autoconsciente até quase o limite, Eco evidentemente reconhece a ligação e não raro brinca com ela. Em seu ‘Pós-Escrito ao Nome da Rosa’, ele afirma, por exemplo: ‘Todos me perguntam por que o meu Jorge, pelo nome, evoca Borges, e por que Borges é tão perverso. Mas eu não sei. Eu queria um cego como guardião de uma biblioteca (o que me parecia uma boa idéia narrativa) e biblioteca mais cego só pode dar Borges, mesmo porque as dívidas se pagam’.
O fato é que, além das homenagens explícitas, o leitor que enfrentar o primeiro romance do escritor depois de ter revisitado contos como ‘A Biblioteca de Babel’ ou ‘O Jardim de Caminhos que Se Bifurcam’ não terá dificuldades para perceber inúmeras outras conexões.
Se esse hipotético leitor, então, gostar da brincadeira e quiser prosseguir, talvez a melhor opção sejam as conferências reunidas em ‘Seis Passeios pelo Bosque da Ficção’ (Cia. das Letras). Ali, Borges nem é tão citado assim, mas, como esclarece o próprio autor, é um ‘espírito muito presente’.
Só que depois será imperioso reencontrar ‘Tlön, Uqbar, Orbis Tertius’, ‘Funes, o Memorioso’, ‘Pierre Menard, Autor do Quixote’, ‘O Imortal’…’
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Crítico influente, Eco já estudou HQs e romances populares
‘Antes de se consagrar como romancista, Umberto Eco (1930) já era considerado um importante estudioso de semiótica. Professor em Bologna, escrevera obras marcantes, como ‘Apocalípticos e Integrados’ e ‘Super-Homem de Massa’ (sobre a cultura de massa, analisando romances de folhetim e histórias em quadrinhos), ‘Como Se Faz uma Tese’ e ‘Obra Aberta’ (Perspectiva).
Na ficção, além de ‘O Nome da Rosa’ (Nova Fronteira) -que no Brasil já vendeu mais de 200 mil exemplares-, publicou ‘O Pêndulo de Foucault’, ‘A Ilha do Dia Anterior’, ‘Baudolino’ e ‘A Misteriosa Chama da Rainha Loana’ (Record).’
MEMÓRIA / VICENZO SCARPELLINI
Designer italiano Vincenzo Scarpellini morre de câncer aos 41 anos, em São Paulo
‘O designer gráfico italiano Vincenzo Scarpellini, 41, morreu ontem às 11h30, em São Paulo. Ele estava internado no Hospital Nove de Julho, onde se tratava de um câncer no estômago, diagnosticado há um ano.
No Brasil desde 1996, foi um dos responsáveis pela penúltima reforma gráfica da Folha, implementada em maio de 2000. Na época, ele classificou a renovação como uma ‘revolução silenciosa, porque atinge o âmago do jornal’. Em outubro daquele ano, começou a assinar, com Gilberto Dimenstein, a coluna ‘Urbanidade’, no caderno Cotidiano, elaborando as ilustrações.
Scarpellini nasceu em Ascoli Piceno, região de Marche, na Itália. Formou-se em design e em jornalismo em Roma, onde deu aulas em uma universidade local.
Sua experiência profissional na Itália tem como destaque a direção de arte do jornal ‘Il Manifesto’, ligado à esquerda, de 1989 a 1995, com colaboração de Pier Giorgio Maoloni. Assinou também a direção de arte do suplemento ‘Suq’, do mesmo jornal, de 1991 a 1995.
No Brasil, radicou-se inicialmente no Rio, onde reformulou o projeto gráfico da revista ‘Manchete’ (feito em conjunto com Carlo Rizzi). Em 1997, começou a fazer trabalhos em São Paulo. Naquele ano, reformulou o design da revista ‘A&D’, para a Editora Abril, e, em 1998, assinou o projeto gráfico da revista ‘Nova Beleza’.
Ele é autor de ‘São Paulo -2 Vidas’, editado pela Ateliê em 2005. Escreveu também livros infantis, como ‘A Invasão dos Sons Espaciais’ e ‘A Turma do Ponto’ (com Mônica Rodrigues da Costa), pela editora Harbra.
Em 2002, apresentou no Conjunto Cultural da Caixa ‘San Paolo, Cidade em Fuga’, exposição composta de desenhos, óleos e um vídeo. Em 2005, realizou uma mostra no Palazzo dei Capitani, em Ascoli Piceno, com uma seleção de desenhos, óleos e cerâmicas sob o título ‘Nodi’ (nós). A exposição veio para São Paulo na Caixa Cultural em 2005.
Scarpellini deixa uma filha, Sophia, 2, e a mulher, Cláudia Marques.’
TELEVISÃO
Lúcio Ribeiro
Família do barulho
‘Como diria Bart Simpson, ‘Ay, caramba!’. Começa hoje na TV paga brasileira a 17ª temporada de ‘Os Simpsons’, a série de animação de maior duração da história da TV e o mais longo sitcom em horário nobre nos EUA.
‘Os Simpsons’ é exibido aqui no canal Fox, aos domingos, sempre às 20h30. A Globo apresenta a série norte-americana aos sábados, às 11h30.
A série ‘subversiva’, que já mostrou macacos e seqüestradores no Brasil, chega em temporada nova no país em meio às especulações do longa, que está sendo produzido ‘secretamente’ para o cinema. ‘Os Simpsons’ também estão na expectativa de abocanhar mais um prêmio Emmy (seria seu 18º) como melhor animação.
‘Eu, cansado dos Simpsons? Nem um pouco! Enquanto meus filhos acharem graça, a TV não se encher da gente e se o filme não for um fracasso retumbante, o desenho vai continuar pelo menos mais cinco anos’, disse o criador do programa, Matt Groening, em mesa de entrevistas à imprensa internacional da qual a Folha fez parte, em Los Angeles.
Na 17ª temporada que estréia hoje na Fox, Bart continua escrevendo suas frases famosas na lousa (vinheta de abertura), os efeitos especiais do sofá seguem inéditos (idem), os roteiros vão tratar de troca de casais, zoar com o seriado ‘The O.C.’ e trazer os famosos ‘special guests’, convidados famosos de carne e osso que emprestam suas vozes a personagens do desenho. Mais do mesmo. Mas sempre bom.
Paralelamente à 17ª temporada no Brasil e ao preparo da 18ª nos EUA (estréia lá em setembro; Metallica e White Stripes já gravaram suas participações), segue guardada em alto sigilo a produção do filme dos Simpsons para o cinema. Chefiados por Matt Groening, dez roteiristas trabalham sob segurança máxima no longa.
O jornalista LUCIO RIBEIRO viajou a convite da Fox’
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Groening prevê mais 5 anos para série
‘‘Você é do Brasil, não é? Tivemos alguns problemas com seu país. Aliás, acho que nosso departamento jurídico ainda está tendo. Por ora, estamos proibidos de citar o Brasil’, disse à Folha, rindo, o produtor executivo e roteirista Al Jean, durante a entrevista que ele, o criador Matt Groening e o roteirista Tim Long deram para a imprensa de fora dos EUA em Los Angeles para apresentar a 17ª temporada de ‘Os Simpsons’ e falar do projeto de longa-metragem.
A menção ao Brasil se deu na pergunta sobre a possibilidade de a série ter muitos problemas por causa do roteiro subversivo, que zomba pessoas, países e situações, americanas ou não.
Em 2002, no episódio ‘Blame It on Lisa’, o seriado mostrou o Rio de Janeiro com macacos e ratos nas ruas. Lisa foi atacada por pivetes. E Homer foi seqüestrado. Isso virou incidente internacional. A Embratur protestou formalmente contra a série.
Leia abaixo alguns trechos da entrevista com o trio. (LÚCIO RIBEIRO)
A LONGEVIDADE
‘O desenho já tem 17 anos, e isso é tempo demais. Mas enquanto os Simpsons divertirem as pessoas, não tem razão para o seriado acabar. Estou trabalhando nele há nove anos e, toda vez que eu penso nisso, fico chocado. Imagino a pessoa que via o desenho quando criança, adolescente e, agora adulta, parou de ver. Tenho um pouco de medo disso. Mas aí eu vejo o Bart e falo: ‘vamos em frente’, disse Long. ‘O objetivo é encontrar maneiras de sempre surpreender a audiência. Mas primeiro, tentamos surpreender a nós mesmos. Temos um número grande de roteiristas na equipe, gente de várias idades, exatamente para tentar não nos canibalizar nas idéias. Às vezes, na hora de escrever o roteiro, eu paro e penso que já fiz aquela piada. Mas aí eu volto e acho que ela cabe de novo, então eu faço. O Homer trabalha numa usina nuclear há 17 anos, e nós continuamos a fazer piadas de usinas nucleares. Enquanto rirem delas, vamos fazê-las. Uma boa medida vai ser o filme para o cinema, nosso projeto mais ousado. Sempre pensei em fazê-lo depois que o desenho parasse de passar na TV, mas fomos ‘obrigados’ a produzi-lo agora por uma demanda popular. Se ele falhar nas bilheterias, será hora de pensar na continuidade dele na TV também. Mas se for para prever o futuro, acho que a série tem ainda mais uns cinco anos’, afirmou Groening.
AS CONTROVÉRSIAS
‘A gente às vezes tenta arrumar uma encrenca só para aliviar o trabalho de 17 anos e mostrar que ainda estamos vivos e importando de alguma forma para as pessoas. Esse medo de não se importarem com o programa nos torna mais provocativos. Acho que tendemos a incomodar mais em questões familiares, de uns tempos para cá. ‘Os Simpsons’ são um desenho levemente progressista para os padrões atuais da América e, às vezes, nossas piadas anti-republicanas podem deixar alguns políticos enfurecidos’, conta Groening. ‘Os canadenses já não ligam mais para nossas brincadeiras. Ficaram muito bravos no começo, mas agora está tudo bem. E tivemos esse problema com o Brasil há alguns anos… Porque botamos o Rio no desenho e fizemos uma brincadeira com macacos selvagens na rua, atacando pessoas, as pessoas lá ficaram muito bravas. Parece que fomos processados. Acho que o caso ainda não está resolvido. Ficamos torcendo muito para o governo brasileiro nos processar, para que nós fôssemos obrigados a passar um tempo no Brasil, lidando com a Justiça. Se fosse num período de Carnaval, então, seria perfeito’, brincou Jean.
CONVIDADOS ESPECIAIS
‘Já virou uma instituição do programa, e ficamos muito orgulhosos que as pessoas que a gente convida para dar voz a ‘Os Simpsons’ botem isso em lugar de destaque no currículo delas. A gente não costuma escrever um episódio pensando em convidar alguém. Quando terminamos, pensamos: ‘Talvez possamos encaixar certa pessoa bem aqui’, disse Jean.
O FILME
‘Falamos em fazer o filme desde 1996. Agora, ele vai acontecer de verdade. Já escrevemos e reescrevemos a história. Com tantas animações quebrando recordes de bilheteria, não podemos jogar a história de Homer e Bart nas telas e isso ser um fiasco. Desta vez, estamos fazendo as pessoas pagarem US$ 10 para nos ver. Precisamos justificar isso com algo a mais do que elas vêem na TV. Por isso, haverá muitas surpresas. Alguns personagens novos e os já conhecidos que o desenho tem’, encerrou Groening.’
Alexandre Matias
‘Simpsons’ não perderam o cinismo
‘Sempre pintam dúvidas sobre o caráter infalível dos Simpsons, ainda mais com o avanço da idade, mas não tem erro: a cada temporada, eles voltam mais cínicos e pessimistas em relação à humanidade, mas igualmente amáveis, perturbados e otimistas em relação às pessoas como indivíduos.
Em ‘O Desafio dos Manatis’, primeiro episódio da 17ª (gasp!) temporada do desenho animado, eles continuam a mostrar que a TV e, mais abstratamente, a mídia se tornaram o sexto elemento na sitcom familiar. Especificamente a TV pós-moderna, século 21, com suas centenas de canais a cabo e 24 horas de programação de televendas de qualquer coisa imaginável, bate-papos eróticos, tapetes e jóias.
A história-base é simples e você conhece: Homer apronta, o casamento quase vai pro saco, mas tudo volta ao normal. Pelo caminho, um Papai Noel lê Tom Clancy, há os bastidores de um filme pornô, playboys esfolam bichos, referências à máfia gay e a um enterro, Burns e Smithers brincam com água ao som de ‘Car Wash’ e Moe diz conhecer ‘um cara que transforma cavalos mortos em carne seca e vende para os bares’. Inham!
‘Simpsons’ nem começou sua verdadeira missão: desnudar a TV. Quando Homer pergunta a Lisa ‘onde está seu senso de magia e fantasia?’, sabemos que está em qualquer outro canal, basta zapear. Acreditar é que são elas.’
Bruno Segadilha
Nova temporada de série televisiva ‘lesbian chic’ aborda direitos civis
‘Se no Brasil os homossexuais ainda enfrentam uma longa jornada em busca de seus direitos, em Los Angeles (EUA), a realidade parece ser bem diferente. Pelo menos no mundo ‘lesbian chic’ das meninas de ‘The L Word’, série que entra em sua segunda temporada aqui no Brasil a partir do próximo domingo (23) no Warner Channel.
Exibida nos EUA pelo canal Showtime, ‘The L Word’ passeia pelo cotidiano de glamour de um grupo de amigas lésbicas de Los Angeles e dá a impressão de que, em matéria de respeito à diversidade sexual, a cidade está entre as mais avançadas do mundo.
Os primeiros episódios começam resolvendo uma situação que havia ficado indefinida no final da primeira temporada: a separação do casal protagonista Bette (Jennifer Beals) e Tina (Laurel Holloman). Tina resolve procurar a ajuda de uma advogada para realizar a partilha dos bens e recuperar a independência financeira perdida com a união, cena pouco usual na realidade brasileira.
‘Nos EUA alguns Estados são bastante liberais, essa discussão é mais comum. No Brasil, é uma situação muito rara. As pessoas do segmento GLBT [Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros] se sentem tão inferiorizadas que acreditam não ter direitos’, afirma a advogada Sylvia Mendonça do Amaral, autora do livro ‘Manual Prático dos Direitos dos Homossexuais e Transexuais’.
Sensualidade latina
Apesar de toda pendenga sobre direitos, a segunda temporada não focaliza sua atenção apenas em questões jurídicas. A série ganha algumas participações importantes. Uma delas é a personagem Carmen (Sarah Shahi), que vai arrasar com os corações de muitas meninas com a sua sensualidade latina.
‘Queríamos mostrar uma personagem que retratasse a cultura latina, que tivesse vindo ganhar a vida nos EUA com todas as dificuldades e problemas’, diz Monica Tahe, que bolou a personagem juntamente com a produtora e criadora da série, Ilene Chaiken.
Tahe, que dirige um programa voltado pra as comunidades gays dos EUA com origem latina, africana e asiática da Gladd (Aliança Gay e Lésbica Contra a Difamação, na sigla em inglês), acredita que é difícil uma série de TV voltada para o universo homossexual consiga fugir de alguma politização. ‘É um assunto normalmente ligado a questões políticas’, diz.
THE L WORD
Quando: a partir do próximo domingo, 23, às 23h
Onde: Warner Channel’
Laura Mattos
Novela impõe ‘moral da história’
‘Em ‘Páginas da Vida’, a nova novela das oito da Globo, pessoas ‘reais’ comentam todos os dias um tema apresentado no capítulo. Uma mulher contou ter descoberto que o marido transava com a empregada e encorajou telespectadoras traídas ‘a virar a página da vida’ no encerramento do episódio no qual Helena (Regina Duarte) descobre a traição de Greg (José Mayer).
Com a inovação, o autor, Manoel Carlos, leva ao limite sua estratégia de atrair a audiência por meio da identificação do público com suas histórias. Se, por si só, o telespectador não for capaz de relacionar a sua vida com a de Helena e cia., lá está alguém para realçar todas as possíveis conexões entre ficção e realidade. Está escancarado o estilo manoel-carliano de abordar o cotidiano (do Leblon) e criar gente como a gente (rica).
O título ‘Páginas da Vida’, aliás, já deixa claro. O autor promete aprofundar a experiência de ‘Mulheres Apaixonadas’ (2003), sua trama anterior, que não tinha história ou tinha várias. Versava sobre o quê? Vêm à lembrança uma confusão com mocinhas lésbicas, Christiane Torloni como Helena, o homem que batia na mulher com raquete de tênis.
Em ‘Páginas da Vida’, Helena adotará uma criança com síndrome de Down, mas essa será uma dentre várias histórias, mais uma página, para aderir a esse trocadilho do qual a Globo já abusou e abusará pelos próximos nove meses.
Se toda novela é uma obra aberta aos humores da audiência, a de Manoel Carlos é perfeita para tomar diferentes rumos de acordo com o anseio do público. A arte imita a vida e corre para onde o ibope mandar.
Até aí, tudo faz parte do jogo. O problema de ‘Páginas da Vida’ são justamente os tais depoimentos reais que encerram os capítulos. Com eles, Manoel Carlos tira do telespectador o direito de ler as histórias com seus próprios olhos. Em vez da sutileza das entrelinhas, a novela impõe uma bandeira a cada dia, vende lições de moral como fábulas infantis. Acaba com a possibilidade de ver novela sem refletir, formar opinião, discutir a relação, julgar.
Se ‘Páginas da Vida’ tivesse uma vilã e se fosse Bia Falcão, talvez não tivéssemos o livre arbítrio para condenar ou comemorar o fato de ela ter se safado e ainda terminado aos beijos com um michê de 20 anos.’
Marcelo Bartolomei
Record lança sua novela mais cara
‘A fórmula parece ter dado certo: investimento alto, apuro técnico, belas paisagens e histórias que misturam amor, ação e humor. Depois de encostar no ‘Jornal Nacional’ no Ibope com ‘Prova de Amor’, a Record apresenta a partir de terça-feira o resultado de seu mais recente investimento, a novela ‘Bicho do Mato’.
De diferente, a nova produção -gravada em locações no Pantanal e em Barra Mansa, no interior fluminense, em estúdios construídos no Rio de Janeiro e na zona sul da cidade- tem, além dos cenários e personagens, imagens inéditas do santuário ecológico no Mato Grosso e o mais caro orçamento da história das quatro novelas produzidas na Record, de R$ 150 mil por capítulo. O valor se iguala somente à produção de ‘Cidadão Brasileiro’, uma novela de época, conseqüentemente mais cara.
‘Prova de Amor’, que termina amanhã esticada ao extremo, custou R$ 120 mil por capítulo. Na Globo, uma produção como a novela das oito ‘Páginas da Vida’ sai a R$ 200 mil por episódio.
Estúdios
A Record investiu R$ 200 milhões na construção de seis estúdios (dos quais dois são novíssimos, erguidos em cerca de seis meses) no Rio de Janeiro desde que decidiu reformular sua programação e investir em teledramaturgia.
Além disso, as cotas de patrocínio da novela das sete quase triplicaram. De acordo com o plano comercial de ‘Bicho do Mato’, um patrocínio com duas vinhetas e um comercial de 30 segundos em rede nacional durante ‘Bicho do Mato’ custa R$ 7,6 milhões por mês -três delas já estão vendidas. Em setembro do ano passado, quando corria atrás de patrocínio para ‘Prova de Amor’, a emissora pedia R$ 2,9 milhões pelo mesmo tipo de cota.
‘Existe um comprometimento de equipe. A Record está apostando em equipamentos, em recursos humanos e em estúdios’, afirma Renata Dominguez, que vive a protagonista Cecília (leia abaixo).
Ela viverá um relacionamento com Juba (André Bankof), um idealizado homem do interior do Brasil que foi criado em uma comunidade indígena. Ele terá que defender a área ao se deparar com as vilanices de seu padrasto, Ramalho (interpretado por Jonas Bloch).
Escrita por Cristianne Fridman e Bosco Brasil, a produção é baseada em novela homônima, contada por Chico de Assis e Renato Correa de Castro e exibida em 1972 pela TV Globo -os direitos foram adquiridos pela TV da Igreja Universal. Agora, ela será apresentada por um elenco em parte também de veteranos ex-globais -como Beatriz Segall, Bia Seidl, Thaís Fersoza, Denise Del Vecchio e Angelina Muniz- e de estreantes, como Marcos Mion. ‘É uma esperança que o mercado se amplie’, afirma Jonas Bloch, um dos novos contratados.
Outro Pantanal
Segundo o diretor-geral, Edson Spinello, 45, também ex-Globo, o espectador verá um Pantanal diferente do apresentado em 1990 -escrita por Benedito Ruy Barbosa, ‘Pantanal’ foi um sucesso de audiência na TV Manchete.
A intenção de Spinello é usar parte da história como trama paralela da próxima novela das oito do autor, programada para 2007. ‘Não será de uma maneira contemplativa. Tivemos muita dificuldade para captar as imagens. Eu busquei lugares que nunca ninguém mostrou em novela.’ A novela prevê três viagens para gravar no Pantanal. Uma delas já foi realizada, outra será durante o folhetim e a última nos momentos finais.
Por conta das dificuldades de gravar no local, o núcleo pantaneiro se fixou em uma fazenda em Barra Mansa.
Reformada para servir de set para a novela, a fazenda recebeu gravações, como um cortejo fúnebre e um churrasco com participação de índios entre os figurantes. Esses momentos serão vistas nos primeiros capítulos de ‘Bicho do Mato’.’
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Depois de carreira no Equador, atriz carioca vira musa da emissora
‘Em seu terceiro papel consecutivo na Record, a atriz carioca Renata Dominguez, 26, vê em Cecília, protagonista de ‘Bicho do Mato’ e primeira da carreira, sua grande chance. Desde 2004 na emissora, quando viveu Branca, em ‘A Escrava Isaura’, ela se consolida como musa do canal.
‘Participei desde o começo, quando ainda não havia estrutura’, diz.
Renata iniciou sua carreira no Equador aos 12 anos, quando seu pai, o engenheiro Roberto Dominguez, foi transferido a trabalho para o país. A atriz participava de um curso de dança quando foi chamada pra os testes de um programa infanto-juvenil de uma emissora local. O que seria um teste para o grupo de bailarinas do programa se transformou em uma vaga para apresentadora.
No Brasil, aos 18 anos, outra oportunidade inesperada: enquanto fazia testes para a novela ‘Vale Todo’, Renata foi convidada para o elenco de ‘Malhação’.
Da Globo para a Record, a atriz começou a enfrentar os primeiros sintomas de síndrome do pânico, problema superado, diz, com trabalho: a personagem Branca, segundo ela, a ajudou a superar a crise.’
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‘PROVA DE AMOR’ SUPEROU ‘JN’ NO INÍCIO DO ANO
‘A primeira novela da Record ambientada no Rio, território da Globo, foi marco decisivo para a dramaturgia da emissora. A trama de Thiago Santiago chegou a tirar o sono global em janeiro, quando bateu 22 pontos de audiência durante 17 minutos, deixando o ‘Jornal Nacional’ para trás, com 20.
Por isso, o autor esticou sua história em 39 capítulos e agora entrega o horário para a sucessora numa segunda-feira, estratégia da Record para manter o público.’
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